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andré felipe de lima

UM “LORD” BRASILEIRO E MELHOR LATERAL-DIREITO DA HISTÓRIA

por André Felipe de Lima

Os ingleses o chamavam de Lord. Não era para menos. Djalma Santos foi o melhor lateral- direito da história do futebol mundial. Ídolo estelar do nosso olimpo futebolístico, Djalma completaria 88 anos nesta segunda-feira, 27. Saudade deste grande ídolo, bicampeão mundial em 1958 e 62, com a seleção brasileira. Saudade do querido “Nariz”, como era carinhosamente chamado, porém com tom brincalhão, por Garrincha, Pelé e Nilton Santos nos bons tempos em que juntos vestiram a poderosa “amarelinha”…


Na foto, estou em pé, atrás do Djalma Santos e dos craques da antiga Tchecoslováquia, que disputaram a final da Copa do Mundo de 62. Djalma está entre Jelínek e Masopust, este o maior jogador tcheco da história.


Naquela tarde do dia 24 de junho de 2012, em São Paulo, bati um longo papo com todos para edição do documentário “Simplesmente passarinho”, sobre a vida de Garrincha. Entrevistas muito bacanas que, se Deus quiser, poderemos conferir com o lançamento do filme.

Vale a pena conferir os vídeos abaixo e conhecer um pouco sobre a história deste gênio da bola:

GRANDE E DIGNA HISTÓRIA DO DJALMA SANTOS…

BLOCO 1: http://migre.me/oMEHA
BLOCO 2: http://migre.me/oMEJb
BLOCO 3: http://migre.me/oMEK7

CALÇADA DA FAMA NO MARACANÃ: http://migre.me/oMEQG

 

 

É O ETERNO ‘CAMISA 10’ DA GÁVEA NO SAMBA

por André Felipe de Lima


Jorge Ben, Zico, Júnior e Caetano

O refrão diz tudo: “É falta na entrada da área/ adivinha, quem vai bater/ é o camisa 10 da Gávea…”. Zico, Flamengo e Jorge Ben Jor. Naquela tarde de domingo, dia 7 de março de 1976, o Flamengo sapecava uma goleada de 4 a 1 na então poderosa “Máquina Tricolor”, que contava no gramado com Carlos Alberto e Paulo Cezar Lima a postos, mas sem Rivellino. Não deu para eles, Zico estava infernal. “Violento”, como definiu o jornalista Marcos de Castro, nas páginas do Jornal do Brasil: “Pois o jogo foi Zico, meus amigos. A bola escorreu mansa pela direita, maltratada por um pé meio quadrado, voltou, veio de novo pra cá, pra lá, Renato falhou. Zico, violento, um toque de mestre, gol.”

O que Zico fez ao Fluminense foi uma “Zicovardia” digna de samba e da bossa linguística, como estampou a manchete do Jornal dos Sports no dia seguinte. O placar mais justo foi Zico quatro, Fluminense um. Sim, quatro gols de Zico, que naquela tarde passaria definitivamente da “promessa” à realidade e o seu nome seria protagonista não somente nos gramados de futebol, mas também de muitas letras musicais, sobretudo as de samba. Arrisco-me a dizer que Zico, Garrincha e Pelé sejam os craques brasileiros mais citados na MPB.


Jorge Ben Jor estava no Maracanã naquele domingo. E mais: foi ao vestiário rubro-negro animar a moçada, cantarolando um refrão ainda solto no ar que se tornaria um famoso sambalanço: “Falta na entrada da área, é o número 10 da Gávea”. Com a frase cantada, Jorge Ben Jor mostrou a facilidade de Zico para cobrar faltas. Dali, na arquibancada, começou a brotar a música “Camisa 10 da Gávea”, que integraria meses depois o estupendo e dançante LP “África Brasil”, que contava também com a música “Ponta De Lança Africano/ Umbabarauma”, igualmente associada a Zico por muita gente fã de Ben Jor e, claro, do Galinho de Quintino.

“Foi a falta melhor cobrada até hoje. Creio que dificilmente conseguirei bater outra falta com tanta perfeição. Nos outros gols dei sorte, pois estava acompanhando todos os lances. O último, então, devo destacar o trabalho de Caio, Toninho e o toque genial de Geraldo, que me deixou sozinho contra Renato. As demonstrações de carinho só podem me incentivar para que melhore ainda mais”, disse o Galinho, logo após o Fla-Flu, sem imaginar que ainda cobraria muitas faltas semelhantes àquela, igualmente a outros lances magistrais que o desenhariam como o maior ídolo rubro-negro de todos os tempos.

O 4 a 1 sobre a “Máquina Tricolor”,no jogo em que se disputava a Taça “Nelson Rodrigues”, deixou eufórico um torcedor do Flamengo, que se aproximou de Zico e disse: “Você é tão bom quanto o Pelé”. Humildemente, o Galinho de Quintino rebateu: “Você pode ser muito meu amigo, mas não diz isso não que é pecado. Igual ao Negão nunca vai aparecer. Eu me contentaria em saber que consegui jogar a terça parte do que ele jogou.”

Logo após ter deixado o festejado vestiário do Flamengo, Jorge Ben Jor talvez tenha buscado imediatamente uma caneta e um papel para escrever a letra definitiva de “O camisa 10 da Gávea”. Isso é apenas uma suposição, frise-se. Jamais — creio —perguntaram isso ao Ben Jor, um rubro-negro ferrenho, santificado, que durante entrevistas declarara com inabalável convicção: “Sou brasileiro e meu time é o Flamengo”. E é mesmo, desde pequeno. Chegou a jogar nas divisões de base do clube e, em uma entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), em 1995, foi categórico: “Quero ser presidente do Flamengo um dia.”

Sobre o Galinho, sem rodeios, externou sua paixão, em outra entrevista, publicada pela revista IstoÉ Gente, de 12 de julho de 2010: “O futebol dele foi surreal. Ele foi um exímio cobrador de faltas na entrada da área”. Precisa mais?

Após aquele Fla-Flu do “4 a 1”, Zico tornou-se mágico. Uma espécie de “Midas da bola” que passou a despertar nos torcedores uma paixão avassaladora. Inclusive em outros fãs ilustres da MPB. Seguindo a trilha de Jorge Ben Jor, o “novo baiano” Moraes Moreira tornou-se grande amigo de Zico e para o ídolo compôs uma música (no melhor estilo arretado de um trio elétrico) “Saudades do Galinho”, lamentando o fim da carreira do craque, no dia 2 de dezembro de 1989, contra o (olhe a “vítima” aí de novo!) Fluminense. E o Placar? Cinco a zero para o Flamengo, em jogo realizado no estádio de Juiz de Fora (MG), que valeu pelo Campeonato Brasileiro. “E agora como é que eu fico nas tardes de domingo sem Zico no Maracanã?”, diz a letra. Surge, portanto, uma breve pergunta: Adivinhem de quem foi, de falta, o primeiro gol do Flamengo naquele Fla-Flu?

Anos depois, o cantor Alexandre Pires, outro rubro-negro sem meio termo, ficou visivelmente nervoso ao cantar, diante do ídolo, a música “Zico é o nosso rei”, cuja letra havia composto no dia anterior ao encontro com o Galinho. Para quem não sabe, Pires, que antes de cantarolar sambas sonhara ser Adílio para tabelar com o Galinho, tem um filho que se chama, ora essa, Arthur.

Só faltava mesmo a Marques de Sapucaí para a reverência definitiva ao Zico. Em 2014, a Imperatriz Leopoldinense cumpriu a missão de homenageá-lo com o enredo “Arthur X – O Reino do Galinho de Ouro na Corte da Imperatriz”. Pronto. Não faltou mais nada para Zico e sua gloriosa carreira também serem eternizados no doce universo do samba.

Os editores tentaram identificar os autores da imagem, mas não obtiveram sucesso. Caso o autor se manifeste, teremos o imenso prazer de citá-lo.

FUTEBOL E SAMBA

por André Felipe de Lima

Futebol e samba formam uma das mais harmoniosas relações culturais no Brasil. Ir a um estádio de futebol ou a um bar após os jogos e não ouvir um samba é como se estivéssemos assistindo a um “empolgante” clássico entre Spartak de Moscou e Dínamo de Kiev na antiga União Soviética sob um frio siberiano de quebrar os ossos. Aqui, samba na arquibancada é lei. Mesmo que divida espaço com alguns gritos importados de torcidas portenhas e adaptados pelas ditas “organizadas”. Não importa. O que cai no gosto do povo é o samba. “Domingo, eu vou ao Maracanã…”. Esse, sob a voz de Neguinho da Beija-Flor, é canção obrigatória. Tornou-se hino da inebriante festa promovida por torcedores ao perceberem que a fatura está liquidada a favor do time para que torcem. 


Beth Carvalho e Cartola

Futebol, samba, sambistas… estes sambistas que amam seus clubes. Cartola, especulam, teria feito das cores da sua Estação Primeira de Mangueira uma adaptação do pavilhão do seu amado Fluminense. Da bandeira tricolor, descoloriu o grená tornando-o rosa e manteve o verde. Daí nasceu a “Verde e Rosa” mais famosa do mundo. Cartola não foi, porém, quem imortalizou sambas sobre futebol. Um nome se destaca nesse quesito: Wilson Batista, um rubro-negro ferrenho que era capaz de chorar sangue pelo Flamengo. Fez dois sambas antológicos sobre o clube da Gávea.

Vascaínos sambistas também tem aos montes. Noel Rosa (que dizia torcer pelo Fausto, logo vascaíno, mas que também torcia pelo Monteiro, do Andarahy), Nelson Sargento, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Aldir Blanc, Luiz Melodia… nenhum deles imortalizou o Vascão em suas composições. De botafoguenses há também uma leva bacana, na qual integram Roberto Ribeiro (que foi goleiro do Goytacaz e chegou a treinar no Fluminense), Walter Alfaiate, Mauro Duarte e Beth Carvalho. É dela, da Beth, a letra do samba que embalou a torcida após o título carioca de 1989, que tirou o Botafogo da fila de espera após 21 anos de “jejum”: “Esse é o Botafogo que eu gosto/ Esse é o Botafogo que eu conheço/ Tanto tempo esperando esse momento, meu Deus/ Deixa eu festejar que eu mereço/ Mas é esse/ Esse é o Botafogo que eu gosto/ Esse é o Botafogo que eu conheço/ Tanto tempo esperando esse momento, meu Deus/ Deixa eu festejar que eu mereço/ É tão bonito ver/ Minha gente sorrindo de emoção/ O meu Brasil/ De ponta a ponta chorando, vibrando/ Saudando o Botafogo campeão/ O meu Brasil/ De ponta a ponta chorando, vibrando/ Saudando o Glorioso campeão”. 

Mas foi Wilson Batista o sambista nitidamente mais empolgado. O primeiro samba dele sobre o seu amado Flamengo, “E o juiz apitou!”, é uma deliciosa crônica sobre o time do primeiro tricampeonato estadual (1942 a 44): “Eu tiro o domingo para descansar/ Mas não descansei/ Que louco eu fui/ Regressei do futebol/ Todo queimado de sol/ O Flamengo perdeu/ Pro Botafogo/ Amanhã vou trabalhar/ Meu patrão é Vascaíno/ E de mim vai zombar/ Foram noventa minutos/ Que eu sofri como louco/ Até ficar rouco/ Nandinho passa a Zizinho/ Zizinho serve a Pirilo/ Que preparou pra chutar/ Aí o juiz apitou/ O tempo regulamentar/ Que azar!”.

O segundo, “Samba Rubro-negro”, faz uma homenagem ao timaço tricampeão de 1953 a 55: “Flamengo joga amanhã/ Eu vou pra lá/ Vai haver mais um baile no Maracanã/ O mais querido
Tem Rubens, Dequinha e Pavão/ Eu já rezei pra São Jorge/ Pro Mengo ser campeão/ O mais querido/ Tem Rubens, Dequinha e Pavão/ Eu já rezei pra São Jorge/ Pro Mengo ser campeão/ Pode chover, pode o sol me queimar/ Que eu vou pra ver/ A charanga do Jaime tocar: Flamengo! Flamengo! / Tua glória é lutar/ Quando o Mengo perde/ Eu não quero almoçar/ Eu não quero jantar”. 

Em São Paulo, Adoniran Barbosa fez do seu Corinthians fonte de inspiração. Compôs “Corintiá – Meu amor é o Timão”. A letra diz assim: “Como é bom ser alvinegro/ Ontem, hoje e amanhã/ Respirar o ar mistura/ Do Tietê a Tatuapé/ Lá no alto a velha Penha/ Da Anchieta e Bandeirantes/ Ver São Jorge lá na lua/ Abençoando a fazendinha/ Onde mora um gigante
Tem igreja e tem biquinha/ Coríntia, Coríntia/ Meu amor é o Timão/ Corítina, cada minuto/ Dentro do meu coração/ Belém, Vila Maria e Mooca/ E São Paulo extensão/ Mogi, Guarulhos, Itaquera/ Tudo vibra Coringão/ É o Cornítia de ‘nóis’ tudo/ É paulista é campeão”. 

A paixão em verbo dos sambistas paulistanos pelo Corinthians não deve nada a de alguns do Rio pelo Flamengo ou Botafogo. Baltazar, centroavante inesquecível, cuja história lembramos recentemente nesta página, era um indefectível ídolo e seus gols de cabeça cativavam uma legião de fãs. Daí para o samba um pulo. Nasceu a marchinha carnavalesca “Gol de Baltazar”, nítida reverência ao Timão campeão paulista de 1954. A letra composta pelo corintiano Alfredo Borba é até hoje cantada pelos blocos no carnaval de São Paulo. Foi imortalizada na voz de Elza Laranjeira: “Gol de Baltazar/ Gol de Baltazar/ Salta o “Cabecinha”/ Um a zero no placar (bis)/ O Mosqueteiro, ninguém pode derrotar/ Carbone é o artilheiro espetacular/ Cláudio, Luizinho e Mário/ Julião, Roberto e Idário/ Homero, Olavo e Gilmar/ São os onze craques, que São Paulo vai consagrar”. 

Na década de 1970, o futebol incorporou o sambalanço de Jorge Ben Jor e de Bebeto. Nas rádios, as letras dos dois torcedores inveterados do Flamengo tocavam ad nauseam. Jorge Ben, que passeou pelos times infantis do clube da Gávea, foi o pioneiro. No seu cultuado álbum “Ben”, de 1972, ele fez de um jogador do Flamengo, o João Batista de Sales, mais conhecido como Fio Maravilha, o craque rubro-negro mais famoso de sua época. A letra foi, contudo, atabalhoadamente embargada na justiça pelo próprio Fio, que foi, provavelmente, muito mal instruído por cartolas e advogados chinfrins. Jorge Ben lamentou e alterou a letra para “Filho Maravilha”. Somente em 2007 é que o compositor pôde retomar a versão original autorizada pelo Fio Maravilha. Mas, aí, perdeu a magia. 

Deixando a paixão clubística de lado, Jorge Ben também fez sucesso com o sambalanço “Zagueiro”, do LP “Solta o Pavão” (1975), o mesmo que inclui “Jorge de Capadócia”. “Zagueiro” é uma verdadeira “lição” de como um beque deve fechar a zaga do time. Jamais perguntaram ao Jorge Ben o que o motivara a compor uma letra, digamos, futebolisticamente didática. Técnicos de hoje deveriam obrigar seus comandados a ouvi-la. 

No LP seguinte, o “África Brasil” (1976), Jorge Ben anunciou a célebre “Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)”. Muita gente associa a música ao ídolo do Jorge Bem: Zico.

O samba psicodélico foi imortalizado pelo Jorge Ben, e ele jamais deixaria o futebol fora desse parangolé lingüístico na MPB dos anos de 1970.

Embalado pela conquista do título de Campeão Mundial pelo Flamengo, em 1981, no Japão, Bebeto compôs um sucesso estrondoso sobre o time do coração. “Arigatô, Flamengo” foi, sem revanchismo, cantada por torcedores de todos os times nos blocos e bailes do Carnaval de 1982. Hoje, a música está bloqueada até mesmo no Youtube por direitos autorais. Foi árdua a missão para achar um link com a gravação completa na Internet. Porém conseguimos.

Mas e Pelé? E Garrincha?… eles, os dois maiores ídolos do nosso futebol não mereceram sambas como homenagem? Sim, mereceram. E qual foi o primeiro samba ou chorinho sobre futebol? Muitos dirão: “E o Chico Buarque, tricolor, também compôs letra sobre futebol…”. Eu sei. Vão cobrar também: “Escolas de samba e futebol, quais sambas encantaram na Sapucaí?”. É papo que não acaba mais…

Mas estas e outras histórias ficarão para uma continuação desta série sobre samba, MPB e futebol. Enquanto isso, ouçam os excelentes sambas da rapaziada citada aí em cima. Até lá.

TIM, O PAI DA ‘PSICOLOGIA PELADEIRA’

por André Felipe de Lima


“Não gosto de fazer nada que não esteja ligado ao futebol. Aliás, são duas as coisas que mais gosto de fazer na vida: cozinhar e tratar de futebol”. Assim, o sr. Elba de Pádua Lima, que atendia pelo singelo apelido de “Tim”, ia levando a vida. Um camarada completamente desprendido dos bens materiais. Jamais ligou muito para dinheiro. Davam para ele um fogão ou uma bola de futebol e estava tudo certo. Sim, Tim era simples e foi com essa simplicidade que se tornou um dos maiores nomes da História do futebol brasileiro, tanto como jogador, cujo estilo peladeiro foi inconfundível, quanto como marcante técnico, cuja (a boa) malandragem rendeu hilariantes histórias do dia a dia dos boleiros.

Fumante inveterado, Tim era filho do seu Vargas de Lima, pai que perdeu quando tinha apenas seis anos, e de Teresa de Lima, que, sozinha, sustentou-o e as suas quatro irmãs. Casou com dona Tomires com quem teve duas filhas, Miriam e Valéria. Foi craque também na cozinha, onde, gabava-se, jamais se apertou. Tim, um eclético. Suas feijoadas, macarronadas, cozido e dobradinhas eram insuperáveis. Como ele, na meia cancha da Seleção Brasileira ou do Fluminense. Ali, pelo meio do campo, ninguém o superou em seu tempo.

Poderia ter sido o herói do escrete na Copa do Mundo de 1938, na França, mas, por pura birra, o técnico Ademar Pimenta preferiu escalar Perácio, que, embora bom jogador, não chegava nem a um por cento do que jogava Tim. A implicância do treinador com o craque foi tão intensa que chegou a apelidá-lo de “Lero-Lero” porque o achava “conversa fiada” ou um “finge que vai, mas não vai”. Naquela Copa, Tim só entrou em campo contra a antiga Tchecoslováquia, que o Brasil derrotou por 2 a 1. Jogou uma barbaridade e encantou a imprensa local.

Muitas décadas depois, Pimenta veio com um papo meio torto, alegando que o Tim e o ponta-esquerda Patesko passaram da conta na birita, quando o navio que os levavam à Paris, para a Copa do Mundo, fizera escala em Salvador. Pimenta os queria fora do elenco imediatamente. Dizia que havia “privilégio” para ambos e que até vinho ou chope bebiam nas refeições. Tentou cortá-los, mas houve coragem?

Tim era o mais paparicado dos jogadores pelos jornalistas que acompanhavam a delegação até Paris. Leônidas da Silva, que se tornaria o grande craque daquela Copa ao lado do italiano Meazza, ainda não era o “Diamante Negro”. Domingos da Guia, esse sim, era o único campeoníssimo internacional naquele navio. Havia sido campeão na Argentina, com o Boca Junior, e no Uruguai, com o Nacional. Mas, no Brasil, Tim era o “cara”. Menos para Ademar Pimenta, que, segundo o biógrafo e jornalista Marcos de Castro, teve a cara de pau de pedir para o zagueiro Zezé Procópio “quebrar” o Tim durante um treino em Salvador, provavelmente após a “bebedeira” e “comilança” promovidas por Tim e Patesko.

Na primeira tentativa de sarrafo em Tim, Zezé Procópio recebeu imediatamente o revide. Pimenta o repreendeu. Tim era malandro e logo manjou que aquilo não era obra gratuita do companheiro de time. “Apertou” o Zezé e descobriu que o mandante tinha sido o Pimenta. Há poucas semanas da estreia na Copa do Mundo, o “El Peón” (apelido que recebera dois anos antes dos fãs argentinos) foi tirar satisfação com o treinador. Pimenta “amarelou”. Não havia como expulsar Tim da delegação. O cara era o queridinho dos jornalistas. Pegaria mal à beça. Seria um escândalo. O técnico decidiu, então, barrá-lo do time. Eis o desastre.


Muito anos depois, o ex-zagueiro Nariz, titular no escrete de Pimenta, “acusou” Tim de ser o grande “culpado” pela derrota frente à Itália, na semifinal: “Isso mesmo. Se ele [Tim] tivesse jogado contra a Itália, nós não perderíamos”. Nariz estava coberto de razão. Romeu Pelicciari, outro companheiro de Tim nos ataques da Seleção — inclusive na Copa de 38 — e do Fluminense, foi seu amigo até o último minuto. Sobre Tim, que Romeu costumava receber no restaurante de massas que mantinha em São Paulo, declarava com imensa admiração: “Às vezes tínhamos a impressão de que o Tim amarrava a bola nos pés.”

Sim, Romeu estava certo. Tim, geralmente com o seu indefectível bonezinho branco, matava a bola no peito como se o dorso fosse aveludado. A bola rolava macia e tranquila até os pés e ali, neles, transformavam-no diabo em forma de gente… e futebol. Dribles curtos e desconcertantes. Lançamentos sobrenaturais de mais de trinta, quarenta metros. Quem viu e a mim contou dizia: “Tim era impressionante”. Todas as jogadas praticamente passavam por ele. Isso aconteceu tanto na Seleção Brasileira quanto no Fluminense, com o qual Tim, por pouco, não foi hexacampeão carioca. Sim, o Fluminense sob a batuta do maestro foi campeão carioca em 1937, 38, 40 e 41. Em 1936, Tim ainda não estava nas Laranjeiras, mas o clube foi o campeão carioca. A extraordinária saga de troféus dos tricolores foi interrompida em 1939, quando perderam o título para o Flamengo, que estava voando baixo, tendo na linha Leônidas da Silva e Domingos da Guia sensacionais. Mas certo estava o grande ídolo argentino Guillermo Stábile, craque na Copa de 1930, que assim definiu Tim: “O meia esquerda que o Brasil ainda não compreendeu.”

ALTIVO E CRAQUE DESDE MOLEQUE

Tim foi uma criança feliz, embora de família bastante humilde. Quando pequeno, a irmã mais velha, Valdívia, chamava-o de “Ti”. O acréscimo do “m” ao apelido só aconteceria depois, nos times que defendeu. Foi, quase sempre, o dono da palavra final em qualquer discussão, seja em peladas, ou nos clubes de futebol que treinou ou defendeu como jogador. Malandramente escondia o jogo como poucos. Manha que levou dos gramados para a profissão de técnico. Tanto que “El Peón” sempre cultivou (e muito bem…) a louvável fama de “estrategista”. E foi mesmo. Sagacidade e altivez que desenvolveu ainda moleque, em Rifaina, interior de São Paulo, onde nasceu no dia 20 de fevereiro de 1916. “Dizer que nasci talhado para ser craque é uma verdade clara como águas límpidas dum regato. Garoto ainda tracei meu futuro. Jogando bola na rua havia uma coisa que me deixava um bocado convencido: era na hora do par ou ímpar. Queriam me escolher ao mesmo tempo. Brigavam. Era o diabo! Alguns meninos chegavam a roubar frutas, me dar ‘cola’ durante as aulas, enfim, me ‘chaleravam’ [o mesmo que “puxar o saco”, “babar” de inveja e por aí vai…] escandalosamente afim de que eu nunca mudasse de time. Fui um ídolo em guri para a garotada da minha rua”. Tim foi um peladeiro de raiz. Essência da qual jamais se livrou. Ainda bem.


Quando começou a se destacar entre os meninos de sua idade, as peladas tinham de ser entre os mais velhos. Aí, meu Deus, Tim parecia de outro mundo. “Engraçado. O temor de mamãe era que eu poderia me dar mal enfrentando aqueles galalaus. Pois eram justamente aqueles barbados que eu mais facilmente dominava. É a velha história: maior o coqueiro, maior o tombo… e como eu driblava firme os grandalhões!”

Quando este jornalista era rapaz, morava em São Paulo e trabalhava como contínuo no escritório de uma empresa do ramo de Café. Havia lá um coroa que se chamava “Machado” e dizia ser irmão de outro “Machado”, este verdadeiramente famoso. Era o Machado zagueiro da Seleção de 38 e do poderoso Fluminense quase “hexa”. O Machado que conheci comentava sempre eufórico — e isso ficou marcado em minha memória —ter sido amigo do Tim e que El Peón, no campo, ostentava um drible curto impressionante. Escondia a bola do marcador de forma incomparável. O Machado menos famoso garantia ter jogado bola com o Tim. Eu acreditava e, como diria o Tim, ‘chalerava’ o Machado.

Até o último dia de vida, Tim respirou o futebol, mas sob uma condição irrevogável: que fosse o futebol vistoso, poético e plástico. Os detratores do futebol arte (e já existiam naquele tempo) tratavam de azucriná-lo com apelidos menos honrosos. Para eles, Tim era um “dançarino sem damas” ou “Rebeca”, e isso jamais foi esclarecido. Tim tampouco entendia o porquê do tal apelido “Rebeca”. Sequer ligava para o papo furado de quem dizia conhecer sobre futebol, mas não entendia bulhufas. Gostava mesmo era de narrar, com extremo orgulho, o gol mais bonito que assinalara ao longo da carreira. Marcou-o contra o Internacional de Porto Alegre.

O lance foi assim: Santamaria — um argentino importado do River Plate — centrou a bola e Tim a recebeu. Ao seu lado, como carrapato, o zagueiro colorado, que recebeu de brinde um lençol de El Peón. Veio o segundo zagueiro e também foi “coberto” pelo lençol de Tim. O desesperado goleiro Penha correu na direção do craque. Erro fatal, ingênuo, o coitado. Com um toque de gênio, Tim o encobriu e marcou um gol de placa. A torcida — gabava-se Tim sempre que descrevia o lance—ovacionou-o por mais de um minuto.

O jogador foi treinador. E dos melhores que se teve notícias até hoje. Quem discordar definitivamente não entende patavina de futebol. Mas a intolerância de Ademar Pimenta parecia persegui-lo obsessivamente. Tim seria o técnico da Seleção na Copa de 1966. João Havelange, na época o mandachuva da antiga CBD (Confederação Brasileira de Desportos), foi quem o vetou, mas, com aquela conversa mole que o caracterizou, emendou a seguinte desculpa, algo muito semelhante ao que o Pimenta alegara aos jornalistas em 1938: “Dentro de um princípio estabelecido por mim, de acordo com uma norma de trabalho, eu jamais poderia solicitar a presença de Tim porque entendo que tenho de ficar coerente com a Lei. Se Tim tivesse diploma da Escola Nacional de Educação Física, é possível que eu o tivesse ao meu lado. Mas eu me subordinei à Lei e assim é possível que tenha feito uma injustiça.”


“PSICOLOGIA PELADEIRA”

Ora essa. Tim foi vítima de sua independência e genialidade bruta. Não era letrado (mal frequentara um colégio, afinal), mas tinha uma inteligência fora do comum e muito acima da média. Um dos maiores “QI’s” que o futebol brasileiro já viu. Como treinador brilhou em vários clubes. Tinha um humor ácido. Foi um verdadeiro “psicólogo peladeiro”. Desviava-se das perguntas dos repórteres com calma e picardia. São muitas as situações narradas por vários cronistas, como Sandro Moreyra e Aristélio Andrade. Tim era um pândego refinadíssimo, capaz de deixar os jornalistas com a calça arriada. Leiam alguns diálogos e tirem suas próprias conclusões:

— Tim, cadê o Zé Roberto (então ponta-de-lança do Coritiba)? Por que ele não veio com a delegação?

— Ora, meu filho, você não sabe? Zé Roberto está com caspa.

Outra pérola foi a seguinte:

—Tim, como vai jogar o Coritiba?

— Ora, meu filho, de calção, camisa, meias e chuteiras.

Outra também teria ocorrido nos tempos de Coritiba. Lá pelas tantas do jogo, o ponta-esquerda Aladim foi expulso e o time ia mal em campo. O afoito “apolinho” corre para o banco do Coxa e indaga:

— Tim, o que falta ao Coritiba?

— Você não está vendo, meu filho? Falta o Aladim. Ou você não viu a expulsão?

Tim reclamava que as perguntas dos repórteres eram feitas nas horas mais inconvenientes, quando estava ligadão no jogo imaginando o que faria para reverter o cenário ruim em campo.

Tim jamais foi descortês ou grosseiro com jornalistas. Com aquela fala mansa, jamais perdeu (ou quase) a paciência e, claro, a piada:

— Tim, o Coritiba vai se classificar?

— E eu estou de turbante, não é? Quer dizer que eu não sou pitonisa (sacerdotisa grega e profética), não é mesmo?

Em 1970, Tim era o técnico do Vasco. Silva “Batuta”, por sua vez, uma das feras do time. O ponta-de-lança, que se achava mais malandro que o Tim, tentou arriar uma cascata para cima do técnico com o papo de que, no dia seguinte,teria de chegar tarde ao treino para “experimentar” um terno no alfaiate. Malandro com mil encarnações a mais que Silva, Tim emendou: “Ótimo, vou com você. Preciso mesmo de um alfaiate.”

Silva teve de levá-lo a tiracolo e, constrangido, ouviu um assustado alfaiate interrogá-lo: “Ué, Silva, o que está fazendo aqui? Você já provou o terno ontem”. Tim, sabiamente, contemporizou: “Ele me trouxe aqui para fazer um paletó”. O que imediatamente foi feito pelo alfaiate. Toda vez que um jogador do Vasco metido a esperto chegava para o Tim com um papo torto, ele apontava para o cabide no vestiário e emendava: “Meu filho, vou te contar a história daquele paletó…”. Com a “psicologia peladeira” dele, o Vasco acabou campeão carioca de 1970. E o time nem era lá aquelas coisas…

Outra no Vasco aconteceu com o centroavante Valfrido, que se recusava a cair pela esquerda, seguindo a recomendação do treinador: “Seu Tim, o Alcir não vai passar a bola”. Tim insistiu: “Pode cair que ele passará sim”. Um teimoso Valfrido resistiu: “Não vai”.

O chove não molha durou alguns milenares minutos até que o “psicólogo” Tim abordou novamente o inseguro atacante vascaíno: “Valfrido, meu filho, você pode cair para a esquerda. O Alcir é muito meu amigo e ele me garantiu que vai passar a bola para você”. Tudo, enfim, resolvido no papo.

A “psicologia peladeira” do Tim internacionalizou-se. Quando treinava o San Lorenzo de Almagro, chamou um beque num canto e aconselhou: “Olha, meu filho, quando você estiver com a bola dentro da área, e não souber o que fazer com ela, não pense duas vezes: chute para o Brasil. Não se preocupe com a bola porque a minha mulher vem sempre a Buenos Aires e traz ela de volta.”


Tim tinha uma paciência de Jó para lidar com seus comandados. Um garotão que mal começara a jogar bola e se achava um bastião da moral e dos bons costumes, chegou para ele e emendou: “Nunca bebi, nunca fumei, nunca fiz farra”.  O garoto achava mesmo que com aquela conversinha mole cairia nas graças do treinador. Tim, como sempre foi rápido no gatilho: “E você veio aqui para aprender tudo isso, meu filho?”

Nesta sexta-feira, dia 20, o grande ídolo “peladeiro” do futebol brasileiro nas décadas de 1930 e 40 completaria 101 anos. Como escreveu um jornal francês, durante a Copa de 38, o craque foi, disputando apenas um jogo naquele mundial, “um virtuoso do Brasil”.

Tim, o “boa praça”, era assim. Amigo dos amigos. Amigo do futebol com a genuína alma de peladeiro a mostrar-lhe, sempre, o melhor caminho da vida.

 

LEITURAS OBRIGATÓRIAS:

“Gigantes do futebol brasileiro”, de João Máximo e Marcos de Castro, editora Civilização Brasileira, 2011.

“Tim, o estrategista”, de Pedro Zamora, Livraria/Editora Goal, 1969.

VINTE ANOS SEM O MAIOR “PELADEIRO” DA IMPRENSA

por André Felipe de Lima 


“Se o brasileiro se interessasse por política dez por cento do que se interessa por futebol, esse país estaria salvo”. A frase – convenhamos, com alguma (ou talvez cavalar) dose de sentido – brotou da pena afiada (para uns, obviamente) e nefasta (para outros, naturalmente) do (para incondicionalmente todos) genial Paulo Francis, que hoje, neste sábado quatro, completa vinte anos longe daqueles que verdadeiramente gostam do bom ensaio jornalístico.

Ex-trotskysta, um dos fundadores do Pasquim, nascido em Botafogo, mas torcedor do Flamengo (embora, dizem, jamais tenha ido ao Maracanã), Francis é a marca (provavelmente a última) de um jornalista crítico, ácido e independente… sem amarras.

Foi um grande escritor e um ensaísta devastador, mesmo que sem o devido reconhecimento da inteligentsia tropical. Partiu para Nova Iorque e lá montou seu bunker jornalístico, cuja mira principal era a cultura e política brasileiras. Paulo Francis foi, sem dúvida, uma espécie de anti-herói do nosso jornalismo.


Seu estilo provocativo estimulava o melindre em qualquer desavisado de plantão. Caetano Veloso, por exemplo, tornou pública a desavença com Francis, chamando-o de “bicha amarga”, boneca travada danadinha” e “direitista”. Como definiu Ruy Castro, o entrevero entre os dois gênios foi considerado pela imprensa como a “briga do século”. Piada que Washington Olivetto tratou de rebater com extrema e bem-humorada maestria: “Que país mais chato este, em que os inteligentes brigam e os burros andam de mãos dadas!”

Francis ria quando o definiam como direitista. Foi acima disso ou de qualquer ideologismo de moda. Poderíamos defini-lo como um “peladeiro” das letras e da imprensa, que batia um bolão, mas sofria com os preconceitos de um conservadorismo ideológico que, de certa forma, ainda perdura em muitas redações.

Se estivesse vivo, acharia bacana o que a moçada que estuda jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) criou em sua homenagem: a Copa Paulo Francis (CPF) de futebol, uma verdadeira pelada bem resolvida. Ah, também há para as moças… a Copa Patrícia Poeta. Francis exclamaria resoluto: “Waaal…”.

Para conhecer um pouco mais sobre a Copa Paulo Francis, vá lá no blog abaixo:

http://copapaulofrancis.blogspot.com.br/