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Família

GOLAÇO DO MESTRE

por Mateus Ribeiro


Eu me lembro como se fosse ontem, do dia que eu queria ver uma partida de futebol, e o senhor me levou até o clube da cidade para que eu pudesse assistir. Até aquele dia, eu não gostava de futebol, e nem eu entendia o motivo de eu chorar tanto para tentar ver uma exibição de algo que até o dia anterior eu não era fã.

Eu me lembro como se fosse hoje, de ver um rapaz jogando, e o senhor comentando com algumas pessoas no alambrado que “…o beque era bom”. Obviamente, fui perguntar o que era um beque, e assim que minha dúvida foi sanada, tratei de perguntar o nome e a função de todos os jogadores presentes no gramado.

Eu ainda me recordo com muita clareza de uma vez que fomos visitar o Vô Jorge. O nosso mestre já estava bem velhinho, e eu queria dividir com ele o mundo mágico do futebol que eu estava descobrindo. Perguntei para o Vô se ele ainda assistia futebol. A resposta? “Eu gostava mesmo na época do Nilton Santos…”.

Eu me lembro do amor do senhor pelo Santos, e como o senhor detestava o Corinthians.

Eu ainda me lembro, e o senhor deve ter uma mágoa gigantesca, do dia que escolhi o Corinthians (na verdade, o Corinthians me escolheu) para torcer, e todos os esforços que o senhor fez para tentar me fazer ser são paulino (pelo vô) ou santista (por razões óbvias) foram em vão.

Eu me lembro, e sou muito grato pelo dia que fui apresentado ao futebol no rádio. Nossos domingos, quartas, sábados e quaisquer outros dias eram extremamente felizes. Demos muita risada, discutimos, choramos… tudo era um caminhão de emoções. E nem precisávamos de muito. Bastavam o rádio e o senhor. Meu mundo estava ali. Meu mundo e nada mais.

Agora, vamos colocar essa máquina do tempo um pouco mais pra frente.

Eu me lembro claramente de nossos sábados repletos de jogos de todo e qualquer campeonato do mundo. Naqueles dias de dificuldade, quando o senhor ficava em uma cama, o futebol era uma das poucas alegrias existentes. E eu me sinto muito honrado de poder dividir esses momentos mágicos.

Um desses momentos foi quando Van Persie empatou o jogo com a Espanha, pela Copa. E depois, no final, quando Robben deixa a zaga e a defesa adversária no chão, o seu sorriso de satisfação foi o complemento da obra.

E o que dizer do dia que o senhor chamou minha mãe para falar que “…gostava de assistir futebol comigo pois um dia eu aprendi, e agora eu ensinava”? Desnecessário eu afirmar que esse foi o maior momento da minha vida. E nada NUNCA vai chegar perto desse momento.

Infelizmente, tenho algumas lembranças amargas também. Como no fatídico 01/10, quando horas após o seu enterro, liguei a tv para ver uma partida de futebol. Quem estava jogando? O Santos. Olhei pra um lado, pro outro, e vi que as coisas já não eram iguais. Praticamente desisti de acompanhar tudo.

Mas ah, se o senhor ficasse sabendo que eu estava sendo covarde, iria me dar uma chamada digna do Zito chamando a atenção do Pelé. E resolvi reunir todos os ensinamentos aprendidos (inúmeros, incontáveis), juntar os cacos, e comecei a colocar pra fora tudo o que eu guardei dentro de mim por longas décadas.

O resultado tá aqui. Esse texto é um dos meus trabalhos aqui no Museu, um lugar que me abriu as portas, e que o senhor adoraria conhecer, e ouvir as historias. Talvez, esteja acompanhando por aí, no Estádio dos Imortais. Um dia eu apareço aí pra gente bater um papo e dar risada dos caneludos que sobraram por aqui. Mas eu espero que esse dia demore bastante.


Enquanto esse dia não chega, fica o meu recado para todos vocês: aproveitem cada momento ao lado dos seus pais. Abracem, chorem, curtam, pois a vida é breve, e infelizmente, não é um jogo do Manchester United na época do Alex Ferguson, portanto, não há acréscimos.

Hoje, quase trinta anos depois de assistir a primeira partida, eu entendo o motivo de ter pedido tanto para assistir a um jogo: era um chamado dos deuses do futebol para que nosso laço fosse eterno e inquebrável.

Com amor, de Mateus Roberto da Silva Ribeiro para Carlos Ribeiro.

O ANDARILHO

por Claudio Lovato


Foto: Max Rocha

Pode acreditar: ontem, quando cheguei ao estádio para a minha apresentação no meu novo clube, demorei para responder quando um repórter me perguntou em quantos times eu já havia jogado.

O cara perguntou de repente, tive que fazer um esforço, acho que ele teve até vontade de rir. Ainda bem que era uma entrevista para jornal, porque se fosse para TV ou para o rádio, num programa ao vivo, eu estaria sendo chamado de comédia, teria virado piada. 

Foram 14 clubes.

É, 14.

Saí de casa com 16 anos. Assinei meu primeiro contrato como profissional aos 18. Faço 35 daqui a dois meses. Rodei muito.

Pois é. O meu décimo quinto clube. Fechamos um contrato de dois anos, coisa rara para um jogador da minha idade. Eu tenho sorte. Mas também tenho meus méritos: sempre me cuidei, sempre agi com profissionalismo, nunca me meti em roubada, esquemas para derrubar técnico, essas coisas. Só me preocupei em jogar bola para quem estivesse pagando o meu salário.

Hoje, o Caio Lúcio, meu filho mais velho, me perguntou:

– Pai, você sente a mesma coisa por todos os clubes em que jogou?

Aquela pergunta me perturbou, confesso. Pensei nas minhas entrevistas de apresentação, sempre com beijo nos escudos, pensei nas minhas comemorações de gol com a batida de mão aberta no peito.

– Mais ou menos, filho.


Ele não se deu por satisfeito.

– Mas o seu primeiro clube foi o mais importante, não foi?

Fiquei olhando para a TV enquanto ele aguardava a minha resposta.

– O mais importante foi o que veio antes do primeiro! O time lá do bairro. Depois de lá virou outra coisa! – eu disse, sem pensar muito.

– O time do vô Alberto?

– É. O vô Alberto organizava tudo.

Senti a garganta apertar.

– Quando você parar, você podia organizar um time pra mim, não podia? Que nem o vô Alberto fez pra você? – ele perguntou.

De repente, naquele exato instante, eu me convenci de que queria fazer aquilo mais que qualquer outra coisa na minha vida. 

– Então, ué! – eu disse.

– Ué! – ele disse, e batemos as mãos, num “cinco” bonito.

Nosso papo, nossos códigos. Eu e o velho Alberto também tínhamos os nossos. Tudo tão diferente e, ao mesmo tempo, tão igual. Nostalgia e expectativa, sempre se revezando. Derrotas e voltas por cima. A próxima chance! Arrependimentos e autocongratulações. Passado, presente e futuro no mesmo pacote. A vida.