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Ênio Andrade

DEFENSOR DE UMA ESTIRPE LEGENDÁRIA

por Claudio Lovato Filho


Ele formou com Airton Ferreira da Silva, o Pavilhão, uma histórica dupla de zaga do Grêmio entre 1955 e 1960. Defensor de estilo clássico, foi um dos principais líderes do time montado por Oswaldo Rolla, o Foguinho, que conquistou o pentacampeonato gaúcho entre 1956 e 1960, a série de cinco títulos que, com um intervalo de um ano, foi procedida pelo heptacampeonato de 1962 a 1968, totalizando 12 campeonatos em 13 disputados.

Ênio Antônio Rodrigues da Silva nasceu em 10 de novembro de 1930, em uma família de apaixonados gremistas, na Baixada, atual bairro Moinhos de Vento, onde o Grêmio ergueu seu primeiro estádio, o Fortim da Baixada. Por obra do destino, 24 anos depois ele viria a participar da partida inaugural do Estádio Olímpico, em 19 de setembro de 1954, quando o Tricolor venceu o Nacional, do Uruguai por 2 x 0.

Em 1956, ele foi o capitão da Seleção Brasileira formada por um combinado de jogadores gaúchos que trouxe para o país a taça do Torneio Pan-Americano no México.

Herói como jogador , herói como técnico. Em 1961, depois de sofrer grave lesão, tornou-se treinador do Tricolor, e, no ano seguinte, conduziu o time na vitoriosa campanha do Campeonato Sul-Brasileiro de Clubes, a Taça da Legalidade, superando na final o arquirrival que ele tantas vezes havia enfrentado e vencido como jogador. Foi ele também quem encaminhou a conquista do Campeonato Gaúcho de 1962, campanha concluída com Sérgio Moacyr Torres Nunes no comando técnico da equipe.


Homenageado em 1999 na Calçada da Fama do Grêmiojunto com outro monstro sagrado da história do clube, Milton Kuelle, Ênio Rodrigues morreu em 2 de fevereiro de 2001, aos 70 anos, na Porto Alegre onde nasceu e que amou incondicionalmente, da mesma forma como foi com o clube do qual se tornou um dos maiores ídolos. 

As grandes duplas de zaga que o clube formou ao longo de sua história são um dos maiores motivos de orgulho do torcedor gremista.

Os lendários Airton e Ênio Rodrigues, nos anos 50 e 60, tiveram antecessores que para sempre serão lembrados pela nação tricolor, como os pioneiros Martau e Deppermann, na década de 1900, Schuback e Mohrdieck, a “Dupla Hamburguesa”, nos anos 1910, e depois Dario e Luiz Luz, nos anos 30, para citar exemplos especialmente simbólicos numa história repleta de personagens legendários.

Pavilhão e Ênio fizeram sua parte e deram sequência com brilho a uma estirpe de duplas de zagueiros que teve sequência com Ancheta e Oberdan, Baidek e De León, Rivarola e Adilson (parceria que mais adiante recebeu o luxuoso reforço de Mauro Galvão) e que hoje prossegue com Pedro Geromel e Walter Kannemann. São patrimônios cultuados por todos que levam as cores azul, preta e branca no coração.

Salve Ênio Rodrigues e todos os grandes zagueiros gremistas que, mais que uma cidadela, defenderam uma História do qual se tornaram protagonistas.

MESTRE ÊNIO

por Claudio Lovato


Era um cara simples, como geralmente são simples os caras realmente inteligentes.

Comunicava-se com os jogadores sem demagogia, sem condescendência, papo direto e reto entre uma baforada e outra do inseparável cigarro, sempre com respeito e com um humor que desarmava espíritos até na hora do esporro.

– Ô, negão, da próxima vez que tu fores tomar cerveja, me chama! – disse certa vez, quando era treinador do Cruzeiro, ao centroavante Dinei, depois de uma reprimenda histórica no jogador, que havia chegado para treinar em condições, digamos, precárias, e de um “castigo físico” que envolveu “cabeceios” numa medicine ball (mais detalhes em depoimento do próprio Dinei disponível no youtube).

Era camarada, compreensivo, solidário, mas também sabia ser mais malandro que o mais malandro dos malandros. Demonstrava seu apreço pelos que estavam com ele, mas ninguém o fazia de bobo.

Transportou com sabedoria a vivência e os aprendizados obtidos nos tempos de jogador para a atividade de treinador, iniciada em 1961, no Náutico. Genial dentro de campo e na casamata. Craque da meia-esquerda, campeão gaúcho pelo Renner em 1954, jogador da seleção brasileira campeã pan-americana no México em 56, e, depois, um estrategista capaz de mudar em instantes o jeito de um time jogar.

Gostava do futebol completo: imposição física, disciplina tática e valorização da habilidade individual.


Ênio Vargas de Andrade, nascido em Porto Alegre, completaria 90 anos de idade neste 31 de janeiro de 2019.

Ele está presente na minha memória de futebol desde sempre. Em 1975, na sua primeira passagem pelo meu Grêmio, eu tinha 10 anos, e então, no dia 23 de julho, aconteceu o Gre-Nal dos três gols do Zequinha, no Beira-Rio. Aquele jogo não foi importante para mim apenas na dimensão futebolística. Foi uma experiência de vida, para a vida toda.

Mas foi em 1981 que ele quase me matou do coração, e eu tinha só 16 anos. Foi quando o Grêmio conquistou seu primeiro Campeonato Brasileiro.

Bastava um empate com o São Paulo, no Morumbi. Havíamos vencido o primeiro jogo, no Olímpico, por dois a um. O segundo jogo avançava num zero a zero perigoso. Seu Ênio resolveu tirar o ponta-esquerda Odair e mandar para campo o meia-ponta-esquerda Renato Sá, aos 15 minutos do segundo tempo.

Esta quem me contou foi o próprio Renato numa resenha para o Museu da Pelada, em 2016, em Floripa:

– O Seu Ênio me chamou e disse: ‘Renato, vamos fazer uma correria ali no meio. É o único jeito’.


Cinco minutos depois de entrar em campo, vestindo a camisa 14, Renato Sá viu o lateral Paulo Roberto dominar a bola lá na direita, perto da linha divisória, e se posicionou para recebê-la dentro da grande área do São Paulo. Paulo Roberto lançou a bola daquele jeito que mais gostava: com altura e força. A bola viajou, com Renato Sá acompanhando sua trajetória, muito atento, muito ligado no lance, muito a fim de aprontar alguma coisa, e ela veio, aterrissando na entrada da grande área, e Renato Sá subiu no tempo certinho e cabeceou para trás, mandou a bola no peito de Baltazar, o Artilheiro de Deus, que sem deixá-la tocar o chão mandou um balaço no ângulo esquerdo de Waldir Peres, e isto foi quando eu, na casa de um mano velho, na Avenida Protásio Alves, em Porto Alegre, achei que fosse ter um treco e deixar este mundo na escassa idade de 16 anos.

Um outro Renato, de sobrenome Portaluppi, foi integrado aos profissionais do Grêmio por Ênio Andrade, em 1982. E quantas coisas aprendidas com Seu Ênio ele coloca em prática hoje no comando do Grêmio. É ou não é, Renato?


Ênio Andrade nos deixou em 22 de janeiro de 1997. Faleceu em Porto Alegre.  

Obrigado, Seu Ênio.

Todos nós, e não apenas os torcedores do meu Grêmio, ou do meu arquirrival colorado, ou do Coxa, clubes que conduziste em campanhas nacionais vitoriosas, mas todos nós, que fazemos do futebol algo tão importante em nossas vidas, algo tão essencial, vamos celebrar para sempre os teus feitos, o teu legado.