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andré felipe de lima

ELY DO AMPARO, O ‘CARA’ QUE CALARIA OBDÚLIO

por André Felipe de Lima


“Faltou quem gritasse mais em campo que o Obdúlio Varela”. Essa foi uma das frases mais proferidas nas rodas sobre a derrota do Brasil para o Uruguai na final da Copa do Mundo, no Maracanã, no dia 16 de julho de 1950. Aliás, a frase pululou décadas a fio, ecoando, sobretudo, nas mentes daquele que estiveram no gramado do “Maior do mundo” naquela tarde infeliz. Cresci ouvindo pai, tios e os amigos deles proferindo a mesma e inquebrantável pergunta: “Por que, meu Deus, ninguém gritou mais que o Obdúlio?”. O Maracanazo jamais saiu do recôndito de nossas mentes. Nunca sairá. É dor daquelas eternas.

O capitão do escrete brasileiro era o zagueiro Augusto, que defendia o Vasco, o todo-poderoso “Expresso da Vitória”. Augusto tinha fama de durão, mas, no fundo, a imagem que mais predominou naquele Maracanã lotado era a de um camarada macambúzio que, sabe-se lá o motivo, mal abria a boca para um inofensivo espirro na grama. No dia seguinte, ao chegar ao departamento de polícia em que trabalhava, no Largo da Carioca, ouviu gozações. Aceitou tudo calado. O glamour dos dias que antecederam a final da Copa acabou. Restou-lhe a frustração que o atormentou até o fim da vida. Mas fica a insistente e repugnante pergunta: “Por que, meu Deus, ninguém gritou mais que o Obdúlio?”.


Ely do Amparo (Foto: Reprodução)

Simples a resposta: Porque o técnico Flávio Costa não escalou o médio-direito (atual lateral) Ely do Amparo para intimidar os pretensiosos uruguaios. Falariam fino no gramado diante do Ely. Ficariam pianinho após um chega-pra-lá do enfezado Ely, que tinha em São Jorge seu santo de (muita!) devoção. Com ele, o Ely, não havia papo furado em campo. Não se jogava conversa fora. Escreveu, não leu… o pau comeu. Se somente Freud — como alertou Nelson Rodrigues, um cético de raiz — explicaria o Maracanazo, ouso afirmar que Ely resolveria a parada ali, na grama fina do Maracanã, berrando aos pulmões muito mais que o Obdúlio. Flávio Costa, infelizmente, não deixou isso acontecer. Vejam, meus amigos, Ely era o cara. Seria ele a salvação do Brasil em 50.

O que pensar de um sujeito que trata a derrota com a maior naturalidade do mundo, como se fosse algo passageiro (e, convenhamos, realmente é)? Para o Ely casca-grossa, tudo era uma questão de “lógica”. Dizia ele: “São coisas da vida que não devem ser levadas a sério”. Ficou aborrecido por não ter sido escalado pelo Flávio Costa. E, modesto, respondia aos que perguntavam se faltou alguém do Brasil que colocasse o tal do Obdúlio para chorar: “Não é grito que eleva o moral do jogador”. Como era modesto, aquele Ely…


Mas, afinal, quem foi o “tal” Ely do Amparo? Foi ele, nas décadas de 1940 e 50, um dos mais importantes jogadores do famoso “Expresso da Vitória”, o melhor time da história do Vasco da Gama e um dos maiores em toda a trajetória do futebol nacional. Também foi ídolo do Sport, onde se destacou pela garra com que defendia a camisa tricolor. Garra que foi várias vezes definida pela imprensa carioca como “violência”. Para alguns cronistas esportivos cariocas, Ely foi um “carniceiro”. Puro despeito. Jogava duro, é verdade, mas simplesmente fazia o seu papel, ora como médio-direito, ora como centromédio (o atual volante), que é o de proteger a zaga.

No Vasco, Ely do Amparo, como médio-direito, formou ao lado de Barbosa, Danilo, Ipojucan, Jorge, Jair, Isaias, Lelé, Chico, Maneca, Friaça, Rafanelli, Augusto, Heleno de Freitas e Ademir de Menezes, dentre outros cracaços de bola, uma equipe inesquecível.

Os vascaínos da velha-guarda — e até torcedores “das antigas” de outros times do Rio — têm na memória — e na ponta da língua! — uma das mais famosas linhas médias do futebol brasileiro da década de 1940: Ely, Danilo e Jorge.


Com a camisa da seleção brasileira, o defensor foi reserva no escrete vice-campeão da Copa de 1950, no Brasil. Vestiu a camisa nacional em 19 oportunidades e também esteve no grupo que participou do Mundial de 1954. No campeonato pan-americano do Chile, em 1952, Ely anulou Ghiggia, o carrasco brasileiro da final de 50, e foi decisivo para vitória brasileira sobre o Uruguai. Aliás, foi Ely quem verdadeiramente lavou a alma dos brasileiros ao peitar Obdúlio Varela. “Baixara sobre Ely do Amparo o espírito do grande capitão”, recordou Mario Filho. O defensor do Vasco exagerou, mas vingou Barbosa e Bigode, os mais criticados após o fatídico dia 16 de julho de 1950. “Meteu a mão em Obdúlio Varela”, completou Mario Filho. O eterno capitão uruguaio, que calou uma nação, não reagiu.


Em 1955, Ely recebeu, como gratidão pelo que conquistou para o Vasco, o passe livre e deixou o time da colina. Com um acordo salarial estipulado em 25 mil cruzeiros por mês, Ely transferiu-se para o Sport Clube Recife. Pelo Leão da Ilha do Retiro participou da conquista do Campeonato Pernambucano de 1955. Na decisão, atuando como centromédio contra o rival Náutico, jogou com a cabeça enfaixada após sofrer um corte devido a uma agressão do ponta Ivanildo. Mesmo assim, permaneceu em campo e foi um dos principais personagens da partida, dando inclusive o passe a Naninho para fazer o gol do título.

Há 26 anos, exatamente no dia 9 de março de 1991, perdemos Ely, vítima de um enfarte.

ZICO, A ‘FLOR COM CHEIRO DE GOL’

por André Felipe de Lima


Nesta sexta-feira, dia 3, é aniversário do Zico, o maior dentre todos os grandes ídolos do Olimpo Rubro-negro. Zico era a magia, a arte que tanto amamos no futebol. Zico era capaz de fazer da bola uma “flor com cheiro de gol”, como escreveu o cronista e botafoguense Armando Nogueira.

Zico foi mesmo um craque capaz de despertar a admiração e o respeito de torcedores de clubes rivais. “(…) quando você fazia uma das suas e chutava aquelas bolas que tocavam na rede e batiam em cheio em nossos corações. Em compensação, nós, que tanto amamos nossos clubes quanto o futebol, estaremos com as nossas tardes de domingo mais pobres. E, aí, veja que ironia, teremos saudades de você”, escreveu o vascaíno Sérgio Cabral, jornalista e escritor, quando Zico abandonou o futebol.


E o que dizer sobre o tricolor Nelson Rodrigues, para quem Zico “Foi o maior jogador do mundo”? Zico é um herói do futebol brasileiro acima de qualquer paixão clubística.

Parabéns, Galinho, pelo seu aniversário e obrigado por ter tornado mais alegre o nosso futebol e, especialmente para a torcida do Flamengo. Com os gols do Zico, mais felizes eram as tardes de domingo no Maracanã.

ASSISTA ALGUNS VÍDEOS SOBRE O ZICO:

OUÇA A NARRAÇÃO DE GOLS HISTÓRICOS DO ZICO, NAS VOZES DE WALDIR AMARAL, JORGE CURI E JOSÉ CARLOS ARAÚJO: http://migre.me/oQpvN

 

 

GRITO DE GOL NO SAMBÓDROMO

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Tudo (ou quase tudo) começou com aquele célebre desfile do Salgueiro em 1971, com o samba-enredo “Festa para um rei negro”, que levantou o público na Avenida Presidente Vargas, local em que eram realizados os desfiles das escolas de samba antes da transferência da festa de Momo para a antiga Marques de Sapucaí, hoje mais conhecida pela alcunha de “Sambódromo”. O Salgueiro estava verdadeiramente espetacular. Um desfile revolucionário comandado pelo genial Arlindo Rodrigues, com a pincelada memorável de Maria Augusta, que buscou nas histórias de príncipes africanos que chegaram ao Brasil no período escravocrata a essência ideal para um enredo que apresentaria ao Carnaval carioca nomes que se tornariam lendas no universo do samba, como Joãosinho Trinta, Lícia Lacerda e Rosa Magalhães. Uma equipe de craques carnavalescos sob os cuidados do grande Fernando Pamplona.


Desfile do Salgueiro em 1971 (Foto: acervo O Globo)

O refrão salgueirense “O-lê-lê, ô-lá-lá / Pega no ganzê / Pega no ganzá” era entoado em uníssono. Um Carnaval de sonhos em vermelho e branco. Legal. Mas aí vem a pergunta dos leitores: mas o que, afinal, esse samba do Salgueiro tem a ver com futebol? Simplesmente tudo!

A partir daquele Carnaval, a arquibancada do Maracanã incorporou de vez o samba-enredo em dias de jogos. Felizes da vida torcidas do América, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco cantavam o samba salgueirense após gols ou vitórias de seus times. “Gol do Zico” e da geral e da arquibancada se ouvia imediatamente: “O-lê-lê, ô-lá-lá / Pega no ganzê / Pega no ganzá”. O mesmo se ouvia após os gols do Rivellino, do Jorginho Carvoeiro, do Edu Coimbra, do Paulo Cezar Caju, para sermos democráticos.


Desfile do Salgueiro (Foto: Rubens Seixas/O Globo)

Opa, mas e “Touradas em Madri”, marchinha cantada por Braguinha, que se ouviu durante a Copa do Mundo de 1950? Muitos questionarão, até com alguma dose de razão. Ali não teria sido, talvez, a primeira incursão do samba na arquibancada? Sim, justo. Mas no quesito samba-enredo, a nota “10” original ficou com o Salgueiro, em 1971.

VEJA O VÍDEO COM O SAMBA-ENREDO E IMAGENS DO DESFILE DO SALGUEIRO DE 1971: http://globotv.globo.com/rede-globo/carnaval-historico/v/salgueiro-sagra-se-campea-em-1971-com-festa-para-um-rei-negro/1196532/

Quando o assunto é “torcida”, logo vem à mente as marcas “Flamengo”, no futebol, e “Mangueira”, no samba. Falar em Flamengo é falar em massa. Falar em Mangueira, idem. Mas nem todo rubro-negro é verde e rosa, ou vice-versa. Escolas de samba e times populares nem sempre têm correlação em nossos corações. Eu, por exemplo, sou publicamente vascaíno e portelense, igualzinho ao meu ídolo Paulinho da Viola. Já o meu ídolo no futebol, Ademir Marques de Menezes, o “Queixada”, talvez sequer curtisse escolas de samba. Uma suposição arriscada que somente após uma vigorosa investigação biográfica poderia ser confirmada. Mas arrisco-me nesta pretensiosa tese inicial para o papo poder prosseguir.

No Rio de Janeiro, as escolas de samba — desde que emergiram no final dos anos de 1920 — assumiram um caminho independente ao do futebol, embora, em alguns (poucos) desfiles, reverenciando o esporte bretão ao longo de oito décadas. Ao contrário de São Paulo, que desde o surgimento de suas primeiras agremiações de samba, na década de 1930, viu a popularidade do futebol na cidade como um democrático e inclusivo estimulador carnavalesco.

Em 1933, a Frente Negra Brasileira criou a Taça “Arthur Friendenreich” — maior ídolo do futebol nos primeiros 30 anos do século XX — com o intuito de alavancar os cordões e ranchos de samba da cidade, fundamentalmente os de raízes africanas, que já existiam desde as primeiras décadas. Naqueles primeiros momentos da Taça “Friedenreich”, destacavam-se Vai-Vai, Cordão das Bahianas, Bloco Mocidade, Cordão da Barra Funda e Bloco do Boi.

Uma escola de samba propriamente dita na capital paulista só nasceria em 1935, com o surgimento da Primeira de São Paulo. Somente na década de 1990 o futebol volta a ocupar importante espaço no carnaval paulistano com a Grêmio Recreativo Cultural e Escola de Samba Gaviões da Fiel Torcida, uma agremiação formada por integrantes da maior torcida organizada do Corinthians. Em seguida, o maior rival do alvinegro nos gramados, o Palmeiras, também se viu representado na passarela do samba pela Mancha Verde, a maior facção de torcedores do alviverde. O carnaval de São Paulo não seria o mesmo após o ingresso de torcidas organizadas nos desfiles de escolas de samba. No Rio, como destaquei, ocorre o oposto.

Sempre houve reverência das escolas de samba ao futebol e a algumas de suas principais personagens, sejam clubes ou ídolos. Mas jamais houve uma tentativa franca das torcidas organizadas cariocas de criarem suas versões para a Marquês de Sapucaí, substituindo a bola e as chuteiras por pandeiros, tamborins e lantejoulas. Talvez apenas uma torcida dita organizada tenha cogitado tal possibilidade: a Raça Rubro-Negra. Mas a ideia não passou (literalmente) de um sonho de verão. E por falar em Flamengo, o clube mais popular é o que mais recebeu homenagens dos carnavalescos e sambistas cariocas até aqui.

Como esquecer do grande carnaval da Estácio de Sá em 1995, ano do centenário do Clube de Regatas Flamengo? O refrão impregnou o dia a dia na cidade: “Cobra coral/ Papagaio vintém/ Vesti rubro-negro/ Não tem pra ninguém”.

A escola de samba amargou, no entanto, um frustrante sétimo lugar, mas foi ovacionada pelo público. Nem todos torciam pela Estácio, mas, em comum, a paixão pelo Flamengo. Porém vascaínos, tricolores e botafoguenses também cantarolaram o samba-enredo composto por David Correa, Adilson Torres, Déo e Caruso. Ou seja, o samba estava acima do bem ou do mal. Há, no Rio, uma nítida separação de paixões. A clubística não interfere na sambista e por aí vai.

Semanas antes do desfile, a diretoria da Estácio de Sá aguardava um apoio prometido pelo então presidente do Flamengo, Kleber Leite, que recuou da oferta inicial e preferiu não mais misturar as coisas. Clube de futebol em um canto, escola de samba em outro. Cada um no seu papel social de alegrar as massas. Afinal, o Flamengo, no mês anterior ao Carnaval, investira os tubos para trazer Romário, maior ídolo mundial na ocasião. Desculpa melhor para não liberar a a grana para a Estácio impossível: “cofre liso, completamente vazio”.

Mas haveria uma resposta do maior rival do Flamengo. Em 1998, ano do centenário do Clube de Regatas Vasco da Gama, a escola de samba Unidos da Tijuca, cujo presidente “eterno”, o português e vascaíno Fernando Horta, teve como missão sair-se melhor que a Estácio em 95. Questão de honra que o então mandachuva do Vasco, Eurico Miranda, compartilhou. O Clássico dos Milhões saiu do Maracanã para o Sambódromo. Apesar do bom samba-enredo “De Gama a Vasco, a Epopéia da Tijuca” — até hoje cantado pela torcida nas arquibancadas —, o desfile da Unidos da Tijuca foi um fiasco, com a agremiação carnavalesca sendo rebaixada para o grupo de acesso. As piadas foram intermináveis, e aí incluídos tricolores e alvinegros a engrossarem o coro dos rubro-negros gozadores. De consolo para o Vasco, o título da Taça Libertadores da América e do Campeonato Carioca daquele ano. No gramado o Vasco estava quase imbatível. Já na passarela…

Maior campeã do Carnaval carioca das últimas décadas, a Beija-Flor de Nilópolis também já reverenciou o futebol. Isso aconteceu em 1986, ano em que a Argentina conquistou a segunda Copa do Mundo na história e a azul e branco despontou na avenida com o samba-enredo “O mundo é uma bola”. Foi, sem dúvida, o mais cantado naquele carnaval. Na voz de Neguinho da Beija-Flor, o refrão levantou a moçada na Sapucaí: “É milenar/ a invenção do futebol / fez o artista / ter um sonho triunfal”. Ao contrário da Estácio e da Unidos da Tijuca, a Beija-Flor saiu-se melhor, ficando em segundo lugar no desfile, atrás apenas da Mangueira, que rendeu homenagens ao Dorival Caymmi, com o enredo “Caymmi mostra ao mundo o que a Bahia e a Mangueira têm”.

Dois anos após o grande carnaval futebolístico da Beija-Flor, foi a vez de a União da Ilha do Governador, reconhecidamente uma das escolas de samba que mais empolgam o público nos desfiles, embarcar na onda da bola.

O enredo em homenagem a Ary Barroso, radialista, compositor e (sobre tudo e todos) rubro-negro desde aquele minuto antes do nada, fez o Sambódromo transformar-se em uma arquibancada do Flamengo, com destaque para a veterana e pioneira da genitália desnuda Enoli Lara como rainha da bateria e Renato Gaúcho no auge (digamos, em vários gramados). Ambos roubaram a cena juntos. Enoli, muito tempo depois, narrou detalhes do casal de foliões na passarela e… na cama. Mas o papo aqui é samba e “Aquarilha do Brasil” reproduziu com extrema competência uma das facetas mais populares de Ary Barroso durante as transmissões de rádio: sua eloqüente paixão pelo clube da Gávea. Quando saía gol do Mengão, o locutor levava à boca a sua famosa gaitinha e a tocava de forma ensurdecedora. O refrão da União da Ilha marcou época: “A gaitinha tocando/ É gol /a galera vibrando, Mengo!”.

O futebol somente voltaria a atrair a atenção de alguma escola de samba do Rio em 2002, quando a Unidos de Vila Isabel levou à passarela o enredo “O glorioso Nilton Santos… sua bola, sua vida, nossa Vila”. A escola pleiteava um retorno à divisão especial, contando com a “Enciclopédia” do futebol. Com o ídolo botafoguense Nilton Santos comandando o time no Sambódromo, a escola de samba ficou apenas um décimo atrás da Acadêmicos de Santa Cruz, a campeã. Por culpa de um jurado trapalhão, a Vila terminou fora da elite do Carnaval carioca no ano seguinte. O refrão do samba levantou, porém, a galera alvinegra: “Bate palma, bate-bola, bate junto bateria / Igualzinho ao Nilton Santos, toca com categoria / É o gingado da baiana, é futebol, samba no pé / A galera já delira, minha Vila ‘dando olé’”.

VEJA A REPORTAGEM DO ESPORTE ESPETACULAR SOBRE O CARNAVAL DO NILTON SANTOS: https://globoplay.globo.com/v/3179468/

O centenário do Fluminense, em 2002, por pouco não passou em branco na Sapucaí. Deixaram para homenagear o clube tricolor somente no carnaval do ano seguinte. Mesmo assim, uma lembrança que coube a Acadêmicos da Rocinha, que disputava o desfile no grupo de acesso A. Sem desmerecer a escola de samba da zona sul, o Fluminense merecia ser tema de enredo no grupo especial, como aconteceu com Flamengo e Vasco. Coube à Rocinha um 10º lugar, na frente apenas das rebaixadas Unidos da Ponte e Boi da Ilha. De bom naquele desfile somente o trepidante puxador Carlinhos de Pilares, morto em julho de 2005, uma das vozes mais empolgantes do carnaval carioca nas décadas de 1980 e de 90.

Dias após o tropeço da Rocinha, mas no desfile do grupo especial, a Tradição pegou carona no pentacampeonato mundial do Brasil, em 2002. A estrela do desfile foi, naturalmente, o atacante Ronaldo, que foi, inclusive, o motivo do enredo “O Brasil é Penta, R é 9 – O Fenômeno Iluminado”. Mas a bola da Tradição sequer bateu na trave. Simplesmente foi zunida para além das arquibancadas do Sambódromo. Na noite do desfile, o próprio Ronaldo fez forfait. Estava doente e deixou a turma da Tradição na mão. A escola de samba teve, porém, alguma dose de sorte. Ficou em 13º lugar e se livrou do rebaixamento, que coube à Acadêmicos de Santa Cruz. Ronaldo, aliás, seria novamente lembrado para um enredo de escola de samba, mas não no carnaval carioca. Sua história foi baixar em outro terreiro… de samba.

Os paulistanos da Gaviões da Fiel levaram para a avenida, em 2014, uma reverência ao ídolo, que encerrara a carreira no Timão, em 2011. Ao contrário do que aconteceu com o desfile da Tradição, Ronaldo prestigiou a Gaviões e foi, com a família a tiracolo, se esbaldar na passarela.


Ronaldo no desfile da Gaviões (Foto: reprodução)

No mesmo ano em que os corintianos saudaram Ronaldo, a Imperatriz Leopoldinense fez o mesmo no carnaval carioca, mas com outro ídolo: Zico.

O enredo “Arthur X: O Reino do Galinho de Ouro na Corte da Imperatriz” levantou a Sapucaí e foi prestigiado por vários craques das antigas e de todos os clubes que foram à passarela do samba dar um forte abraço no Galinho de Quintino. Como esquecer aquela parte do refrão que diz “Zico faz mais um pra gente ver!”? Eu, vascaíno, reconheço, não gosto de lembrar, mas admito: Zico foi um cracaço incomparável! Eis aí o grande barato do universo das escolas de samba, justamente essa harmonia festiva sem as paixões doentias que tomaram conta de nossas arquibancadas.

O futebol e, principalmente, seus torcedores precisam aprender um pouco com o mundo do samba. No mais, Evoé Momo!… e muita bola na rede para a gente soltar o grito gol!

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Os editores tentaram identificar os autores das imagens, mas não obtiveram sucesso. Caso o autor se manifeste, teremos o imenso prazer de citá-lo.

PELÉ GOSTA DE SAMBA; BOM DA CABEÇA AOS PÉS

por André Felipe de Lima


Desde que me conheço como gente, ou seja, lá pelos idos de 1974, embora ainda criança, comecei a gostar (e muito!) de samba. Foi exatamente naquele ano que pela primeira vez ouvi o casamento desta minha paixão lúdica e mirim por outra tão forte quanto: o futebol. Achei o maior barato. E o amoroso preâmbulo musical da minha vida — além, obviamente, do timoneiro Paulinho da Viola — foi registrado pelo samba “Camisa 10”, assinado por Hélio Matheus e pelo gremista Luís Vagner, na voz do santista Luiz Américo, aquele intérprete que ficou famoso na década de 1970 tanto pelo inconfundível bonezinho que usava como pelo molejo dos sambas que cantava.

A letra de “Camisa 10” é crítica e com endereço certo: o ex-técnico da Seleção Brasileira Mario Jorge Lobo Zagallo. Na letra do samba, Luís Vagner deixou público que Zagallo estava pisando na bola e que a Seleção, em preparação para a Copa do Mundo, na Alemanha, permanecia uma grande e incômoda incógnita. Ora, não havia mais Pelé, que três anos antes deu adeus à Seleção e se preparava para deixar o Santos também. A “dez” do escrete tornou-se um verdadeiro ponto de interrogação. Muitos noivos queriam desposá-la, mas apenas dois estavam na crista da onda e jogando muito: Rivellino e Ademir da Guia.

Alguns meses antes da Copa, Vagner finalizou a letra com Matheus e partiu imediatamente para o Rio de Janeiro. Queria mostrá-la ao Luiz Américo, que curtia muito futebol e estava numa fase ótima na carreira, integrando a leva de sambistas bastante populares na ocasião, dentre os quais Luiz Ayrão, Roberto Ribeiro, Os originais do samba, Paulinho da Viola e Martinho da Vila.

Os dois se esbarraram no programa do Chacrinha e ali começou, para valer, “Camisa 10”, um samba cuja letra, por pouco, ficou engavetada. Américo estava com o disco finalizado e pronto para ir ao mercado. Não poderiam ficar em cima do muro, como Zagallo na Seleção, e meteram a música no LP graças, ora veja, aos censores da ditadura militar, que acharam apologia à prostituição a letra de uma faixa do disco que falava em “multiplicação do amor”. Podia até cair o “amor livre”, mas jamais a “Dez”. Durante a Copa na Alemanha (e após ela também devido ao fiasco da Seleção), o disco vendeu mais que água e os caras encheram a burra de dinheiro. Até hoje me pego cantarolando, do nada, o refrão: “É camisa 10 na seleção, laiá, laiá, laiá…(bis)/ Dez é a camisa dele/Quem é que vai no lugar dele (bis)”.

Mas “Camisa 10” não foi a primeira, digamos, incursão da marca “Pelé” no samba. “Camisa 10” foi apenas uma citação ao craque. Pelé sequer sabia da existência da letra antes do estrondoso sucesso que fez nas rádios e em programas de auditório entre 1973 e 74.

No final da década de 1950 e começo da seguinte, Pelé estava estupendo. Era natural, portanto, que seu nome estivesse em pelo menos uma de quatro marchinhas carnavalescas ou ranchos que estourassem no mercado fonográfico. Em 1959, a orquestra e coro da gravadora RGE lançaram a marcha “Pelé, Pelé”, de Alceu Menezes. Sucesso garantido no carnaval de 1960. No ano seguinte, o cantor Luiz Vanderley gravou pela RCA Victor o chá-chá-chá “Rei Pelé”, do próprio Vanderley com os sambistas Wilson Batista e Jorge de Castro. Essa composição foi regravada dois anos depois pelo coro do “Clube do Guri”, programa exibido pela antiga TV Tupi entre 1955 e 1976. Além de “Rei Pelé”, Wilson Batista também compôs, novamente com Jorge de Castro, a marcha carnavalesca “Rei do Futebol”. 

Parece interminável o número de marchinhas rendendo loas ao “Rei do futebol: “Pelé e o Brotinho”, de João Chamo e Souza Cruz, lançada pelo selo “Carnaval” por volta de 1958;  “Pelé”, de Oiram Santos… enfim, a lista vai longe. “Ataca Pelé”, da gravadora Copacabana, foi lançada em 1961 por Tico-Tico, um carioca do Santo Cristo, cujo nome era Jorge Pereira Simas. Há também “Marcha do Pelé”, de Paulo Borges e Magdalena Correia; “Pelé”, de Amasílio Pasquim e Caçulinha; “Coitadinho do Pelé”, de Mariano Nogueira; “Pé de Pelé”, de Cambuí e Nhô Zé, e, por fim, a “Marchinha do Pelé”, de Alvarenga e Ranchinho, cujo áudio pode ser conferido aqui.

Jackson do Pandeiro, em parceria com Edgar Ferreira, é o autor da célebre “Um a um”, música do gênero “embolada” lançada em 1954. “O meu clube tem time de primeira”, reclamava Jackson nunca admitindo empate. É deste gigante da história da MPB a letra de “O Rei Pelé”, um “coco” de 1974, como destaca Paulo Luna, em seu livro “No compasso da bola” (2011): “Quem é aquele moço com a bola no pé?/ (É o Rei Pelé!)/ Eu perguntei quem é o moço com a bola no pé?/ (É o Rei Pelé!)/ A bola lhe deu dinheiro/ Lhe deu nome, lhe deu fama/ A bola lhe colocou/ Entre os maiores dos homens”. A letra composta por Jackson de Pandeiro para “O Rei Pelé” é gostosa de ouvir. Muito divertida mesmo. 

TABELINHA COM COUTINHO? QUE NADA… PELÉ COM ELIS FUNCIONOU MUITO BEM

Já ouviram alguma vez o sensual diálogo a seguir?:

— Pelé, canta um negocinho pra gente, canta.

— Não posso, não tenho voz pra cantar.

— Mas canta, Pelé. Me disseram que você toca violão tão bem…

— Em todo o lugar que chego querem que eu toque violão.

— Mas canta pra mim…

Pois é, Pelé não resistiu ao dengoso pedido da pimentinha Elis Regina e decidiu cantar para ela e com ela. Foi a primeira vez que cantou e gravou um sambinha. Um não, dois sambinhas! Isso aconteceu em 1969, ano em que o maior jogador de todos os tempos arriscou-se no samba ao gravar com Elis o disco compacto “Tabelinha: Elis x Pelé”, pela antiga gravadora Philips, com apenas duas faixas (“Vexamão” e “Perdão não tem vez”) todas de autoria do Pelé. 

Pelé voltou a aventurar-se em um (quase) samba em 1977, quando, em parceria com Sérgio Mendes e a banda Brasil 66, lançou o LP “Pelé”, pela gravadora WEA. O disco, que priorizou o instrumental, contém a trilha sonora do filme que narrou a sua despedida dos gramados. O jogador estava no Cosmos, de Nova Iorque, dando um banho de marketing e atraindo uma legião impressionante de novos adeptos do soccer nos Estados Unidos. No disco, fazendo dueto com Gracinha Leporace, Pelé canta “Meu mundo é uma bola” e “Cidade grande”, que também foi interpretada por Jair Rodrigues, de quem Pelé foi grande amigo. 

Em 1979, Pelé lançou, pela Som Livre, um compacto simples com as músicas “Criança” e “Moleque danado”, de sua autoria. Para ouvir “Moleque danado” e várias outras músicas do Pelé basta acessar o site www.tidido.com e cadastrar-se gratuitamente. No link a seguir você vai direto para as músicas do Pelé: http://tidido.com/pt/a35184372128979/al5601335ae7c622686a871920/t5601335be7c622686a871a0f

JAIR RODRIGUES, AMIGO MAIS DE VIOLA QUE DE SAMBA

O saudoso Jair Rodrigues foi um grande amigo de Pelé. Um visitava o outro com relativa frequência. Jair foi, é verdade, quem mais procurava o Pelé. Ia muito a Santos só para botar o papo em dia com o ídolo e falarem mais de música que propriamente de futebol. “Quando chegava, o Pelé já estava com o violão dele lá me esperando”, disse Jair, em uma entrevista à TV Bandeirantes, contando, também, como o gosto musical de Pelé é versátil: “Esse violão ele acabou me vendendo. Tenho ele até hoje. Chegava na concentração ou na casa dele, o Pelé já vinha me mostrando. E não era só samba, porque ele gostava de todos os ritmos, assim como eu. Além de jogar uma bola finíssima encontrava tempo de compor boas músicas.”

A amizade entre ambos rendeu duetos que fizeram muito sucesso. O samba passou, porém, longe da amizade de Jair com Pelé. O intérprete, que notabilizou-se por muitos sambas de sucesso, gravou três canções assinadas por Pelé. Todas elas longe, contudo, do quesito samba. Enquadram-se no estilo moda de viola. Ei-las, portanto: “Recado à criança”, gravada em 1974; “Cidade grande”, em 1981, e “Violeiro, violeiro”, em 1982. 

COM WILSON SIMONAL OU ‘TODO CANTOR QUER SER JOGADOR’

Em antiga reportagem do SporTV, Benedito Ruy Barbosa afirmou ter sido testemunha da vocação musical de Pelé. Garantiu ter presenciado Tite, um ex-ponta canhoto que jogou pelo Fluminense e pelo Santos, ensinar ao Pelé os primeiros acordes do violão. Pelé conta que nos primeiros momentos de Santos, alguns jogadores pintavam na concentração com uma viola e que ele os acompanhava, timidamente. “Quando eu era garoto, já pegava um violão e ficava dedilhando”, recordou Pelé, que foi intensificando o gosto pela música conforme o Santos ia conquistando tudo e todos. “Muitos compositores e cantores famosos visitavam a gente nas concentrações”, contou Pelé, na mesma reportagem do SporTV. Com o assédio dessa gente famosa, a musicalidade definitivamente o envolveu. Além de Elis Regina e Jair Rodrigues, Wilson Simonal foi uma destas celebridades musicais da época que se aproximaram de Pelé. Em 1967, gravou, inclusive, uma composição do craque santista, a letra de “Gosto tanto de você”, que integra o  LP “Alegria Alegria vol. 2”, lançado pela Odeon. 

Wilson Simonal esteve bem perto de Pelé no momento mais importante da carreira do craque: o “tri” na Copa do Mundo de 1970, no México. Simonal foi convidado pelos cartolas da antiga CBD (Confederação Brasileira de Desportos) para acompanhar a delegação no Mundial. A missão do cantor era entreter a rapaziada com muito samba para que ficassem calmos e tinindo em campo. Missão, pelo visto, devidamente cumprida. O Brasil ganhou todas as pelejas e Pelé se consolidou como o maior atleta do século XX.


No documentário “Ninguém sabe o duro que dei”, de Calvito Leal, do “casseta” Cláudio Manoel e de Micael Langer, Pelé reconheceu em Simonal uma figura ímpar da MPB. Era uma ocasião na qual o cantor rivalizava em popularidade (vejam só…) com Roberto Carlos. “Simonal foi uma espécie de cantor oficial da delegação [do Brasil, na Copa de 70]. Ele fazia um imenso sucesso no México tanto quanto Pelé”, confirmou Nelson Motta, em depoimento para o filme biográfico do cantor.

Wilson Simonal e Pelé eram carne e unha. Juntos promoveram ensaios musicais divertidíssimos para os jogadores. A amizade entre ambos afirmou-se no México. “Pô, eu chegava no aeroporto e todo mundo pedia autógrafo pra ele [Simonal]. Quer dizer, parecia que ele era um jogador de futebol. Aquela coisa que você sabe, né, de boleiro com cantor. Ele dizendo que era bom de bola, que gostava de bater bola. Eu tinha um [campo de futebol] society lá na minha casa, aí nós brincamos lá. Aí começou nossa amizade. Pô, é impressionante. Todo cantor quer ser jogador e todo jogador quer ser cantor”, declarou Pelé também para o filme “Ninguém sabe o duro que dei”.

Simonal acabou se tornando mais que apenas o cantor oficial da delegação. Foi uma mascote, um querido amigo de todo mundo. O clima descontraído permitiu aos jogadores promoverem uma brincadeira com o cantor. Durante um treino, ele deveria jogar para um leve e descompromissado “teste”. Os craques deixavam o cantor se sentir “jogador”. Simonal passava a bola, conduzia a pelota… só dava o “craque” Simona na pelada dos craques. No documentário, Chico Anísio recupera uma história surreal. Zagallo tinha dúvidas se levava para o México o ponta-direita Rogério do Botafogo ou o terceiro goleiro, no caso o Leão, do Palmeiras. Carlos Alberto Torres, o “Capita” de 70, emendou a sugestão, naturalmente na maior galhofa: “Zagallo, pra que levar o Rogério se o Simonal está aqui? O ‘Simona’ entende, joga uma bola redonda”. Zagallo embarcou na piada do Capita e perguntou ao Simonal: “Você joga, Simonal?”. O treinador do escrete ouviu na lata: “Bato uma bola…”. Um todo prosa Simonal mordeu a isca e Zagallo o convidou para uma “preparação física pra valer” na manhã do dia seguinte. Tudo à vera, sem “brinca”. “Se você estiver bem, eu te inscrevo”. Um confiante Simonal acreditou.

“Ele [Simonal] achava que estava bem, que era atleta e ele falou assim: ‘Pô, vou fazer uns dois toques’, porque a gente fazia brincadeira de dois toques, né? Aí, recreação… ele falou: ‘Vou fazer dois toques com vocês aí’. Aí eu falei: ‘Tá legal’, aí arrumamos pra ele fazer o dois toques. Botou o uniforme, botou a chuteira, tudo. Eu me lembro como se fosse hoje. Aí, ele foi fazer o dois toques. Quinze minutos de aquecimento, pô, ele se sentiu mal. Lá no México é alto, pô, deu um piripaque nele. Aí, ficou lá, teve que vir o doutor dar um oxigênio e tudo pra ele”, recordou Pelé, às gargalhadas, para o documentário sobre Simonal.

Simonal desmaiou para valer. Somente quando acordou é que percebeu que tudo não passava de uma gozação. Até ali, o cantor acreditava piamente ser ele o ponta-direita da seleção na Copa de 70.


Claudia Cardinale

A Copa do Mundo de 1970 rendeu muitos sambas, como o “breque” “Moreira da Silva contra 007”, do rubro-negro Moreira da Silva, o grande “Kid Morengueira”, o último malandro de raiz de que se teve notícia. Ele, com o parceiro de composições, o jornalista Miguel Gustavo (autor também da famosa “Pra frente Brasil!”, criaram uma letra tão surreal que nem mesmo o artista surrealista Salvador Dali ousaria pintá-la. A música narrava um hipotético quiproquó de Pelé com James Bond por causa da atriz Claudia Cardinale. O narrador inicia a comédia trágica assim: “Moreira da Silva contra 007. Sexo e violência no mais espetacular filme de espionagem do famoso diretor americano Abelardo ‘Chacrinha’ Barbosa. Com James Bond, Claudia Cardinale e Edson Arantes do Nascimento.”

No final das contas, Claudia Cardinale teve um caso com Pelé, em Santos. “A bonitinha não percebe a tabelinha que ele faz/ Pelé controla a Cardinale, dá-lhe um beijo e avança mais”. Mas Bond flagrou os dois na maior pegação na piscina do hotel/ concentração e partiu para cima do craque empunhando um soco-inglês. E quem surge para salvar nosso ídolo das garras do famoso espião britânico? Ora, ora, ora, meus caros… ele, somente ele, poderia salvar o nosso Pelé: o trepidante agente “Kid Morengueira”, que levou James Bond para o (argh!) Dops e descobriu a “trama sórdida”: queriam sequestrar Pelé para que não jogasse contra a Inglaterra. Malandramente, Moreira da Silva desvenda o “crime” e leva como “brinde” a estonteante Cardinale para jogar um emocionante pif-paf e comer uma pizza no Brás.  

A Copa do Mundo de 70 passou, mas Pelé permaneceu. Jorge Ben Jor, que tantas músicas fez sobre futebol (maciça maioria dirigida ao Flamengo e a Zico), talvez tenha sentido uma certa culpa por jamais ter reverenciado o maior de todos os gênios do futebol. Foi redimido pela “O nome do Rei é Pelé”, do álbum “Reactivus Amor Est (Turba Philosophorum)”, de 2004: “Dondinho e Celeste idealizaram e fizeram o rei chamado Pelé/ O nome do rei é Pelé, o nome do rei é Pelé/ Pelé de todos os tempos/ Incomparável Pelé, Pelé/ Pelé da arte e da magia”. A música, contudo, não foi das mais empolgantes do cracaço da MPB.

Em 1982, com o país em polvorosa por conta da seleção do Mestre Telê Santana, Moraes Moreira, outro craque da MPB, decidiu homenagear aquele inesquecível escrete na música “Sangue, Swing e Cintura”, mas, evidentemente, sem esquecer o maior jogador da história: “O rei aqui é Pelé/ Na terra do futebol/ Olé! É bola no pé/ Redonda assim como o sol/ Seja no Maracanã/ Ou num gramado espanhol”.

Foi a partir daquele ano da frustrante participação do Brasil na Copa do Mundo da Espanha que Pelé foi, aos poucos, sumindo das composições da MPB. Ele, por sua vez, também foi se esquivando do samba e permanecendo mais no gênero sertanejo. Algo mais próximo de samba, com nítida pitada de rap, o ídolo só voltaria a fazer em 2016.

O hit “Esperança” foi uma vã tentativa de manter a imagem de Pelé vinculada a da Olimpíada de 2016. A música não emplacou e Pelé sequer deu pinta na abertura dos Jogos, no Maracanã. Alegou que estava com a saúde frágil. O que é a mais triste verdade. Nosso ídolo maior do futebol vem enfrentando uma barra pesada com as fortes dores no quadril após uma cirurgia malsucedida realizada por médicos americanos.

O tempo passa e nenhum outro jamais superará o “Rei do futebol”, seja nos gramados ou nas letras da MPB. Pelé — perdoem-me o chavão — é único e insuperável. O que mais, afinal, poderia ser dito sobre um dos maiores gênios da humanidade no século XX? Pelé é definitivo. Caetano Veloso estava certo: “Pelé disse love”… e fez isso para o mundo. Pelé, meus caros, é um samba de uma nota só. Inigualável nas partituras do futebol e da vida.

PAULO MENDES CAMPOS E UMA PARTICULAR ONTOLOGIA DA PELADA

 

por André Felipe de Lima


Paulo Mendes Campos

Hoje, dia 28 de fevereiro, faria anos o poeta, ensaísta, jornalista, contista, escritor e confesso peladeiro Paulo Mendes Campos. Seriam cristalinos 95 anos de vida. Botafoguense, Paulo amava o futebol sobre quase todas as coisas. Talvez um pouco menos que a Literatura, somente. Sem a paixão pelas letras e a (boa) escrita seria, obviamente, impossível exclamar em sonoridade poética e estratosférica o quanto encantava-se pelo querido e velho esporte bretão. Uma idolatria à bola que jamais mostrou-se claudicante. Muito menos quando seu Botafogo estava na ordem do dia. Na ordem do mais ontológico intimo do seu ser… “Ser”, frise-se, devidamente alvinegro: “Sou preto e branco também, quero dizer, me destorço para pinça nas pontas do mesmo compasso os dualismos do mundo, não aceito o maniqueísmo do bem e do mal, antes me obstino em admitir que no branco existe o preto e no preto, o branco. Sou um menino de rua perdido na dramaticidade existencial da poesia; pois o Botafogo é um menino de rua perdido na poética dramaticidade do futebol. Há coisas que só acontecem ao Botafogo e a mim. Também a minha cidadela pode ruir ante um chute ridículo do pé direito do Escurinho. O Botafogo tem uma sede, mas esqueceu a vida social; também eu só abro os meus salões e os meus jardins à noite silenciosa.”

Paulo Mendes Campos interpretava o Botafogo como o mais deliciosamente peladeiro dos clubes. O mais espontâneo para se amar. Somente um clube com a ingênua vocação sedutora do Botafogo poderia transpassar corações sem feri-los. Paulo Mendes Campos pensava assim sobre o seu Botafogo. Seu, sim, e de mais ninguém.


Reprodução do livro de Ruy Castro

O Botafogo também tem essa aura de fidelidade clubística. Parece que somente ele, o Botafogo, ama o seu torcedor. Aquele único torcedor e mais nenhum outro. O torcedor acredita, claro, nessa doce e saudável ilusão. E o Botafogo, como é peculiar em sua linda história, é também um pouco de cada um dos seus torcedores. Há, realmente, coisas que só acontecem ao Botafogo. O ídolo se mistura ao clube e vice-versa. Garrincha era Botafogo e ai do Botafogo não ser Garrincha. Vá lá, isso, o poeta das cores em preto e branco muito bem conhecia. Teve como ídolo e amigo ninguém menos que o próprio Garrincha. Sua mais perfeita crônica viva, verídica até a alma, e a de que mais prazer lhe proporcionava decantar na conexão dos universos do futebol e das letras. Gostava até mais que do seu jocoso Botafogo, que em si provocava momentos de tensão, medo, euforia e alegria sempre extremos, apaixonados (e apaixonantes) e minuciosamente detalhistas, igualmente a sua crônica tão famosa intitulada “Mané Garrincha”: “Descobri há tempos uma graça espantosa nessa finta de Garrincha: às vezes o adversário retarda o mais possível a entrada em cima dele, na improvável esperança duma oportunidade melhor. Garrincha avança um pouco, o adversário recua. Que faz então? Tenta o suficiente para encher de cobiça o pobre João. João parte para a bola de acordo com o princípio de Neném Prancha: como quem parte para um prato de comida. Seu Mané então sai pela direita.”

Em outra crônica, simplesmente nomeada “Garrincha”, Paulo Mendes Campos se apresenta como, talvez, o escritor/ torcedor que melhor tenha descrito Garrincha, em sua plenitude e doçura de peladeiro. Para o poeta, o peladeiro e a pelada, digamos, poderiam representar os mesmos papéis das figuras da horda primeva freudiana: a mãe (a bola) deve ser imaculada e os irmãos (peladeiros) devem preservá-la. Com uma única diferença: sem a repressão do pai (o futebol aristocrático). Na horda primeva do futebol, que também poderia atender pelo nome de “pelada original”, todos podem correr atrás da bola para saudá-la, como Garrincha sempre fazia, sem distinção entre a terra batida de Pau Grande e o gramado do Maracanã. Para ele, a pelada era imortal, espontânea e distante, portanto, das interferências elitistas que a cultura do mercado tenta impor: “[Garrincha] Era a própria candura. Todo mundo, em todas as profissões e fora das profissões, sonha com a candura como um bem supremo. Mas somente Mané Garrincha e uns poucos ungidos nasceram e cresceram com essa pureza, com essa espontaneidade inalterável. Nunca houve homem famoso menos mascarado, menos cônscio de sua importância. Algumas pessoas, à custa de autodomínio, conseguem isso. Mas a Garrincha não custava nada. Ele era desimportante sem saber que o era E era também perfeitamente espontâneo — e isso é ainda mais raro de se achar — ao receber alegremente a glória e o carinho do povo. Cândido mas não ingênuo. Pelo contrário, Mané é, antes de tudo, um astuto. Dentro e fora do campo. A qualidade ardilosa de sua inteligência — tão comum, aliás, em nosso homem do interior — pode ser imediatamente notada em um detalhe: Mané fala errado, à falar corretamente cometeria erros involuntários.”


Reprodução

Botafogo, Garrincha. A reverência ao “ser” original do futebol, estes doces e cândidos peladeiros, no esquema tático e metricamente tácito em toda poesia, sobretudo a de Paulo Mendes Campos, para quem o Botafogo e ele (sim, o próprio escritor) pareciam ser a mesma pessoa, em um único esquema: “O Botafogo pratica em geral o 4-3-3; como eu, que me distribuo assim em campo; no arco, as mãos, feitas para proteger minha porta; na parede defensiva, meus braços, meu peito aberto, meus joelhos e meus pés; no miolo apoiador, trabalho com os pulmões e o fígado; vou à ofensiva com a cabeça, a loucura e o coração.”

A bola, sacrossanta “mãe” da horda primeva do futebol, está presente em nossas vidas desdeencarnações passadas. Desde antes do próprio futebol dos ingleses, dos Miler da vida, dos Friedenreichs ou afins:  “O brinquedo essencial do homem é a bola. Quem ganha uma bola descobre dois mundos, o de dentro e o de fora. Um Psicólogo do futebol imagina a seguinte cena: meninos jogam na rua; a bola sobra para o cavalheiro que passa. Que fará o austero transeunte? Ficará indiferente? Devolverá a bola com as mãos? Já vimos todos nós o que ele irá fazer: o homem, sem perder a gravidade rebate a bola com o pé, aparentemente para prestar um serviço à garotada, mas na Verdade porque não resiste ao elástico e impulsivo prazer de dar um chute. É sempre um grande prazer, uma das coisas agradáveis da vida, dar um chute na bola, sobretudo quando conseguimos colocá-la na meta almejada.”


Reprodução do livro de Ruy Castro

Santa pelada de nós todos… o mais legal disso tudo é que descobri que no campo para as remotas peladas do Paulo Mendes Campos, em um já demolido parque de um laboratório farmacêutico na Rua Marquês de São Vicente, na Gávea, eu, humildemente, algumas décadas depois, também ousei dribles, caneladas e amizades. Cresci, sem saber, perto do poeta e do futebol original, primevo, que tanta nostalgia nos desperta. Ambos sempre estiveram em minha alma vira-lata de jornalista e de peladeiro, que um dia achava ser o “Garrincha” da Marquês de São Vicente. Como escreveu Paulo Mendes Campos: “O futebol jogou-me como quis”. E viva a ontologia da pelada presente em todo o brasileiro!

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LEITURA OBRIGATÓRIA: “O gol é necessário — Crônicas esportivas”, Editora Civilização Brasileira (2002), um imperdível livro de crônicas do Paulo Mendes Campos. Uma ode ao futebol e, claro, à pelada.