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Émerson Gáspari

“ETERNO 7X1”

por Émerson Gáspari


Gostaria de começar pelo fim. De um período sublime, de alegrias, vitórias, craques maravilhosos, futebol bonito. O qual durou 44 anos e cinco títulos mundiais, nos tornando conhecidos, temidos e admirados mundialmente.

Mas isso foi entre 1958 e 2002 e esse tempo agora parece existir apenas para os saudosistas. Alguns deles, feito eu, que não se conformam com a mediocridade futebolística exibida há tempos, pela Seleção Brasileira.

Analisar o que ocorre, exige um olhar mais profundo e abrangente.

Comecemos pela velha teimosia de “europeização” do futebol brasileiro.

Em Copas passadas, já tivemos de tudo: técnico apregoando futebol-força, copiando esquemas defensivos, usando três zagueiros, extinguindo pontas. Uma série de invencionices tidas como evolução e que por estarem em voga no Velho Continente, logo se tornavam “coqueluche” (para usar um termo da minha época) por aqui.

Mas depois do penta, a coisa ficou mais séria e nosso futebol só fez regredir.

Seleções formadas exclusivamente por brasileiros no exterior, atletas saindo de baciada, técnicos partindo para se aprimorar lá fora, mídia destacando futebol europeu, campeonato brasileiro por pontos corridos e muitos casos de corrupção.


Pior: a formação do atleta em escala industrial, tirando do jovem criatividade e irreverência, prendendo-o a modelos de fora, onde drible é recurso raro e obediência tática se sobrepõe a talento. Estatura e físico valendo mais que ginga e picardia. O progresso ceifando campinhos de várzea, substituindo-os por escolinhas de futebol que ensinam o “evoluído” modelo europeu. O maldito modelo europeu.

Estão matando a essência do futebol brasileiro. Seria como tirar um índio de seu habitat natural e impingir-lhe a usar sapatos, terno, celular, óculos, como se isso fosse o correto. Ao perpetrar na cabeça do brasileiro que deva se comportar em campo como o europeu; tolhemos seu talento nato, engessando nossos times e selecionados.

Não foi diferente nessa Copa. Estava na cara que seria assim!

Em 2010, após o fracasso da Seleção de Dunga, me perguntaram em qual lugar eu achava que o Brasil iria terminar no Mundial seguinte. Cravei: “Terceiro”.

Após a “Família Scolari” apanhar em casa de 7×1 dos alemães e de 3×0 dos holandeses, nem isso. Acabamos em quarto lugar, mesmo.

A desculpa esfarrapada na época para isso foi a contusão de Neymar.

Pois me repetiram a pergunta, questionando-me sobre 2018. Cravei: “não passa do quinto jogo!”. E não é que acertei em cheio, dessa vez?

Agora, já me questionaram novamente, em relação a 2022 e sabem o que respondi?

“Prefiro nem dizer!”. Porque sinto que não vem coisa boa por aí.

E olhem que fazer previsão quatro anos antes envolve uma série de coisas a serem analisadas e ninguém – muito menos eu – tem bola de cristal, por mais que entenda de futebol. Só que a experiência nos dá conhecimento e certa segurança ao afirmar isso.

Não se trata de pessimismo: gostaria de estar aqui, afirmando que jogamos bem, ganhamos o hexa merecidamente e que nosso futuro é muito promissor. Mas não é.

E quando vejo torcedores “nutelinhas” (para usar uma gíria deles, agora) pedindo continuidade nesse trabalho, respaldados por uma mídia que defende Tite como se fosse nosso salvador, aí sinto que estamos realmente perdidos.

Essa mídia que a partir de 1980, quando os craques começaram a deixar o país, passou a transmitir futebol italiano, espanhol, inglês, francês, alemão, javanês e virou as costas para os times do interior, para os estaduais que foram minguando, desde então. 

E o torcedor? Preferiu assistir jogos na poltrona, abandonou a arquibancada e deixou os filhos serem induzidos a torcerem por clubes estrangeiros. O torcedor está cego!

Tanto, que não percebe que seus programas de futebol foram invadidos por uma leva de outros esportes e até por games! E quando a mídia fala de futebol, então…

Muitas matérias rasas, sem profundidade, até mesmo na imprensa escrita.

Ao invés de cobrirem uma partida, agora elegem um “personagem” alheio e gastam tempo com ele. Ou soltam pérolas do tipo: …“em Oeste, Oeste 0 x 2 São Caetano”.

Durante as Copas, só piora: é repórter que não domina o assunto futebol e erra três vezes um mesmo termo ou é flagrado ao celular, quando chamado no “link”. É repórter que fica nervosinho, quando questionado pelo nível fraco das perguntas em coletivas. Ou comentarista “médico” afirmando, enquanto Neymar saía de maca sem mexer as pernas após uma joelhada nas costas, que não era grave, que ele treinaria normalmente e iria enfrentar a Alemanha sem problemas. Locutor que desconhece impedimento e até aquele que precisa transmitir jogo quase afônico. 

Matérias dantescas como das cocadas ou das coxinhas com nomes de jogadores, a do cabelereiro do ídolo, a da precária higiene nos banheiros dos trailers dos turistas na Copa ou ainda, sobre quantos assovios o treinador deu no Mundial.

Nunca vi tanta gente deslocada, despreparada e diria até, excessiva numa cobertura. 

A cobertura virou circo. Dos horrores. E o torcedor não enxerga isso.

Prefere ver batida de tambor nos intervalos ou comentários de “experts” em futebol, como cantoras, atores, dançarinas, modelos…


Saudades das crônicas de Nelson Rodrigues e João Saldanha. Das narrações de Geraldo José de Almeida ou Luciano do Valle. De uma mesa-redonda com Armando Nogueira e Orlando Duarte. Quem viveu essa época sabe bem do que estou falando.

Mas voltemos ao cerne da questão: essa geração “7×1” e a filosofia que insistem em querer manter, levando nosso futebol à ruína.

E não é só o nosso: o futebol sul americano de uma maneira geral, está assim.

A Argentina não ganha uma Copa desde 1986 e nenhum torneio importante desde 1993. O Uruguai não vence o Mundial desde 1950, aqui no Brasil.

Já se foi o tempo em que a Copa mostrava alternância de campeões, entre Europa e América do Sul. Nesse século, o trio exportador de “pé-de-obra barata” só obteve um título com o Brasil (2002), um vice com a Argentina (2014) e um quarto lugar com o Uruguai (2010). Em 2018, ninguém beliscou nada. Estamos em processo de “corrosão”.

Os três precisam de medidas para proteger seu futebol, diante do poder financeiro que impulsiona o europeu. Talvez reivindicarem à FIFA, a proibição de transferência de atletas antes dos 21, 23 anos. Fere princípios do cidadão? Estudemos alternativas que possam legalmente chegar perto disso. O que não podemos é ter casos como o de Messi, desde os 14 anos na Europa e que jamais atuou pelo campeonato argentino.  

Precisamos criar fórmulas que nos possibilitem ter um campeonato como o mexicano, rico, com média de 40 mil pessoas por jogo, com seus principais jogadores atuando lá. Não dá mais pra permanecer como está!


É feito a Seleção Brasileira, meus queridos: não dá mais para usarmos o modelo que está aí. Não deu certo. Não comecemos em cima do que fracassou, até para que isso não se torne um “eterno 7×1” para nós. Se profeta eu fosse, diria ao torcedor: “não vos iludis com falsas promessas, lembra-te dos que entregaram regiamente seu suor e sua alma para nossa glória e desse modo, nosso campo não se fará terra devastada”.

Primeiro tivemos a invasão dos “professores de educação física”, como sempre cita o PC Caju. Depois, veio a “escola gaúcha”, que está aí. Nada contra, ela até nos deu o penta e somos gratos por isso. Mas não dá mais. Precisamos recuperar a essência do futebol brasileiro, resgatar nossas origens, jogar como sabíamos.

Não adianta o “coach” afirmar que não irá tirar o drible e a criatividade de um jogador, se todos os outros jogam engessados, no padrão europeu. Onde já se viu prender o centroavante feito pivô, apenas para abrir espaços para quem vem de trás, gente?

“Ah! Mas o Tostão fez isso em 70”, dizem imprensa e a torcida, ensaiadas. Tá! Serginho fez o mesmo em 82 e lembram no que deu? Querem comparar os dois com Tostão?

“Mas o Tite tem crédito, a Seleção evoluiu, só perdeu dois jogos!”. Tá! Dunga também e vocês acham que com ele o time evoluiu? Além do mais, evoluir em relação aos 7×1 é quase que uma obrigação. Pior ou igual a aquilo, não seria possível.

“Mas ganhamos as Eliminatórias com um pé nas costas!”, cheguei a ouvir por aí.

E ela lá serve de parâmetro para Copa do Mundo? Por acaso a das Confederações, na qual goleamos a Espanha na final em 2013, serviu de parâmetro para a Copa, no ano seguinte? Ou mesmo a conquista da medalha de ouro em 2016, nas Olimpíadas?

Um monte de torcedores faz coro com a imprensa esportiva, pedindo que o Tite fique porque sabe montar um grupo, e é um bom “gestor de pessoas”, usando para isso, sua costumeira verborragia. Oras, precisamos é de um treinador, não de um gestor!

Sabem o que ocorre? É que depois dos tais 7×1, ninguém queria segurar a “batata quente”. E o Dunga e depois o Tite seguraram. Tiveram méritos, mas já tiveram suas oportunidades. Passou! Repetir Tite dará frutos parecidos com a repetição de Dunga.


No caso do Tite, ele chegou respaldado pelos bons resultados à frente do Corinthians, não há dúvidas. Porém, nem assim impediu o vexame dessa Copa, já que o selecionado foi mal convocado e acabou ficando mal escalado.

Mas como não apanhamos de goleada, muita gente diz “tudo bem”. Tudo bem?

Pois é aí que está: o que mata é também essa visão tacanha de que a Copa é antes de tudo um evento e que não dá pra ficar ganhando sempre; há concorrentes diretos que às vezes merecem mais, além do que o futebol mudou, não podemos comparar com o de antigamente e blá, blá, blá…

Você ouve esse tipo de comentário o tempo todo. O torcedor-comum mudou.

Hoje, nos jogos de Copa, é o tal de ficar na arquibancada olhando não para o campo, mas para o telão, esperando os 90 minutos, para ser focalizado por três segundos e aparecer para o mundo todo. Dane-se a Seleção!

Na saída dos estádios, não tem um que esboce para a reportagem, um mínimo de conhecimento e noção do que foi a partida. É só fantasia, gritaria, histeria.

Então virou evento bonitinho, colorido, com abertura e encerramento impecáveis, elitizado, preços de ingressos nas nuvens e cuja maior atração do Mundial não é um craque ou seleção: é o VAR (árbitro de vídeo), cuja participação foi crucial na decisão.

Perdeu? “Tomemos uma cerveja, porque daqui a quatro anos tem mais… são 32 seleções e uma taça só!” É muito conformismo ou pura cegueira mesmo, minha gente!

Em 2006 deu Itália; em 2010, Espanha; em 2014, Alemanha e em 2018, França.        

Ou seja: todas, seleções europeias. Se fosse mesmo só um simples evento, porque seleções asiáticas ou africanas, por exemplo, não conseguem vencê-lo, também?

Entenderam o discurso pronto e sem noção, que está na cabeça de muito torcedor?

Estamos aceitando entrar no “segundo escalão” do futebol mundial, naturalmente.

Se antes sucumbíamos perante seleções que chegavam à final ou eram campeãs, agora aceitamos derrotas para seleções sem tanta tradição e ainda pedimos a continuidade desse trabalho. À que ponto nós chegamos!

Hoje, perdermos por 2×1 para a Bélgica é evoluir em relação aos 7×1 da Alemanha, bem como ver a Argentina ir embora do Mundial antes de nós já parece ser suficiente. 

Será que não sabem que se por um lado o fato de nos tornarmos pentacampeões foi devido ao nosso talento nato para o futebol, por outro lado, isso também se deveu a nossa intensa cobrança, essa vigilância feroz que o torcedor costumava exercer?

Escolher um técnico para a Seleção era quase tão importante quanto eleger um presidente. Hoje, isso mudou. Tanto, que explodiu o número de chatos jogando a culpa da alienação política brasileira em cima do futebol. Se soubessem que o próprio futebol está repleto de torcedores alienados…


Aliás, aumenta cada vez mais o número de pessoas que não gostam de futebol, no país. Por uma série de razões. E essa indiferença, essa falta de “vigilância”, também levou a Seleção a ficar mais distante do torcedor. Parece mais um produto.

Como não se cobra, não se chega a treinadores melhores, a jogadores melhores, a resultados melhores, a dias melhores. Não se respira mais futebol por aqui, como antigamente, compreendem? Estamos deixando de ser o “país do futebol”.

Qual o mal de querer ganhar sempre? O basquete americano é assim e alguém reclama dos títulos que eles ganham, por acaso? Pelo contrário!

“Ah, mas estávamos mal acostumados” disseram, dia desses, numa dessas análises bestas, querendo nos conformar diante da derrota. Pois eu respondo: estamos é nos acostumando mal, agora.

Acostumamo-nos com a corrupção no futebol, com o êxodo dos jogadores, com a falta de estrutura e administração melhores, com uma seleção que não representa de fato, o legítimo futebol brasileiro e que não levanta mais uma Copa, sequer.

Se não vencermos a próxima, igualaremos o recorde de tempo sem conquistarmos um Mundial, sabiam? Não, a maioria não sabe. Nem quer saber. Estão todos conformados.

E o “eterno 7×1” continuará se repetindo pelos anos que virão a continuarmos assim, podem ter certeza.  Essa Seleção nada mais é, que uma releitura da de 2014, com um discurso mais bem ensaiado, apenas.  Senão, vejamos:

Daniel Alves, Thiago Silva, Marcelo, Paulinho, Fernandinho, William, Neymar…

O Dani Alves foi cortado por contusão, ok. Mas qual desses aí, veteranos da Copa anterior, realmente desequilibrou a favor do Brasil, na hora “H”?

Não lhes parece que a Seleção de Felipão chorava demais e que a de Tite também não passava segurança emocional? Muitos defenderam o choro de Neymar, nosso principal ídolo, bem no meio-de-campo, ao apito final de uma partida ganha e de primeira fase. “Ah, mas foi porque ele voltou de contusão”.


Lembro que Pelé também chorou assim, mas não no meio-de-campo e sim no peito de Gylmar, junto dos companheiros. E tinha apenas dezessete anos. Mesmo assim, só depois de derrotar os donos-da-casa, em plena final da Copa da Suécia, algo inédito até então, para nós. Também vinha de uma contusão (quase foi cortado), entrando só no terceiro jogo, precisando classificar o Brasil.

E quanto a aquelas quedas todas em campo? Ou mesmo a reação, quando foi pisado por um mexicano, ao lado do gramado? As próprias redes sociais que achincalharam tanto Neymar, também relembraram Pelé em 70, quando revidou uma pisada dessas, com uma cotovelada na cara de um uruguaio, sem que o juiz percebesse.

Hoje tem “árbitro de vídeo”, eu sei, mas aquela reação dele não iria ajudar em nada. Como não ajudou. A imagem do jogador que cai e simula só se amplificou e pior: acaba ficando visada pela arbitragem. Neymar saiu menor dessa Copa, do que entrou.

Entendo que o atleta queira se proteger da violência em campo. Mas para isso já existe arbitragem. E também, não custa tocar mais a bola, ao invés de prendê-la. Lembro que Rivaldo, por exemplo, padecia desse mesmo mal, mas se corrigiu, com o tempo.

Só que a Seleção cometia erros absurdos, também. Corria, mas ao chegar ao ataque, parava, aguardando o adversário se recompor, pelo menos com duas linhas de quatro, atrás da bola. Daí começava aquela lenta inversão de jogadas, que não redundava em nada, pois os espaços já estavam blocados.

Onde estavam as jogadas ensaiadas para surpreender o adversário? E os exímios cobradores de falta que sempre tivemos? Aquelas jogadas rápidas pelas pontas?

“Ah, mas hoje o futebol mudou”. O futebol não mudou: piorou!

Diminuíram o campo, tiraram peso da bola, melhoraram o gramado e a condição física do atleta, para que o jogo ganhasse mais intensidade. Ok! E daí, qualquer cabeça-de-bagre joga, basta ter físico para isso. É basicamente fechar espaço, destruir e correr.

Queria só ver se com gramados enormes como o antigo Maracanã e talvez até, dez de cada lado (como já cansou de sugerir Beckenbauer), não voltariam as boas jogadas, os lançamentos, o drible.

Hoje, aqui no Brasil, o goleiro dá um chutão e a bola vai cair no círculo central, onde o zagueiro adversário a “chifra”. Ela viaja uns dez metros e é novamente golpeada de cabeça pelo volante da outra equipe. Daí então, perdendo altura, é disputada por dois ou três ao mesmo tempo e o juiz vai logo parando o jogo, arrumando uma falta, porque senão, ninguém põe a bola no chão, minha gente!


Gentil Cardoso era um treinador que brincava sempre com os jogadores perguntando-lhes do que era feita a bola. Respondiam-lhe que era de couro. Daí ele questionava de onde vinha o couro. “Da vaca”, diziam os atletas. “E do que é que a vaca gosta?”

“De grama”, era a resposta. E por fim, vinha o ensinamento: “Então minha gente, vamos colocá-la onde ela gosta de ficar: na grama, rasteirinha, rasteirinha…”.

Outra coisa que me deixa indignado: hoje, jogar pelos lados do gramado e cruzar, significa o lateral descer para o ataque e dez passos depois da linha do meio-campo, mandar aquela bola abaulada e lenta, na direção da meia lua, onde dois, três zagueiros já a esperam de frente, para rebatê-la de cabeça. Ora, isso é jogo de europeu!

No meu tempo, o ponta chegava ao fundo, olhava para a área e centrava geralmente para trás, pegando o atacante melhor posicionado chegando de frente para o arremate e os beques tendo que girar o corpo e ficando em situação de inferioridade. Depois inventaram que o ponta deveria trabalhar com o lateral ou o meia, pra facilitar a tarefa, num “overlapping” ou triangulação.  Até que hoje, virou isso!

Na partida contra a Bélgica, teve comentarista falando no intervalo – quando a vaca, aliás, já havia ido para o brejo – que “tinham que entrar pelo meio, de qualquer jeito”.

Meu Deus! Perdoai-os ó Pai, porque eles não sabem o que dizem!

Como vamos tentar abrir um time blocado lá atrás, com oito, nove atletas, entrando pelo meio? Pior é que foi o que se viu! Aquela confusão danada, bola estourando na zaga por todo lado. “Ah, mas era um paredão vermelho!”. Tá! E você vai ficar batendo contra a tal parede – como ficaram mesmo – até o fim do jogo? Façam-me o favor!


Daí, a cada chance de gol desperdiçada, era aquele velho gesto de mãos na cabeça, cara de desespero, palavrão sendo pronunciado, jogador se atirando em campo após errar um chute cara-a-cara. Isso é equilíbrio emocional?

A Bélgica jogou a partida seguinte contra a França, foi derrotada e não se viu isso, ao menos não com a mesma intensidade.  Seria porque os europeus são mais frios?

Não, é porque esse tipo de atitude não impacta positivamente o grupo no decorrer de uma partida difícil. Só aumenta o desespero coletivo, todos já sabem disso. Fica até parecendo que cada jogador brasileiro tenta se livrar da culpa, agindo assim, como que se dissesse ao público: “Olha, eu tentei tudo, fiz meu máximo, mas não deu, não tenho culpa!”. Querem saber a verdade? Todos tem parcela de culpa no time, a começar pelo nosso treinador.

Desde o final do ano passado, já convivíamos com algumas convocações erradas, que destoavam das primeiras que o Tite fez, quando assumiu o cargo.

Com uma equipe montada tão boa para checar jogadores em qualquer parte do planeta, deveria ter se lembrado de olhar os daqui do Brasil, também.

Alisson foi bom goleiro, mas não conseguiu produzir um único milagre em campo, no Mundial. O belga Courtois produziu o seu, no final do jogo, naquela bola do Neymar.

Aqui no Brasil, cansei de ver Marcelo Grohe e Vanderlei operando milagres. Custava testá-los? Que tal se levássemos os três e fizéssemos um revezamento nos primeiros confrontos da primeira fase, com a promessa do treinador de efetivar o titular apenas a partir das oitavas-de-final?

Aposto que o rendimento seria melhor e todos achariam justo, poder participar. Do modo como foi o Cássio não pôde fazer nada e o Éderson só pôde empurrar o Tite, derrubando-o, naquela comemoração de gol estapafúrdia, que virou piada mundial.

Já passou da hora dos goleiros reservas terem a oportunidade de jogar ao menos uma partida de primeira fase. Ou se confia neles, ou não se convoca. Ninguém na equipe deve se sentir tranquilo e absoluto na condição de titular. Mesmo o craque do time. 

A marcação por zona da defesa sempre foi outra coisa errada. Dos seis gols tomados pela Seleção, com Tite, cinco haviam sido de bolas aéreas. Foi um defeito que não se corrigiu no Mundial.


Sabendo que iria enfrentar uma Bélgica com grandalhões no ataque, porque não escalou Marquinhos, que era titular, ficando – que seja – momentaneamente com três zagueiros na área? Se ele confiava em Geromel, porque não o testou como titular, aproveitando assim, seu zagueiro mais alto para o jogo aéreo do adversário?

São perguntas que ficarão sem resposta, até porque não vi ninguém questionando Tite quanto a isso.

“Ah, mas o Thiago Silva não comprometeu”. Claro! E nem deveria, já que foi sua terceira Copa do Mundo, sabiam disso? Não, né?

Também ninguém lembrou que Fernandinho (ao lado de David Luiz) foi considerado culpado pela derrota de 7×1 diante da Alemanha, em2014. Não se deve crucifica-lo, mas entregar-lhe a responsabilidade de substituir Casemiro me pareceu demais. 

Na virada, o rapaz ficou marcado. Falhou nos dois gols, marcando o primeiro contra e não parando a jogada, no segundo. Fez lembrar Felipe Melo em 2010: ele e Júlio César se atrapalhando no primeiro gol dos holandeses, numa falha dupla: um errou a bola, enquanto o outro a cabeceava, marcando contra.

Pois foi numa falha dupla que se deu no primeiro gol belga: a bola veio na área, num ponto onde Gabriel Jesus e Fernandinho subiram sozinhos, numa tola disputa de bola.

“Ah, mas foi uma fatalidade”. Foi? Então me respondam como é o fundamento de um cabeceio: o correto não é subir de frente para a bola, com os olhos bem abertos e golpeá-la com a testa, direcionando-a para onde se deseja? Foi o que se viu no lance? Não, né? Mas, apesar disso, não se justificam os ataques – sobretudo os racistas – que Fernandinho recebeu. Porque, apesar das falhas, não foi o principal culpado.

Todos deveriam saber quem foi o maior responsável por isso. E não querer perpetuá-lo no cargo, como estão querendo fazer, agora.

A própria Seleção me pareceu uma simbiose das anteriores, unindo a insegurança na bola aérea de 2010, com a falta de combatividade pelo meio, de 2014.

E muitas vezes, as coisas não mudaram dada a teimosia de seu treinador.

Senão, como explicar sua resistência em escalar Douglas Costa, precisando abrir a zaga adversária? Não deveria ter começado jogando? Notaram como a equipe agrediu mais, com ele em campo? Faltou tempo para que ele pudesse ajudar a decidir. Ou o dedo do técnico, dizendo pra Neymar cair pelo setor, para dois habilidosos juntos fazerem o “um-dois” em cima do marcador. Sim, porque ao contrário do que sugeriu o tal comentarista, entrar pelas pontas é mais fácil do que pelo meio, todo congestionado.

Mas a teimosia tinha que chegar aos limites. E Gabriel Jesus foi a maior delas, sem dúvida. O atacante era uma opção válida para os jogos das Eliminatórias, quando saía em velocidade no contra-ataque, tabelando com Neymar. Não parado ali na frente.

No final das contas, não marcou gol algum, nem prendeu a dupla de zaga belga atrás. Quando Firmino entrou em campo, ao menos o time adversário se preocupou mais.


Tínhamos que ter entrado com Firmino e Douglas Costa desde o início. Ou assim que levamos o segundo gol, aos trinta minutos, pelo menos. A Bélgica podia ter ampliado, no primeiro tempo. Esteve mais próxima disso, do que nós, de diminuirmos o placar. Mas cadê treinador que tenha peito para fazer duas alterações antes do intervalo, reconhecendo que errou; gente? Tá pra nascer no futebol brasileiro! Sempre foi assim.

Se nem o Felipão fez isso, quando levamos “um saco” dos alemães, com cinco tentos em menos de vinte minutos, porque o Tite iria fazer, não é mesmo?

Oras, façam-me o favor! Se Paulinho não estava bem, porque insistir com ele, obrigando William a jogar aberto pela ponta? O tal “foguetinho” não teria sido mais útil pelo meio, em sua posição original?  Lutou muito, mas produziu pouco, por ali.

Perdido na ponta me fez lembrar o Bernard “alegria nas pernas” de Felipão, em 2014.

Se o esquema privilegiava Neymar, porque deixa-lo centralizado, fazendo com que trombasse com Philippe Coutinho? O Neymar que queríamos era aquele aberto pela ponta, veloz e insinuante, abrindo as defesas adversárias com apetite, do passado.

Não esse parado, diante de uma zaga já postada, sem ter cacoete de camisa 10 para resolver. No frigir dos ovos, um acabava atrapalhando o outro.

Notem que Coutinho jogou melhor nas duas primeiras partidas e depois sumiu nas duas seguintes, enquanto Neymar justamente melhorou nas duas últimas, após estar sumido nas duas primeiras. A imprensa creditou isso exclusivamente a ele estar voltando de contusão. Mas para mim, além disso, contou muito o fato de ambos estarem mal posicionados, quase que sobrepostos em campo, num mesmo espaço.

Será que ninguém enxergava isso, que os dois estavam se espremendo por ali e que a marcação adversária ficava facilitada, além do jogo não fluir, porque se concentrava muito ali, ainda mais quando Marcelo descia?

Agora, convocar Fred, Taison e mais uma meia dúzia, era dar ao time, a certeza de que faltariam opções no banco, quando fosse necessário. O próprio Renato Augusto só se salvou, por acertar uma cabeçada de rara felicidade. Por mim, não teria ido, também.

E pensar que tanta gente boa ficou por aqui, no Brasil!

Vanderlei, Marcelo Grohe, Marcos Rocha, Rodriguinho, Luan…


Dava para ter testado os meninos Arthur, Pedrinho e Paquetá. Ou até ver como seria com um jogador mais experiente no meio, pra melhorar a qualidade do passe, como o Hernanes, que salvou o São Paulo do rebaixamento, recentemente.

Notem que não há nenhum craque, entre os que eu citei. Até porque, eles estão desaparecendo do futebol brasileiro. E do mundial. Senão, Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar já teriam decidido ao menos alguma das Copas que disputaram. Agora surgiu o menino Mbappé e tome compará-lo a Pelé. Hoje é muito marketing, gente!

Enfim: precisamos urgentemente, retomar nossa vocação de jogarmos no ataque, pelas pontas, com um camisa dez raiz, com bola no chão.  Temos que retornar às nossas antigas características: do drible, da ginga, da malícia, do futebol atrevido, moleque, ofensivo. Dos gols.

Voltar a fazer os gringos se preocuparem em como é que irão conseguir parar os nossos dribles e não ficarmos nos preocupando tanto com a bola aérea deles.

Deixar esquemas rígidos e invencionices europeias de lado e recuperarmos nossa identidade futebolística, tão descaracterizada nessa década medonha.

O Brasil possui uma nova leva de jovens treinadores, cheios de vontade e talento.

Por que não se pensa em uma comissão de três, quatro treinadores, como na NBA, por exemplo? Ilusão? Ilusão é o Tite dizer que olhava para o banco e só via “feras”.

Estivesse vivo e o sábio João Saldanha estaria rindo, porque quando ele chamou seus jogadores assim, estava se referindo a Pelé, Gérson, Riva, Jairzinho, Tostão…

Mas conduzir a Seleção Brasileira é algo que envolve muita responsabilidade, eu sei.

O fardo é pesado para apenas um. Por isso, apenas responsabilizo Tite, mas não o condeno, apesar das minhas críticas. Condeno sim, é esse discurso de continuidade, esse “status quo” que se instalou na Seleção Brasileira.


Enquanto isso, a França se sagra bi em 2018, com gol de bola parada, gol contra e até ajuda do VAR. O goleirinho francês quis driblar o croata dentro da área e deu vexame. Quanta emoção! Alguém me acorde na hora de começar o desenho, por favor.

O predomínio europeu aumenta cada vez mais no torneio e as coisas ficarão mais difíceis, com 48 seleções. A Copa se torna, a cada edição, mais desinteressante para o torcedor brasileiro, que hoje anda preferindo até o Mundial de Clubes.

Falta perceber que o futebol não deveria ser “show business”, muito menos jogador se tornar “astro pop”. Que o futebol nacional vive um momento quase lúgubre, isso sim!

Enquanto a massa torcedora admira a beleza que foi o evento na Rússia e discute por aí a importância do “VAR”, os gringos nos passam cada vez mais para trás, garantidos também, pelo discurso de continuidade desse futebol brasileiro, que está aí.

Quanto a mim, só me resta continuar como um solitário torcedor gritando no meio do deserto contra esse tipo de coisa, enquanto o coração saudosista não se esquece das gerações de craques que um dia, nos deram as glórias do pentacampeonato mundial: Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Pelé, Gérson, Carlos Alberto, Jairzinho, Tostão, Rivellino, Romário, Bebeto, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e outros; num tempo em que o Brasil dominava o mundo com a magia de seu futebol, a qual o Museu da Pelada não se cansa de relembrar.

PELÉ & GARRINCHA: A DUPLA INVENCÍVEL

por Émerson Gáspari


Num dia ignorado de 2001, estava eu entretido com os jornais, revistas e livros daqui de casa, em minhas intermináveis leituras pelo mundo da bola, quando cai em minhas mãos o desempenho de Mané Garrincha com a camisa “amarelinha”. 

Algo espantoso, diga-se de passagem, pois foram 60 partidas pela Seleção Brasileira, com 52 vitórias, sete empates e apenas uma derrota, justamente na última delas.

Soube que a mesma ocorrera na Copa de 1966, diante da Hungria e imediatamente lembrei que Pelé não atuara nessa partida, pois o time enfrentou diversos problemas naquele Mundial.
Estava, pois, diante de uma “descoberta futebolística” (vamos assim dizer) por uma simples dedução: se Pelé não jogou na única derrota de Mané Garrincha pelo Brasil, então, isso significava que a dupla “Mané-Pelé” jamais havia sido derrotada.

Justamente os dois, que glorificaram essa camisa tão respeitada pelos quatro cantos do planeta. Expoentes máximos do escrete brasileiros e maiores jogadores da história do nosso futebol. Pela Seleção, Pelé marcou 95 gols. Mané Garrincha, outros 17.


Claro, tivemos a seleção do Tri, de vitórias memoráveis em 70 e belíssima campanha nas Eliminatórias de 69. Mas aí já se tratava de uma camisa consagrada, temida, admirada. E bicampeã mundial. A propósito, a última de maneira consecutiva, em toda a rica história das Copas do Mundo. 

Empolgado pelo “achado”, escrevi para uma publicação especializada em futebol, pedindo ajuda para elucidar a questão que agora povoava minha cabeça: se com Pelé e Garrincha, juntos em campo, a Seleção jamais foi derrotada, quantos jogos haviam sido então, de invencibilidade? E com quantas vitórias e empates? 

Três semanas depois, recebo uma carta-resposta não muito animadora: não poderiam atender minha solicitação, por algumas normas que aqui não me vem ao caso abordar. Decidi não desistir. 

Argumentei que não me enquadrava em nenhuma das tais “normas”, que era leitor assíduo deles havia duas décadas e que a informação poderia ser importante para estudiosos e escritores futebolísticos. Lembrei-os de que nenhuma dupla ficou invicta tantos jogos, por uma seleção. Nem Meazza e Piola, Puskas e Czibor (ou Puskas e Di Stefano), Eusébio e Coluna, Cruyff e Neeskens, Mário Kempes e Maradona. 

Não obtive mais respostas. 


Quatro longos meses se passaram e um dia, um amigo jornaleiro me chama, dizendo ter lido meu nome na tal publicação, com uma pergunta e a respectiva resposta. Comprei-a e fiquei realmente feliz. Mais que isso: admirado com o tamanho da proeza de Pelé e Mané, pela Seleção: 40 jogos, com 35 vitórias e apenas cinco empates. 

Na semana seguinte, um famoso jornalista já utilizava essa informação em sua coluna. 

Bingo! Fiquei feliz pela modesta contribuição para a “arqueologia” do futebol nacional.

Resolvi então – por conta própria – pesquisar mais a respeito, na minha incessante tarefa de arqueólogo futebolístico “não remunerado”.

Aos poucos, consegui completar os dados da minha pesquisa e agora, tantos anos depois, finalmente a publico, com exclusividade, aqui no Museu da Pelada! 

Vou lhes contar a história do período mais triunfal do futebol brasileiro: os 40 jogos da invencível dupla Pelé-Garrincha, ao longo de mais de oito anos, com 35 vitórias e cinco empates. Neles, Pelé anotou 44 gols e Garrincha, outros 10. 

Incrível, não?

Essa epopeia começaria em um amistoso disputado no Pacaembu (no tempo da “concha acústica”) em 18 de maio de 1958, diante da Bulgária. Havíamos vencido os mesmos búlgaros dias antes (mas no Maracanã), porém, naquela partida, o ponta-direita havia sido Joel e o meia-esquerda Dida é que começaria jogando (Pelé entraria no decorrer do jogo). O técnico Vicente Feola ainda buscava a formação ideal para disputar a Copa que se aproximava e fazia testes.


O mais curioso é que Pelé e Mané tenham feito a primeira e a última partida da série de “quarenta” contra a mesma seleção da Bulgária.

Nesse primeiro jogo, a Bulgária até saiu na frente e esteve perto de ampliar, mas o Brasil venceu por 3×1 de virada e Pelé marcou dois gols, o primeiro deles, recebendo a assistência de Garrincha, por meio de um escanteio cobrado. Era o começo da saga!

Em 21 de maio, novo amistoso no Pacaembu: 5×0 no Corinthians, no segundo jogo da dupla. Dessa vez, foi Mané quem marcou duas vezes (os primeiros dele pela Seleção).  Mas tomamos um baita susto: o lateral Ditão acertou um pontapé violento em Pelé, que acabou virando dúvida para o Mundial, o qual se iniciaria em quinze dias. A dupla estava momentaneamente desfeita.

Pior: no confronto seguinte, diante da Fiorentina – que vencemos por goleada – Mané inventou de driblar todo mundo até ficar sozinho, diante do gol escancarado, só que, ao invés de chutar, esperou a volta desesperada do zagueiro Roboti para aplicar-lhe mais um drible, vê-lo chocar-se contra a trave e daí sim, mandar para as redes. 

A comissão técnica não gostou: e se ele fizesse aquilo na Copa; desperdiçasse a chance e o Brasil perdesse? Garrincha foi “recolhido” ao banco de reservas, enquanto Pelé era avaliado, para decidirem se valeria à pena levar um rapaz de 17 anos contundido, à Suécia. A maior dupla de todos os tempos corria sérios riscos de ser desfeita. 


Ainda mais, quando o psicólogo da Seleção Brasileira achou que o Mané não possuía um “perfil” muito confiável. O compadre Nilton Santos procurava fazer os testes psicotécnicos antes, para lhe passar umas dicas. Mas não adiantava: num teste de QI, Garrincha – graças à sua ingenuidade – conseguia fazer apenas 38 pontos, bem abaixo dos companheiros de grupo, o que reforçava a rejeição da comissão com relação a ele. 

Mas, “Deus é brasileiro” e ambos entrariam no time, quando a situação apertou lá na Suécia, no jogo da Copa que valia nossa classificação. Surgiu até uma lenda de que um grupo de jogadores teria pressionado Feola a escalar a dupla. Não foi bem assim. 

O fato é que o treinador, dois dias antes, já intencionava colocar Pelé na vaga de Dida e, em razão das muitas dores de Dino Sani após o jogo contra os ingleses e o conselho médico de poupá-lo, Zito viraria titular. Com um volante forte na marcação, Feola se decidiu por trocar Joel (que voltava para ajudar o meio-campo, igual a Zagalo) pelo endiabrado Garrincha. Após sua decisão, o chefe da delegação, Paulo Machado de Carvalho, foi conversar com os jogadores mais experientes do grupo a respeito: Nilton Santos, Didi, Bellini e Gylmar, os quais concordaram de imediato, é claro! 

Resultado: vitória de 2×0, com um show de Mané e Pelé, os quais “destruíram” a URSS de Yashin em apenas três minutos de partida. Foi no dia 15 de junho, no estádio NyaUllevi. Seria a terceira partida da dupla e a terceira do Brasil naquela Copa, também!


Dali por diante, as coisas se tornariam bem mais tranquilas, para os dois e a quarta partida de ambos ocorreu quatro dias depois, no mesmo estádio, em 19 de junho de 1958, na dramática vitória por 1×0 sobre o retrancado País de Gales, quando Pelé marcou o seu primeiro gol (aço!) em Copas, “chapelando” um zagueiro dentro da área. 

O quinto confronto seria o chamado “jogo da Copa”: Brasil 5×2 França, no estádio Rassunda, dia 24 de maio e Pelé novamente foi a “figura do jogo”, fazendo três gols. O Brasil estava classificado para a finalíssima, diante dos donos da casa e Pelé começaria ali, a ser chamado pela imprensa internacional também, de “Rei”. Isso com 17 anos!

A final (apenas o sexto jogo da nossa dupla, junta) teve o mesmo placar: 5×2 em cima da Suécia, também no estádio Rassunda, em Estocolmo. E Pelé “guardou” mais dois gols, na decisão em que o Brasil se sagrou campeão mundial pela primeira vez. 

Ou seja: foi este time, impulsionado (e muito!) por sua “dupla dinâmica” que “colocou o Brasil no mapa”, de certa forma. 

Somente no ano seguinte, eles se reencontrariam; desta vez no Monumental de Nunez durante o Sul-Americano, realizado na Argentina. Lá, rolou a sétima partida deles (com gol de Pelé) em 21 de março de 1959, na vitória brasileira de 4×2 sobre a Bolívia. 


E também a oitava, dia 26 de março, na bela vitória sobre o Uruguai por 3×1, no mesmo estádio. Aliás, todas as partidas brasileiras nessa edição do Sul-Americano aconteceram lá: a nona, dia 29 de março, na goleada de 4×1 em cima do Paraguai (sendo três do “Rei”) e a décima, na última rodada, diante da Argentina, no empate de 1×1, em 04 de abril de 1959, que acabaria dando o título aos portenhos, pela melhor campanha no torneio. Pelé marcou o gol de empate e no último lance, Garrincha driblou até ficar diante do gol. Quando foi concluir, o juiz encerrou a partida, não validando o tento brasileiro. 

Notem que somente nesse 10º jogo da dupla é que não conseguimos a vitória e até perdemos o título, numa manobra “escandalosa” da arbitragem para favorecer os argentinos, em Buenos Aires. 

Lembrando também, que havia situações em que ambos não jogavam juntos, por razões diversas, como contusões ou testes que o treinador brasileiro resolvia fazer utilizando outros atletas. Por outro lado, a programação de jogos às vezes também não era tão intensa.

Assim, somente em 29 de abril de 1960 eles se reencontrariam, em sua 11ª partida, na goleada do amistoso diante do Egito por 5×0, no estádio Nasser. Mané marcou um gol e desta vez, não houve qualquer interferência da arbitragem. 

Mais duas partidas amistosas aconteceram por lá: no 12º jogo da dupla, o Brasil bateu o RAU, por 3×1 (os três, de Pelé), em 1º de maio, no estádio de Alexandria e por fim, novamente no “Nasser”, na 13ª partida, a Seleção Brasileira venceu outra vez o Egito por 3×0, com novo gol de Garrincha, no dia 06 de maio de 1960. 

Em algumas das partidas dessa excursão, Julinho substituía Garrincha. A equipe brasileira prosseguiu então, agora pela Europa: na Suécia, o Brasil venceu a equipe do Malmo, no “MalmoStadion” por 7×1, em 08 de maio, com Pelé fazendo mais dois gols, na 14ª partida da dupla. Nessa época, nós é que aplicávamos esse placar nos outros!


A 15ª ocorreria dois dias depois, no estádio Idraetspark, na vitória brasileira diante da Dinamarca, por 4×3, em mais um amistoso. Já na 16ª, foi registrado o segundo empate da dupla: 2×2 no estádio de San Siro, diante da Inter de Milão. Pelé marcou os dois gols
brasileiros.

Fechando a excursão (e a série de amistosos), em 16 de maio, a Seleção “ensacou” por 4×0 o Sporting de Portugal, no Estádio da Luz, no 17º duelo dos dois e agora seria a vez de Garrincha marcar um tento. 

Quase dois anos se passaram, até que jogassem juntos novamente – agora sob o comando do novo treinador – Aymoré Moreira. Atuariam diante dos paraguaios, em dois confrontos pela Taça Oswaldo Cruz, sendo o primeiro no Maracanã (em 21/4) e o segundo (em 24/4) no Morumbi, em construção (18ª e 19ª partida, respectivamente). No Rio, deu Brasil 6×0, com um gol de Mané e outro de Pelé. Já em São Paulo, acabou 4×0, com mais dois de Pelé. Que beleza!
Chegando então à metade dos 40 jogos, nossa seleção enfrentaria Portugal, em dois amistosos. No primeiro deles, realizado em 06 de maio de 1962, no Morumbi, o Brasil venceu por 2×1. No amistoso seguinte (21º jogo), em 09 de maio, no Maracanã, nova vitória brasileira, desta feita por 1×0, gol de Pelé.  

Às vésperas de mais um Mundial, o país seguiria nova série de amistosos preparatórios (agora para a Copa do Chile) desta vez se confrontando com a Seleção do País de Gales, em duas partidas. 

No dia 12 de maio de 1962, no Maracanã, venceu por 3×1, com Garrincha e Pelé deixando um gol cada, no confronto (o 22ª, da dupla). Quatro dias depois, no Morumbi, o placar se repetiu; desta vez com Pelé marcando duas vezes (23º jogo). 

Tudo pronto, a expectativa era grande para saber o que a nossa intrépida dupla iria “aprontar” no Chile. Naquele ano, Pelé e Garrincha estavam “tinindo”. 

O “Rei” ganhou praticamente tudo o que podia naquela temporada de 1962, sendo campeão estadual, nacional, continental e finalmente mundial com o time do Santos e nessa última conquista,  realizou talvez sua maior partida na carreira, diante do poderoso Benfica, em Lisboa.


Já o “Anjo das Pernas Tortas” vivia seu apogeu no Botafogo; com uma vitória e atuação memoráveis em cima do Flamengo na final do Campeonato Carioca daquele ano, o que acabaria por dar o bicampeonato ao alvinegro. Não bastasse, ainda sagrou-se campeão do prestigiado Rio-São Paulo e de outros torneios, inclusive no exterior.  

Acontece, entretanto, que nem tudo sempre sai conforme o planejado.

O Brasil até estreou sem problemas, vencendo o México, por 2×0, com Pelé marcando um golaço, após driblar quatro adversários, no estádio Sausalito, no Chile, pela 24ª partida deles juntos, no dia 30 de maio de 1962. 

Porém, no confronto seguinte, diante da Tchecoslováquia (o 25º), no mesmo estádio, Pelé sofreu uma contusão que o tiraria da Copa. Foi no dia 02 de junho e dali por diante, Amarildo o substituiu, até a conquista do bicampeonato, sempre com vitórias, pois Mané Garrincha assumiu responsabilidade dobrada, decidindo alguns jogos e marcando gols, inclusive de perna esquerda e de cabeça, o que não era de seu feitio. 

Notem que a tal série de 40 jogos invictos juntos, poderia ter sido ainda maior, não fosse a tal contusão. 

Mas eles teriam a oportunidade de se reencontrar, tempos depois, já que mais um hiato iria se criar, nessa trajetória.

Isso porque, apesar de Pelé se recuperar da tal contusão sofrida, Mané Garrincha passaria a sofrer problemas crônicos no joelho; em razão das muitas entradas violentas que sofreria na carreira e que acabaram por atrapalhá-lo bastante. 

Nesse período, a Seleção andou testando alguns atletas na ponta direita, com Dorval sendo o mais frequente. Só que ninguém agradava tanto como o nosso Garrincha.

Pudera: Mané era considerado a “Alegria do Povo” e o que o torcedor mais queria, era vê-lo driblar, driblar, driblar…e com Pelé à seu lado, fazendo muitos gols.

Por isso, foi uma felicidade quando a dupla finalmente reapareceu na linha de frente brasileira, um ano antes do Mundial de 66 na Inglaterra, para começariam a cumprir os derradeiros 15 jogos juntos pela Seleção. 

Até o treinador Vicente Feola – após alguns problemas de saúde que o haviam afastado do comando da equipe – estava de volta, também. 


Assim, em mais uma leva de amistosos, o “Torto” e o “Rei” atuariam lado-a-lado, a começar por três partidas no Maracanã: no dia 02 de maio de 1965 (a 26º), na goleada por 5×0 na Bélgica – em que Pelé marcou mais três gols – depois, no dia 06 de maio, na vitória sobre a Alemanha Ocidental por 2×0 (outro gol de Pelé) no 27º compromisso de ambos e por fim, no empate em 0x0 com a Argentina, em 09 de junho (28º jogo). 

Na sequência, a Seleção Brasileira pegou um avião e foi disputar mais dois amistosos. Um na Argélia (29º jogo) no estádio 19-Juin, em 17 de junho de 1965, numa goleada de 3×0, com Pelé marcando mais uma vez. E o outro, exatamente uma semana depois (dia 24 de junho) diante de Portugal, no estádio das Antas, quando se registrou um empate de 0x0 com os lusitanos – na 30ª partida de nossa dupla – e o último placar de igualdade na série de partidas dos dois. 
Depois disso – e até o encerramento da lista dos 40 jogos invictos – o Brasil engataria um sequência de dez vitórias consecutivas com nossos dois heróis à frente. Então vamos lá (e não percam a conta!).

Ainda pela tal excursão, o Brasil goleou a URSS (em mais um amistoso) no estádio Lênin, por 3×0, com Pelé marcando duas vezes, no dia 04 de julho, na 31ª partida. 

Seria a última deles juntos naquele ano, já que o Brasil acabou sendo representado pelo time do Palmeiras “da Academia”, dois meses depois, naquele tal amistoso em que vencemos os uruguaios por 3×0. E próximo do final do ano, Garrincha não atuou em algumas partidas. 
Mas em 1966 – ano de Copa do Mundo – a dupla voltou ao seu ritmo costumeiro, realizando todas as nove partidas que fecham essa incrível sequência. 

A 32ª deles – um amistoso frente à Seleção Gaúcha, dia 1º de maio, no Maracanã – terminou com vitória canarinha por 2×0.

No mesmo mês, já no dia 19 e também no Maracanã, o Brasil bateu o Chile pela contagem mínima, em novo amistoso (33º jogo). 

Em 04 de junho (a 34ª), outra partida amistosa preparatória para a Copa e goleada sobre o Peru, no estádio do Morumbi por 4×0, com mais um tento de Pelé. 

Quatro dias se passaram e pelo 35º compromisso dos dois, vitória diante da Polônia no Maracanã por 2×1, com Mané Garrincha anotando outro gol, no amistoso. 

A Copa se aproximava velozmente e Feola tinha muitas dúvidas quanto ao time titular que iria pôr em campo: vários jogadores daquela safra bicampeã haviam se despedido da seleção ou estavam se aposentando. Outros viviam com problemas de contusão (como Mané) e havia ainda uma nova “leva” de atletas surgindo, relativamente inexperiente, a qual viria depois a se consagrar no Mundial de 70, no México. 

Ou seja: uma “batata quente” nas mãos! E a comissão se perdeu um pouco nessa complicada tarefa, convocando inicialmente 47 atletas, para ir resolvendo (em tempo curto) essa complicada questão. Todavia, se pensarmos por outro lado, foi uma época em que se formavam no país, até quatro seleções praticamente do mesmo nível. 

Já hoje em dia…

Mas voltemos a Pelé e Garrincha: o Brasil viajou para disputar o Mundial e antes de chegar à Inglaterra, realizou seus amistosos finais, já em solo europeu. 

Dia 21 de junho de 66, a Seleção Brasileira derrotou o Atlético de Madrid, no estádio
Santiago Bernabeu, pelo placar de 5×3, com três gols do “Rei” (36º jogo), em mais um “hat-trick” dele.  Em 30 de junho, no estádio NyaUllevi (o mesmo em que a dupla havia estreado em Copas), o Brasil ganhou da Suécia por 3×2, pelo 37º duelo da dupla. 

Mais alguns dias e em 04 de julho, nosso selecionado triunfou sobre o AIK da Suécia, no estádio Rassunda, em Estocolmo. Nesse 38º jogo, Pelé marcou dois gols e Garrincha outro, na tranquila vitória brasileira por 4×2. 

Já contra a equipe do Malmo (também da Suécia), no “MalmoStadion”, obtivemos uma vitória de 3×1, com Pelé marcando outros dois gols (pra variar!). O jogo aconteceu no dia 06 de julho. Foi a 39ª e penúltima partida da dupla e o último amistoso. 

Finalmente, iniciou-se a VIII Copa do Mundo e o Brasil estreou diante da Bulgária, fechando a série de 40 jogos da dupla “Mané-Pelé”, jogando contra a mesma seleção – como eu já havia dito a vocês – com a qual iniciara essa saga, em 1958. 


O confronto se deu no estádio Goodison Park, em Liverpool, na Inglaterra, no dia 12 de julho de 1966, diante da Bulgária. Vitória brasileira (e da dupla) que não poderia se despedir de maneira melhor: 2×0, com direito a um gol de cada. E ambos de bola parada, em cobranças de falta. 
Primeiro Pelé e depois, Garrincha (aliás, uma verdadeira “pintura” de Mané). 

Foi o 40º e último jogo dos dois juntos. Uma parceria que nunca mais seria repetida com tamanha competência, em qualquer época ou parte do mundo. 

Depois disso, fomos “caindo na real” aos poucos: na partida seguinte, perderíamos para a Hungria por 3×1 (sem Pelé) e depois, pelo mesmo placar, para Portugal (sem Garrincha). Com o “torto” sendo vítima de um joelho estourado pelos adversários e o “negão” violentamente “caçado” em campo, o Brasil acabou eliminado ainda na primeira fase, naquele Mundial que só serviu para que os ingleses o sediassem e dele se servissem, mesmo. O tempo levaria nosso país a novas conquistas.  

Porém nunca mais, em nenhum lugar deste universo, surgiria uma combinação tão vencedora e mágica, como aquela formada por Garrincha e Pelé, a dupla invencível.

E a nós brasileiros, resta apenas agradecer a Deus, pela dádiva concedida e perpetuar esta história tão bonita, pelas próximas gerações.  

Em tempo: a dupla Pelé-Garrincha, na verdade, se despediria definitivamente mesmo, na noite de 19 de dezembro de 1973, num amistoso batizado de “Jogo da Gratidão”, realizado no Maracanã. 

Foi de fato, uma festa realizada para ajudar financeiramente a Mané Garrincha. 


Um encontro beneficente, que reuniu uma espécie de “Seleção Estrangeira” composta por atletas gringos que atuavam no Brasil, contra uma “Seleção Brasileira”, enxertada por Pelé (havia se despedido da Seleção, dois anos antes), além de Garrincha, então já um quarentão e aposentado do futebol profissional. 

Por trinta minutos, eles fizeram os mais de 150 mil torcedores relembrarem um pouco da maior dupla de craques que já existiu. Mané deixou o gramado e deu sua volta olímpica. Pelé ainda permaneceu em campo. O Brasil saiu perdendo, mas virou o jogo festivo para 2×1, com Pelé anotando um dos gols. Uma espécie de “última vitória” daquela dupla, mas que não entra nas “estatísticas oficiais”. 

E olhem, à bem da verdade, nem precisava entrar mesmo.

BRASIL DE 58 X BRASIL DE 70

por Émerson Gáspari


Aproveitando o privilégio de estar no Museu da Pelada, proponho aqui, vir à tona com uma das nossas maiores discussões em rodas futebolísticas, até hoje: qual das duas seleções brasileiras foi a melhor, na opinião de vocês: a de 1958 ou a de 1970?

Aposto que a maioria irá se decidir pela de 70, afinal de contas, sequer acompanhou a de 58, transmitida pelo rádio. Mas a dúvida persiste e tentar definir isso de vez me parece salutar, para jogar um pouco de luz num das maiores dilemas da história do futebol brasileiro. Futebol esse que anda difícil de engolir, ultimamente. 

Dia desses, minha esposa descia a escadaria daqui de casa e notou o televisor da sala sintonizado num São Paulo x Santos – completamente abandonado – enquanto eu me refugiava na sala de jantar, diante do computador, compenetrado. Daí me perguntou se eu não iria assistir ao futebol e lhe respondi que futebol mesmo, era o que eu estava vendo, ali: Botafogo x Santos, partida completa de 1964, no Maracanã. 

De um lado; Gylmar, Pelé, Zito, Coutinho, Pepe. Do outro, Manga, Garrincha, Nilton Santos, Jairzinho, Gérson (de topete!). Falando sério: dá pra comparar? Só me resta mesmo ser saudosista nesta vida, gente!

Aliás, quem frequentava meu sebinho no centro de Ribeirão Preto e curte futebol, sempre participou das acaloradas discussões promovidas por mim, com os colegas fanáticos pela bola. Numa delas, confabulamos a respeito da eterna celeuma de qual seleção brasileira foi melhor: a de 1958 ou a de 1970? 

A maioria dos meus amigos sempre defendeu que foi a de 70, até porque – no caso deles – era a primeira que haviam visto jogar e tal. O “grupo” seria melhor.

Eu sempre contra argumentei que seria a de 58 (inclusive tinha um belo pôster dela, publicado na antiga revista O Cruzeiro, colado na parede, ao lado de minha mesa).

E apresentava minhas razões, para justificar a dura escolha.


– Pessoal, mas o grupo de 58 tinha mais craques, individualmente falando: para mim, Gylmar, Bellini, Nilton Santos, Zito e Garrincha, eram superiores a Félix, Brito, Everaldo, Clodoaldo e Jairzinho, respectivamente. Já Djalma Santos (notem que preteri De Sordi), Orlando e Didi, mais ou menos empatariam tecnicamente com Carlos Alberto Torres, Piazza e Gérson. Apenas Tostão e Rivellino levariam boa vantagem – tecnicamente falando – contra Vavá e Zagallo. 

Pelé é um caso à parte e eu estaria blasfemando ao tentar cravar se o “Rei” foi melhor aos 17 anos, na Copa de 58 ou aos 29, na de 70.

Só que o pessoal não costumava entregar os pontos facilmente, nessas questões:

– Mas o grupo de 70 “mataria” o de 58, no preparo físico, Émerson.

E eu, bancando os primeiros campeões mundiais, respondia:

– Amigos, o máximo não é correr atrás da bola, é fazer a bola correr, como sempre defendeu Rivellino! Além disso, apenas o time de 58 teve dois gênios incomparáveis juntos: a dupla Pelé-Garrincha – que jamais foi derrotada, inclusive – o que por si só, já dá uma dimensão do que aquele selecionado seria capaz de fazer, num embate desses.

A turma não se dava mesmo por vencida, apontando então, a evolução do futebol, nos doze anos que separaram as duas seleções, como argumento.

Retruquei então que evolução nem sempre acontece. A seleção de 66 mesmo foi um desastre, regredindo em relação às de 58 e 62. O que dizer então, das que temos visto nos últimos anos?

É por isso que eu defendo tanto que Pelé e Garrincha – hoje, tendo a tecnologia e preparação física de última geração – continuariam sendo os melhores, estourados. Difícil seria ver os “craques” de hoje desempenhando o mesmo papel, sem tanta preparação física, no meio dos de antigamente, onde só feras jogavam! Alguns, não passam de craques “no marketing”. 

Mas levantei um ponto favorável à seleção tricampeã mundial, ao menos:

– Para mim, os maiores adversários das duas equipes foram equivalentes: Inglaterra, Peru e Uruguai em 70 eram tão complicados como URSS, País de Gales e França, em 58, a meu ver.

No empate contra a Inglaterra em 58, a seleção ainda não tinha sua formação definitiva, portanto não ponho na conta. Porém, acho que a final de 70 foi mais dura, pois os italianos, mesmo “faltando pernas”, eram superiores aos suecos, apesar destes jogarem em casa. 


Os demais adversários pouco puderam fazer diante do Brasil, na minha humilde análise. Desejaria mesmo, era ter uma opinião a respeito disso, de Pelé e Zagallo, que estiveram nas duas Copas. Eles sim; poderiam opinar com mais propriedade, acerca do assunto.

– E se jogassem uma contra a outra? – me perguntaram, de supetão. 

– Olhem, numa partida dessas, precisaríamos fazer um nivelamento no aspecto físico e tático, no equipamento esportivo (uniformes, bola, traves, gramado) e até nas regras, pois nem cartão amarelo em 58 ainda, havia. Estabelecendo-se isso, aí sim, poderíamos pensar no assunto. Colocá-los em choque direto assim, a seco, não sei… 

Meus amigos não deixaram por menos: foram logo me “intimando” com a proposta: 

– Você não é o “Poeta da Bola”? Que tal usar sua imaginação para isso? Você sempre escreve a respeito e publica em livros… tente aí, de cabeça, imaginar como as coisas poderiam ser, num confronto desses!

Ri daquela situação. Eu havia escrito uma série de livros, intitulada “Poetas da Bola”. Mas o título fazia referência à verdadeira “poesia” que os craques do passado, com os pés, escreveram nos gramados. Não que fosse pretensão minha, ser apelidado assim.

Topei de imediato! Comparar exige certos cuidados e considerações, mas seria um exercício criativo bacana com o nosso sagrado futebol brasileiro, pelo qual possuo o maior respeito. E comecei a descrevê-lo, de improviso (igual político fazendo discurso) tendo meus colegas por testemunhas:

Brasil-58 x Brasil-70 não se enfrentam em Estocolmo ou Guadalajara, mas no Rio de Janeiro, num Maracanã lotado, com público de quase 200 mil pagantes, como palco do maior tira-teima de toda a história do futebol brasileiro.

A seleção de 1958 pisa o gramado primeiro, com: Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nilton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagallo. Téc.: Vicente Feola. O selecionado de 1970 vem a campo, com: Félix, Carlos Alberto Torres, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gérson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivellino. Téc.: Zagallo.

Carlos Alberto ganha o sorteio de capitães e o Brasil de 70 dá a saída: Pelé está com um pé sobre a bola, tendo Tostão a seu lado. O árbitro autoriza: está valendo!


Mas os primeiros campeões mundiais é que começam com tudo: logo roubam a bola e Didi lança para Garrincha. Daí para Pelé. Para Garrincha. Ele ultrapassa Everaldo pela direita e manda a bomba em cima de Félix. 

Até parece a estreia da dupla “Mané e Pelé” em Copas, diante da URSS. Escanteio batido e Brito alivia. Intercepta Didi. Daí à Garrincha. Para Pelé. Outra vez para Garrincha. Ele passa por Everaldo e Piazza e manda uma paulada que explode no poste esquerdo de Félix. 

Agora é Zito quem apara o tiro de meta e toca para Pelé. Para Garrincha. Mané devolve a Pelé, que da entrada da área, dispara um foguete no travessão adversário.

– Como demora este gol brasileiro, minha gente! – esgoela-se um locutor, numa das cabines de rádio do Maraca.

São três minutos. Tiro de meta interceptado. Bola para Pelé. Para Garrincha. Daí à Didi. E Vavá entra fulminante, para fuzilar Félix: Brasil-58, 1×0. Festa nas arquibancadas!
“Foram os três minutos mais inacreditáveis de toda a história do futebol” trará, no dia seguinte, a manchete da Gazeta Esportiva.


Mas o Brasil-70 é experiente e não se abala com gols tomados. E recomeça o jogo, na base da tranquilidade, tocando a bola.  De Pelé para Tostão, que retrocede para Clodoaldo. O qual entrega para Gérson. Este ultrapassa o círculo central e lança na direita para Jairzinho, marcado por Nilton Santos (que duelo!); a bola parece que vai sair, mas ele corre feito raio e antes que cruze a linha de fundo, centra-a com violência pelo alto, para a grande área. Pelé sobe mais que Orlando e cabeceia violentamente para o chão, Gylmar salta no canto, dando um tapinha nela, por baixo.  Caprichosamente, a bola sobe cheia de efeito, encobre o travessão e rola por sobre as redes. O estádio todo se levanta e aplaude a defesa monumental de Gylmar, após a cabeçada mortal de Pelé. 

Os minutos passam e com eles, jogadas de efeito se sucedem dos dois lados. Agora é mestre Didi quem faz um lançamento de 40 metros para Garrincha, que se livra de Everaldo e antes da chegada de Piazza, bate para o gol, no cantinho do gol de Félix: 2×0 para o Brasil-58, que começa com a corda toda.

A luta para conter Garrincha está terrível e enlouquece os rivais: Clodoaldo é obrigado a vir dar o primeiro combate, pois Everaldo é “tirado pra dançar” por Garrincha a toda hora e nem sempre Piazza chega a tempo, na cobertura. A famosa “fila” vai se formando. Gérson nem se mete: perece traumatizado pela final em que Flávio Costa o mandou marcar Mané e o Flamengo acabou destruído pelo “anjo das pernas tortas”.

Mas é justamente Gérson quem rouba uma bola de Zagallo, que estava recuado e a entrega rapidamente para Pelé. Antes da risca do meio-campo e pelo lado direito, ele enche o pé, a 64 metros de distância, disparando um chute por cobertura, ao notar Gylmar um pouco adiantado. O goleiro volta desesperado, acompanhando a trajetória descendente da esfera, que por fim, passa próxima do ângulo esquerdo de sua meta. Aplausos gerais!

Agora é Tostão que pela esquerda, luta contra Djalma Santos, Bellini e Zito, na grande área. Ele se desvencilha dos três e centra para Pelé, na marca penal. O negão vira o jogo para a direita. Jairzinho penetra e enfia o pé, sem dó: 2×1 no placar.

Explode a torcida brasileira! Por via das dúvidas, não há separação de torcidas, pois ninguém está ali para torcer por este ou aquele selecionado; é uma torcida unida, feliz.


Quase trinta minutos de jogo e Nilton Santos desce para o ataque, pela meia- esquerda. Ante a aproximação de Clodoaldo, ele toca para Vavá, que traz consigo a marcação de Brito. O “Enciclopédia” então, se infiltra na zaga adversária e pede a bola de volta, recebendo-a. Félix pressente o perigo e abandona sua meta, fechando em cima do lateral, mas é tarde demais: com um toque sutil, por elevação, Nilton põe a bola no ângulo: o Brasil-58  faz 3×1, aumentando vantagem, no marcador.  

São decorridos 37 do primeiro tempo, quando Jairzinho cai pela esquerda e estende um passe a Pelé, no meio. Uma vez mais, ele rola para a direita, de onde agora surge Carlos Alberto Torres, que bate de primeira, descontando para o Brasil-70.

Zito fica louco e distribui uma bronca em todos. Com os olhos, busca apoio de Vicente Feola no banco. Mas o flagra cochilando e desiste. O placar está 3×2, para “58”.  

No intervalo, a torcida canarinha continua a fazer muita festa e gente como Paulo Machado de Carvalho, João Havelange, Neném Prancha, Armando Marques, Leônidas da Silva, Friedenreich, Zizinho, Zico, Sócrates, Romário, Ronaldo Fenômeno, Mário Filho, João Saldanha, Nelson Rodrigues, Tim, Telê Santana, Orlando Duarte, Armando Nogueira, Luciano do Valle, Milton Neves entre muitos outros, circulam pelos camarotes e bastidores, comentando a respeito do maravilhoso espetáculo à que estão assistindo. 

Milton até arrisca escalar o “time dos sonhos” daquele encontro: Gylmar, Carlos Alberto, Bellini, Orlando e Nilton Santos; Gérson, Didi e Pelé; Garrincha, Tostão e Rivellino. Téc.: Zagallo.  Quando perguntado por Armando Nogueira sobre qual dos dois “Pelés” seria aquele da escalação, ele se sai com essa:

– Qualquer um, ora bolas… fica impossível decidir, porque se trata do mesmo sujeito!
Os escretes estão novamente em campo. Pedro Luís e Geraldo José de Almeida disparam a “metralhadora verbal” em seus microfones, narrando o segundo tempo. 


Zito toma uma bola de Clodoaldo e a enfia para Nilton Santos, que arranca. Já na altura da meia-esquerda, ele centra pelo alto. Pelé domina, dá um chapéu incrível em Piazza e bate antes que Brito chegue no “pé-de-ferro”: 4×2, para “58”.

Vibração intensa do público. O jogo é um delicioso desfile de craques imortais e suas jogadas maravilhosas, para os privilegiados que assistem tudo, das arquibancadas do estádio.

Extasiado, Sérgio Pugliese, do site Museu da Pelada, mal pode crer na magia que seus olhos veem e já sonha com resenhas que irá propor aos torcedores, no dia seguinte. Mas quando Vavá perde um gol feito, ele não perdoa, berrando:

– Poxa, esse até eu faria, Vavá! 

Do banco, Zagallo pede para que Rivellino acompanhe Zagallo (ele mesmo?!), quando esse fechar pelo meio. E para que Pelé ajude Gérson a dar combate no garoto Pelé, toda vez que ele quiser partir para o ataque. 

“É o lúdico elevado à máxima potência, rompendo com todos os limites do imponderável”, diz Nelson Rodrigues. 

Agora, Gérson lança pelo alto para Pelé, que está invadindo a área. O “Rei” salta e mata no peito; deixa a bola cair ao solo, troca de pé e fulmina Gylmar: 4×3, aos 22 minutos da etapa final.

Quanta gente boa reunida! Que privilégio poder assistir uma exibição de gala dessas!

Orlando sai jogando com Zito. O “Gerente” estende um passe à Zagallo, que é bloqueado por Gérson. A bola se oferece graciosamente à Didi. Ele a acaricia com o lado de fora do pé direito e – ato contínuo – desfere um chute cheio de veneno, lá da intermediária. A bola sobe muito, mas subitamente decai e, como se fosse teleguiada, entra no ângulo do arco defendido por Félix, que na vã tentativa de alcança-la, acaba abraçado à trave: 5×3 para a turma de “58”.

Faltam quinze minutos para o encerramento da partida. 


Tostão agora recua e cai pela meia-esquerda, enfiando um passe rasteiro e em diagonal para Pelé. Gylmar deixa o arco em desespero, Pelé finge que vai apanhar a bola e driblá-lo, mas ao invés disso, ginga o corpo e sai pela esquerda, fintando-o, enquanto a bola passa pelo outro lado, sem ser tocada. O “Rei” vai atrás dela, perseguindo-a e já dentro da grande área, bate cruzado, desequilibrado, enquanto Djalma Santos tenta salvar, tropeçando e caindo dentro do gol. A bola cruza toda a extensão da meta, passa ao lado pé da trave, e vai para fora. 

Delírio total no estádio! Nelson Rodrigues comenta que isso que aconteceu é algo só explicável pelo “Sobrenatural de Almeida”.  

Faltam pouco mais de dez minutos e o Brasil-58 continua na frente. Mas a Seleção de 70; começa a “sobrar” fisicamente em campo. 

Feola pede para que o time prenda a bola. Mas Garrincha parece não compreender e se põe a driblar todo mundo, inclusive os seus próprios companheiros. Quem entende o Mané? É o show, chegando ao requinte! Zito tem que dar uma bronca para que ele pare com aquela “palhaçada” toda. A torcida se diverte e agradece, aplaudindo os dribles “chaplinianos” do ponta, que faz Everaldo e Piazza se estatelarem às vezes, no chão.

Saldanha grita da geral para Zagallo mexer no time, pois “as feras” vão perder o desafio, desse jeito. 

O Velho Lobo saca Clodoaldo, recua Gérson para a posição de volante, traz Rivellino para a meia cancha ao lado de Pelé e coloca Paulo Cézar Caju para jogar enfiado, na ponta esquerda, na intensão do time agredir mais.

Numa tabelinha sensacional, Tostão é derrubado, próximo da meia-lua. A barreira de seis homens é formada, com Jairzinho posicionado ao lado da mesma. Rivellino corre e desfere sua “patada atômica”. De súbito, Jair se desloca e a bola passa exatamente no espaço vago, indo morrer nas redes de Gylmar: 5×4. 


O Brasil-70 parte com tudo pra cima! Já passamos dos quarenta e três minutos.

Caju desce pela meia-esquerda, esquiva-se de Djalma Santos, mas Bellini vem para o combate e ambos trombam. A bola sobra limpa para Gérson, que vem de trás, entrando na diagonal e acerta um chute violento, cruzado e rasteiro, no canto de Gylmar; é o empate: 5×5. 
Dez golaços num jogo só: meu Deus!

Mário Vianna (com dois “enes”) trila seu apito e encerra a partida (e que partida!). 
Aplausos calorosos que duram quase cinco minutos brotam de todos os lados do estádio. É o reconhecimento do torcedor, pelo legítimo e inigualável futebol brasileiro e seus craques. Muitos vãos às lágrimas nas arquibancadas e um coro de quase 200 mil vozes toma conta do estádio: BRA-SIL! BRA-SIL! BRA-SIL! 

Gérson e Didi trocam camisas, cada qual elogiando a técnica de bater na bola do outro. Zagallo passa pelo banco adversário e cumprimenta o técnico Zagallo, dizendo que quando encerrar a carreira vai querer seguir a carreira de treinador também, feito ele. 
Garrincha, alheio a tudo, deixa o gramado abraçado a Nilton Santos, convidando o compadre para irem juntos à Pau Grande; caçar passarinhos e jogar uma pelada com os amigos dele, marcada para o dia seguinte, que será de folga. 

Gylmar e Félix conversam sobre a complicada tarefa de se enfrentar tantos craques em campo e da real impossibilidade de impedi-los que façam muitos gols. 

Carlos Alberto Torres felicita Djalma Santos, que está sendo abraçado por Rivellino. 

No círculo central, uma cena chama a atenção de todos: o veterano Pelé abraça o jovem Pelé e o cobre de elogios: 

– Você é único, garoto! Ninguém nunca conseguiu ser coroado “Rei” no futebol com apenas 17 anos, “entende”?

O menino, chorando copiosamente, tomado pela emoção, agradece e retribui:


– Obrigado, mas o senhor é que é demais: nunca vi, na vida, alguém marcar mil gols! 

Todos os jogadores se confraternizam no gramado, enquanto a torcida brasileira, orgulhosa, começa a invadir o gramado. Dali a pouco, Tostão está quase sem roupa, arrancada pelos torcedores, que agora carregam seus ídolos nos ombros, numa inusitada volta olímpica. 
Um pódio é providenciado, junto à lateral do campo, onde João Havelange aguarda os atletas das duas seleções, para a cerimônia de premiação. Apenas Paulo Cézar Caju se mantém à distância e com o braço direito levantado e o punho cerrado, executa a característica saudação dos “Panteras Negras”, evocando a luta contra o racismo e  sendo efusivamente aplaudido por toda a torcida, pelo seu gesto contestador.

Havelange então recebe os atletas que sobem, um a um, cumprimenta-os e finalmente entrega a Taça Jules Rimet nas mãos dos capitães Bellini e Carlos Alberto Torres, os quais, juntos, levantam aquela deusa dourada magnífica, inigualável, sob um foguetório enlouquecedor e inesquecível que colore os céus da “Cidade Maravilhosa” e desse país tão abençoado pela magia de seu futebol. O país do futebol. 

“CORRIGINDO” AS COPAS DO MUNDO

por Émerson Gáspari

Dentre todos os esportes coletivos, talvez o futebol seja o mais imprevisível.

Fruto de fatores como o alto número de jogadores, o tamanho do campo de jogo e de ser praticado com os pés, ocasionando um número sem fim de combinações de jogadas, gols e placares. Embora nem sempre ele nos reserve surpresas agradáveis, muitos creem ser justamente aí que resida nosso interesse maior pelo futebol: na sua fantástica imprevisibilidade.


Em Copas, as “surpresas” às vezes atingem nações inteiras e traumatizam gerações, (em caso de derrota) dado o “encantamento” que certas seleções provocam no mundo futebolístico, por vezes conquistando fãs de outros países e continentes.

Exemplos como a Hungria de 54, a Holanda de 74 ou o Brasil de 82, irremediavelmente nos vem à cabeça. Mas seriam apenas esses, os “injustiçados” na história dos Mundiais? E aquelas seleções, cuja antecipada certeza da vitória impediu que a mesma se concretizasse? Ou como ficam as que ganharam com “cartas marcadas”? Ou ainda: como poderia ser o resultado em Copas que sequer tivessem acontecido?

Parece impossível? Depende do ponto de vista!

Para mim, sempre foi mais difícil aceitar a crueldade com que certas derrotas aconteceram, do que criar uma alternativa num universo lúdico e mais justo.

Saibam que cada um de nós, representa um universo particular em potencial.

Cada pessoa possui teorias, convicções – ente outras coisas – que nos moldam diferentemente e provocam divergências de opiniões. Daí; concordem com a “minha” realidade alternativa ou apostem na de vocês: o que lhes soar mais verossímil.

Importante é não perder a capacidade de sonhar nessa vida – mesmo com os pés no chão – em diferentes áreas, inclusive nas que envolvam nossas “paixões”.

A paixão pelo futebol, em especial.

Por isso, convido vocês a mergulharem comigo nessa “reviravolta” futebolística das Copas, reescrevendo (ou não!) a história delas ao longo de mais de oito décadas. Torcedores têm sim o direito de questionarem resultados e promoverem “justiça divina”, conforme sua própria consciência.

Mãos à obra, então!


COPA DE 1930 (Uruguai): Poucos sabem que a ideia de uma Copa surgiu em 1905, um ano após a criação da FIFA. Mas a tensão reinante na Europa, não deu margem a isso. Após a I Guerra e a reconstrução de vários países, a entidade, presidida por Jules Rimet, concretizou o sonho de promovê-la. Mas o boicote europeu esvaziou o torneio, que teve apenas 13 seleções, o qual logo apresentou dois candidatos ao título: Uruguai e Argentina. O Brasil ainda “engatinhava” no futebol amador. Por serem bicampeões olímpicos (em 1924 e 1928) e atuarem em casa, no recém-inaugurado estádio Centenário, os uruguaios confirmaram seu favoritismo e, numa final justa, que não merece reparos, derrotaram os argentinos. A finalíssima teve ingredientes únicos: Carlos Gardel cantou para o público de 70 mil pessoas e como cada país queria usar sua própria bola, foi estabelecido que cada seleção usasse a sua, em um tempo da partida. Desse modo, a “Celeste Olímpica”, embora saindo na frente, levou a virada no primeiro tempo, com a bola argentina. Já no segundo, com a bola dos uruguaios e um jogador a menos, os argentinos viram sua vantagem de 2×1 ser revertida para 2×4. Para mim, seria como foi, até porque os anfitriões contavam com Nasazzi, Andrade, Scarone e “Manco” Castro: URUGUAI CAMPEÃO.


COPA DE 1934 (Itália): Mussolini organizou uma Copa para ganha-la, sob o domínio do fascismo. Por aí, já se nota que as coisas não foram muito legítimas. O ditador socava a tribuna de honra, quando sua seleção “emperrava” em certos confrontos. A Espanha, que despachou o Brasil na primeira partida, me parecia melhor que a Itália. Vítima de arbitragens parciais, no entanto, acabou eliminada por eles num jogo-desempate, em que não pôde contar com seu grande arqueiro Zamora, contundido pelos italianos, entre outros escândalos da arbitragem. A Tchecoslováquia seria também “garfada” na final, apesar de atuar melhor que os donos da casa. Foi uma Copa em que o Brasil dividido politicamente no futebol, não levou seus melhores atletas. Os uruguaios boicotaram o torneio, perdendo a chance do bicampeonato, talvez. Para mim, o terceiro lugar caberia à Áustria de Sindelar, chamada de “Time-Maravilha”, vencendo a Itália e seus “oriundi”. A final deveria ser entre espanhóis e tchecos, num jogo equilibradíssimo, de placar baixo, em função da presença dos dois maiores goleiros do planeta: Zamora e Planicka. TCHECOSLOVÁQUIA CAMPEÃ.


COPA DE 1938 (França): Aí, a coisa muda de figura: a Itália do técnico Vittorio Pozzo estava bem mais preparada e reforçada. Ao lado do craque Meazza, agora havia o artilheiro Piola. O boicote sul-americano (liderado pela Argentina, que quisera promover a Copa) não atingiu o Brasil, que pela primeira vez levou sua força máxima, tendo Leônidas da Silva, como nossa maior estrela e artilheiro do Mundial, com sete gols. Fizemos jogos memoráveis contra a Polônia (6×5) e a Itália, quando ficamos de fora da final. Mas a Itália jogou melhor e mereceu vencer, em que pese aquela polêmica envolvendo o pênalti cometido por Domingos da Guia. O terceiro lugar nos coube muito bem: estávamos evoluindo depressa. A Áustria foi covardemente anexada pela Alemanha que não venceu aquele Mundial, embora tivesse sérias pretensões. Foi outra derrota esportiva de Adolf Hitler.  A Hungria dos craques Sarosi e Titkos merecia chegar à final, de fato. Só que a “Squadra Azurra” fez por merecer o título, mesmo sendo vaiada pela plateia francesa, na decisão. Até porque, jogou sob a ameaça do famoso telegrama de Mussollini, que ordenava: “Vencer ou morrer”. ITÁLIA CAMPEÃ.

COPA DE 1942 (América do Sul): Fazer “justiça divina” implica não apenas subverter fatos, mas criar outros. Apaixonado por futebol, jamais eu iria preferir a II Guerra Mundial a uma nova edição da Copa do Mundo! Então, claro que uma nova Copa seria disputada e bem aqui na América do Sul, provavelmente na Argentina ou no Brasil, países candidatos a sediá-la (Jules Rimet inclusive estava no Rio, analisando sedes, quando Hitler ordenou a invasão da Polônia, iniciando o conflito, em 1939). Acredito que, por ter mais tradição no futebol naquela época e também por já haver lançado uma candidatura (derrotada) em 1938, a Argentina sediaria o Mundial e o venceria, pois seu auge futebolístico se deu entre 1939 e 1946, com craques maravilhosos, como Moreno, Labruna, Pedernera e muitos outros, a maioria da chamada “La Máquina” (o time do River Plate).  Além disso, pesaria o fato de estar atuando em casa. A Itália seria a vice-campeã, numa final muito “pegada”, sem dúvida. ARGENTINA CAMPEÃ.

COPA DE 1946 (Europa): Adivinhar o país-sede dessa vez, seria pedir demais, então nos concentremos em alguns fatos: a Copa aconteceria antes do trágico acidente aéreo que vitimou todo o elenco do Torino em 1949, desfalcando metade de sua seleção nacional. Completa (e sob a sombra de Mussolini, que não teria sido executado na II Guerra, já que ela sequer ocorreria) a Itália se entregaria de corpo e alma à preparação e em seu continente, devolveria a derrota de quatro antes aos portenhos, numa final dessa vez mais aberta, com mais gols e bons jogadores dos dois lados. O ainda jovem Di Stéfano só se firmaria um ano depois, enquanto a geração de craques argentinos já estaria veterana. O Brasil brigaria pelo terceiro lugar, talvez com a Alemanha, que até poderia sediar esta edição da Copa, em mais um projeto esportivo megalomaníaco do “Fuhrer”. ITÁLIA BICAMPEÃ.


COPA DE 1950 (Brasil): Se o Brasil mereceu perder pela balbúrdia na concentração, às vésperas da final como alegam alguns, então, numa Copa perfeita, sem “oba-oba”, nem clima de “já ganhou”, nossa seleção venceria. Não que o Uruguai não fosse um grande adversário. Mas já não se tratava da “Celeste Olímpica” dos anos 30, embora tivesse grandes valores individuais, como o capitão Obdúlio Varela, Máspoli, Schiaffino, Júlio Pérez e Ghiggia. Só que o Brasil tinha mais time, com Barbosa, Bauer, Danilo, Zizinho, Jair Rosa Pinto e o artilheiro da Copa com nove gols, Ademir de Menezes. Até Flávio Costa, num Mundial perfeito, não implicaria com as chuteiras de Nilton Santos e o escalaria para anular Ghiggia. O Brasil perdeu do Uruguai, mesmo com a vantagem do empate, é verdade. Mas não creio que perderia, se jogasse outra vez, até porque não seria provável, a repetição da tragédia diante daquelas 200 mil almas. Prova disso, é que às vésperas do torneio, havíamos conquistado a Copa Rio Branco numa melhor-de-três, justamente em cima dos mesmos uruguaios. A final foi em São Januário, pois o Maracanã estava em fase final de construção. Para ser perfeito, o Mundial teria que ter a conquista brasileira. E o empate já resolveria aquela parada, aliás, como relatei para vocês aqui, no Museu da Pelada, semanas atrás, em meu conto “Subvertendo a Tragédia de 50”. Não tenho dúvidas, portanto! Para comemorar a conquista dourada, após o Mundial, o Brasil mudaria a cor do uniforme para o amarelo. BRASIL CAMPEÃO.


COPA DE 1954 (Suíça): Alguém duvida que a final tenha sido injusta? Ou que a chuva que enlameou o gramado, deixando-o pesado e escorregadio não prejudicou os húngaros? Ainda mais, pelo fato dos alemães terem utilizado chuteiras moderníssimas para a época, altas e parafusáveis. Sem tudo isso – e um gol de Puskas mal anulado no fim da partida – teria sido impossível derrotar a campeã olímpica de 1952, que sustentou uma invencibilidade de 36 partidas até aquela fatídica final e que só voltaria a perder em 1956. A Hungria era uma “fábrica de gols”, capaz de placares como os 9×0 na Coréia do Sul ou os 8×3 sobre a Alemanha, ainda na primeira fase. Ok, os alemães estavam desfalcados de meio time. Mas foi nesse jogo que contundiram Puskas, o qual atuou sem condições, na final.  Não preciso dizer mais nada, certo? Talvez tenha sido a maior injustiça de todas as finais, até hoje. Quanto ao Brasil, indubitavelmente fez um “partidaço” diante da Hungria – violência à parte – com chances até de vencer, não fosse um penal duvidoso para eles, além de duas bolas na trave seguidas, quando poderíamos ter passado à frente, já na etapa final. Mas aquela derrota seria o amadurecimento que precisávamos para enterrar o “complexo de vira-latas” – ao qual sempre se referia o escritor Nelson Rodrigues – na Copa seguinte. HUNGRIA CAMPEÃ.


COPA DE 1958 (Suécia): Uma seleção com Pelé e Garrincha, dupla jamais derrotada em campo, nas 40 partidas que realizou, seria sobrepujada por outra? Imaginem então; acrescentando Gilmar, Djalma, Nilton Santos, Zito, Didi. Nem há muito a comentar. Verdade que o time foi modificado na tal estreia da intrépida dupla, bem na terceira partida, diante da URSS de Yashin. Mas, encontrada a formação ideal, ninguém seria capaz de deter aquele selecionado e o aparecimento do “Rei” Pelé; como os franceses (e o mundo) passariam a chama-lo. A França, uma potência, tendo Just Fontaine, artilheiro daquele Mundial com 13 gols, bem que deu trabalho, sendo prejudicada por atuar parte do jogo contra nós, com apenas 10 homens. Só daí o Brasil deslanchou. A Suécia, em que pese o talento de seu craque Liedholm, não deveria ter chegado à final. Eu mudaria as chaves numa Copa perfeita; a França faria a decisão contra o Brasil, perdendo por um placar apertado e elevado, com Pelé e Fontaine fazendo gols aos montes! E com Zizinho no banco de reservas, sendo o primeiro brasileiro – ao lado de Nilton Santos – a se sagrar bicampeão mundial. A primeira vez também que um selecionado ganharia o Mundial em outro continente. Merecidíssimo: a delegação brasileira trazia até inovações, como psicólogo e dentista. Tudo sob o comando do Dr. Paulo Machado de Carvalho, o “Marechal da Vitória”: BRASIL BICAMPEÃO.


COPA DE 1962 (Chile): Muitos irão brigar comigo, mas, de coração, não foi um Mundial que deveríamos ter vencido. Explico: há menos informação sobre essa Copa, talvez por tudo o que envolveu a conquista. Nem foi um grande Mundial, tecnicamente falando. Tanto, que o conquistamos com uma seleção envelhecida, na base da experiência e de fatores extracampo. No quesito organização, não é preciso falar muito: a partida entre Brasil e Inglaterra teve duas invasões de cães em campo (algo inimaginável, hoje!). Se havíamos ganhado do México na estreia graças a Pelé (já que o time não foi bem), no início do jogo seguinte, o “Rei” se contundiu sozinho e ficamos sem o craque até o fim. Amarildo até que o substituiu bem, mas não é a mesma coisa. Quanto a Mané, a lenda que corre é a de que ganhou o Mundial “sozinho”. Até pode ser verdade, mas o fato é que suas atuações não empolgaram exatamente, na primeira fase. Apenas em dois dos últimos jogos ele “arrebentou” em campo.  Agora, não podemos negar estranhas “facilidades” nos momentos complicados da campanha. Na decisão, Garrincha jogou mesmo expulso por agredir um chileno com um pontapé durante a semifinal. Deram um “sumiço” no bandeirinha, após o juiz depor no Tribunal, que “não havia visto a agressão”. Pior, foi no duro jogo que o Brasil teve contra a Espanha, reforçada pelo naturalizado Puskas. A “Fúria” saiu na frente e perdeu a chance de ampliar no segundo tempo, quando Nilton Santos cometeu o famoso pênalti e soube disfarçar, dando dois passos à frente, ficando com os pés sobre a linha. Até aí, apenas a típica “malandragem” brasileira. Mas malandragem mesmo foi na sequência do lance: Puskas cobra a “falta” e Peiró marca um lindo gol de bicicleta. O juiz providencia um “jogo perigoso” totalmente inexistente, inventado às pressas. Vergonhoso! Quem mereceria estar na final, diante da Tchecoslováquia de Masopust seriam os espanhóis, que, classificados, ainda iriam contar na segunda fase do torneio, com Di Stéfano (também naturalizado, voltando de contusão) com quem Puskas iria reviver a lendária dupla do Real Madrid. Desculpem, mas – discordem ou não de mim – uma conquista, antes de tudo no esporte, precisa ser legítima: ESPANHA CAMPEÃ.


COPA DE 1966 (Inglaterra): O que podemos dizer de um Mundial no qual, no mastro das bandeirinhas de escanteio, tremulava a bandeira do Reino Unido? Foi uma Copa realizada pelos ingleses, para lhes premiar com um Mundial, após ausências e até vexames em edições anteriores, por parte dos anfitriões de 1966. Se a Copa de 1962 teve “fatos estranhos”, essa seria “medonha” nesse sentido: árbitros coniventes com a violência praticada contra as equipes consideradas adversárias diretas do selecionado inglês. Pelé por exemplo, foi “caçado” em campo, diante de Portugal. Mas nossa seleção, desorganizada e com excesso de atletas, não iria muito longe, de qualquer maneira. Os absurdos continuaram pelo Mundial sempre favorecendo o “English Team”: a expulsão do artilheiro argentino Ratín foi um fato lamentável e que originaria até, mudanças na regra, com a posterior criação do cartão amarelo. Mas nada superou o absurdo da finalíssima, entre ingleses e alemães. Um jogo disputado palmo-a-palmo, que terminou num equilibrado 2×2, foi transformado na prorrogação, no maior escândalo da história das Copas, quando uma bola que bateu no travessão e caiu sobre a linha foi providencialmente transformada em gol. Como se isso não bastasse, ainda houve tempo para um quarto gol inglês, marcado em contra-ataque, enquanto a equipe médica que prestara assistência a um jogador, nem havia saído de campo, enquanto alguns torcedores o invadiam, pelo outro lado. A Inglaterra tinha um timaço, mas não merecia ter vencido assim. Para mim (e boa parte do mundo) a vitória final seria da Alemanha do então jovem Franz Beckenbauer. ALEMANHA CAMPEÃ.


COPA DE 1970 (México): Foi uma redenção do futebol: nada de “garfadas” e as maiores potências futebolísticas (exceto a ausente Argentina) no auge, tecnicamente falando. Além disso, a organização e hospitalidade mexicanas foram fantásticas, deixando nossa Seleção bem à vontade. A preparação física, tática e mental durou meses. Pelé, Rivellino, Gérson, Carlos Alberto, Tostão, Jairzinho, Clodoaldo, Piazza…    uma constelação de “feras” que atropelou as seleções que vinham pela frente, vencendo todos os jogos. Por outro lado, a semifinal foi um jogo de gigantes, entre Alemanha e Itália, vencido pela “Azzurra” num 4×3 dramático, na prorrogação, que desgastou os italianos, aos quais faltaram pernas, no segundo tempo da final contra nós. Não importa! De qualquer modo, os brasileiros venceriam. Apenas penso que na decisão, deveríamos ter tido pela frente, aquele que foi o adversário mais duro durante o torneio: a Inglaterra de Gordon Banks, Bob Moore, Bob Charlton e Hurst, a campeã de 66. Mas não daria nem mesmo para eles, que na primeira fase, perderam para nós, por 1×0. Já pensaram aquela cabeçada de Pelé e a defesa de Banks bem na final? Antológico! Mais ainda, se o gol que definisse o título, tivesse nascido daquela jogada mitológica, construída pelo ataque brasileiro, em cima dos ingleses: Tostão entortando os adversários pela esquerda, Pelé virando o jogo para a direita e Jairzinho “Furacão da Copa” entrando para definir. Apoteótico! E a Taça Jules Rimet, mesmo que por outros caminhos, teria sido conquistada em definitivo na mesma edição de Copa do Mundo. Com isso, Alemanha e Itália protagonizariam a maior disputa de terceiro lugar de todos os tempos e não a semifinal. Não tem jeito, sob qualquer análise que se faça a Jules Rimet viria para as nossas mãos e Pelé se consagraria como o maior jogador de todos os tempos, naquele Mundial. BRASIL TRICAMPEÃO. 


COPA DE 1974 (Alemanha): Se você pensou que eu corrigiria os fatos e faria da “Laranja Mecânica” a grande campeã dessa Copa, adivinhou. Aliás, como não se render aos talentos de Cruyff, Neeskens, Rensenbrink, Krol e outros; todos magicamente orquestrados pelo genial técnico RinusMichels? Nem mesmo a seleção germânica, liderada por seu capitão Beckenbauer deveria ter sido capaz de parar o “Carrossel Holandês” naquela decisão. O Brasil – agora sem Pelé – só passou para a segunda fase devido a uma sofrida partida diante do Zaire, na qual precisava vencer por pelo menos 3×0 e conseguiu o terceiro gol, graças a um frango histórico do goleiro adversário. O time não era nem sombra daquele que levantou o tricampeonato, na Copa anterior e não teria mesmo sido páreo para os holandeses, que passariam por cima de nós, da mesma forma, já que a seleção canarinho vivia um período de transição. Pior para os alemães, que perderiam a Copa em casa. HOLANDA CAMPEÃ.


COPA DE 1978 (Argentina): Aqui se aplica a mesma regra que o Brasil na Copa de 62. Falar dos disparates daquele Mundial seria “chover no molhado”: os caras fizeram de tudo para ganhar essa Copa, que possuía todo um cunho político. O Brasil obviamente foi o maior prejudicado, obrigado a viajar muito mais que os anfitriões e a treinar em campos recém-plantados, que soltavam placas de grama, na hora do chute. Não satisfeitos, os anfitriões alteraram o horário de um confronto decisivo, apenas para poder jogar diante do Peru, já sabendo de quantos gols precisariam, para avançar no torneio e nos desclassificar. Por falar em Peru, é impossível se esquecer daquela seleção, cujo goleiro era um argentino naturalizado peruano e também dos seis gols que a defesa deles levou, naquele jogo. Por tudo isso e pelo fato da ditadura argentina ter bancado o Mundial apenas para vencê-lo, o melhor castigo para os portenhos seria o de perderem a final para a Holanda no minuto final, com aquela bola que o Rensenbrink mandou na trave entrando e evitando-se assim, a prorrogação que viria logo após. O Brasil, mesmo invicto, tinha problemas, especialmente na parte ofensiva e para mim, terminaria no terceiro lugar, na bonita virada sobre a Itália, como acabaria acontecendo, de fato. Para uma Copa perfeita, Menotti reconsideraria sua decisão e colocaria Maradona, então com 17 anos, no grupo e em campo. Em contrapartida, Cruyff reconsideraria sua decisão política e jogaria pelos holandeses, repetindo-se o “Carrossel Holandês”. Já imaginaram a final desse jeito? Até os “deuses do futebol” agradeceriam! E os portenhos chorariam copiosamente a derrota em casa, em plena final. Impagável! HOLANDA BICAMPEÃ. 


COPA DE 1982 (Espanha): Esse Mundial não tem nem o que discutir: o mundo inteiro (menos a Itália) vai concordar que teria que ter terminado diferente, com outro campeão. O futebol-arte daquela seleção brasileira que tinha Zico, Sócrates, Falcão & Cia. comandados por Telê Santana, deixou saudade e não merecia perder (apesar da desatenção) para os italianos, conforme inclusive retratei, em conto, aqui no Museu da Pelada: “Exorcizando o Sarriá de 82”. Para piorar, a França, também praticante de um futebol belíssimo, foi desclassificada quatro dias depois, pela Alemanha. Isso acabou mudando (para pior) o próprio modo de se enxergar o futebol, especialmente por aqui. Adotamos um estilo feioso, de resultados e mais defensivo, rompendo com a nossa tradição. Pena que o futebol de resultados tenha prevalecido. Sinceramente, a final mais perfeita para uma Copa cheia de craques e seleções jogando bonito, teria sido a de nosso selecionado, contra a França de Michel Platini, Giresse, Tiganá, Rocheteau. E com vitória brasileira, numa batalha repleta de gols e sem faltas, onde o tetra teria vindo mais cedo e merecidamente. BRASIL TETRACAMPEÃO.


COPA DE 1986 (México): Assim como a Copa de 70 foi a de Pelé, a de 86 foi a de Diego Maradona, não há como contestar. Os próprios ingleses (acreditem!) se dividem sobre quem teria sido o maior jogador do século XX, fruto principalmente da atuação histórica do argentino, no confronto frente os britânicos. Embora o Brasil tivesse ido bem e sido desclassificado num jogão diante da França, a verdade é que ambos os países já não estavam mais no mesmo nível, com a maioria de seus craques veteranos ou contundidos. Daria Argentina mesmo, nas costas do Maradona (pois a seleção em si não era grande coisa). Apenas o vice não seria a Alemanha: eu o substituiria pela Dinamarca, que embora tenha sido “arrasada” pela Espanha, demonstrou um futebol lindíssimo, envolvente, goleando o Uruguai por 6×1. Se a “Dinamáquina” fizesse a final, ao menos seria um prêmio para a iluminada geração de Laudrup & Cia., que mais tarde faturou a Eurocopa 92 e a Copa das Confederações 95. ARGENTINA BICAMPEÃ.


COPA DE 1990 (Itália): Tecnicamente, essa Copa foi um porre! Um futebol feio e retrancado, que ditou a moda, entre a maioria das seleções que a disputaram. Quase nada acrescentou de novo, teve um dos números mais baixos de gols marcados até hoje, prenúncio das próximas edições do Mundial. Uma seleção alemã mais robusta, liderada pelo eficiente Matthaus, foi tudo o que se viu. Um Maradona obeso, com lampejos de genialidade, foi o que a Argentina conseguiu oferecer como resistência (ela que heroicamente chegara à final, eliminando a Itália nos penais, graças ao surpreendente goleiro Goycochea). Não há muito a acrescentar: talvez os italianos merecessem ao menos estarem na final, mostrando um futebol um pouco mais ofensivo, com Schillaci e Roberto Baggio surpreendendo no ataque. Foi uma fatalidade perderem para a Argentina, que à duras penas havia eliminado o Brasil, esta, uma seleção descaracterizada, jogando com três zagueiros, naquilo que se rotulou de “Era Dunga”. Os alemães, até por terem se preparado melhor e batido com folga a Holanda de Gullit, Van Basten e Rijkaard, maior decepção daquele Mundial, mereciam mesmo a taça e vencendo a Itália na final. ALEMANHA BICAMPEÃ.


COPA DE 1994 (Estados Unidos): Não adianta brigar comigo, amigo leitor! Não sou chegado a patriotadas! Para mim, melhor que o Brasil, era a Argentina, naquela Copa. Porque Maradona estava maduro, em ótima forma e desta vez, tinha um time respeitável, a acompanha-lo: Simeone, Redondo, Caniggia e Batistuta.  Que “El Pibe de Oro” usou drogas na carreira, todo mundo sabe e ele mesmo assumiu, exceto no caso de 94, quando jura inocência em nome das filhas. O tal “complô” que tirou Maradona daquele Mundial, “quebrou” os portenhos (até paramédica uniformizada entrou em campo e pelo braço, o retirou do gramado). Não creio que o Brasil teria sido páreo, apesar da zaga e da dupla de atacantes: Bebeto e principalmente Romário. O Brasil não tinha meio-campo, empatou duas vezes e praticava aquele futebol pragmático, engessado. Na semifinal, perderia para os “hermanos”, por mais que seja doloroso reconhecer. Os italianos, pelo que mostraram na final contra nós, também não teriam melhor sorte. Os argentinos (com Maradona “turbinado” ou limpo) venceriam a Copa, cuja decisão não iria sequer para os penais. ARGENTINA TRICAMPEÃ.


COPA DE 1998 (França): Já disse que não sou de patriotadas, na hora de opinar sobre futebol. Minha opinião – polêmica, eu sei – sobre a convulsão de Ronaldo Fenômeno é a de que ele não iria sofrer outra, em campo (por isso mesmo, foi liberado para jogar), mas o estrago psicológico já estaria feito, na cabeça do grupo. Particularmente, penso que o Brasil começou a perder essa Copa, antes mesmo de viajar, quando a comissão técnica optou pelo corte de Romário. Fez falta! Com o “Baixinho” lá na frente e com Ronaldo, a história teria sido outra. Na ausência de Ronaldo, repetiríamos o ataque de 94. Enquanto isso a França treinou, se aprimorou e foi de uma obediência tática absurda, jogando tudo o que podia, justamente na final, contra um Brasil desarticulado e abalado psicologicamente, que se estivesse bem, poderia ter feito mais, sem dúvida, mas não impediria o título dos “blues” tendo Zidane a lidera-los.  Daí eu não contestar o campeão e achar apenas que o placar foi dilatado. FRANÇA CAMPEÃ.


COPA DE 2002 (Japão/Coréia do Sul): Uma Copa a feitio, para o Brasil. Muito bem organizada e num continente “neutro”, não deu outra: conquista brasileira (merecida), com Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho arrebentando e vencendo todas as sete partidas que disputaram (um recorde!). E pensar que, como em outras oportunidades, o time estava desacreditado e correndo riscos até de não se classificar para a Copa do Mundo. Ótimo trabalho de Luís Felipe Scolari, que fez suas apostas pessoais, armou um esquema rígido na defesa, mas com liberdade no ataque e no fim, deu no que deu. Os alemães não tinham chances; o talento brasileiro era muito superior. A caminhada brasileira foi irretocável e mesmo com a arbitragem errando duas vezes a nosso favor, em partidas diferentes, teríamos chegado do mesmo jeito, pois os gols saíam sempre na hora certa e a moral do time foi se elevando. O goleiro Oliver Khan falhou numa final em que São Marcos jogou mais. Não há o que corrigir. Ao contrário de 94, desta vez tínhamos uma liberdade maior para sair jogando, um meio-campo mais talentoso e mais que suficiente para levar o caneco, pela quinta vez. BRASIL PENTACAMPEÃO.


COPA DE 2006 (Alemanha): Os germânicos fizeram talvez a Copa mais bem organizada até hoje. O esmero em tudo foi motivo de muitos elogios pelo mundo todo. Mas, apesar do artilheiro Klose, os alemães não conseguiram chegar à final, na qual italianos e franceses se enfrentariam. Zinedine Zidane deu uma aula de futebol no jogo em que desclassificaram o time brasileiro e seu “quadrado mágico”. Da minha parte, corrigiria apenas o detalhe que fez toda a diferença na final, no qual Zidane é provocado, se descontrola e dá uma violenta cabeçada no peito de Materazzi, sendo expulso e deixando a França com dez, justamente em seu melhor momento dentro da partida. Então, para mim, o ideal seria que isso não tivesse acontecido e dessa forma – acredito eu – naturalmente o gol francês acabaria saindo e a decisão nem teria ido para os penais, evitando assim, a vitória do insosso time italiano. Por isso, eu apenas inverteria o campeão e o vice. FRANÇA BICAMPEÃ.


COPA DE 2010 (África do Sul): Uma Copa diferente, também disputada em continente “neutro” e na qual a FIFA “teve que engolir” várias falhas na organização. Porém, em campo, as equipes não tiveram problemas com isso. Um Brasil sem inteligência no meio-campo, desprovido de um articulador de jogadas (um camisa 10 autêntico), fruto da teimosia do técnico Dunga, foi o que apresentamos no torneio, decepcionando a crítica mundial. Resultado: acabamos sendo desclassificados pelos holandeses, numa partida infeliz do volante Felipe Melo.  O futebol espanhol, de posse de bola e incessante troca de passes, deu um show de eficiência, consagrando seu estilo de jogo denominado como “tiki-taka”.  Mesmo tendo pela frente uma equipe insinuante e perigosa como a Holanda do driblador Robben. Eu não mudaria em nada a finalíssima: a Espanha controlou o jogo, apostando que o gol sairia naturalmente, sem desesperos. E foi o que, de fato, acabou acontecendo, a quatro minutos do fim de uma emocionante prorrogação, através de Iniesta. Sem retoques. ESPANHA BICAMPEÃ.


COPA DE 2014 (Brasil): Um lamentável equívoco, para os brasileiros! Organizada no pior momento para a economia do país e ainda por cima, sem um cuidado adequado na preparação de nosso selecionado. Comissão técnica aparentemente ultrapassada e jogadores que sentiram (e muito!) a pressão. Resultado: a maior decepção em Copas, justamente em casa. O caos levou o time a tomar dez gols nas duas últimas partidas. A própria torcida se sentiu envergonhada. Em minha modesta opinião, sequer deveríamos ter chegado entre os quatro primeiros. A Alemanha, com um planejamento impecável, conquistou com todos os méritos, mais uma Copa do Mundo. Apenas acho que a Holanda mereceria ao menos o vice, pois deu muito trabalho, especialmente com o atacante Robben, jogando um futebol bonito e ofensivo. A Argentina de Messi, ao contrário, atuando na defesa chegou à finalíssima, mas para mim, deveria mesmo era ter disputado o terceiro lugar, contra a surpreendente França, que contava com um time jovem, mas centrado e que teve em Benzema, seu principal jogador. À equipe de Muller & Cia., todos os méritos pela inquestionável conquista! Seria a “vingança” dos alemães, pela derrota em 74 em casa, para os holandeses. ALEMANHA TRICAMPEÃ. 

Ufa! Aí está: 22 Copas (e não 20) e o ranking da FIFA diferente, em títulos: Brasil pentacampeão; depois Alemanha e Argentina, tricampeãs; Itália, Espanha, França e Holanda bicampeãs; Uruguai, Hungria e República Tcheca, campeãs.

O Brasil teria tido o mesmo desempenho, inclusive conquistando a Taça Jules Rimet, na mesma Copa do México, porém Pelé teria sido “apenas” bicampeão do mundo, mesmo continuando a ser o maior jogador de todos os tempos. As seleções de 62 e 94 teriam suas conquistas substituídas pelos selecionados de 50 e 82.

Os alemães teriam um título a menos; a Itália seria a mais prejudicada, perdendo metade deles, ao contrário da Espanha e França, que duplicariam suas conquistas.

A Holanda seria a maior beneficiada, deixando de ser “tri-vice”, para virar bicampeã.

O Uruguai perderia um título e a Argentina ganharia outro, mantendo os nove conquistados, pela América do Sul.

A Hungria e a República Tcheca (ou Tchecoslováquia, como queiram) teriam vencido suas finais, no lugar da Inglaterra, que perderia a sua e não teria obtido sequer um Mundial, até hoje.

Para encerrar, uma confissão: não sou; nunca fui e jamais tive pretensão de ser o dono da verdade. Apenas realizei essa brincadeira, pois sempre gostei de criar e explorar assuntos até então intocáveis. “Brincar de Deus”, tentando “levar justiça” às muitas trapaças que o futebol apronta, é minha diversão. Esse gosto pelo lúdico sempre foi uma espécie de “marca registrada” minha. Estejam à vontade para discordar de mim. O mais importante é termos opinião própria, sempre. Especialmente no futebol.

EXORCIZANDO O “SARRIÁ” DE 82

por Émerson Gáspari


Quando eu – um ancião que assistiu a todas as Copas desde 1930 – me propus a usar minha fantástica imaginação para “brincar de Deus” e alterar o “Maracanazzo” de 50, jamais poderia esperar tamanha repercussão por parte de vocês, aqui no Museu da Pelada. Por isso, cumpro agora minha promessa feita na semana passada: exorcizar todos os demônios daquela que ficou conhecida como “A tragédia do Sarriá”. 

Segunda-feira, 05 de julho de 1982. Muito calor na cidade de Barcelona, onde daqui a pouco, a favoritíssima Seleção Brasileira joga sua sorte contra a limitada Itália, pela XII Copa do Mundo, realizada aqui na Espanha.

Apresso o passo, pois as filas são grandes do lado de fora do estádio Sarriá. Há torcedores por todos os lados, atraídos por um jogo que realmente promete! 

O Brasil é a mais pura expressão do futebol-arte, dono de um meio-campo mágico, esplendor de uma constelação de craques. Este setor do time é a tradução fidedigna da nação futebolística, com seus quatro estados mais tradicionais ali presentes: Falcão (Rio Grande do Sul), Toninho Cerezo (Minas Gerais), Sócrates (São Paulo) e Zico (Rio de Janeiro). A identificação com o torcedor é total.

Desde o ano passado, a equipe maravilha o mundo com exibições exuberantes. Em sua última excursão à Europa, derrotou com autoridade a França (3×1), a Inglaterra (1×0) e a Alemanha (2×1). Em seu último amistoso no país, antes de embarcar para a Espanha, o Brasil esmagou impiedosamente a Seleção do Eire por 7×0, com quase trinta chances de gols criadas durante a partida. Parece nem se ressentir de um centroavante técnico, pois os dois melhores do país neste quesito, Careca e Reinaldo, estão sem condições de jogo e sequer viajaram para a Europa. Pena!

Já por aqui, os “artistas brasileiros” derrotaram a União Soviética na estreia por 2×1 (de virada), golearam a Escócia por 4×1 (também de virada), brincaram com a Nova Zelândia (4×0, com apenas 8% de passes errados) e despacharam a atual campeã do Mundo; a Argentina (3×1, com Maradona expulso, por apelar). 


Quanto à pobre “Squadra Azurra”, merece nosso respeito mais por sua tradição, do que pelo futebol que vem jogando. Após escândalos como a prisão do artilheiro Paolo Rossi (por manipulação de resultados), tropeços seguidos e um futebol retrancado e desacreditado, seu treinador, Enzo Bearzot tem trabalho para convencer a todos que podem vencer a partida.

A Itália passou à duras penas pela primeira fase da Copa, contando com o critério de desempate e um mísero gol a mais do que o estreante Camarões. Depois, até surpreendeu, vencendo a Argentina por 2×1, num confronto que ficou marcado pela caça à Maradona. De qualquer modo, a equipe não joga um futebol convincente, mesmo contando com ótimos jogadores.  

Nenhum torcedor sabe que na preleção, Falcão faz uma colocação quanto a atuarem mais recuados dessa vez, até por possuírem a vantagem do empate. Mas o grupo, após Telê discordar, fecha com o treinador, de que é melhor jogar pra frente, “pois está dando certo, até aqui”. 


É sob essa atmosfera, que Brasil e Itália vêm a campo. Encontro-me na arquibancada, tomando mais uma garrafa de água com gás, nessa tarde abafada e decisiva para o futebol das duas equipes. Um empate nos classifica, mas queremos a vitória. E por goleada, se possível!
Tiro a camisa da Seleção e a enrolo na cabeça, devido ao sol escaldante, enquanto confiro as escalações: o Brasil vem com Waldir Peres, Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Serginho e Éder, sob a batuta de Telê Santana. A Itália de Enzo Bearzot, com Zoff, Orialli, Scirea, Collovati e Cabrini; Gentile, Tardelli e Graziani, Bruno Conti, Paolo Rossi e Antognoni.  

O árbitro israelense Abraham Klein apita e o Brasil dá o pontapé inicial: Zico rola para Serginho, que retrocede para Cerezo e daí ao capitão Sócrates. A torcida se agita. 

Apesar da Seleção Brasileira, ter conquistado o coração dos espanhóis, me parece haver mais gente com camisas da Itália espalhada pelas arquibancadas.

Essa turma vibra logo aos 5 minutos, quando Conti inverte bonito o jogo da direita para a esquerda, por onde desce o lateral Cabrini. Ante a aproximação de Leandro, ele levanta a bola na área. Paolo Rossi deixa Júnior para trás e cabeceia praticamente na risca da pequena área, à queima-roupa, no canto direito baixo da meta de Waldir: 1×0.

Uma surpresa que não estava no “script”. Mas a seleção vai empatar, sabemos que vai. 
Serginho luta próximo da área com três italianos e a bola espirra para Zico, que se livra do marcador e tenta dominá-la, colocando-a muito à frente. Tanto, que ela vai parar nos pés de Serginho, já entrando na área. Mesmo canhoto, ele chuta de direita, bisonhamente para fora. O Galinho reclama, pois tinha tudo para concluir e empatar. 

Mas o Brasil continua dominando e as jogadas de ataque se sucedendo. 


Aos 12 minutos, Sócrates estende um passe longo entre dois italianos na meia-direita a Zico, que se livra com um giro surpreendente em cima de Gentile e lhe devolve a bola. O “Doutor” deixa seus marcadores para trás, invade a área pela direita e mesmo com pouco ângulo, fuzila Zoff, que cai sentado. A bola levanta cal ao cruzar a linha: 1×1. Na comemoração, Zico salta nas costas do companheiro. Vibram muito!

Enzo Bearzot insiste para que Gentile não desgrude do “Galinho”, lembrando-o daquilo que haviam combinado nos vestiários: que caberia a ele (e não à Tardelli), a missão de marcar o brasileiro em cima, exatamente como fizera no jogo anterior, com Maradona. O italiano cumpre à risca a ordem, tanto que logo ganha um cartão amarelo.

São 25 minutos: Waldir atira com as mãos, uma bola para Leandro na direita, que mata no peito e a entrega para Cerezo. Esse pensa em lançar mais à frente, porém desiste e inesperadamente, resolve virar o jogo para o meio, onde estão Júnior, Falcão e Luisinho, tendo Rossi a observá-los, de perto. Ao tentar bater de três dedos, porém, ele “espirra o taco” e a bola passa nas costas de Falcão, sendo que Luisinho já saía para o ataque. Paolo Rossi, atentíssimo, “dá o bote”, passando entre eles e arrancando para o gol. No desespero, Júnior tenta um carrinho, mas não o alcança. 

O artilheiro avança até a meia-lua e dispara, aproveitando-se de Waldir Peres estar um pouco adiantado: 2×1 para a Itália. Cerezo se descontrola e começa a chorar, talvez pressentindo o pior. 

O gol revolta os torcedores brasileiros, pela desatenção da zaga. Mas nem tudo é festa para a Itália, pois Collovati, que vinha fazendo ótima partida se contunde e é substituído por Bergomi. E o Brasil começa a pressionar, perdendo oportunidades com Sócrates (que cabeceia livre, mas em cima do goleiro Zoff), com Falcão que chuta de longe uma bola perigosa e quase no fim da primeira etapa com Zico, que recebe um passe rasteiro do “Doutor” e já na grande área, é puxado por Gentille na hora da conclusão. A força do puxão é tamanha, que abre um imenso rasgo na camisa do “Galinho”. De nada adianta mostrar ao juiz: vergonhosamente, ele não dá o penal. 

Chega o intervalo e fico imaginando como estarão os torcedores no Brasil, ansiosos pelo segundo tempo e confiantes na virada do selecionado brasileiro. 

Os times voltam e não há alterações. Apenas taticamente, pois o Brasil passa a alternar uma troca de posições em campo, com os laterais às vezes virando alas e vindo pelo meio, enquanto os meias abrem pelas laterais, escapando da ferrenha marcação.


Já a Itália continua a inverter jogadas de um lado para outro, o tempo todo. Antes, mais da direita para a esquerda. Agora, isso ocorre ao contrário. 

Logo aos dois minutos, o Brasil dá sua primeira “estocada” num chute venenoso de Falcão, que passa próximo ao gol de Zoff.

A Itália acaba tendo um pênalti não marcado, cometido por Luisinho em cima de Paolo Rossi. Seria porque Luisinho é especialista em cometê-los sem que sejam vistos (como o da estreia, diante da URSS) ou será que o juizão quis compensar aquele não marcado em cima de Zico, ainda na primeira etapa? 

Novamente é a vez do Brasil: Cerezo penetra e tenta chutar, mas Zoff é mais rápido e se antecipa, fazendo a defesa. Não é só: pouco depois, Serginho tenta cabecear e como não consegue, improvisa um toque de calcanhar, mas Zoff está atento e outra vez, intervém. Fico imaginando aqui com meus botões, como um goleiro com mais de 40 anos, que na Copa passada afundou a Itália levando quatro gols de fora da área nas duas últimas partidas, possa estar nessa forma física e técnica. Está feito vinho: quanto mais velho, melhor. E um legítimo vinho italiano!

Meus pensamentos são abruptamente interrompidos pelo contragolpe adversário: é Rossi, que recebe passe açucarado de Graziani e cara-a-cara com Waldir, desperdiça enorme oportunidade, mandando pela linha de fundo, por estar desequilibrado. 

O Brasil continua a pressionar, mesmo se expondo ao perigoso revide italiano. 

Acaba sendo recompensado aos 22 minutos: Júnior escapa para o ataque, saindo da lateral e vindo para a meia-esquerda. Já próximo da grande área, executa um passe de três dedos para Falcão que desce pela meia-direita e recebe. 


Há seis brasileiros e oito italianos acompanhando a jogada, a maioria, dentro da grande área. Cerezo passa correndo pelas suas costas, do centro para a direita, atraindo a marcação de três adversários e abrindo a zaga italiana. Falcão corta para dentro, traz a bola para o pé canhoto e já no interior da meia-lua, quase na risca da grande área, desfere um chute violento, no canto direito de Zoff. Tudo igual: 2×2. 

Ensandecido, veias saltadas na cabeça e no pescoço, gritando sem parar, Falcão corre na direção do banco de reservas, numa comemoração verdadeiramente emocionante, num gesto de puro amor e entrega à camisa que enverga e honra. Ato contínuo, o “Rei de Roma” chacoalha Toninho Cerezo – novamente chorando – para motivá-lo.

Após muita luta, o Brasil está novamente “no páreo”, com o empate. Bem que o “olheiro” brasileiro, Zezé Moreira, havia alertado para o poderio do time italiano, qualificando-o como o nosso mais perigoso adversário. Não estava enganado.

Os canarinhos continuam com mais posse de bola e poder ofensivo: num dos ataques, pegam a zaga italiana totalmente desguarnecida: Zico lança Éder, tendo Sócrates livre, pronto para receber e marcar. Entre eles, apenas Scirea, que fica protegendo sua área. Mas Éder não faz o passe para o companheiro. Ao invés disso, tenta o drible e é bloqueado. Foi a grande chance de “matar” o jogo.

Telê então coloca Paulo Isidoro no gramado, sacando Serginho. Percebe que o Brasil precisa variar os lados do campo ao atacar e fixa Sócrates como falso centroavante. Com Isidoro, de certa forma ele reequilibra o time, “desentortando” as linhas táticas, já que, por atuar sem ponta-direita fixo, a formação ficava torta para a esquerda, facilitando a marcação italiana, quase sempre pelo mesmo setor. O ponta também costuma ajudar o time, voltando para ajudar a fechar o meio-de-campo.

A equipe permanece ofensiva, mas sente as dificuldades em penetrar numa zaga tão bem postada e com o forte calor que fisicamente mina os atletas na parte final do jogo. A plateia, de 44 mil privilegiados torcedores, mal pisca os olhos.

Numa bola inofensiva alçada para o ataque, Toninho Cerezo tenta recuá-la de cabeça para Waldir, erra e termina por ceder o escanteio. Zico chama sua atenção, mas ele gesticula que “está de olho”. 


Só que o time não parece estar e mesmo com todos os seus onze homens na grande área, toma o terceiro gol, na cobrança. 

Bruno Conti levanta na área, pela direita. Oscar, Sócrates e Scirea dividem, pelo alto. Tardelli apanha a sobra, gira e bate, dentro da área, em direção à meta. No meio do caminho, Paolo Rossi desvia de Waldir Peres: 3×2 para os italianos, que vibram muito. Júnior pede impedimento, esquecendo-se de que ele mesmo dava condições ao centroavante, por estar na pequena área. 

Uma espécie de “pane mental” abala o time. Depois, o cansaço se incumbe de arrefecer as investidas brasileiras. Parece que o inacreditável vai acontecer: a Itália, verdadeiro “azarão” no “grupo da morte”, vai se classificar, eliminando Argentina e Brasil. Marini entra no lugar de Tardelli, na Seleção Italiana.  


Aos 42, Paolo Rossi trama boa jogada e dá a Antognoni, que vence Waldir Peres, marcando o quarto gol italiano, o qual, por um lapso da arbitragem é mal anulado, pois o atacante não estava impedido. Ainda nos resta uma última esperança!

E ela aparece, na falta cometida em cima de Éder, quando arrancava em direção ao gol. A infração é quase no bico da grande área, pelo lado esquerdo. Passamos dos 43 minutos do segundo tempo. É agora ou nunca! 

Quatorze jogadores na grande área, seis brasileiros, oito italianos. E lá vem a bola na área, magistralmente colocada por Éder, no último bolo de jogadores. A “menina” passa caprichosamente por todos, menos pelo último deles: Oscar, que desfere uma cabeçada violenta, para baixo. 

Zoff salta e no puro reflexo a agarra, com dificuldades, em cima da linha, junto ao pé do poste esquerdo de sua meta. É o fim, para nós! Estamos desclassificados. Nosso futebol lúdico perdeu. Entraremos para a história como a geração genial sem títulos.

Não! Inesperadamente, o bandeirinha corre para o meio-de-campo. Klein dispara em sua direção e ouve o que este tem a dizer: que a bola cruzou a linha de gol, sendo puxada em seguida por Dino Zoff, para concluir a defesa. Klein então parte para o círculo central, tendo os italianos a lhe perseguirem, reclamando. 

“-Gooooooool do Brasiiiiiiiil!!!” . É Luciano do Valle, se esgoelando na cabine de TV, vibrando com o empate brasileiro. Gritamos também, a plenos pulmões, no estádio. Comemoração indescritível! Até os italianos se rendem nesse momento e aplaudem o gol brasileiro, aparentemente aceitando a derrota e a valentia com que sua seleção caiu, não perdendo o jogo ao menos, para o favoritíssimo adversário.

Mais dois minutos de tensão em campo, porém a Seleção Brasileira não dá mais sopa para o azar e ainda perde uma última chance num escanteio magnificamente cobrado por Éder, que o veterano capitão italiano soca para longe de sua meta. 

Aos 46 minutos e 13 segundos, Zoff repõe a pelota com um chutão para o alto e Klein apita o final do jogo: 3×3 e no Brasil, as comemorações eclodem, pela tarde e noite afora. 

O susto muda um pouco a visão de Telê, quanto ao time. Ele não aceitará mais entre os atletas, falta de seriedade defensiva, nem desequilíbrio emocional em campo. Muito menos, confiança exagerada. 


“- Não ganhamos nada, ainda!”, não se cansa de repetir em entrevistas e depois, ao grupo de jogadores. Por via das dúvidas, confirma que Batista passa a ser o titular, a partir de agora, sempre no primeiro tempo, com Cerezo “talvez” entrando no segundo.

Além disso, Serginho ficará no banco, pois Paulo Isidoro será mantido no time e haverá um revezamento entre Sócrates e Zico, no comando de ataque, visando manter-se o máximo de craques, no gramado. Até Dinamite passa a ter chances de entrar. Waldir Peres e Luisinho recebem um voto de confiança; mas qualquer novo deslize e Paulo Sérgio e Edinho estarão de prontidão, para assumirem a vaga de titular. 

A partir daí, nossa seleção engrena, vencendo a Polônia de Lato (desfalcada de Boniek) e chegando à final, diante da França, que eliminou a Alemanha de Rummenigge.

É uma decisão apoteótica, a máxima expressão da pura essência do futebol bonito! De um lado, Michel Platini, Giresse, Tiganá, Rocheteau. Do outro, Zico, Sócrates, Falcão. 

Nem é preciso falar muito: o placar de 5×4 para os brasileiros – inédito na história das finais de Copas do Mundo – já é mais do que suficiente para traduzir a magnitude da finalíssima. O Brasil se torna tetracampeão mundial de futebol, tendo como palco o estádio Santiago Bernabéu, em Madrid. 

Ao receber a taça das mãos do presidente da FIFA, João Havelange, o capitão Sócrates lhe entrega uma carta assinada pelos jogadores brasileiros, pedindo o fim do regime de concentração e o apoio da entidade nessa luta. Havelange promete estudar o caso. 
No dia seguinte, os jornais trazem a cobertura do que foi aquele Mundial: para muitos, melhor até do que o de 1970, no México. E também da festa, por todo o país.

Na capa do Jornal da Tarde, a foto de um garoto chorando com a camisa brasileira, feliz pela conquista, no estádio, vira símbolo daquela geração vencedora. Por uma tremenda coincidência, eu estava próximo do menino e vi quando a foto foi colhida. Comovente!
Na volta para o Brasil, o avião que traz a delegação brasileira aterrissa em Brasília, para que os jogadores sejam homenageados pelo governo brasileiro. 

Perante milhares de torcedores que superlotam o imenso gramado diante do Palácio do Planalto e aproveitando-se da euforia do presidente, o general Figueiredo – que adora futebol e acaba de discursar – o Doutor Sócrates, tendo os jogadores ao seu lado, reivindica “Eleições Diretas Já” para o país, nos microfones, inflamando a massa. 


Surpreso e pressionado há algum tempo pela opinião pública, o presidente promete dar uma resposta em breve a todos. E de fato o faz, semanas depois, marcando eleições com voto direto, para quando terminar seu mandato e entregar o cargo.

A euforia toma conta dos brasileiros nos anos que se seguem. 

Zico, Sócrates e outros craques permanecem jogando aqui, pressentindo dias melhores. Falcão logo retorna ao futebol brasileiro, que agora anda valorizadíssimo. 

Com a eleição de Tancredo Neves, que obtém mais de 70% dos votos, o Brasil entra numa era de investimento alto em educação, saúde e profundas reformas na política, como extinção de cargos, de privilégios e um incansável combate à corrupção. 

No futebol brasileiro, os principais clubes se unem, organizando a Copa União, embrião de muitas mudanças para melhor, nos campeonatos regionais e nacionais, daí para frente.

Aposentados dos gramados, Sócrates e Zico se sucedem na presidência da CBF. Com o apoio do governo, é criada uma lei de incentivo em todo país, que assegura um campinho de futebol gramado para cada 10 mil habitantes, no mínimo, visando levar o esporte aos mais longínquos rincões dessa nação abençoada, assim como, para descobrir novos talentos. 

O Brasil passa a ser “a bola da vez” e a ter seu campeonato transmitido para todo o mundo, inclusive para a Europa e até (quem diria!) para Argentina e Uruguai.

Agora são os estrangeiros que querem copiar nosso jogo! 

O futebol-arte passa a ser reconhecido como modelo de modernidade. Futebol, de agora em diante, só para craques. 

A mídia não abandona sua postura de tratar com seriedade jornalística, o esporte das multidões. Nada de olhar futebol como mero entretenimento ou diversão, formando legiões de torcedores alienados por programas esportivos cheios de gracinhas, tolices desnecessárias e apresentadores que não entendem profundamente do riscado. Jornalismo esportivo é e sempre será coisa séria! Não à palhaçada!

Muito menos transformar a Seleção Brasileira em produto. Ou os clubes, em reféns do dinheiro das cotas televisivas, vítimas de má administração.  

Treinadores que apregoam retrancas e jogam pelo resultado, são perseguidos. 

A ordem agora é primar pela parte técnica, cada vez mais.

A parte física é apenas um complemento importante. Nada mais que isso. Quem não sabe jogar muito bem, não tem espaço. É preciso talento e criatividade, para se firmar.

Laterais podem descer quantas vezes quiserem, ao ataque. Até os dois juntos, se preferirem. Volantes entram em processo de extinção. No meio-campo, somente gênios.  Atacantes, quantos mais, melhor. 

Os pernas-de-pau são definitivamente banidos do futebol profissional. Muitos passam a disputar campeonatos amadores. 

Nada de esquemas rígidos de marcação, tampouco equipes jogando no erro do adversário. Faltas, somente como último recurso. Simular uma entrada faltosa então; vira pecado mortal para os críticos e são exemplarmente punidas.

A beleza do toque refinado, do drible desconcertante e dos gols executados através de jogadas bem feitas, passa a ser primordial e algo cada vez mais constante, nos gramados do Brasil e do mundo. 

Não tem tanta importância levarmos gols, desde que façamos mais tentos do que o adversário; é claro. 

Nunca mais, em parte alguma deste planeta, alguém pronunciará contra o tão sagrado futebol, a terrível blasfêmia:

“- Ganhando o jogo de meio à zero, tá bom demais!”.