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A Pelada Como Ela É

FAMÍLIA XAVIER

texto: Sergio Pugliese | foto: Reyes de Sá Viana do Castelo


O campinho da Igreja Maronitas agora é estacionamento e os cinemas Olinda, Metro, Carioca, América e Tijuquinha fecharam as portas. Tonico, Norberto e Jacaré também não moram mais ali. O tempo passa e transforma. Os bairros se desenvolvem, os meninos viram homens e grandes amizades se perdem no caminho. Mas mesas de bar não entram em extinção e uma sempre estará reservada para nossas lembranças. A pedido da equipe do Museu da Pelada, os três amigões retornaram a Praça Xavier de Brito, na Tijuca, onde foram criados, aprontaram miséria e aprenderam valores semeados até hoje. Esse laço forte, praticamente um nó de marinheiro, foi a base para montar o Xavier, um dos gigantes na extensa lista de times de pelada da cidade, duas vezes campeão na categoria adulto (71 e 83) e uma no infantil (74), no duríssimo Campeonato do Aterro. O Xavier fez história e essas belas histórias foram passadas adiante pelo saudoso jornalista e técnico Sergio Leitão no livro “Família Xavier”, lançado há alguns anos, no Country Club Tijuca. Torcedor fanático e arquivo ambulante, ele passou anos anotando tudo sobre seu time de coração, reuniu causos, fotos e o que poderia ser apenas um relato sobre peladeiros fanáticos na verdade é uma belíssima história de amor.

– Olha nossa pracinha! Jogamos muita pelada aí! – comentou Jacaré, ao lado dos antigos parceiros de time.

Conhecida como praça dos cavalinhos, a Xavier de Brito foi berço de grandes craques, um deles o artilheiro Jacaré, que até hoje, aos 65 anos, mantém uma forma impecável. Único a atuar nos dois títulos, em 71 e 83, ele foi ídolo nesses campeonatos do Aterro e, assim como Vovô, do Roxo, da Ilha do Governador, tinha até fã-clube. Os torneios, promovidos pelo Jornal dos Sports, de 1966 a 1985, eram a Copa do Mundo dos peladeiros. Milhares de times se inscreviam nas categorias infantil, infanto-juvenil, juvenil e veterano. A mais concorrida era a de adultos, com até 1.200 inscritos. Para ser campeão só vencendo todos os jogos. Se empatasse, pênaltis! Nove meses de confrontos de altíssimo nível. Um exemplo disso? A preliminar da final de adultos, em 71, entre Xavier e Milionários, de Copacabana, foi Surpresa e Sampaio. Estavam escalados para essa decisão de veteranos craques como Dida, Evaristo, Jouber e Barbosa. Sergio, Tonico, Norberto e Jacaré viram todos brilharem no Maracanã.

– Como imaginá-los um dia em nossa preliminar! Quanta honra! Deu Surpresa na cabeça, 4×0, com shows de Dida e Evaristo! – lembrou, Tonico.

Mas, nessa época, quem enchia os olhos da torcida eram os astros do Xavier: Zé Augusto, Tatá, Carlinhos Stern, Rob, Eduardinho, Tonico, Jacaré, Paulo Noce, Luiz Gordo, Pires, Érico, Raul, Norberto, Casanova, Frichilim e George Wilson, comandados pelo técnico Pastor na primeira conquista. Doze anos depois veio o time de Sergio Leitão: Ned, Dois, Durval, Dingue, Mauricinho Pacheco, Felipe, Bola, Marcelo Pinto, Neco, Ainho, Dida, Tatá, Marquinho Couto e Julio Cezar Presunto. Os torcedores entupiam os oitos campos do parque. Se acotovelavam para ver de perto a arte de Álvaro, do Milionários, Armando, do Chelsea, Hugo e Roni, do Capri, Alfredinho, do Doca, Marcelo, Joaquim e Cícero, do Clube Naval, Barriga, do Roxo, Filé e Cacá, do Ordem e Progresso, e Macieira e Néo, do Ark. Tempos geniais! Nas decisões por pênaltis, a galera invadia o campo e formava um anel. O genial Tonico, camisa 10 do Xavier, participou de 27 séries de três pênaltis e desperdiçou apenas uma das 81 penalidades. Naquela época, não havia revezamento entre os batedores.

– A pressão era grande. Sentia um calafrio do fio do cabelo ao bico do tênis – recordou.


Tonico, Norberto e Jacaré, os três amigos inseparáveis, comemorar a vitória do Xavier

O Jornal dos Sports dava cobertura completa e comentaristas famosos prestigiavam os rachas. A semifinal contra o Roxo foi antológica. Eduardo empatou, de falta, no último minuto, 4×4. Mais uma vitória nos pênaltis e no dia seguinte a manchete: “Norberto parou Vovô”. No Bar Pavão, os três amigos degustaram lembranças, massagearam o passado. Nos olhares, a admiração mútua. Naquela decisão, Xavier 2, Milionários 1, Jacaré, Norberto e Tonico só não fizeram chover. Paulo Noce fez um golaço e o goleiro Zé Augusto definiu o destino da partida defendendo um pênalti do fora de série Zé Brito. Paulo Renato, torcedor que passou pelo bar por acaso, emocionou-se e diante de seus ídolos chutou o balde: “Esses caras jogavam pra caralho!!!”. Jacaré conferiu o relógio e levantou-se. Tonico também precisava ir. Os três se abraçaram. Jacaré ia para o Engenho da Rainha, Tonico e Norberto, Barra. Destinos opostos, marcaram novo encontro para o mês seguinte. Caminhando em direção ao carro, Tonico deu uma última conferida na praça. Viu alguns meninos correndo atrás de uma bola, os observou por alguns segundos, riu em silêncio e partiu.

REI DA PURRINHA

Quinta-feira é dia de recordar! Por isso, postamos um vídeo gravado pela equipe da “A Pelada Como Ela É”, de 2012, sobre Edmundo! Vocês sabiam que, além de craque dentro de campo, o ex-atacante é também um grande jogador de purrinha?

Comentarista da Band, na época, o jogador, que trabalhava em São Paulo, se desdobrava para jogar a Sagrada Pelada de Sexta, no Rio de Janeiro, comandada pelos irmãos Deio e Beto Lucena. De acordo com Edmundo, o futebol era de alto nível e apenas cinco dos quarenta inscritos não eram craques!

– No par ou ímpar pode fechar os olhos e escolher, só tem fera – garantiu Edmundo.


em pé da esquerda para a direita: Chafir, Bê Muniz, Popó, Palmer, Rodrega, Pedro Lord, Zanelli, Studart, Scott, Manga, Fera, Paulão, Robertinho (goleiro do futebol de praia), Davi, Tabajara, Andre João, Octavio e Felipe Testa. Sentados da esquerda para a direita: Fernando Velho, Edmundo, Deio e o filho João Felipe.

Além do ex-atacante da seleção brasileira, participam da pelada o músico Rogê, Robertinho, goleiro do futebol de praia, Ernane, ídolo de Vasco e Ponte Preta, entre outros.

Em relação ao jogo de purrinha, tradicional em diversas resenhas após as peladas, o craque confessou que já jogou até por telefone, quando atuava na Itália.

– O adversário não sabe, mas eu menti o número de moedinhas que tinha na minha mão!
 
 

HERÓIS DA RESISTÊNCIA

por Sergio Pugliese


CUBA – O general Fidel Castro Ruiz pode ser considerado um dos maiores símbolos de longevidade e resistência ideológica da história. Grande combatente e anti-imperialista até o último fio de barba não há como negar que El Comandante também enfrentou seus momentos de fraqueza e, ainda menino, rendeu-se aos encantos do beisebol, esporte originalmente criado pelos americanos. O fascínio aumentou ano a ano e ele praticamente transformou-se num garoto-propaganda da turma dos tacos. Viajando pelo interior da ilha de Fidel em busca de um campo de pelada, missão praticamente impossível, pois o futebol também perde em preferência para o vôlei, box, basquete, xadrez, pelota de mão etc etc etc, a equipe do A Pelada Como Ela É localizou, na histórica cidade de Santiago de Cuba, Raciel Sarmento, professor de uma escolinha e o verdadeiro líder da resistência cubana, pois jamais se dobrou aos encantos do yankee beisebol e diariamente, contra tudo e contra todos, reforça seu “exército” com mais e mais peladeiros-mirins-socialistas. Isso, sim, uma verdadeira revolução!

– Venceremos essa guerra e um dia Cuba se dobrará ao futebol – divertiu-se ele, funcionário da escola primária Clodomira Acosta.

A missão não é fácil. Pelas ruas e bares, os nomes mais falados são os de Industriales, Havana e Santiago de Cuba, times de beisebol que fazem a cabeça dos habitantes da ilha. E jogadores como Norgeluis Veras, Alex Ceibel, Quinderán, Pacheco, Contrera e Hermán Mesa sacodem o coração dos cubanos. O taxista Rogelio Evangelista Machado, que funcionou como guia de nossa equipe, demorou a encontrar um campinho de futebol e o primeiro foi no Centro Recreativo Ciroa, onde Raciel Sarmento treinava a garotada. Mesmo assim as melhores quadras do espaço eram usadas para basquete e pelota de mão. 

– O futebol vem se tornando um grande foco revolucionário dentro desse país de fortes ideologias esportivas – brincou Sarmento, enquanto posava com o time para o fotógrafo e documentarista Guillermo Planel. 


Num estalo, o motorista lembrou-se de outro campo e Fidel ganhou alguns pontos quando chegamos ao local, na verdade, o Quartel de Moncada, principal referência da revolução cubana. Moncada foi a primeira grande tentativa de Fidel Castro tomar o poder no país, em 26 de julho de 1953, junto com 165 homens. Fracassou e foi preso por dois anos. É neste cenário, um batalhão crivado de balas, que hoje abriga uma escola primária, onde a resistência revolucionária de nossa pelada encontra seu espaço máximo, num dos lugares mais visitados de Cuba. Mas, fora isso, campos de futebol são artigos raros por lá. De grama sintética, então, nem se fala. Algumas peladas que encontramos eram jogadas com bola de basquete e improvisadas em áreas destinadas ao beisebol. 

Voltamos ao campo de Raciel Sarmento. 

Quase no fim do treino uma bolinha de pelota perdida foi parar no campo de pelada. Antes de devolvê-la ao dono, o menino Bairon iniciou uma série de embaixadinhas e fez diversas firulas com maestria. Fez lembrar os malabarismos de nosso Robinho, mas declarou-se fã de Ronaldinho Gaúcho. No fim da exibição foi aplaudido pelas “galeras rivais” e encheu o professor de orgulho. Os pequenos revolucionários partiram e deixaram vazio o campinho careca. Frank, Rolando, Ricardo, Ernesto, Victor, Fran, William e Michel, apesar de dois nomes de origem norte-americana, são frutos dessa saudável resistência esportiva. São os pequenos heróis de uma luta continental, que tem Ronaldos, Romários e Zidanes, como ídolos universais, e o sonhador Raciel Sarmento, anônimo mas determinado professor de escolinha, como símbolo maior de persistência.

 

A ESTAGIÁRIA

por Sergio Pugliese


Rogerinho segura os saquinhos cheios de borracha

O primeiro mandamento do boleiro é jamais usar a pelada em álibis, afinal ela é sagrada, insubstituível. Mas tentações existem e alguns atletas inexperientes acabam sucumbindo ao canto da sereia. O problema é quando o tiro sai pela culatra e eles são obrigados a enfrentar a ira da Dona Encrenca. Rogerinho, centroavante matador, foi um desses…

Na volta do racha era certo Cristina reclamar daquela borrachinha preta sujando o banheiro. A borracha em questão é aquela usada para amaciar as quadras de grama sintética, realmente uma chatice porque entra na chuteira e gruda no corpo. De tanto as mulheres chiarem, a maioria dos craques dá uma geral no próprio campo e espanca o tênis no chão até sumirem todas. Rogerinho, não. Ele andava mal intencionado com Aninha, a estagiária do trabalho, e concluiu que as pretinhas poderiam ser suas aliadas. Um dia chegou ao campo com vários saquinhos plásticos, tipo sacolé, e encheu cada um deles com o pó de pneu. Alguns amigos estranharam, claro.

– Vai vender na feira como cocaína africana? – brincou Rômulo.

– Não! Lucas, meu filho, adora brincar com isso – disfarçou.

O assunto morreu, mas os melhores amigos sabiam dos bastidores. Uma relação em crise e o frescor da estagiária bastaram para as borrachinhas brotarem dia sim, e o outro também, no piso do banheiro. Ao invés da santa pelada ia namorar. Na volta, antes de entrar em casa, umedecia a camisa e o short na torneira da garagem para dar vida ao suor e, claro, enchia a chuteira com o resíduo. O problema foram as repetições e esse apetite voraz pela bola despertou a pulga há anos adormecida atrás da orelhinha de Cristina. E na festa de aniversário de Rogerinho, não teve jeito, o caldo entornou.

– Vamos cantar parabéns! – convocou Cristina.

Madrugada, caipirinha pulsando na mente e os peladeiros tortos, inclusive o desavisado Rômulo. No caminho para o salão, o goleiro resolveu elogiar o comportamento de Rogerinho para Cristina e arranjou um problemão.

– Rogerinho é mesmo um paizão, vai para o campo e fica enchendo saquinhos de borracha para dar ao filho.


Os saquinhos cheios de borracha que Rogerinho recolhia

Rogerinho vinha logo atrás com os cúmplices Stênio e Ribamar. Os três espantaram-se e tentaram frear a língua de Rômulo, mas era tarde.

– Como assim? – perguntou Cristina, desconfiadíssima.

– Ué, fica de quatro só enchendo saquinho…

Stênio puxou Rômulo pelo braço.

– Bebeu demais, maluco?

Rogerinho relembrou os tempos de Tablado e lançou no ar um olhar perplexo enquanto um “fud…” retumbava sua cabeça. Cristina sentiu o cheiro da traição e entrou no quarto. O parabéns foi suspenso. Quando o maridão ainda bolava uma saída, ela ressurgiu com Lucas, pijama de bolinhas, olhos fechados.

– Lucas, você gosta de brincar com borracha moída?

O menino cambaleava.

– Deixa ele dormir – apressou-se Rogerinho. E emendou: – Brincamos de pista de asfalto, rastilho de pólvora, chuva de carvão…

– Elementar, meu caro 171, já desconfiava, você espalha esse treco no tênis como se tivesse jogado!!! – desvendou a mãe, ao estilo Sherlock Holmes.

– O que é chuva de carvão? – perguntou Lucas.

– O menino tá zonzo, acha que é pesadelo. Amanhã tiramos isso a limpo – exigiu Rogerinho.

Cristina entrou e não voltou mais.

No silêncio da varanda, Ribamar provocou.

– A estagiária valia essa borrachada toda?

Quase teve briga.

Rogerinho não dormiu e cedinho acordou Lucas. Pegou os sacolés que ainda restavam no porta-luvas e começou a criar brincadeiras. O moleque não entendeu nada, mas divertiu-se com a companhia do pai. Cowboy na mão, Rogerinho falava: “Vamos Tom, encha esses barris de pólvora!”. Cristina passou pelo corredor e assistiu a cena, incrédula. De cara amarrada, esboçou um “cara de pau” e voltou a dormir.

Texto publicado originalmente na coluna a “A Pelada Como Ela É” no dia 02 de junho de 2012.

JOÃO UBALDO, O DELEGADO

entrevista: Sergio Pugliese | vídeo: Guillermo Planel | edição de vídeo: Daniel Planel

Quinta é dia de recordar! Advogado de formação, tradutor, jornalista, escritor e gênio, João Ubaldo Ribeiro deixou saudades! Por isso, recordamos uma resenha divertidíssima entre Sergio Pugliese e o nosso saudoso amigo, nos tempos de “A Pelada Como Ela É”!

Durante o papo, Ubaldo recordou os tempos em que pegava um baba na Ilha de Itaparica, época em que era conhecido como Delegado e comandava a zaga formada por Nêgo Tóia e Chico Gordo e contava com a ajuda de Edinho e um punhado de areia para deter o craque Chupeta.