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VOZES DA BOLA: ENTREVISTA AMARAL


Nascido em fevereiro de 1973 em São Paulo, na cidade do interior de Capivari – a mesma da pintora modernista Tarsila do Amaral (1886-1973) – Alexandre da Silva Mariano escondeu por trás do sorriso a vida difícil que teve na infância.

Conhecido pelo riso solto, pelas anedotas e pela ptose – enfermidade muscular mais conhecida como pálpebra caída – ganhou rapidamente o apelido de Amaral, dado pelo avô Ditinho e ‘coveiro’, embora fosse agente funerário antes de virar jogador de futebol.

Operário em campo como se define e era definido pelos técnicos, o volante de marcação obstinada, muito fôlego e velocidade, começou a morder tornozelos nas categorias de base do Palmeiras e, a partir de 1991, ganhou espaço entre os profissionais.

Incansável dentro das quatro linhas e querido pelos companheiros de time por seu jeito bondoso, ingênuo e engraçado, o camisa 8 se tornou figura importantíssima de um dos Palmeiras mais fortes de toda a história, onde sagrou-se campeão paulista em 1993, 1994 e 1996 e bicampeão brasileiro no mesmo período.

Mesmo com suas limitações técnicas foi convocado para a seleção brasileira – com a qual ganhou uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996 – e se transferiu para o Parma, enfrentando um desafio tão grande quanto e de enterrar seu pai quando era agente funerário.

Multicampeão pelas andanças mundo afora, enfrentou o racismo com bom humor na Polônia, onde atuou pelo Pogoń Szczecin, entre 2006 e 2007.

“Jogar na Polônia foi complicado. Certa vez fomos disputar um jogo e a torcida jogou mais de 30 bananas na gente. Eu não ligo porque acho que a melhor resposta para um ignorante é o silêncio. Peguei a banana, comi, e falei que ela estava aguada e eles jogaram uma banana mais doce. Acabou o jogo, fomos para a delegacia para depor. Tínhamos um tradutor, e como eu levo tudo na esportiva, falava: pô, jogaram a banana e não era banana nanica, não era banana maçã, era uma banana estranha, amarga, que amargava nossa boca”, lembrou.

Passou ainda por Corinthians e Vasco, antes de voltar à Europa mais maduro, com 27 anos e assinou com a Fiorentina, que vinha com problemas financeiros e montava um time mais modesto que em anos anteriores.

Rodou ainda por outros clubes em diferentes países e veio a encerrar a carreira no Capivariano Futebol Clube, em sua cidade natal, no ano de 2015.

O Museu da Pelada conversou por telefone com Amaral, nosso décimo terceiro personagem da série Vozes da Bola.

por Marcos Vinicius Cabral

Você teve um começo de vida difícil. Quais as lembranças que têm dessa época?


Eu nasci na cidade de Capivari, sou capivarano e tenho muito orgulho disso. Em qualquer lugar que eu vou carregar, faço questão de carregar a bandeira da minha cidade. Realmente, meu início foi muito triste, com muita dificuldade e vou falar para você a verdade, eu nunca pensei em ser jogador de futebol, por incrível que possa parecer. Mas Deus falou assim:”Se você sofreu muito na barriga da sua mãe, agora vai sofrer mais um pouco na Terra, para depois, aí sim, eu te exaltar”. Foi um início muito triste, infância difícil, onde cheguei a passar fome. No entanto, resumindo para não prolongar essa triste lembrança na entrevista, tive essa experiência, ou melhor, um fato que marcou muito a minha vida que foi enterrar meu próprio pai, já que eu trabalhava na funerária. Foi um choque muito grande para mim e acho que tudo que eu passei na minha vida e principalmente na infância, acho que Deus permitiu que eu fosse criando um alicerce para quando chegar os baques da vida eu estivesse preparado para não esmurecer. Acho que tudo que aconteceu na minha vida foi um aprendizado.

Nascido Alexandre da Silva Mariano, como surgiu o apelido de Amaral?

Hoje sou palmeirense em São Paulo e vascaíno no Rio de Janeiro, mas na infância, quando era corintiano e muito escurinho, seu Ditinho, meu avô, me chamava de Amaral por causa do Amaral que era zagueiro e jogou na seleção brasileira em 1978. No futebol, eu cheguei como Amaral mas na verdade, queria ter chegado como Alexandre, e aí, quando eu falava para o pessoal, eles falavam para mim:”Pô, Alexandre é nome muito forte, pois Alexandre, o Grande, era um jovem príncipe que sucedeu a seu pai, o Rei Filipe II, no trono com vinte anos de idade”, e eu, era todo pequeninho, então, fiquei como Amaral mesmo. Hoje algumas pessoas me chamam de Amaral, outras de Amaralzinho e ficou registrado como Amaral. Depois surgiu outros ‘Amarais’ por causa de mim e eu surgi em razão do Amaral da  seleção brasileira.

Como surgiu o Palmeiras na sua vida?

Por meio de um primo meu chamado Osnir, pois ele tinha amizade com o ex-presidente Carlos Facchina, (presidiu o Palmeiras no triênio de 1989 a 1992). Segundo esse meu primo, ele fez um favor para o ex-presidente e pediu em troca um teste para eu fazer no clube, onde o Dr. Facchina me indicou por meio de uma carta escrita de próprio punho. Fui lá, apresentei a manuscrito dele, fiz o teste em 1992, fui aprovado e me tornei jogador profissional pela Sociedade Esportiva Palmeiras.

O Amaral sempre foi um jogador operário e que todo treinador gostaria de ter em seu time. Mas de todos eles, na sua opinião, qual foi o melhor com quem você trabalhou?

É verdade, eu sempre me dei bem com os treinadores, porque segundo eles, eu era operário mesmo. Mas teve um que eu gostei muito de ter trabalhado e que me ajudou bastante quando estava no Benfica-POR, onde ele fez eu resgatar o meu trabalho, e chama-se Paulo Autuori. Eu lembro que cheguei do Parma-ITA desacreditado no Benfica-POR, fiz um campeonato magnífico e os torcedores queriam que eu ficasse, mas o clube não tinha dinheiro para me comprar. Então, reafirmo que adorei ter trabalhado com ele, era um treinador sereno, manso, que sabia se expressar na hora certa, deixava o jogador à vontade e dava confiança, o que é o mais importante na carreira de um atleta.

O Amaral teve ou tem algum ídolo no futebol?

Eu vou na contramão daqueles que dizem ter esse ou aquele jogador como ídolo, me desculpe. Sempre fui um cara que nunca tive um ídolo, minto, tenho um sim: Jesus! Esse é o meu verdadeiro ídolo. Mas no futebol eu nunca admirei ninguém e sempre olhei para dentro de mim mesmo e acho que o meu ídolo é Jesus. Mas se for para escolher um jogador, por tudo que passou, pelos obstáculos que enfrentou para chegar onde chegou, esse jogador seria Amaral, ou seja, eu mesmo. Não sou um craque, sei disso, sou um jogador normal como tantos outros e graças a minha simplicidade e humildade, sempre joguei com os melhores e em muitos jogos, no fim das partidas, fui considerado o melhor entre os melhores pela minha vontade de vencer e aplicação.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Triste como todo mundo. Nesses dias estranhos e tão difíceis, não só para mim mas para todo mundo, a gente não queria estar nessa situação, mas Deus sabe de todas as coisas. O importante é ter arroz e feijão em nossas mesas e sabemos que existem pessoas que não têm condições de ter isso. Mas hoje, minha renda vem dos eventos e todos foram cancelados. Mas o mais importante é estar vivo, com saúde e esperar o tempo determinado por Deus para as coisas voltarem ao normal, pois isso ocorrendo, voltaremos a alegrar as pessoas com nosso trabalho.

Qual o momento inesquecível para você na carreira?

Tenho alguns e gosto de lembrar deles, mas os especiais foram quando assinei meu primeiro contrato no Palmeiras, o primeiro título de juniores em 1989, conquista que o clube não ganhava desde 1963, ou seja, há 26 anos, e o campeonato paulista de 1993, já no profissional, o Verdão não conquistava desde 1976. Esses foram os melhores momentos que passei na minha vida de jogador no Palmeiras.

E o momento a ser esquecido?

Difícil cara. Mas os Jogos Olímpicos de 96, em Atlanta. É, foi o momento mais triste, pois tínhamos condições de ganhar uma medalha de ouro e ficamos com a de bronze, onde muitos jogadores falam:”Pô, você ganhar uma medalha numa Olimpíada é gratificante”, mas não temos costume de ganhar o terceiro lugar e sim o primeiro. Mas foi um momento que marcou de verdade e todo mundo fala da Nigéria, a campeã, uma equipe magnífica e que se a gente ganhasse deles, a final seria histórica contra a Argentina. Vale relembrar que havíamos conquistado o Torneio Pré-Olímpico sul-americano de futebol, ao empatar em 2 a 2 com a Argentina, em Mar del Plata, e se o ouro fosse nosso ali, ia ser uma coisa muito legal, já que a seleção de 96, seria a base do Brasil na Copa do Mundo da França, em 98. Mas como não fomos campeões em 96, alguns jogadores como Roberto Carlos, Rivaldo, Bebeto e Ronaldo permaneceram, e os demais, acabaram sendo trocados.


Sabemos que no meio do futebol existe muita trairagem. Mas quem é o seu melhor amigo?

Sinceramente falando, eu não tenho um inimigo no futebol e até os jogadores com quem eu não joguei, se tornaram meus melhores amigos. Por isso, é difícil falar um nome e todos os jogadores brasileiros com quem eu joguei na minha época são os melhores amigos. Tenho por todos uma grande amizade. Mas não vou falar um e sim alguns, como Marcos Assunção e o Éverton, que eu joguei pouco com ele, são dois caras que me ajudaram muito. Teve o Edmilson, Denílson, Neto, Rivaldo, Marcelinho Carioca, Edmundo, Roberto Carlos, Ronaldo Fenômeno, Romário, Flávio Conceição, Sérgio, Marcos, Veloso, Odvan, Paulo Miranda, Tinga… e por aí vai.

O Dia Nacional do Futebol foi comemorado no dia 19 de julho. O que esse esporte representou na sua vida?

Eu nem sabia que o 19 de julho foi o Dia Nacional do Futebol, mas esse esporte representou muitas coisas na minha vida. Por causa do futebol, graças a Deus não passo fome, estou podendo dar essa entrevista para vocês do Museu da Pelada, sou convidado a ir em vários programas de televisão, fui convidado para fazer A Fazenda 8 em 2015, fazer o filme Os Parças 2, em 2017 e fazer o Dancing Brasil, reality show comandado por Xuxa na Record, em 2018. Então, agradeço a Deus em primeiro lugar, depois a dona Rosária, minha mãe, hoje com 66 anos, por ter me colocado no mundo e ao futebol que abriu as portas para eu conhecer o mundo.

Você acha que aquele drible que o Romário deu em você em um Corinthians x Flamengo, no Pacaembu, te marcou e o fez ser reconhecido?

Não, muito pelo contrário. Eu acho que fiquei famoso no futebol pela minha garra, minha aplicação em campo, minha vontade de vencer… mas é claro que você levar um drible te deixa marcado. Quando eu levei o elástico do Romário, eu já era conhecido, e fiquei mais conhecido ainda (risos), mas já havia chegado à seleção brasileira, era campeão brasileiro e paulista e com uma bagagem na Europa. Mas esse lance ficou marcado onde as pessoas lembram bastante do Romário pelo elástico que ele deu em cima de mim sim, sem dúvida. E na boa, te confesso: sou grato ao baixinho por ter me dado esse drible, porque os anos passam e as pessoas não esquecem, além é claro, de tomar um drible marcante de um gênio como Romário, para mim é, do fundo do meu coração, motivo de orgulho.

O racismo machuca e é um assunto recorrente no esporte. Você viveu episódios marcantes, não foi?

Já sofri muito por causa disso. No Pogoń Szczecin, time da Polônia onde joguei entre 2006 e 2007, era frequente, mas passei também em Porto Alegre. Mas antigamente, nós jogadores, ignorávamos muito. Tem uma frase de um autor desconhecido que ilustra muito isso que é “O silêncio é a única resposta que deves dar aos tolos. Porque onde a ignorância fala, a inteligência não dá palpites”, então, eu nunca me importei com as pessoas me chamando de macaco e nem jogando banana no campo, pois quando jogavam, eu ia pegando as bananas e comendo e quando estava aguada eu reclamava que poderiam jogar uma banana mais doce. Essa era a forma que eu encontrava para essas situações e sempre ignorei isso aí. Nunca dei muito valor aos ignorantes que se acham no direito de nos comparar com um macaco.

Quem foi o jogador mais difícil que você marcou?

Na verdade foram dois, que tive muita dificuldade em marcar: o Zidane e o falecido Denner. Com o craque da França, tem um fato até engraçado que em um jogo beneficente, o Amigos do Ronaldo x Amigos do Zidane, na Arena do Grêmio, em 2012, na primeira bola que o Zizou pegou, já dei uma ajuntada nele e ele virou para mim e disse: “Pô, Ama (como era chamado na Itália) isso aqui é um amistoso, não é Fiorentina-ITA e Juventus-ITA” (risos). Aí eu disse:”Vai que tem alguém aqui vendo o jogo na arquibancada e me vê te marcar, já saio daqui contratado?”, (risos). Mas brincadeiras à parte, o Zidane era um grande jogador, um cara que tenho uma enorme admiração por suas conquistas como jogador e treinador. Mas sempre foi muito difícil marcá-lo. Já o Dener foi outro jogador difícil que eu marquei no futebol. Eu tinha muita dificuldade em marcá-lo, e lembro que era minha primeira partida como profissional e me levaram para ver a fita-cassete dele. Eu vi e percebi que não seria fácil. Mas graças a Deus me sai muito bem, mas ele foi o jogador mais difícil de se marcar e o que mais me deu pesadelo na hora de dormir quando eu ia enfrentá-lo. Mais do que o Zidane. O Dener tinha as pernas fininhas e tortas e você não sabia se ele ia cortar para a esquerda ou para a direita e do nada ele ia pelo meio, além de ser muito rápido. Portanto, Zidane e Dener foram os mais difíceis que eu marquei, mas garanto: o Dener foi o mais difícil que eu marquei.

Você vestiu a camisa do Palmeiras em 244 partidas e marcou apenas um gol contra o Grêmio em um jogo na Libertadores. O que acha disso?

Eu fui um jogador que nunca fiz muitos gols na minha carreira, não me preocupava em fazer gols. Meu negócio era marcar e fazer os meias e atacantes jogarem. Às vezes saia um gol e eu ia comemorar e os companheiros falavam:”Pô, Amaral, volta correndo que você não pode nem comemorar, recupera o fôlego indo para o meio de campo”, (risos). E quando eu fiz o gol, não deu para comemorar direito porque os caras me falaram que eu veria esse gol em casa. Eu fiquei muito feliz com esse gol com a camisa do Palmeiras, e foi uma pena a gente não ter conseguido classificar naquele jogo histórico contra o Grêmio, nas quartas de final das Libertadores, em 1995. E foi engraçado que quando cheguei em casa para ver o gol, o Galvão Bueno errou meu nome na narração e me chamou de Paulo Isidoro. Ou seja, Galvão Bueno confundiu, falou Paulo Isidoro (risos).O Galvão Bueno corrigiu a narração do meu gol de Amaral, e eu vibrei no Bem, Amigos. A produção do programa então separou as imagens do lance, que foi narrado corretamente por ele 23 anos depois. Mas brincadeiras à parte, foi um momento magnífico na minha vida e depois daquele gol os times começaram a me enxergar e acabei rodando o mundo.


Você não foi bem em sua primeira passagem na Itália, mas mesmo atuando poucas vezes no Parma, sagrou-se campeão da Copa da UEFA, jogando ao lado de craques como Gianluigi Buffon, Lilian Thuram, Hernán Crespo e Tomas Brolin. Já na segunda…

Minha primeira passagem na Itália foi muito difícil, porque eu nunca tinha saído da minha cidade Capivari e fui para uma cidade totalmente diferente, uma língua que não entendia, comia macarrão todo dia, enquanto no Brasil se come apenas aos domingos, mas o bom foi que fiz várias amizades. Inclusive joguei algumas partidas da Copa UEFA e é legal, como você mencionou na pergunta, que fui campeão da Copa UEFA e como joguei algumas partidas, me considero campeão mesmo e nem sabia que eu tinha esse título (risos). Lembro da amizade com o Canavarro, encontrei um treinador que me ajudou muito que foi o Carlo Ancelotti, só que eu não tive paciência de esperar a minha chance na Itália e como estava no mercado, queria jogar,  não aceitava ficar no banco e acabei pedindo para ir embora do Parma-ITA. Então,  primeira passagem minha não foi muito boa, mas a segunda já foi melhor onde me consagrei campeão da Copa Itália, que é um título que eu carrego com muito orgulho e os italianos até hoje falam comigo, me mandam mensagens pela marca que eu deixei lá na Fiorentina-ITA. Para mim frente foi muito especial, já que eu joguei duas partidas finais, pois não joguei no decorrer do campeonato porque estava me recuperando de uma lesão no ligamento cruzado do joelho, e na hora de partir o bolo, eu joguei e para você ver, Deus às vezes, tem aquela palavra que os humilhados serão exaltados. Passei pela mesma humilhação no Parma-ITA, mas faltou um pouco de paciência comigo em me espera um pouco mais, para eu me adaptar e ao não me adaptar, acabei sendo emprestado, e depois não quis voltar. Mas Deus escreveu certo em linhas tortas e preparou minha volta em ser campeão em cima do Parma-ITA, onde consegui provar o meu valor.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

A minha lembrança como jogador no Maracanã, o palco onde todo atleta sonha um dia jogar, foi a final da Taça Guanabara de 2000, entre Flamengo e Vasco, e o clube vascaíno goleou por 5 a 1 o rubro-negro, onde nesse jogo eu quase fiz um gol de cobertura no Clemer e a bola bateu na trave. Se aquela bola entrasse, seria 6 a 1 e um momento marcante da minha vida.

Nós do Museu da Pelada e seus leitores gostaríamos de saber alguma história engraçada. Pode nos contar?

Infelizmente não. Eu não posso contar mais histórias, pois eu faço shows de stand-up comedy e sou contratado por uma empresa que está me  patrocinando. Mas basta procurar no Google as histórias do Amaralzinho, que vocês do Museu da Pelada e seus leitores  irão ler muita coisa engraçada a meu respeito. Me desculpem, mas vou ficar devendo essa.

Defina Amaral em uma palavra?

Iluminado.

MELHOR DUPLA

por Rubens Lemos 


Quem era Flamengo trazia no bolso do coração a idolatria por Zico. Quem fosse Vasco, amava Roberto Dinamite. Os irredutíveis treinadores não quiseram que os dois jogassem juntos uma Copa do Mundo inteira sequer.

Em 1978, o técnico Cláudio Coutinho começou com Reinaldo e Zico e terminou com Jorge Mendonça e Roberto. Em 1982, Telê Santana tripudiou de Roberto Dinamite, humilhou-o de forma vil  e bancou Serginho Chulapa, eleito melhor zagueiro da Copa da Espanha, pela incompetência ao atacar.

Pelé e Garrincha nunca perderam uma partida pela seleção brasileira estando em dobradinha. Zico e Roberto Dinamite também não, cara pálida. Atuaram 21 vezes com 16 vitórias e cinco empates. Os técnicos teimosos desprezavam a união da classe de Zico e do oportunismo de Roberto Dinamite. Emblemas nos 70 anos do Maracanã.

Pior: havia uma nefasta rivalidade entre a imprensa carioca com a paulista e os técnicos, Telê não foge à regra, procurava não desagradar a “crônica” de um ou de outro estádio. Zico fez dupla com Serginho Chulapa, Careca, Roberto Talismã do Sport Recife, Enéas, Neca e vamos parando por aí porque os demais representavam o subnitrato da mediocridade dos campos.

A rivalidade entre Vasco x Flamengo, Roberto Dinamite x Vasco, levava ao Ex-Maracanã públicos nunca inferiores a 100 mil pessoas. O maior entre todos, 174 mil em 1976, Flamengo 3×1. Os boys de hoje nunca verão nada semelhante, nem sombra nem sinal.

A mobilização de um Vasco x Flamengo começava uma semana antes, com nós, moleques, fazendo contorcionismos para sintonizar a Rádio Globo 1220. Zico levava uma vantagem considerável sobre Dinamite até meados dos anos 1980. Só jogava ao lado de craque. Era Andrade, Carpegiani, Adílio, Tita e os laterais-atacantes Leandro e Júnior.

O pobre Bob se acompanhava, coitado, de nulidades: Zandonaide, Amauri, Ticão, Brasinha, Toninho Vanuza, salvo exceções como Arthurzinho, Elói e Cláudio Adão. A partir da chegada de um menino baixinho e gordinho do Espírito Santo, o equilíbrio fez-se prática.

Geovani ocupava a meiúca na técnica, nos dribles, nas canetas e nos lançamentos longos à Gerson. Gerson do Tricampeonato em 1970, não esse, que é bonzinho, mas o Flamengo já quer transformar em Deus sem milagres.

Geovani conhecia o dialeto de Andrade, Adílio e do próprio Zico, impondo o dialeto do toque de bola, fazendo Roberto receber livre e fulminar goleiros. 

Vamos nós, de novo, aos números: enquanto estiveram em campo, não existiu vantagem nem para Zico nem para Roberto Dinamite na disputa dos clássicos. São doze vitórias para cada um e 17 empates. Como se duas fitas métricas se igualassem na medição de um sentimento.

O Maracanã era dividido pelos dois em tempos de paz. Antes das camisas, o caráter dos artilheiros. Zico atravessava o campo e festejava perto de sua torcida. Roberto Dinamite, a mesma coisa, dedo em riste, rumo à bandeirinha de escanteio do lado direito do gramado. 

São grandes amigos. Nunca brigaram. É notório o carinho recíproco. Zico vestiu a camisa do Vasco na despedida de Roberto Dinamite em 1993. E, do Vasco, recebeu quando parou a única placa homenageando-o pelo que representou acima de camisas.

Na seleção, se descobriam sem se ver. O posicionamento de Roberto Dinamite  mudava de acordo com os movimentos de Zico, homem encarregado de municia-lo com toques cheios de efeito, deixando zagueiros e goleiros em desespero de pandeia. Roberto Dinamite recuava para abrir espaços ao Galinho do Flamengo  entrar na área adversária costurando beques e estufando redes.

Zico e Roberto Dinamite, Roberto Dinamite e Zico, pode não ter sido para os catedráticos da mídia, a melhor dupla depois que Pelé e Tostão pararam. Problema deles. Roberto Dinamite e Zico, simetria inconsciente, vestiram a camisa amarela com leveza e raça, tão simples como uma pelada na praça.

Estraga-prazeres, os técnicos preferiam Renato Pé-Murcho e Careca, Serginho Chulapa e algum infeliz contrariado, Careca e Muller em 1986. Seria a canção derradeira de Zico e Roberto Dinamite. Zico machucado? Com Roberto, haveria a solidariedade malandra, do jogo pelos atalhos, de armadilha, da Tróia infalível contra os franceses que nos eliminaram. 

NO “U” DE NOVA IGUAÇU

por Rafael Casé


Em tempos de Internet, só não se informa quem não quer, ainda mais se o assunto é futebol.

É possível acompanhar qualquer campeonato do mundo, mesmo aqueles que estão aqui do nosso lado e que, durante muitos anos, foram praticamente invisíveis para a mídia esportiva e para os torcedores em geral. Falo do futebol dos “primos pobres”, aqueles clubes que estão anos-luz de distância da incensada Champions League. Times que disputam divisões de acesso dos estados brasileiros, equipes que tentam se equilibrar na corda bamba do futebol, buscando um mínimo de projeção ou, pelo menos, a sobrevivência.

Estima-se que no País haja cerca de 800 clubes profissionais, 13 mil times amadores e 11 mil atletas federados. Desses onze mil, não seria exagero especular que uns 10 mil vivam a mesma dura realidade: baixíssimos salários, condições extremamente adversas e caminhos incertos. Em comum, também, no entanto, existem os sonhos que bola traz consigo e a efêmera alegria de um gol.

A verdadeira face do futebol que se disputa na enorme maioria do país é essa. Um futebol sem glamour, mas com muita paixão. Paixão que se espalha por modestas arquibancadas, principalmente pelo fato de que muitos desses clubes representam suas cidades. Um confronto mineiro entre o Ypiranga, de Três Pontas e o Rodoviário, de Varginha, por exemplo, pode não ser um Fla-Flu, um Choque-Rei ou um Gre-nal, mas ai daquela equipe que perder… Serão dias, meses e, dependendo do placar, anos de gozações na região.

Descobri, no Facebook, uma página intitulada Primos Pobre RJ FC que mostra fotos e vídeos dos pequenos clubes do estado do Rio de Janeiro. Não resisti, tive que segui-la. Comecei minha carreira como jornalista cobrindo a Segunda Divisão carioca para o Jornal dos Sports. Era um foca, cheio de vontade, a quem o chefe de reportagem Carlos Rodrigues e o chefe de redação, Carlos Macedo, destinaram tão “nobre” tarefa. Eu, estagiário, adorei. Tinha espaço diário para escrever, coisa que em qualquer outro jornal dificilmente teria. Pra vocês terem uma ideia, minha primeira reportagem, uma prévia da disputa, teve ¾ de página. 

Passei a ter intimidade com clubes sobre os quais nunca tinha ouvido falar: Rubro (Araruama), Paduano (Santo Antônio de Pádua) ou Tomazinho (São João de Meriti). Havia, também, times que já tinham vivido dias melhores, como Olaria, Madureira e São Cristóvão. Naquele ano, o time de Figueira de Melo buscava a reabilitação com um nome de peso no comando, Américo Faria, que já havia passado, inclusive, pela Seleção Brasileira.  O jovem zagueiro Válber, aquele mesmo que atuou pelos quatro grandes do Rio, era o grande destaque da equipe. Nunca vou me esquecer, no entanto, do jogo que simbolizou a minha passagem pela gloriosa segundona carioca. Um disputado confronto entre Miguel Couto (de Nova Iguaçu) e Nova Cidade (de Nilópolis). 

Ao sair da redação do jornal, um prédio cor-de-rosa como a capa do jornal, na rua Tenente Possolo, na Lapa, só me vinha à cabeça o samba de Dicró: “Domingo de sol, adivinha aonde nós vamos…”. Só que ao invés de um caminhão para a Praia de Ramos, eu e o fotógrafo Paulo Gomes partimos a bordo do fusquinha (rosa também), em direção à Via Dutra. 

Chegar já foi uma aventura em tempos pré-GPS. Sabíamos que tínhamos que sair na altura de Belford Roxo e seguir em direção a Miguel Couto, mas o Estádio Joel Pereira não ficava no centro do bairro. Só depois de pegarmos uma estrada de terra e pedirmos licença para algumas vacas que dificultavam a passagem chegamos ao local do jogo.

Chamar o local de estádio era uma forçação de barra daquelas. O gramado até que era bom, cercado por um alambrado Tinha modestos vestiários e só. Arquibancada, não havia; as dezenas de torcedores do Nova Cidade, que cruzaram a Baixada para assistir ao seu time, em melhor situação na tabela, tiveram que se ajeitar num barranco que ficava atrás de um dos gols. O pessoal da casa ficava no entorno do alambrado, mesmo, com visão mais privilegiada. A imprensa tinha direito a uma laje na qual subi através de uma escada de madeira daquelas que os pintores usam. Não tinha cadeiras, mas era bem espaçosa, ainda mais se levarmos em conta que éramos a única equipe de reportagem no local.

O jogo, não merece muitos registros, até porque terminou 0x0. Foi mais interessante ver famílias inteiras curtindo um programa diferente no domingo ensolarado, crianças muito mais interessadas nos picolés vendidos por um senhorzinho que carregava um grande isopor, ou jovens e suas pipas, travando confrontos bem mais disputados do que o que rolava sobre a grama.

Mas eu tinha ido pra reportar um jogo e precisava ter o que escrever quando voltasse. Não fosse a revolta da torcida local, que passou a disparar morteiros em direção ao campo (um deles chegou a atingir de raspão o goleiro nilopolitano) ou a atuação desastrada do juiz, que deu cartão amarelo por cera para um jogador do Nova Cidade que estava caído após levar um soco na barriga desferido pelo zagueiro adversário, eu teria dificuldades para encher o espaço que me foi destinado na edição do dia seguinte.

Independente da qualidade futebolística do espetáculo, jamais me esqueci desse “El Clássico” da Baixada. Um retrato sem retoques do verdadeiro futebol brasileiro, empobrecido, sem o charme dos grandes estádios e suas enormes torcidas e, na enorme maioria das vezes, esquecido. Mas pelo menos naquela segunda-feira, de um já longínquo julho de 1988, a dor e a alegria dessa gente saiu no jornal.    

GRÊMIO MARINGÁ E O OCASO DE UM TÍTULO ESQUECIDO

por André Luiz Pereira Nunes


Há muito tempo que escrevo: futebol se ganha dentro e fora de campo. Toda e qualquer modalidade esportiva envolve um sem-número de interesses e maquinações de acordo com a realidade vigente. Quem vivencia principalmente os bastidores, está ciente de que o meio não é, nem nunca foi, composto e dirigido por virgens vestais. O futebol representa uma gigantesca indústria do entretenimento, à qual movimenta uma quantia incalculável de recursos e tudo isso desencadeia uma série de tentações. Por isso, existem enormes injustiças e discrepâncias, sobretudo no que tange à falta de reconhecimento oficial por parte das autoridades a títulos conquistados por clubes de menor prestígio e investimento.

A homologação da Taça Brasil e do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o Robertão, ao Campeonato Brasileiro causou polêmica na ocasião, mas foi muito bem-sucedida, haja vista que os vencedores são reconhecidamente times de massa, como Santos, Palmeiras e Bahia, cujas influências junto a órgãos federativos são bastante expressivas. Nota-se, entretanto, que o mesmo tipo de tratamento não é aplicado, por exemplo, aos detentores da extinta Copa dos Campeões Estaduais, disputada entre 1920 e 1937. Não seria válido considerarmos Paulistano e Atlético Mineiro os legítimos e primeiros donos de troféus nacionais? Não, para os cartolas do futebol brasileiro. Na verdade, os critérios de inclusão ou exclusão são meramente subjetivos, atendendo logicamente a interesses comerciais. No caso em questão, serve de justificativa o argumento furado de que aquele torneio era organizado pela hoje inexistente e, portanto inexpressiva, Federação Brasileira de Futebol (FBF). Seguindo essa premissa, determinadas competições foram rebaixadas a torneios  experimentais, isto é, uma categoria de caráter inferior que compromete qualquer tipo de validação. A situação é análoga à ocorrida ao pequenino, distante e escuro planeta Plutão, o qual em 2006 seria rebaixado pelos cientistas a planeta-anão, fato que provocou uma ira tão intensa, sobretudo dos astrólogos de plantão, que a decisão anos depois foi reconsiderada.

Alguns vencedores de âmbito nacional, como o Grêmio Maringá, campeão inconteste do Torneio dos Campeões da CBD, em 1969, também aguardam sentados o reconhecimento. Para quem não sabe, esse certame foi composto pelos detentores da Taça Brasil, Robertão, Torneio do Norte-Nordeste e do Centro Sul. Tal competição inclusive visava vaga à Libertadores de 1970. Porém, a CBD optou posteriormente por não indicar clubes, alegando que poderia prejudicar a preparação da Seleção Brasileira para a Copa do México e assim, de quebra, arruinou o torneio. Vale frisar que a Libertadores não tinha o mesmo peso que hoje para os brasileiros. O país já boicotara duas edições, em 1966 e 1969, devido à discordâncias com relação ao regulamento, além dos costumeiros conflitos de datas. Portanto, não havia um critério classificatório definido, de modo que a organizadora buscava soluções criativas para nomear clubes para o tradicional torneio da Conmebol.


Dois importantes certames de importância nacional ocorriam quase que concomitantemente: a Taça Brasil, de 1968, fora decidida apenas em outubro de 1969, com vitória do Botafogo sobre o Fortaleza. Dois meses depois, o Roberto Gomes Pedrosa, o Robertão, foi vencido pelo Palmeiras. A CBF, herdeira da CBD, reconhece as duas competições como de envergadura similar a do Campeonato Brasileiro, embora nenhum dos regulamentos previsse classificação para a Libertadores. A solução foi então criar o Torneio dos Campeões da CBD, voltado para definir o representante brasileiro na competição sul-americana. Nada parecia ser realmente muito lógico naquele tempo. Tanto que os participantes eram todos vencedores de campeonatos referentes ao ano anterior.

O Grêmio Maringá, então campeão do Centro-Sul, se credenciaria a enfrentar o Santos, vencedor do Robertão, na semifinal. O primeiro jogo foi marcado para 10 de maio de 1969, cujo escore terminou em 1 a 1. Por falta de calendário por parte da equipe da Vila Belmiro, o cotejo de volta foi literalmente empurrado para 4 de abril do ano seguinte, havendo novamente a igualdade em 2 a 2. Como não houve vencedor, não restou à CBD outra alternativa, senão agendar uma partida extra para definir o adversário do Botafogo na decisão da competição. Como o time da Vila Belmiro estava com a agenda lotada, declinou do jogo extra, deixando ao Galo Paranaense o direito de enfrentar o Botafogo, que por ser o vencedor da Taça Brasil de 1968, tinha o direito de disputar a final da competição. No entanto, a CBD decidiu não enviar representantes para a Libertadores de 1970, alegando que o calendário da competição prejudicava a preparação da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo. Os dirigentes de General Severiano, ao tomarem conhecimento desse lamentável episódio, perderam o interesse na briga pelo título, cabendo então à CBD reconhecer o time de Maringá vencedor por WO dos jogos finais e, por conseguinte, detentor do Torneio dos Campeões. 

Em resumo, o campeonato criado para dar vaga na Libertadores foi esvaziado a partir do momento em que a CBD decidiu boicotar a competição sul-americana. Sem o Santos, para decidir a semifinal, e o Botafogo, o qual seria o rival da finalíssima, o título, sem a mesma importância, cairia de bandeja no colo do Grêmio de Esportes Maringá, hoje ausente da esfera profissional. Lamentavelmente, em 2010, a CBF unificaria os títulos brasileiros desde 1959, mas excluiu totalmente o feito da equipe paranaense. Os dirigentes do Galo até ensaiaram entrar na justiça para reivindicar a conquista, a meu ver legítima, mas a ideia não encontraria eco nem mesmo entre os seus próprios defensores.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA FALCÃO


Pegar dois ônibus para chegar no treino não era problema para o filho de seu Bento e de dona Azise, que vendia garrafas vazias para pagar suas passagens. 

Quando não conseguia dinheiro, seu Jofre Funchal, treinador da base do Internacional, financiava.

Certo dia, o pai, um caminhoneiro experiente, e a mãe, uma costureira dedicada, quebraram o ‘porquinho’, pegaram as economias guardadas, e compraram sapatos novos para o filho ir para o treino.

Naquele dia, cerca de trezentos meninos aproximadamente passaram pelo vestiário antes e depois do treino para tentar convencer seu Jofre, de que eram craques.

Na ocasião, um deles surrupiou os sapatos do menino, que ao não encontrá-los começou a chorar.

Ao ver as lágrimas do menino, seu Jofre foi numa loja perto do estádio e comprou um par de tênis brancos, para que ele não voltasse descalço para casa. 

Feliz com o presente, mas temeroso ao chegar em casa com medo de levar uma coça, seu Bento e dona Azise perceberam que os tênis eram maiores que os pés do filho, começaram a rir e o menino, acabou rindo junto.

Mas se o menino franzino e bom de bola deu alegria aos pais na infância, Falcão, jogador consagrado, deu ao Internacional três campeonatos brasileiros, em 1975, 1976 e 1979.

Mas o fim se aproximava de forma lenta, porém, suave como a elegância de um cisne de pernas compridas que caminhava no solo verdejante dos campos no Brasil e mundo afora.

Até o dia em que disse: “Chegou a hora de ir!”.

A frase saiu certeira como flecha da boca de Paulo Roberto Falcão, na sala de José Asmuz (1927-2016), presidente do Internacional, e acertou seu peito.

Durante anos, o dirigente colorado  engoliu a seco por ter vendido o maior craque da história do clube em seus 111 anos.

“Chegou a hora dele ir”, dizia à época, sem revelar a razão do negócio.

No entanto, as cinco palavras que construíram a frase que saiu da boca do maior jogador do Sport Clube Internacional, mudou a sua história e o destino do futebol brasileiro.

Sua coragem em meter a mão na maçaneta da porta de entrada para a Europa e abri-la, foi o suficiente para outros jogadores fazerem o mesmo.

Com um futebol elegante, conquistou o campeonato italiano de 1982/83, as copas da Itália nos anos de 1980/81, 1981/82 e 1983/84, e assim como Nero Cláudio César Augusto Germânico, imperador romano, que acendeu fogo em Roma, ele, Falcão, acendeu a paixão no coração do torcedor romanista e pôs fogo no Estádio Olímpico, na cidade que leva o nome do clube que defendeu e onde se tornou Rei.

Fogo intenso que seria apagado com três baldes de água fria jogados pela Itália em 1982, na Copa do Mundo da Espanha, onde foi destaque da equipe de Telê Santana que encantou o planeta.

O craque que fez história com a camisa 5 do Internacional e do Roma, porém, antes de avisar ao presidente José Asmuz que queria sim, se transferir para a Europa, pediu a opinião de Dona Azise, sua mãe. 

“Vai, meu filho! Vai conquistar o mundo”, ouviu como resposta.

Obediente, ele foi.

O Museu da Pelada entrevistou Paulo Roberto Falcão, o Rei de Roma, que contou um pouco da carreira e do desejo em voltar a ser treinador de futebol, na série Vozes da Bola.

por Marcos Vinicius Cabral

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Sinceramente, eu não lembro em ter uma grande inspiração, mas talvez o Pelé, pela qualidade como atleta de futebol, pela relação que ele tinha com seus fãs e a forma com que ele tratava essas pessoas, então, seguramente, tenha sido ele a minha inspiração.

No último 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que ele representou para o Falcão?

Eu acho que na realidade o futebol acontece todos os dias, não só profissionalmente, mas tem futebol todo dia nas escolas, nas escolinhas de futebol, no meio da rua, futebol está para a gente todos os dias do ano. Então, o Dia Nacional do Futebol é sim, os 365 dias do ano.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?


Em casa e lendo, normalmente coisas do futebol, vendo jogos, analisando alguma coisa interessante que possa ter acontecido no jogo, tipo uma falta ensaiada, procurando prestar atenção em jogadores, fazendo isso basicamente, enfim, pois é o que podemos fazer, né?

Quem foi seu melhor treinador?

Quem foi meu melhor treinador? Olha, eu tive vários treinadores, como por exemplo seu Jofre Funchal, na escolinha do Internacional, que me deu muita força; depois o Ernesto Guedes, que me colocou de segundo jogador de meio-campo de meia esquerda para centro médio; depois Dino Sani, que me tirou das categorias de base faltando um ano para chegar ao profissional e me colocou no time principal do Internacional; o Rubens Minelli, que me ajudou muito quando fui para ser segundo homem no meio-campo, além de sua competência; o Ênio Andrade, três vezes campeão brasileiro, pelo Internacional, Grêmio e Coritiba, uma grande figura e com uma capacidade de leitura de jogo impressionante; tive o Nils Liedholm, na Roma-ITA, me ajudou demais, era sueco e como veio antes para Itália, passou pelo mesmo processo que eu de adaptação. Vale ressaltar que o  Nils Liedholm, além de ser uma figura extraordinária e com um carisma enorme, a nível de conhecimento, para os leitores saberem, jogou na seleção sueca e fez o primeiro gol da Suécia contra o Brasil, na Copa do Mundo de 1958 e a seleção brasileira acabou vencendo por 5 a 2. Portanto, esses foram os meus melhores treinadores.

Podemos dizer que você foi pioneiro em ir jogar no mercado italiano. Depois Zico, Toninho Cerezo, Júnior, Casagrande, Renato Gaúcho e outros craques brasileiros da década de 1980 tiveram passagens, mais ou menos vitoriosas, pelo país. Tudo porque um catarinense de Abelardo Cruz resolveu seguir o conselho da mãe e foi para a Europa tentar conquistar o mundo. Na sua opinião, o que você atribui tamanho sucesso?

Realmente, fui o primeiro a ir para a Itália, o mercado estava fechado, e ao abrir, eu fui. Eu sabia que eu tinha que ir bem, eu me preocupava com isso, embora desde no início a saudade fosse forte, mas eu sabia que estava ali com a responsabilidade de abrir mercado para outros brasileiros. O começo sempre é difícil, mas eu fui muito bem recebido pelos jogadores, pelo próprio treinador Nils Liedholm, e isso me ajudou muito na minha adaptação, até porque na época era um estrangeiro só por clube, então era muito mais difícil a adaptação. Na verdade, eu fui para lá sabendo que as coisas não seriam fáceis, e é bom frisar que eu não fui com o corpo e deixei a cabeça no Brasil, como alguns jogadores fazem, ou seja, eu fui inteiro para lá. E tenha certeza, que só assim, do jeito que te falei, eu poderia me adaptar rapidamente, como aconteceu. Mas minha ida para a Itália, tem muito a ver também com a minha idade, tinha 26 para 27 anos, havia feito muita coisa no Brasil, estava com a cabeça feita, e sempre tive uma boa base familiar. Não cheguei na Itália deslumbrado e isso ajudou bastante. As dificuldade que passei na infância, sempre tive o apoio de meus pais e meus irmãos.

Em 30 de agosto de 1980, você estreou pela Roma, em um amistoso contra o Internacional, jogo disputado no Estádio Olímpico de Roma. O jogo terminou empatado em 2 a 2 e quais as lembranças dessa estreia exatamente contra o clube do seu coração?

Foi um jogo festivo e estava dentro do contrato que ocorreria esse jogo. Foi isso, foi uma festividade apenas.

A Roma foi campeã em 1982/83, com duas rodadas de antecedência e quebrou o jejum de 41 anos sem títulos. Para os torcedores romanos, você sucedeu Tarquínio, o Soberbo, comoa oitavo Rei de Roma. É o título mais importante da sua carreira?

Foi uma grande conquista sim, ser campeão com ap Roma-ITA, depois de tanto tempo, 41 anos. Foi um título fantástico, porque era muito difícil ser campeão jogando no contra os times do Juventus, Internacional, Milan, embora o Milan vivesse uma grande dificuldade naquela época, mas havia a Fiorentina que atravessava um bom momento, mas na realidade foram quatro anos maravilhosos, sendo que no primeiro ano, nós já merecíamos ganhar o campeonato. No campeonato de 1980/81, realmente foi um escândalo o gol que anularam, que era o gol praticamente do campeonato. Se você der uma pesquisada aí, você vai ver que faltando três jogos, um ponto atrás do Juventus, na época se jogava por dois pontos e não três como hoje, e com aquela vitória nós passaríamos à frente deles e com dois jogos teoricamente mais tranquilos: um em casa e um outro fora. Então, certamente aquele gol anulado escandalosamente, nós daria o título, já no primeiro ano, em 1980/81. Aquilo ficou em nós, jogadores, um gosto amargo e dez dias depois, no mesmo ano, ganhamos a semifinal da própria Juventus, na Copa da Itália, e depois vencemos o Torino, e fomos campeões.


Você formou um meio de campo memorável na Seleção Brasileira ao lado de Toninho Cerezzo, Sócrates e Zico na Copa do Mundo de 1982. Foi um pecado aquele time não ter conquistado o título?

É, eu joguei com um meio-campo forte, com Cerezo, Sócrates, Zico, era uma seleção muito forte mesmo. Foi um pecado a gente não ter conquistado, não conquistamos o título sabe, mas seguramente conquistamos o título de encantamento, onde o mundo seleção se encantou com aquela seleção. Até hoje, todo mundo pergunta dessa seleção, quer saber dessa time, até mesmo vocês do Museu da Pelada estão me perguntando sobre essa seleção de 1982. Por quê? Porque 82, estamos falando de 38 anos atrás e que ainda se se fala dessa seleção, significa dizer, que essa equipe jogou bem e emocionou. Não ganhou, é verdade,  mas jogar bem e emocionar, mesmo você não ganhando, você fica na história, que é o caso dessa seleção.

Antes de assumir como treinador a Seleção Brasileira em 1991, você comentou, ao lado de João Saldanha, a Copa do Mundo da Itália pela extinta Rede Manchete. Como foi essa experiência?

Minha convivência foi muito boa, infelizmente o João (Saldanha) acabou falecendo lá na Itália, em 1990, e era uma grande figura, muito divertido, uma pessoa que ficou marcado no futebol brasileiro nessa época de comentarista e no período em que foi técnico da seleção brasileira. Mas foi uma experiência muito boa trabalhar na Manchete, e antes da Copa, eu apresentei o programa chamado ‘Itália de Falcão’, onde eu mostrava para as pessoas de modo geral, em especial para os brasileiros que fossem viajar para a Itália, o que eles poderiam fazer além dos jogos da Copa. Então, foi uma experiência muito importante, inclusive ganhando até prêmio esse programa com o (diretor) Nilton Travesso, uma grande série e que me deixou muito realizado em termos de televisão. Mas foi ali que o (ex-presidente da CBF) Ricardo Teixeira pensou em mim como treinador e depois acabei assumindo a seleção brasileira. Acabei não ficando por enes motivos que nem vale citar no caso, pois faz muito tempo.

Você viveu um hiato de 17 anos, entre 1994 e 2011, sem dirigir uma equipe no futebol. Por que ficou longe da bola esse tempo todo?

Na realidade eu resolvi ficar um pouco mais em Porto Alegre, comecei a pensar em voltar para a televisão e fiz televisão na RBS do Rio Grande do Sul e em seguida fui contratado pela Rede Globo, onde fiquei até 2011. Aí, comecei a pensar em voltar a treinar, dirigir uma equipe, me deu saudades da adrenalina, dos treinamentos, dos coletivos, das jogadas ensaiadas, do papo com os jogadores. Foi quando o Internacional me fez o convite e eu acabei aceitando e voltei aos gramados.

O início de sua carreira como treinador, foi após o fiasco na Copa do Mundo de 1990. Na ocasião, você sofreu uma pressão enorme, decorrente de resultados inexpressivos, combinada a uma forte cobrança por parte da imprensa. O que você atribui o fato de não ter permanecido nem um ano à frente da Seleção?

Eu assumi a seleção em 1990, com o objetivo de nos primeiros quatro meses, observar o que o futebol brasileiro tinha para oferecer em termos de jogadores. Felizmente, deu a possibilidade de surgir Cafu, Leonardo, Mauro Silva, Márcio Santos, que acabaram se tornando importantes na conquista da Copa de 1994, nos Estados Unidos. Isso sem falar dos jogadores que não foram usados na seleção, mas que se destacaram muito em seus clubes, como os casos de Cléber, que saiu do Atlético Mineiro para ser multicampeão no Palmeiras, o Adilson Batista, o Luís Henrique, que era do Bahia e foi jogar na Europa, o Mazinho Oliveira, que saiu do Bragantino e foi para a Europa também, ou seja, muitos jogadores se destacaram porque foi dado a eles a oportunidade de vestirem a camisa da seleção brasileira. Ali, eu como treinador, não pensava muito em resultado e não tinha como pensar nisso, para se ter uma ideia no primeiro jogo contra a Espanha, que vinha de uma Copa do Mundo dois meses antes, e no nosso time, ninguém havia viajado para a Europa. Então, nosso objetivo era esse, dar experiência e conhecer os jogadores para que a gente pudesse utilizar depois na Copa do Mundo de 1994, que foi o que o Parreira fez. E inclusive, lembro até que ele disse em uma entrevista quando reconheceu a importância desse nosso trabalho e que o ajudou muito para ele já saber com quais jogadores poderia contar nesse Mundial, que acabou nos dando o título.


Como treinador do América do México, conquistou a Copa Interamericana em 1991 e a Copa dos Campeões da CONCACAF no ano seguinte. Como foram esses dois títulos como treinador?

Como treinador do América-MEX, eu cheguei à final da Concacaf, campeonato que leva para disputar o Mundial de Clubes, mas não fiz a final, saí antes. Lembro que ganhamos a semifinal, aí saí, depois o América-MEX conseguiu ganhar e ser campeão. Foi fantástico, esse título é difícil, como se fosse ganhar uma Libertadores por aqui. Então, foi uma conquista extremamente relevante.

No comando da Seleção Japonesa entre 1994 e 1995, em 9 jogos, você teve 3 vitórias, 4 empates e 2 derrotas. Por que saiu?

Quando eu fui para a seleção japonesa, era um contrato de oito meses e o objetivo de renovação. Lembro que o Japão não havia se classificado para a Copa dos Estados Unidos de 1994 e vivia um grande momento de desilusão. No entanto, nós fomos para lá, eu, Gilberto Tim, preparador físico, o Abelha, treinador de goleiros que já estava lá e fizemos um ótimo trabalho com esse objetivo. Mas existia lá no Japão, uma necessidade de trocar treinador a cada ano e eu nunca entendia o porquê, pois sempre trocava, trocava e trocava, sem razão de ser. Eu, como treinador, cumpri rigorosamente o meu contrato. Deu para lançar alguns jogadores que depois acabaram de destacando na seleção principal.

Você fez um intercâmbio na Fiorentina-ITA e foi um dos fundadores da Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol (FBTF). Como foi a experiência no clube italiano e qual o propósito da Federação? Ela ainda existe?

Fui um dos que participei da FBTF (Federação Brasileira dos Treinadores de Futebol) sim. Achei que poderia se ter um pouco mais de força mas não está tendo a força que eu imaginava, pois existem muitos bloqueios e não se consegue fazer aquilo que seria o ideal para o futebol brasileiro em termos de treinadores, assim como para os clubes também. A entidade surgiu com o intuito de representar os interesses da categoria no Brasil, na busca por profissionalizar, regularizar e organizar a categoria no País.O objetivo da FBTF é que a gente tivesse um respeito maior só profissional e que se pudesse estabelecer algumas regras importantes, evitar essa troca-troca dos treinadores em clubes, por exemplo. Às vezes, um clube demite quatro, cinco técnicos por ano e às vezes algum deles ficam sem receber desse determinado clube. Quando você caracteriza que não pode mexer em mais do que dois treinadores no ano, você dá ao clube a opção dele escolher melhor o seu profissional. Isso tem que ser uma relação saudável, de federação, clube e os próprios CEO’s, que são os gestores do futebol. Bom, sobre o intercâmbio, eu sempre fiz essas viagens para conversar com treinadores, tive na Fiorentina-ITA, tive no Centro Técnico de Coverciano, na Itália, e isso é bom, pois você conversa com profissionais de outros países, para se ter esse intercâmbio de diálogos, onde se troca ideias e eles gostam muito do futebol o. Nessas viagens, falei com Vincenzo Montella, treinador da Fiorentina-ITA, com Luciano Spalletti, treinador da Roma-ITA, José Mourinho, atualmente treinador do Tottenham-ING, Carlo Ancelloti, ex-treinador da seleção italiana, Cesare Prandelli, atual treinador do Genoa-ITA… enfim, com vários profissionais do futebol e isso sempre nos enriquece também.

Desde novembro do ano passado, as marcas de seus pés estão na calçada em Mônaco, após ser eleito como Lenda do Esporte Mundial durante a 17ª edição do Prêmio Golden Foot. Você imaginou que o filho de Dona Azise, chegaria tão longe?

Foi um outro grande momento ser colocado como lenda do esporte em sua 17ª edição do Prêmio Golden Foot. Para ser sincero, nunca havia pensado nisso e já haviam me convidado algumas vezes, por meio do Antônio Calino, que é o organizador disso lá em Monte Carlo, em Mônaco, na França, mas nunca dava para ir, ou estava treinando, e a impossibidade por outros motivos e tal, mas resolvi ir nesse e fui muito legal. Na ocasião, o Luka Modrić, jogador do Real Madrid estava lá, e foi muito legal, sem falar que o prêmio é muito importante, pois colocar o pé nessa ‘Calçada da Fama’, foi inesquecível.


Você virou tema de uma exposição na Embaixada do Brasil na capital italiana, ano passado. Amostra “Falcão, Ottavo Re” (em português, “Falcão, Oitavo Rei”), exibiu uniformes históricos usados por você, como um par de chuteiras e mais de 50 fotos e um painel biográfico. Você tem a dimensão do que Paulo Roberto Falcão representa para a Roma?

Foi muito legal, muito legal mesmo, foi mais um momento de satisfação profissional e de muita felicidade. Mas fiquei mesmo impressionado com o número de visitantes em que a exposição ficou lá em Roma. Essas homenagens são mais importantes que um título, que um gol, sabe. O fato do reconhecimento em vida é uma coisa que deveria ser feita com todos os profissionais que assim merecem. Já sobre ser Rei, não sei, eu acho que, ser considerado o Rei é uma brincadeira (risos) que eles fazem, mas eu nunca me considerei Rei, longe disso, apenas é uma maneira muito, muito, vamos dizer muito graciosa que os romanos tinham para dar carinho aos seus jogadores, nesse caso específico, dar carinho ao Falcão.

 Faltou algo na sua carreira?

Sempre falta alguma coisa, mas como treinador, eu posso te assegurar que gostaria de montar um time para poder trabalhar. Eu sempre lembro de uma entrevista do Jürgen Klopp, treinador do Liverpool, que disse: “Sinceramente, eu não entendo como os treinadores brasileiros conseguem montar times, porque são demitidos a cada dois ou três meses, por causa de dois ou três resultados negativos, quando eu, em um ano de trabalho, não consigo montar”, então,  você tem que ter paciência, tem que ter um bom grupo de jogadores com qualidade e enfim… montar um time não é fácil mas também não é muito difícil se você tiver as condições para isso.

Defina Falcão em uma única palavra?

Essa definição eu deixo para você, para os leitores do Museu da Pelada, e para quem for ler a entrevista.