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Futebol

VITÓRIA NA ALEMANHA E A FESTA QUE PRECEDE O SILÊNCIO. O BRASIL SEGUIA FIRME ATÉ 1982…

por Marcelo Mendez

As minhas andanças de pijama até o quarto do Velho Gunther já era algo comum na rotina do Hospital Santo André.

Toda a hora que dava eu ia lá pra ver desenho, Globo Esporte e filmes de bang bang. Gunther, quando não resmungava de tudo, dormia e os dois grandões, Pedrão e Teodoro, viraram meus amigos e me falaram dele. Particularmente, porque ele ficava sempre sozinho naquele quarto enorme e chique.

O Velho Alemão não tinha uma boa relação com os filhos, com ninguém. Sempre cuidou dos seus negócios com mão de ferro e a vida que teve o fez se preocupar muito em ter as coisas todas, a ganhar tudo e de todos, se dedicou a isso e nunca teve muito para nada que não fosse o que por aí se chama de sucesso. Eles me contaram que a coisa piorou quando a mulher faleceu e agora a doença.

Gunther era um homem rico e solitário.

Como tal, tinha um pouco de medo quando alguém afrontava essa solidão. Foi o que aconteceu comigo, no começo, mas era o que não acontecia mais, desde o dia que bati na sua porta pra ver futebol

Liberado para receber afeto


Descobri no dia anterior que eu finalmente estava liberado para receber visitas.

A doença já estava saindo do meu corpo, a recuperação ótima e em breve eu teria alta para ir pra casa. Faltava pouco e agora ia poder ver as pessoas que pudessem me ver. No dia 18 de maio de 1981 eles poderiam vir me ver, mas isso tava me preocupando…

Naquele dia, o Brasil, que já havia vencido a Inglaterra por 1×0 e dado um baile de 3×1 na França, iria enfrentar a Alemanha, depois daquele 4×1 do mundialito, só que dessa vez na casa deles, em Stuttgart. O time alemão era forte e viria com tudo pra cima da gente. O jogo seria as 16h45 e o horário de visitas das 15h às 17h. Que coisa…

O Parque Novo Oratório é em todo lugar…

Às 15h em ponto, meu Pai, minha mãe e minha irmã entraram no quarto.

Depois de abraços, beijos, orações e glórias, me entregaram um pacote com bolacha, maçã, pêra. Eu estava liberado pra comer fora da dieta do hospital. Falamos um pouco quando meu pai falou da surpresa:

– Filho, eu vou lá embaixo buscar um pessoal que veio te ver!

– Quem, Pai?

– Você vai ver…

E enquanto eu falava com a mãe, eis que ouço um barulho, seguido de uma invasão no quarto:

– Aeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!!!!

Era o time do Nacional. Todos os jogadores do time fizeram questão de vir me ver. Seu Cido, nosso diretor, arrumou uma Kombi, botou todo mundo dentro e trouxe a molecada toda.

– Espera, sai de cima, vai quebrar a cama!

Todos eles fizeram montinho em mim, comemoraram e uma zona foi feita no corredor do terceiro andar do hospital. Os assuntos eram vários:

– Marcelo, tamo classificado pra semifinal do campeonato de Santo André. Sem você, tá jogando o Edu! – me informou Baianinho, o zagueiro.

– E tá muito bem, viu? Cê pode seguir aqui mais uns dias…

– Vai se fuder, Carlão!

Todo mundo riu. As gargalhadas foram interrompidas pela pergunta do Tocão:

– Puta merda, num vamo poder ver o jogo. É daqui a pouco!

– Hum… Pode deixar, vou dar um jeito. Venham comigo!

– Marcelo, pra onde você tá levando eles?

– Pode ficar tranquila, Mãe. É aqui perto…

A arquibancada possível…

Acompanhado de mais 12 moleques eu cheguei até o quarto do Seu Gunther:

– Seu Gunther, tudo bem?

– Mas que diabo é isso? Arrastão?

– Não, Seu Gunther. Esses são meus amigos, lá do nosso time, o Nacional do Parque Novo Oratório, aquele que eu falei pro senhor…

– Sim, mas o que você quer aqui com essa turma?

– Seguinte, hoje é o ultimo jogo da excursão da Europa e contra a Alemanha do senhor. Daí trouxe os amigos pra gente ver o jogo aqui!

– Mas de novo esse futebol?

– Ô Seu Chucrute… Libera logo essa TV aí, que já vai começar.

– Do que você me chamou??!

– Cala a boca, Luciano! Seu Gunther, a gente num vai embora. Deixa a gente ver, vai…

Resoluto, Gunther deixou. E mesmo que não quisesse, entrou na nossa pilha e o quarto virou uma festa. Ele mandou que Teodoro comprasse um monte de salgadinhos da lanchonete do hospital, refrigerantes e até uma pipoca arrumou. Quando a Alemanha fez 1×0 com Fischer, ele gritou gol e tudo.

Porém, quando Toninho Cerezo empatou, a gente fez montinho nele e no segundo gol, de Júnior, quase derrubamos o andar do Hospital.

Tiveram ainda os pênaltis que Valdir Peres defendeu e, no final de tudo, o jogo acabou, o horário de visitas estourou e quando foram se dar conta, no quarto particular de Gunther tinha nós, os moleques, meu pai, os seguranças do Velho, os Enfermeiros, o médico de plantão e o pessoal da faxina.

Uma festa!

O Brasil saía invicto da Europa e o Velho Gunther, depois de muito tempo, voltou a sorrir.


A dor que o silêncio traz…

Os dias se passaram.

Chegou a vez de eu ter minha alta e eu corri lá pro quarto dele para dar a notícia, mas ele não estava mais lá. Dona Dora, a enfermeira, estava arrumando as coisas e foi ela quem me contou.

Gunther havia morrido naquela madrugada. Ninguém de sua família subiu para vê-lo, nenhuma pessoa ali para lamentar nada. Parei por um tempo ali.

Olhei para a TV, lembrei das tardes que passamos juntos e fiquei triste o bastante para não querer mais olhar para nada daquele lugar. De volta pelo corredor do Hospital Santo André, chorei sem entender o porquê.

Naquele Maio de 1981, aprendi que a vida, o futebol e a Copa de 1982 eram bem legais, mas que também podiam fazer chorar.

Essa foi uma lição que eu não aprendi para 1982…

MARKETING – DA IDEIA AO PRODUTO

por Idel Halfen


Do surgimento de uma ideia ao lançamento de um produto existe um árduo e complexo caminho a ser percorrido, desse percurso fazem parte: a conceituação, os estudos de viabilidade econômica, as análises de mercado e a verificação dos aspectos legais, isso sem falar nas particularidades relacionadas às áreas de produção, logística, financeira, comercialização e marketing. 

Para ilustrar o que se pretende abordar nesse artigo recorreremos ao case relativo ao lançamento dos uniformes elaborados pela Umbro para os times brasileiros por ela supridos. A citada coleção tem o nome de  “Projeto Nations” e utiliza como inspiração alguns dos países que participarão da Copa do Mundo de 2018.

Antes de prosseguirmos é preciso ressaltar que a escolha do tema que servirá como inspiração para os uniformes dos clubes não é uma tarefa simples quando feita de maneira criteriosa, isso porque ela costuma se basear em algum fato marcante da história dessas instituições, o que por si só já confere uma maior complexidade, tamanho o cardápio de opções. Além disso, há a preocupação em se diferenciar dos modelos mais recentes e de coincidências de gosto duvidoso.


Nesse ponto é preciso reconhecer que a iniciativa da Umbro se mostrou bastante criativa, ainda que no passado alguns clubes brasileiros já tenham “tentado” ter seu terceiro uniforme com motivos que remetessem à própria seleção brasileira. 

Outra estratégia que vem sendo adotada com boa frequência no mercado também se fez presente na campanha. Refiro-me aqui ao storytelling, narração de uma história para se fortalecer o conceito e o posicionamento dos produtos. Vide http://halfen-mktsport.blogspot.com.br/2015/10/o-storytelling-chegou-ao-esporte.html 

Por se tratar de uma questão de ordem subjetiva, não será feito aqui nenhum juízo de valor sobre os “elos” que serviram como enredos para a narrativa da associação entre os clubes e os respectivos países cujos símbolos e cores adornam os uniformes. 

Ainda como parte do processo de análise de viabilidade do projeto há uma questão que é de fundamental importância: as expectativas de vendas. Nesse quesito torna-se importante considerar que em ano de Copa do Mundo a camisa da seleção brasileira passa a ser mais desejada, aliado a isso é preciso reconhecer que o nível de renda atual não permite uma grande elasticidade de demanda por parte expressiva da população. Dessa forma é possível supor que algum – ou alguns – dos três uniformes anuais rotineiramente lançados pelos clubes seja preterido em favor da camisa da seleção. Entre os fatores que deverão pesar nessa escolha estão: o momento do time, o período do lançamento e até mesmo o aspecto estético.


Por último, vale discutir um tópico que talvez seja o mais sensível nesse caso: o eventual entrevero judicial que pode surgir com as marcas de material esportivo que são as fornecedoras das seleções “homenageadas” na campanha da Umbro, afinal de contas, é bem plausível que as camisas oficiais desses países sejam de alguma forma impactadas com a coleção. Problema que pode inclusive respingar nos clubes, visto que esses auferirão royalties com as vendas desses produtos.

A conclusão principal que se deve tirar dessas reflexões é que no âmbito do marketing qualquer ideia inovadora precisa ser muito bem trabalhada até que se transforme em um case de sucesso.

 

 

LEMBRANÇAS DE UM TEMPO ESQUECIDO

por Émerson Gáspari


Minhas lembranças remontam ao ano de 1895, quando nasci em São Paulo. Tenho, portanto, 123 anos. Nessa data tão especial para mim, pouca gente se recorda e ninguém me cumprimenta ou mesmo me agradece pelo fato de eu ainda estar vivo.

Essa legião de egoístas parece ocupada demais, com o nariz enterrado num celular durante o dia e a barriga encostada numa mesa de bar, tomando cerveja entre amigos, à noite. E são milhões deles. Mas não parece haver uma viva alma neste país tão bonito, que se interesse pela minha história, meu passado, minhas lembranças.

Desse modo, não me resta alternativa – a não ser eu mesmo – de recordar tantos momentos inesquecíveis que proporcionei a todos esses egoístas e a milhões de outros, que já se foram sem terem tido a consideração de me agradecerem por tantas emoções desfrutadas.


Poucos prestigiaram meu nascimento, sob a batuta de Charles Miller, no confronto Gas Works Team x SP Railway Team. Mas aos poucos, fui me tornando popular e os momentos incríveis, se sucedendo, aos montes. Como em 1919, no campo da Rua Paissandu , onde o goleiro Marcos de Mendonça defendeu um penal e três rebotes em seguida, dando o  tricampeonato ao Flu, diante do Mengo. Naquele mesmo ano e defendida pelo mesmo Marcos, a Seleção Brasileira derrotou – jána segunda prorrogação da final (de 150 minutos!) de um jogo extra – aos uruguaios, com um gol de Friedenreich, dentro do estádio das Laranjeiras abarrotado.

Saibam que sequer rádio havia para informar aos torcedores que não estavam presentes e o boca-a-boca era o meio utilizado para espalhar a notícia. Ou os jornais. Mas a paixão que eu despertava em vocês já era única, incomparável, nesta época tão longínqua.

Momentos sublimes como o primeiro gol de bicicleta de Leônidas pelo São Paulo, em cima do Palestra Itália, em 1942. Ou polêmicos, como o gol de cabeça de Valido, diante do Vasco, que resultou no primeiro tricampeonato do Flamengo. Também polêmicos foram muitos personagens, nesses anos todos: Heleno, Almir, Edmundo… todos craques! Aliás, craque é o que mais produzi no país: que nação teve um driblador como Garrincha? Na final do Cariocão de 62, ele destruiu o Mengo de Gérson, que preferiu jogar ao lado dele, no Botafogo. Mesma providência tomada antes, pelo “Enciclopédia” Nilton Santos. E olhem que Nilton era um monstro capaz marcar um atacante de costas, pela sombra projetada no gramado ou tirar uma bola da poça d’agua na maior categoria, pisando nela e aproveitando o “empuxo”. Igualzinho Didi, que tirava o “ponto de gravidade” da pelota, ao cobrar uma falta com sua “folha-seca”.


Está difícil para os mais novos? Não entendem direito o que lhes conto? Perguntem aos velhos torcedores: eles decerto se lembrarão desses monstros sagrados e de outros como Zizinho, o “Mestre Ziza”. Meu Deus! Só numa terra abençoada para eu criar craques desse naipe. Pena que seu povo despreze tanto a memória, a história e desconheça fatos e pessoas.

O que dizer do Santos de Pelé & Cia, então? Jesus! Beirava o inacreditável: até hoje muitos não creem que o clube parou guerras, dominou o mundo e revelou o maior jogador de todos os tempos; Pelé. Não! Muitos brasileiros, ao contrário, preferem eleger um craque “modinha” do exterior, desfilando toda sua ignorância futebolística.

Tem jovenzinho que não acredita que aquele Santos, em 58, venceu o Palmeiras no Rio-SP, por 7×6. Ou que Pelé certa feita, em Bauru, marcou três vezes um gol de cabeça, em escanteios cobrados em sequência por Pepe, até que o juiz desistisse de anulá-los. Simples assim!


Desdenham dos mil gols do Rei! Duvidam que Mané  jogasse o que jogou, tendo uma bacia deslocada seis centímetros, um joelho virado para dentro e outro para fora. Que Djalma Santos cobrasse laterais, jogando bolas que cruzavam toda a grande área. Que Domingos da Guia, o “Divino Mestre”, tenha sido o único jogador campeão consecutivamente no Brasil, Uruguai e Argentina. E era um zagueiro… “o” zagueiro.

Que Jair Rosa Pinto disparasse bombas que faziam curvas em “S” (como as que o Arsenal levou na sacola em 49, quando voltou pra Inglaterra, após desembarcar invicto no Rio). Que para Dino Sani, não houvesse “bola quadrada”: do jeito que viesse o passe, a bola seria dominada e posta no chão, tranquilamente; daí saindo viradas de jogo ou lançamentos diagonais perfeitos. Pobres incultos! Quando é que os torcedores de hoje irão se interessar em saber quem foi Carlito Rocha no Botafogo? Belfort Duarte no América? Lara no Grêmio? Julinho Botelho na Portuguesa? Rivellino no Corinthians? Dirceu Lopes no Cruzeiro? Ou que Castilho amputou parte de um dedo para participar de uma decisão pelo Flu? Ou ainda o que foi aquele Bahia de 59? E o Atlético de Reinaldo? Será que lhes passa pela cabeça que o Bangu já foi vice Brasileiro, que o Amériquinha já foi grande; que Ponte, Guarani, Portuguesa, América-MG viveram épocas áureas? Que clubes “pequenos” como Ferroviária, Bragantino, Paulista, Santo André, São Caetano, Americano e muitos outros já tiveram lindas conquistas no passado? Imaginam o que possa ter sido o Paulistano, bem como sua excursão por gramados franceses?

Como podem acreditar que o Botafogo, com mais três jogadores “enxertados” por Zagallo, vestiu a camisa da Seleção e deu uma surra na Argentina em 68, com o quarto gol de Jairzinho sendo marcado após 52 passes consecutivos, tendo a participação de todos os brasileiros no lance, sem que os gringos sequer conseguissem tocar na bola?

Ao invés de lerem e aprenderem que conquistamos o penta em 32 partidas invictas, preferem dedicar seu tão precioso tempo colecionando figurinhas da Copa, repleta de…estrangeiros?!


Hoje temos em vídeo, gols maravilhosos registrados nos últimos 40 anos. Como o de Dinamite, no último minuto, pra cima do Fogão em 76, naquele chapéu cinematográfico.  Ou os de Romário, despachando o Uruguai e classificando a Seleção para a Copa de 94. E os de Zico pelo Flamengo, à frente de um esquadrão que conquistou o Mundial sem dar chances ao Liverpool.

Às vezes, o “imponderável” (como escreveriam Nelson Rodrigues ou João Saldanha) se dava numa simples aposta, como quando Nelinho chutou uma bola por sobre o Mineirão. Ou mesmo num treino do Verdão, quando Leão defendeu de bicicleta (e com a canhota!), um toque de Toninho, que o estava encobrindo (pena que sem registro).

Mas dá pra assistir como foi maravilhoso aquele esquadrão do Guarani de 78, o Inter de Falcão, o Timão do Dr. Sócrates, a Seleção de Telê de 82. A inigualável conquista do tri, em 70.

Mas não! Os torcedores de hoje preferem relembrar que o Brasil tomou de 7×1 da Alemanha em casa e que isso foi um vexame “maior” que o da Copa de 50, no “Maracanazzo”. Pergunte a eles se ao invés disso, procuraram assistir em taipe, aos três minutos iniciais da estreia de Pelé e Garrincha diante da URSS, em 58. Ou se sabem que essa dupla jamais foi derrotada, em 40 jogos pelo escrete canarinho. A preferência deles é outra: usar camisas de clubes europeus!


Sabem tudo de Messi e CR7, mas não imaginam que Nilton Santos, Garrincha e Pelé tem escalação garantida em qualquer seleção mundial de todos os tempos que se forme no exterior. Um gol de bicicleta de Cristiano Ronaldo é celebrado com “perfeição humana”, mas desconhecem que Leônidas da Silva e Pelé cansaram de fazer gols assim.

Capaz de não acreditarem também, que no Corinthians do IV Centenário, havia um artilheiro chamado Baltazar, que fez mais gols de cabeça do que qualquer um desses “deuses”, que a mídia repercute e amplifica. Certamente desacreditarão que no Pacaembu, aliás, havia uma charmosa concha acústica, que o ingresso era barato, e a torcida, mais presente e pacífica.

Hoje é “arena multiuso”, “chuteira dourada”, “bola científica”, graminha sintética, torcedores com camisetas caríssimas, games de última geração. Ah!… Quanta saudade dos tempos românticos, no qual torcedores pintavam bandeiras e camisetas, para irem ao estádio!

Bolas costuradas à mão, nada de “frescuras” nos uniformes. Todo garoto que se prezava, jogava bem uma pelada em chão de terra batida. Ou pelo menos, deixava a imaginação fluir com seus jogos de botão, cujas escalações pouco mudavam, de uma temporada para outra.

É por essas e outras que ando convalescendo por aí: esvaziado de craques, mal administrado, sem a mesma credibilidade de antes, desde os tais 7×1. É por isso que eu, pobre futebol brasileiro, vou vivendo praticamente das lembranças que um dia meu glorioso passado produziu, na cabeça de uma meia dúzia de saudosistas abnegados.

FUTEBOL É POESIA

por Ricardo Dias


(Foto: Custodio Coimbra)

Meu avô treinou no São Cristóvão; meu pai, no Bonsucesso; eu, no Fluminense. Como não tenho filhos, essa falta de intimidade com a bola termina em mim. Nenhum de nós servia para a coisa.

Meu avô, apesar de minúsculo, lutou boxe (imagino que peso pum-de- pulga), e foi bem sucedido. Meu pai, vôlei, e também muito bem sucedido (a não ser que contemos o jogo Mackenzie X Flamengo; ele, contundido, foi escalado para ser juiz – estamos falando da década de 50. Com o senso de justiça e destemor que lhe são peculiares, roubou o Flamengo o quanto pôde, tendo que sair fugido do ginásio. Já a salvo, tomando um caldo de cana no Engenho de Dentro, teve que novamente fugir da torcida adversária, cujo bonde passou na frente da pastelaria onde estava meu imprevidente ancestral).

Já eu… Tentei o judô, meio a contragosto. Adorei as primeiras aulas. Na turma da minha idade, eu era o maior, ganhava de todo mundo sem sequer me mexer, coisa que aliás não sabia fazer muito bem. Aí me colocaram com os de meu tamanho, e passei a apanhar regularmente. O judô perdeu todo o seu charme.

Tentei o vôlei, como meu pai, mas um saque dado para trás, desaparecendo com a bola, abreviou minha carreira. No basquete, Clube Municipal, onde amigos jogavam, fui tentar a sorte. Primeira bola, já saindo, corri e devolvi-a para a quadra de costas, única jogada possível. Seguiu o jogo, bola de novo comigo, marcado por um monstro gigantesco, passei a bola de costas. soa o apito de Jorjão, o técnico: PRIIIIII!

– Fora. Globetróti não é pra branquelo!


Só sobrou o futebol. Já contei das minhas desventuras por aqui, então não vou me repetir. Mas o fato é que esse jogo me pegou de um jeito que jamais pude imaginar. Descobri naquele jogo uma poesia, uma dança, uma beleza da qual nunca suspeitei. Ainda mais que comecei a acompanhar futebol justamente com a Máquina Tricolor, de 1975. E olhando o futebol de hoje, fora no gol, por conta da preparação mais apurada que temos, acho que nenhum jogador no futebol brasileiro atual teria vaga naquele time. Talvez no banco, um ou outro. Aliás, nem no Flu nem no Inter daquele ano, ou no Cruzeiro, ou… Acho que se eu fosse criança hoje ia insistir no vôlei.

Assistir a um jogo no Brasil é uma prova de amor ao esporte acima de tudo. Não há prazer envolvido, há suspiros e ranger de dentes. E não é saudosismo! É apenas ver as coisas como são.

Assistir a um jogo do Barcelona ou do PSG é mais ou menos o que a gente via toda semana aqui. E não é exagero, esses caras iam ter que suar e muito para ganhar de um bom time daquela época. O Bayern, campeão da Europa, tomou um passeio no Maracanã. Nossos times excursionavam por lá e iam enfiando goleadas. Todos nos temiam.


O que mudou? Eu pergunto e eu respondo: tudo. Não temos mais campos de peladas, não dá para jogar na rua, não há mais terrenos baldios, e sobram técnicos de escolinhas que precisam de resultados. Quando vêem um talento, vira volante. Caneludo vira atacante. Se corre muito, lateral. E quando se destaca um pouquinho, enchem de mimos.

É só isso? Não. Temos dirigentes ladrões, nossos grandes times viraram pequenos, estão tentando nos espanholizar da pior forma, deixando apenas dois ou três times grandes, a imprensa ajuda isso…

Amigos, aqui é o lugar para reagir. Museu não é só velharia, é resistência! Vamos correr atrás, vamos encher o saco das estações de TV para que os jogos ocorram em horários civilizados, para que todos os times tenham espaço igual, para que cada clube brigue com a CBF e as federações.

Vamos… Ok, desculpem, minha função aqui é falar bobagem. Mas futebol é tão bonito… Então ao menos termino como craque, com um poema de João Cabral de Melo Neto:

Bola de futebol… é um utensílio semivivo,
de reações próprias como bicho,
e que, como bicho, é mister
(mais que bicho, como mulher) usar com malícia e atenção
dando aos pés astúcias de mãos.

 

 

ALZHEIMER NA MEDIOCRIDADE

por Rubens Lemos


Acordei de uma soneca no segundo tempo de Vasco 3×2 Botafogo, primeira partida da final do Campeonato Carioca. Estava empate e vi o gol da vitória do meu time no finalzinho. Dos 20, 25 minutos acompanhando chutões, carrinhos e caneladas na bola, esforcei-me para identificar algum jogador além do goleiro Martin Silva, do jovem Paulinho e do – vamos lá -, atrevido Pikachu.

Complicado. O futebol brasileiro anda numa mediocridade tão imensa e sideral que o último time do Vasco a ser escalado sem risco por mim é o do ano 2000, o da virada sobre o Palmeiras na Mercosul e do título brasileiro: Hélton; Clébson, Odvan, Júnior Baiano e Jorginho Paulista; Nasa( Nossa Senhora dos Passes Bizarros!), Jorginho, Juninho Pernambucano e Juninho Paulista; Euller e Romário.


Um vascaíno com 40 anos de amor e alguma memória não consegue desfiar 11 cabeças de bagre do último fim de semana. Um vascaíno que olhava, embevecido, o pai recitar o time de 1956: Carlos Alberto; Paulinho e Bellini; Laerte, Orlando e Coronel; Sabará, Livinho, Vavá, Walter Marciano e Pinga.

Um vascaíno que não esquece Mazarópi; Orlando, Abel, Geraldo e Marco Antônio; Zé Mário, Zanata e Dirceu; Wilsinho, Roberto e Ramón de 1977. Ou Acácio; Galvão, Ivan, Celso e Pedrinho; Serginho, Dudu e Ernâni; Pedrinho Gaúcho, Roberto e Jérson, os esforçados de 1982 que tiraram a banca do Flamengo campeão do mundo. Ou os maravilhosos bicampeões de
1987/88: Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho;  Dunga (Zé do Carmo), Geovani e Tita (Bismarck); Mauricinho, Roberto e Romário.

Eram os cânticos  dos dribles, lançamentos, gols de placa, que transpunhamos para o futebol de botão como numa incorporação mágica dos heróis em campo de madeira. Escalações duravam anos, decorávamos os reservas, hoje exuberâncias diante da falta de fundamentos básicos dos titulares mais apropriados a Olarias e Madureiras.

A minha amnésia é causada pela rotatividade medonha promovida por sanguessugas oficialmente chamados de empresários. Outro dia, o Vasco demitiu um cara cuja função era de gerente científico. Hilário imaginar o indigitado explicando em fórmulas, átomos e partículas,
como o baixinho Romário fazer sentar em elástico descadeirante, qualquer zagueiro transformado em molécula morta.

Perdeu-se a graça, a boa sacanagem, o migué, a molecagem, criaram-se gerações de robôs bem-comportados e inimigos do futebolisticamente liberto. Outro dia, o colega de trabalho, circunspecto como um Churchill em plena Segunda Guerra, bate no meu ombro e pergunta: “Como é chato o tal Carille!”. Perguntei quem era, ele explicou ser o técnico do Corinthians e respondi que do Corinthians conhecia Rivelino, Sócrates, Zenon e Edílson. “Você está ultrapassado!”, ele zombou.

Calei no meu Alzheimer precoce e fui ao Google, rever imagens de um timaço do Brasil nos anos 1970, com Zico, Rivelino, Paulo Cézar Black Power, Marinho Chagas e Nelinho. Nenhum risco de esquecê-los.