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SETEMBRO AMARELO

7 / setembro / 2018

Robert Enke deixou uma lição: vamos ouvir, vamos falar, vamos fazer a diferença!

por Mateus Ribeiro

Vivemos em uma era onde somos obrigados a vencer. Em todas as esferas. Sem pudor algum, cobramos as pessoas dos nossos círculos por resultados a todo instante. No esporte isso não é nem um pouco diferente.


Seja através dos treinadores, dos investidores, ou dos próprios atletas, a pressão por vitórias é imensa. O problema é que somos obrigados, pressionados, a vencer a todo instante. Porém, apesar da nossa evolução (em alguns pontos) ainda somos humanos. Estamos sujeitos ao erro. Não estamos preparados para lidar com a derrota. Tampouco treinados. Nem para a derrota, nem para a pressão. Muito menos a pressão interna.

Partindo desse ponto, vamos falar um pouco sobre o caso do goleiro alemão Robert Enke.

Enke iniciou sua carreira muito jovem. Não queria ser um ídolo. Tinha apenas o desejo de ser um bom goleiro e defender as cores de seu País. Jogou na Alemanha, mais precisamente no Borussia M’gladbach, e depois andou por alguns times na Europa. Benfica, Barcelona e Fenerbahce, para ser mais exato.

No Benfica, pegou um período ruim: jejum de títulos, atrasos de salário, e o fato de ter ser o primeiro goleiro do clube depois de Michel Preud’homme. Tudo isso somado com a dificuldade de adaptação fez com que a passagem do jovem arqueiro por Portugal não fosse das melhores.


Depois do período ruim em Portugal, foi para o Barelona. Sua primeira partida foi um desastre: o time catalão (que estava longe dos atuais dias gloriosos) foi eliminado da Copa do Rei por um time de terceira divisão, e o holandês Frank de Boer achincalhou publicamente o goleiro. A confiança de Enke, que já não era das maiores, ficou mais abalada do que nunca. Obviamente, já não havia mais espaço para ele ali.

Após uma saída conturbada do Barcelona, foi jogar no Fenerbahce, onde atuou em apenas uma partida, que novamente, não foi das melhores: derrota em casa, por 3 a 0, para o inexpressivo Istambulspor. Enke sentiu o golpe. Qualquer um sentiria. Mas ele sentiu de maneira mais pesada. Não era à primeira vez que suas falhas custariam caro.

Poucas semanas depois, voltou para a Espanha, defender o Tenerife, onde atuou bem nas partidas que fez pelo clube espanhol. Parecia que a vida estava sorrindo novamente para Robert.

Quis o destino que Enke voltasse para a Alemanha, onde foi defender o Hannover 96. Ali viveu seus melhores momentos. Seria o goleiro titular dos germânicos na Copa de 2010. Seria…

Triste fim


No dia 10/11/2009, Robert Enke resolveu acabar com tudo. Resolveu jogar na frente de um trem todos os seus problemas e sonhos. Todas as alegrias e frustrações. Todo o sofrimento e todo o silêncio.

Robert Enke sofria de depressão. Passou mais de meia década convivendo com esse drama. Poucos sabiam disso, e o atleta não queria revelar seu drama para o mundo, com medo de perder a privacidade. E talvez pouco tentaram o ouvir. Na verdade, não ouviram porque Enke não comentava nada disso. Disfarçava tudo o que passava quando estava reunido com pessoas próximas. Provavelmente, você deve ter alguém no seu círculo social com o mesmo comportamento. Vale a pena abrir os olhos.

Perdeu sua filha em 2006, ainda bebê. O que agravou sua situação, óbvio.

Sua carreira alternava altos e baixos, e sempre que estava perto de se consolidar como uma realidade, alguma coisa acontecia para atrapalhar o êxito de Enke. Ou uma contusão, ou alguma falha. Agora, imagine tudo isso misturado ao pesadelo que ele viveu em Portugal, na Espanha e na Turquia. Como se não bastasse a cobrança extrema, já citada no início do texto. A vida de Enke estava longe de ser fácil.

Ninguém sabia do que ele passava. Mas será mesmo que nunca ele deu mostras de que precisava de um pouco mais do carinho, da atenção e do respeito de quem estava junto dele?

Será que não somos culpados?


Nós, que caímos no jogo da imprensa suja, que cria heróis e vilões a todo instante. Sempre pensando em vender notícias. Sem se importar se o herói salva e se o vilão é maldoso. Veja bem o que fazemos com Muralha. Ele pode ter todas as deficiências técnicas do mundo. Pode estar longe de ser um goleiro confiável. Mas ele é humano. E garanto que ele e  seus familiares não gostam nem um pouco de ver um de seus entes queridos, que luta para ganhar seu pão de cada dia virar motivo de piada por ter falhado, como eu e você costumamos falhar. Isso pra não falar de Barbosa, que passou o resto da sua vida na amargura, por conta da nossa eterna caça às bruxas. Então, pense bem antes de compartilhar “os melhores memes das falhas de Muralha” (ou de qualquer outro). Amanhã pode ser você no lugar dele. Empatia nunca fez, não faz, e nunca fará mal algum.

Nós, que crucificamos a todos. Sem perdão. Nós que não nos importamos se o próximo está passando por dificuldades ou não. Nós que somos egoístas. Nós que só queremos falar. Nós que não sabemos ouvir.

Será realmente que não temos culpa em casos como esse?

Será que somos realmente tão inocentes?

Nós, que vamos ao estádio, xingamos, ofendemos, humilhamos quem está no gramado. Nós, que colaboramos com a destruição de tantos Enkes, semana pós semana. E não adianta tentar justificar o papo furado de que “…o jogador ganha milhões, viaja pra onde quer…”. A depressão não escolhe quem vai atingir. E nem todo jogador vive em uma bolha, como uns e outros.

Nós, que nos achamos tão inocentes. Nós, que somos tão negligentes.

Portanto, vamos tentar tirar algo de bom disso tudo. Vamos começar a prestar um pouco mais de atenção nas pessoas que nos cercam. Vamos tentar ouvir (mais), falar (menos) e tentar fazer a diferença (sempre) na vida de quem sofre com o mal do Século.

Que o grande Enke esteja batendo uma bola com sua querida Lara, em algum outro gramado. Descanse em paz, Enke. E obrigado por deixar uma mensagem tão forte para todos nós.

Robert Enke – 24/08/1977 – 10/11/2009

 

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