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A Pelada Como Ela É

A FUGA DE CAFURINGA

por Sergio Pugliese


Armando Pittigliani e Cafuringa

Armando Pittigliani e Cafuringa

Volta e meia me perguntam se as histórias contadas aqui realmente são verdadeiras. Difícil acreditar, mas são!!!! Por isso, fazemos questão de fotografar os personagens, ouvir testemunhas e confirmar com até três peladeiros, como se isso fosse garantia de alguma coisa, mas… Se não me cercasse desses “cuidados” me chamariam de mentiroso quando contei, por exemplo, a história de um boi que despencou de um morro, caiu dentro de um campo e virou churrasco. Não é Sérgio Sapo??!!! Aí, conversando, outro dia, com o parceirão Armando Pittigliani, o Pitti, no Clube dos Trinta, em São Conrado, escuto uma pérola envolvendo o saudoso Cafuringa, ídolo tricolor, e, claro, duvido. Para quê??? Pitti abriu seu baú abarrotado de preciosidades e calou o meu bico.

– É verdade, o Cafuringa forjou uma dor de barriga para sair no intervalo de um jogo do Fluminense, no Maracanã, para não perder uma pelada, na Tijuca!!! – garantiu.

Era uma quarta-feira, 31 de março de 1971, e Pitti prometera levar um time para jogar apostado contra o Country Clube Tijuca. Alguns dia antes, como de hábito, recebeu uma ligação de Cafuringa, fiel companheiro de peladas, para saber como estava a programação futebolística da semana. Pitti falou que tinha duas notícias, uma boa e outra má. O folclórico ponta preferiu ouvir a boa primeiro. Tinha jogo!!!! E a má? Seria quarta-feira, dia de Fluminense x Campo Grande.

Surpreendentemente, Cafuringa disse que daria um jeito e falou para Pitti esperá-lo às 22h30, na estátua do Bellini.

– Não contrariei, afinal seria o nosso maior reforço – recordou Pitti, que chegou bem antes da hora ao local marcado.


Cafuringa e Simonal

Cafuringa e Simonal

Pitti, na época com 36 anos, era diretor do Departamento de Serviços Criativos da gravadora Phonogram (depois Polygram e, hoje, Universal) e organizava peladas memoráveis!!! Jogava, entre outros campinhos, no Piraquê, Caiçaras, Clube dos Trinta, Country Clube da Tijuca e Polytheama. Seus parceiros mais constantes eram Amaral, Rochinha, Mauro Laviola, Zé Britto, Amaury, ex-goleiro do Botafogo, Jorge Bem, Sylvio Cesar, Chico Buarque, Betinho Cantor, Paulinho Tapajós, Ronaldo, do Golden Boys, o quarteto do MPB4, Paulinho da Viola, Erlon Chaves, Zeca do Trombone, o saudoso Miéle, João Carlos Barroso, Nuno Leal Maia, Francisco Cuoco, Arnaud Rodrigues, Dary Reis e Reynaldo Gonzaga.

– Fui com os amigos Sebastião Amaral e o goleiro Três Com Goma, integrante do Trio Nordestino, e ficamos na arquibancada, ligados no meu inseparável radinho de pilha – contou.

O Fluzão, do presidente Francisco Laport, disputava a liderança e precisava vencer para continuar na cola do Botafogo. O time era bom! Félix, Oliveira, Denilson, Galhardo, Assis e Marco Antônio, Cafuringa, Didi, Flávio, Ivair e Lula. Jorge Cury, pela Rádio Nacional, e Waldyr Amaral, pela Globo, arrasavam nas transmissões e fizeram o estádio explodir narrando os dribles de Cafuringa e o cruzamento certeiro para a cabeçada do príncipe Ivair abrir o placar. Alguns minutos depois, para espanto geral, Cafuringa, o ponta com fama de não fazer gols, pegou um rebote na área e marcou o segundo. Embora o atacante tenha sido campeão carioca pelo Fluminense quatro vezes, nunca brigou pela artilharia, mas consagrou vários centroavantes, como Ivair e Flávio.

– Quando terminou o primeiro tempo eram dez horas e duvidei que ele não voltasse para o segundo tempo.

A ideia era ver o início do segundo tempo e correr para o Country Clube Tijuca. Porém, às 22h15, o repórter de campo interrompeu os comentários de Ruy Porto para informar que Wilton substituiria Cafuringa. Ninguém tiraria Cafuringa naquele dia. A torcida chiou!!!! Mas entendeu quando veio a explicação: “desarranjo intestinal, passou o intervalo todo na privada”, informou Kleber Leite. Pitti, Sebastião e Três Com Goma foram os únicos a comemorar. Quem poderia imaginar que aqueles três malucos correndo desesperados em direção à Estátua do Bellini estavam indo resgatar Cafuringa para uma pelada????

– Foi mágico! Cafuringa chegou e nos abraçamos como crianças – comentou, feliz da vida.


No clube, os tricolores que ouviam a partida não entenderam nada!!! Mas Cafuringa não estava jogando??? O craque, dedo indicador cruzando a boca, pediu silêncio, “chiii, não espalha”. Gargalhada geral!!! No Maracanã, final 2 x 1 e o Fluzão campeão naquele ano. No Tijuca, o time do Pitti maltratou o adversário, 8 x 3, e o ponta fujão emplacou três. Ali, na pelada, braços dados com a irreverência, Cafu dava as cartas, era o grande artilheiro!

FAMÍLIA PELICANO

por Sergio Pugliese

É praticamente impossível recusar os convites da galera do Pelicanos Azuis, de Niterói. A rapaziada é divertida por natureza e tem o espírito sintonizado com o que buscamos, do contrário não teria nos convocado para o evento “Onze anos sem títulos, onze anos de resenhas vitoriosas”. Em 2015, venceram apenas duas partidas, uma de WO e outra de um time “estranho”, que sequer lembram o nome. Mas os atletas não se abatem e as resenhas musicais estão cada vez mais concorridas. Participamos dessa última, em Guapimirim, na casa de Márcio e Nadir, pais do maestro do meio-campo, Gabriel Figueiredo, e comprovamos: os Pelicanos são show!!!!

– Quanto mais perdemos, mais nos unimos – resumiu o showman Diogo, o Sandro Silva, acompanhado da mulher, a estrela Mariana.

Nesse ponto, os Pelicanos também fazem a diferença: as esposas e namoradas não faltam nunca.

– Só perdemos, precisamos de carinho após os jogos – explicou o zagueiro Márcio Beckerman, braços dados com Thalita.

E é um tal de Gláucia “de” Gabriel, Júlia “de” Jorginho do Cavaco, Bruna “de” Renatinho Família, Walney “de” Lidiane. Teve até Sílvia “de” Pugliese. Em Niterói, eles gostam dessa forma carinhosa “de” tratamento. Mas e a Renatinha é “de” quem? Dizem que foi tentar a sorte, afinal tem muito “pelicano” solteiro na área. O pandeirista Oirthon é um desses, um eterno apaixonado em busca da amada. O amor faz milagres!!! Não acreditam? Basta olhar para o novo Dogão, de Kaká, algumas toneladas mais magro, modelo!!!!

– Resenha sem samba, cerveja e mulher não tem vez com os Pelicanos – atestou Paulinho, o Paulinóquio, de Marina.

E é verdade! Chegamos às 10h30 e o cantor Maycon, o cozinheiro Nico, o empresário Bruno, o roupeiro massagista Felipe “Menina”, o roqueiro, agora esbelto, Tiago Guima, e Teteuresminho, da cuíca, já estavam na piscina saboreando algumas geladas. Segundo Paulinóquio foram comprados 624 latões de cerveja. Seria verdade? Como acreditar em alguém com um apelido desses?  Os que ainda dormiam eram embalados pelo som de Reinaldo, o príncipe do pagode. A música tinha tudo a ver com uma rapaziada que não se abala com derrotas: “Samba, a gente não perde o prazer de cantar e fazem tudo para silenciar a batucada dos nossos tantãs”.  

– Não existe união igual a essa – garantiu Anderson, o camisa 10.1, acompanhado de Marcela.

E se alguém podia afirmar isso, era ele. Na noite anterior envolveu-se numa confusão de trânsito e acabou preso. Na delegacia, quase se engalfinhou com um policial, mas de repente lembrou-se da resenha no dia seguinte e virou um cordeirinho, desculpou-se, partiu para o abraço e só faltou distribuir flores aos envolvidos. Final feliz! Chegou Moacir!!!! Muita moral, afinal o “pelicano” mudou-se para São Paulo e veio exclusivamente para a resenha. Também teve festa para Gun, o pai do ano, e para Gláucia por ter acertado na Megasena ao conhecer o estiloso Gabriel, tatuagem gigante nas costas de um anjo com o rosto de Zico.

– Essa confraternização é a extensão da pelada – filosofou o capitão João Canário enquanto apontava para a piscina lotada de “pelicanos”.

Resenha pegando fogo, uma dúvida de Márcio, pai de Gabriel: por que o Pelicanos Azuis perde tanto? Tudo bem que o filho dele foi o principal responsável em algumas partidas, perdendo pênaltis, sonolento, mas melhor deixar quieto. Ou o excesso de churrasco e cerveja venha deixando os craques um pouquinho, quase nada, mais pesados. Só especulação. Mas nossa equipe consultou os orixás e eles chegaram a uma interessante conclusão. O símbolo do Pelicanos, que mais parece um flamingo, lembra o íbis, ave pernalta e de pescoço longo, que batiza o pior time do mundo. Outra curiosidade é que o íbis anuncia tragédias e é sempre a primeira ave a surgir após a tempestade passar. Ou seja, depois das goleadas já chega querendo uma gelada. 

– A verdade é que com nossa rapaziada não tem chororô – afirmou Jorginho do Cavaco.

Falou e disse!!! Na resenha dos “pelicanos” só quem chora é a cuíca, de preferência nas mãos do craque Teteuresminho, que ditou o ritmo enquanto a galera fazia o coro e entoava “a amizade, nem mesmo a força do tempo irá destruir, somos verdade, nem mesmo este samba de amor pode nos resumir….”.

O TIME DO TIM

texto: Sergio Pugliese | foto e vídeo: Guillermo Planel

O saudoso Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, o Tim Lopes, estava enroladíssimo com a entrega de mais uma divina matéria e não conseguiu comparecer ao evento promovido por suas ex atletas e companheiras de redação de O Dia, na Fiorentina, no Leme. Certamente estava levantando o perfil dos 12 apóstolos da Santa Ceia ou tentando descobrir o segredo dos anjos, mas conseguiu um tempinho e assistiu, da arquibancada celestial, o reencontro, 25 anos depois, do timaço feminino da Rua do Riachuelo, que comandou brilhantemente durante os torneios entre jornais, realizado no Mimosão, campinho nos fundos da Vila Mimosa, concorrida área de prostituição do Rio.

– O Tim Lopes era um técnico motivador, estilo Joel Santana – comparou Marluci Martins, hoje colunista de Esportes, do Extra, e a primeira a chegar.

E assim foi durante toda a noite, a “presença” de Tim celebrada a cada história, a cada brinde. A ideia de reunir as craques surgiu após Daniella Sholl, adversária do Jornal do Brasil, postar uma foto do time “jotabeniano”, no Facebook, convocando a galera para um encontro. A época era a mesma, 1991, e o torneio também. O evento aconteceu há alguns meses, na mesma Fiorentina, o que causou arrepios de rivalidade em Stellinha de Moraes, pontinha veloz, do Dia, que não só apareceu na festa do JB para colocar água no chope, como organizou a festa do Dia.


Renata Schmitt, Marluci Martins, Renata Fraga, Janete e Tim Lopes, Rachel Vita, Rosane Bekierman, Martha Mendonça e Stellinha de Moares.

Renata Schmitt, Marluci Martins, Renata Fraga, Janete e Tim Lopes, Rachel Vita, Rosane Bekierman, Martha Mendonça e Stellinha de Moares.


Sergio Pugliese, Martha Esteves, Renata Schmitt, Marluci Martins e Renata Fraga, Rachel Vita, Martha Mendonça e Stellinha de Moraes | Foto: Guillermo Planel

Sergio Pugliese, Martha Esteves, Renata Schmitt, Marluci Martins e Renata Fraga, Rachel Vita, Martha Mendonça e Stellinha de Moraes | Foto: Guillermo Planel

– Elas nunca nos venceram. Então nós tínhamos mais motivos para festejar – explicou a craque, última a chegar, com o maridão Alexandre Albuquerque.

É verdade, o Dia venceu todos os torneios entre jornais, nunca encontrou adversárias a altura. E olha, que a estrela Martha Esteves, grávida, na época, desfalcou o time. Mas em compensação fazia crônicas divertidas e motivacionais, guardadas até hoje por Stellinha, apelidada por ela de “Bebetinha”.

– Éramos felizes e sabíamos, mas o que importa é que o tempo passa, o tempo voa e continuamos numa boa  – resumiu Marta.

Tem razão! As “dietes” continuam em plena forma e até bateram uma bolinha _ ou um bolão _ na calçada do restaurante para delírio dos garçons. E chegaram até a arrancar alguns “fiu fius” de clientes. Martha Mendonça garantiu que mantém a forma correndo na areia fofa com tornozeleiras de 20 quilos, mas como ela é uma das criadoras do Sensacionalista, site isento de verdade, ninguém acreditou. E para surpresa geral a atacante Malu Fernandes, do Jornal do Brasil, apareceu!!!

– Reconheço a superioridade das adversárias e vim brindar com elas – explicou, repleta de humildade.

A meio-campo Rachel Vita, estilosa, esguia, praticamente um Paulo Henrique Ganso, lembrou o duelo entre os técnicos Tim Lopes, do Dia, e Oldemário Touguinhó, saudoso cronista esportivo do Jornal do Brasil. Oldemário chegou a levar as “Jobetes” para treinos noturnos, e secretos, no campo do América. Tim Lopes, liberal, autorizou até Renata Schmitt, a Juliana Paes da época, a posar fumando para a foto oficial do time.

– O Tim era objetivo e dizia ganhem e pago as cervejas. Quer combustível melhor do que esse – divertiu-se a cervejeira Marluci Martins, casada com o papa do samba Moacyr Luz.

Outra musa da Riachuelo, Renata Fraga, divertia-se mostrando a série de charges criadas em sua homenagem pelo fera Jaguar e lembrou dos áureos tempos, quando O Dia chegava a vender 1 milhão de exemplares aos domingos. Martha Esteves puxou um brinde por todas estarem ali, superando crises e os zagueiros da vida. Perguntaram pela goleira Janete e pela fotógrafa Rosane Bekierman, não Beckham, do astro inglês David Beckham. Mas o futebol ficava ali, pau a pau. Mas, surpresa, Taísa Mundy, ex produtora do Linha Direta, apareceu com Chris, o maridão americano de alma carioca. E Bruno Quintella, filho de Tim Lopes, enviou mensagem desculpando-se pela ausência. Ê resfriado chato….

– Um brinde a Tim! – convocou Martha Mendonça.

Foi mais um golaço da seleção do Dia! Tim vibrou, deu socos no ar, fez o símbolo do coraçãozinho e saiu voado para não atrasar o fechamento.

 

 

…………………………..

Resenhas feitas por Martha Esteves na época dos torneios e nos amistosos entre louras e morenas da redação, do Dia:



DIÁLOGO DE GÊNIOS

por Sergio Pugliese


Em 1968, o mestre Armando Nogueira, trabalhando no Jornal do Brasil, desafiou em uma de suas crônicas sua colega de redação Clarice Lispector a escrever uma crônica sobre futebol. Certamente para surpresa de muitos, a introspectiva e enigmática Clarice não desconhecia o assunto, ao contrário, acompanhava jogos, quando possível. Clarice Lispector sempre compensou seu recato com imensa sensibilidade e a resposta em grandíssimo estilo você lê abaixo.

Armando Nogueira, futebol e eu, coitada

por Clarice Lispector

E o título sairia muito maior, só que não caberia numa única linha. 

Não leio todos os dias Armando Nogueira – embora todos os dias dê pelo menos uma espiada rápida – porque “meu futebol” não dá pra entender tudo. Se bem que Armando escreve tão bonito (não digo apenas “bem”), que às vezes, atrapalhada com a parte técnica de sua crônica, leio só pelo bonito. E deve ser numa das crônicas que me escaparam que saiu uma frase citada pelo Correio da Manhã, entre frases de Robert Kennedy, Fernandel, Arthur Schlesinger, Geraldine Chaplin, Tristão de Athayde e vários outros, e que me leram, por telefone. Armando dizia: “De bom grado eu trocaria a vitória de meu time num grande jogo por uma crônica…” e aí vem o surpreendente: continua dizendo que trocaria tudo isso por uma crônica minha sobre futebol. 

Meu primeiro impulso foi o de uma vingança carinhosa: dizer aqui que trocaria muita coisa que me vale muito por uma crônica de Armando Nogueira sobre digamos a vida. Aliás, meu primeiro impulso, já sem vingança, continua: desafio você, Armando Nogueira, a perder o pudor e escrever sobre a vida e você mesmo, não posso perdoar que você trocasse, o que significaria a mesma coisa. 

Mas, se seu time é Botafogo, não posso perdoar que você trocasse, mesmo por brincadeira, uma vitória dele nem por um meu romance inteiro sobre futebol. 

Deixe eu lhe contar minhas relações com futebol, que justificam o coitada do título. Sou Botafogo, o que já começa por ser um pequeno drama que não torno maior porque sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo. É o seguinte: não me é fácil tomar partido em futebol – mas como poderia eu me isentar a tal ponto da vida do Brasil? – porque tenho um filho Botafogo e outro Flamengo. E sinto que estou traindo o filho Flamengo. Embora a culpa não seja toda minha, e aí vem uma queixa contra meu filho: ele também era Botafogo, e sem mais nem menos, talvez só para agradar o pai, resolveu um dia passar para o Flamengo. Já então era tarde demais para eu resolver, mesmo com esforço, não ser de nenhum partido: eu tinha me dado toda ao Botafogo, inclusive dado a ele minha ignorância apaixonada por futebol. Digo “ignorância apaixonada” porque sinto que eu poderia vir um dia apaixonadamente a entender de futebol. 

E agora vou contar o pior: fora as vezes que vi por televisão, só assisti a um jogo de futebol na vida, quero dizer, de corpo presente. Sinto que isso é tão errado como se eu fosse uma brasileira errada. 

O jogo qual era? Sei que era Botafogo, mas não me lembro contra quem. Quem estava comigo não despregava os olhos do campo, como eu, mas entendia tudo. E eu de vez em quando, mesmo sentindo que estava incomodando, não me continha e fazia perguntas. As quais eram respondidas com a maior pressa e resumo para eu não continuar a interromper. 

Não, não imagine que vou dizer que futebol é um verdadeiro balé. Lembrou-me foi uma luta entre vida e morte, como de gladiadores. E eu – provavelmente coitada de novo – tinha a impressão de que a luta só não saía das regras do jogo e se tornava sangrenta porque um juiz vigiava, não deixava, e mandaria para fora de campo quem como eu faria, se jogasse (!). Bem, por mais amor que eu tivesse por futebol, jamais me ocorreria jogar… Ia preferir balé mesmo. Mas futebol parecer-se com balé? O futebol tem uma beleza própria de movimentos que não precisa de comparações. 

Quanto a assistir por televisão, meu filho botafoguense assiste comigo. E quando faço perguntas, provavelmente bem rolas como leiga que sou, ele responde com uma mistura de impaciência piedosa que se transforma depois em paciência quase mal controlada, e alguma ternura pela mãe que, se sabe outras coisas, é obrigada a valer-se do filho para essas lições. Também ele responde bem rápido, para não perder os lances do jogo. E se continuo de vez em quando a perguntar, termina dizendo embora sem cólera: ah, mamãe, você não entende mesmo disso, não adianta. 
O que me humilha. Então, na minha avidez por participar de tudo, logo de futebol que é Brasil, eu não vou entender jamais? E quando penso em tudo no que não participo, Brasil ou não, fico desanimada com minha pequenez. Sou muito ambiciosa e voraz para admitir com tranqüilidade uma não participação do que representa vida. Mas sinto que não desisti. Quando a futebol, um dia entenderei mais. Nem que seja, se eu viver até lá, quando eu for velhinha e já andando devagar. Ou você acha que não vale a pena ser uma velhinha dessas modernas que tantas vezes, por puro preconceito imperdoável nosso, chega à beira do ridículo por se interessar pelo que já devia ser um passado? É que, e não só em futebol, porém em muitas coisas mais, eu não queria só ter um passado: queria sempre estar tendo um presente, e alguma partezinha de futuro. 

E agora repito meu desafio amigável: escreva sobre a vida, o que significaria você na vida. (Se não fosse cronista de futebol, você de qualquer modo seria escritor). Não importa que, nessa coluna que peço, você inicie pela porta do futebol: facilitaria você quebrar o puder de falar diretamente. E mais, para facilitar: deixo você escrever uma crônica inteira sobre o que futebol significa para você, pessoalmente, e não só como esporte, o que terminaria revelando o que você sente em relação à vida. O tema é geral demais, para quem está habituado a uma especialização? Mas é que me parece que você não conhece suas próprias possibilidades: seu modo de escrever me garante que você poderia escrever sobre inúmeras coisas. Avise-me quando você resolver responder a meu desafio, pois, como lhe disse, não é todos os dias que leio você, apesar de ter um verdadeiro gosto em ser sua colega no mesmo jornal. Estou esperando. 

Crônica de 30 março 1968. In: A descoberta do mundo, p. 89-91.

(texto publicado em novembro de 2010, no O Globo, coluna A Pelada Como Ela É)

PLANETA DO BEM

texto: Sergio Pugliese | foto e vídeo: Daniel Perpétuo

Se tem uma rapaziada que eu adoro é a do Planet Globe, capitaneada por Guaraci Valente, o Gaúcho, Cláudio Cunha, Paulinho “Meu Filho”, Heitor Martinez e Nicola Siri. Por que eu gosto deles? Por que é fácil gostar deles!!! Tudo bem que Nicola e Heitor quando entram em campo, se transformam, odeiam perder, viram outras pessoas. Mas atores vivem de se transformar em outras pessoas e nunca saberemos se aqueles semblantes de poucos amigos, dentro das quatro linhas, é real ou apenas a criação de mais um personagem. Já estive com eles em várias situações porque os atletas, além de bons de bola, praticam o futebol solidário, não nos moldes do tic tac barceloniano, com a bola passando de pé em pé, mas no sentido de amplificar campanhas do bem, arrecadar dinheiro, alimentos e roupas para salvar instituições e ajudar vítimas de violência ou catástrofes, como a de Mariana, em Minas.

–  Esse time é 100% coração – resumiu Gaúcho, o presidente.

O Planet Globe se transformou num case de sucesso na área de eventos porque não dá espaço para rivalidades e reúne no grupo atores do Globo, Record e SBT, e cantores de sertanejo, samba, rap, MPB e funk. E, juntos, todos fazem o que mais gostam: jogam bola e ajudam o próximo!!!! No aniversário de 120 anos do Flamengo, domingo passado, o Planet Globe foi desafiado para um amistoso, no Maracanã contra o máster rubro-negro, com Adílio, Andrade, Júlio César Uri Geller, Cláudio Adão & cia. Seria a preliminar do Mengão principal contra o americano Orlando, de Kaká. O Museu da Pelada foi convidado e chegou cedo para não perder nenhum detalhe, da chegada ao estádio, vestiário e entrada no, ainda, monumental Maracanã!!!

– Olha ali o Nunes e o Rondinelli – vibrou o tricolor Daniel Oliveira, videomaker de nossa equipe.

Ele tricolor e eu vascaíno. Não sei se por pegadinha, Gaúcho avisou que teríamos que vestir o manto sagrado do Mengão se quiséssemos prosseguir na cobertura. Topei porque ele é mais vascaíno do que eu e a causa era nobre. O Daniel também não correu. De cara encontrei Frederico Luz e Marcio Mac Culloch, o primeiro diretor e o segundo gerente de Comunicação do Flamengo. Ambos sabiam meu time de coração e, claro, gargalharam.

– Fotografa ele – sugeriu Marcio.

– Isso é que é vestir a camisa pelo trabalho – brincou Fred.

Em seguida, apareceu o presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, e antes de ouvirmos mais alguma gracinha emendamos numa entrevista. Humilde, o cartola disse que não jogaria para não ofuscar nenhum jogador do time principal.  Ainda bem que Nélio, Beto, Marquinhos e Djalminha não ouviram. Se bem que Djalminha reforçou o time do Planet, com Gasparetti, Diogo Nogueira, que tinha até torcida organizada, o galã Felipe Simas, Nicola Siri, Bochecha, Thiago Rodrigues, Leandrinho, do Bonde do Tigrão, o parceirão Rogê, entre outros.

– Quem se garante em jogar na lateral e marcar o Júlio César Uri Geller? – perguntou Gaúcho, pelo megafone.

Silêncio absoluto. Após repetir algumas vezes, sem sucesso, o técnico exerceu o poder do cargo.

– Gasparetti, você!!!!!

– Uiiiiii!!!!! A santa pirou???

O vestiário foi abaixo!!!! No fim das contas, escalaram o astro do funk, Nego do Borel, moleque arisco, velocista e gingado contagiante. Julio Cesar Uri Geller olhou para ele e preferiu nem calcular a diferença de idade entre os dois. Mas, peraí, o Maracanã é o palco de Julinho, onde ele entortou laterais consagrados e fez a torcida do Mengão muitas vezes reverenciá-lo. Resultado do desafio: Em menos de 10 minutos, Julinho aplicou um elástico em Nego, que o fez quase criar um novo passo de dança. Final, máster do Mengão 13 x 1 nos artistas, gol de Diogo Nogueira. Mas que fique claro. Não era o time titular do Planet Globe, bicampeão mundial e campeão sul americano de artistas. Mas a missão era exatamente a mesma: integrar, divertir, inserir e semear alegria e paz. Salve, Gaúcho!!!!