O GOL DA SAGRAÇÃO E O SORRISO DE JILÓ
por Marcelo Mendez
Marcelo Mendez (Foto: Fabiano Ibidi)
Ares de outono para um sábado de futebol de várzea:
Dia de paz, de sossego.
Pelo caminho cheiro de sol, de dia quente, de uma tarde bonita que chegou para alegrar os corações saudosos de dias claros. O jogo seria no campo do Nacional e eu fui direto do centro de Santo André para lá. Na chegada, no ponto de trólebus, uma senhora segurando o netinho pela mão me recebe.
Em meio à esperança que a linha 285 Ferrazópolis chegasse logo, ela encontrou um tempo para me sorrir, dar boa tarde, de me contar que estava ali havia não mais do que 10 minutos e que já, já viria nosso Trólebus. Veio.
Ela entrou, ficou com o neto pelo banco da frente e eu fui para parte de trás.
Sentei em um banco sozinho, coloquei os fones e, então, Johnny Shines começou a cantar um blues em meu ouvido; “The Blue Horizon”, nada mais pertinente.
Pela voz do bluesman vejo a vida passar em Santo André, vejo os ciclistas sazonais, as senhoras que rezam suas preces nas escadarias da igreja do Bonfim, moças da ginástica, os boêmios da cidade, os homens de fé do asfalto. A simplicidade que faz do sábado um dia de poesia plena.
Chegando para cobrir uma eliminatória da Copa Santo André entre Vila Alice x Unidos, munido de Blues nos ouvidos e desse sentimento de simplicidade, observo os homens da várzea e suas chuteiras coloridas em busca de um réquiem de sonho curto.
Alguma glória mínima que os redima de qualquer outra coisa que seja apenas comum. Quando o árbitro apita o inicio de uma peleja de futebol de várzea, começa a única chance que os envolvidos têm de se tornarem algo santo.
É a reserva lúdica necessária para tempos bicudos.
(Foto: Custodio Coimbra)
Em campo a partida era dura:
Disputada gota a gota de suor, os times que haviam empatado o primeiro jogo em 3×3 jogavam por uma vaga debaixo de um bom sol de 14h. A bola subia, descia, corria, saltitava e nada de muito promissor parecia acontecer naquele 0x0, até que o treinador do Unidos saca do banco seu trunfo:
Jiló…
FALHAMOS. DENTRO E FORA DE CAMPO
por Mateus Ribeiro
Sabemos que existem poucas verdades absolutas. Porém, uma delas não podemos contestar: o ser humano falhou miseravelmente durante seu processo de evolução.
No último final de semana tivemos mais algumas provas dessa máxima. O mais triste de tudo é que essas situações ocorreram durante partidas de futebol, que teoricamente deveriam garantir nossa diversão, mas ultimamente nos proporcionam mais medo do que qualquer outro tipo de emoção.
Começando pela tragédia que teve o pior desfecho, vamos até a Argentina. Não vamos nos aprofundar muito, até porque não somos apresentadores de jornal policial, é bom deixar claro.
(Foto: Reprodução)
Durante o clássico entre Belgrano e Talleres, um torcedor foi arremessado da arquibancada e faleceu. Foi jogado, como uma pedra, um copo descartável, ou um pedaço de papel. Tanto faz a “razão” pela qual o tumulto se iniciou. Tanto faz se o torcedor que já não está mais entre nós estivesse caçando o suposto assassino do seu irmão. A forma como tudo aconteceu entristece, choca, e mais uma vez, nos faz perder a fé na humanidade.
Algumas horas depois, durante o Domingo de Páscoa, que deveria ser um dia no mínimo tranquilo, tivemos um espetáculo repleto de barbaridade na França.
(Foto: Reprodução)
Antes da partida entre Bastia e Lyon, torcedores do time mandante começaram a provocar os atletas do Lyon que estavam aquecendo. Claro que ninguém tem sangue de barata, e alguns jogadores devolveram a provocação. Não foi a melhor atitude a ser tomada, ainda mais levando-se em consideração que existem torcedores de futebol que não são dotados de paciência e capacidade de raciocínio. O resultado? Confusão, e um grande número de vândalos invadiram o gramado para tentar agredir Depay e seus companheiros.
Depois de quase uma hora, a partida teve início. Uma grandiosa falta de responsabilidade por parte dos árbitros e de quem autorizou o início da partida, uma vez que a segurança não era garantida. Claro que as coisas poderiam ficar piores, e ficaram. Após o final do primeiro tempo, mais uma confusão, dessa vez envolvendo o goleiro titular. Após cenas horrorosas, o jogo foi suspenso. Menos mal que não houve nenhuma agressão mais pesada. Porém, o risco era gigantesco.
(Foto: Reprodução)
Vale lembrar que na última semana, o Lyon já havia passado por problemas em seu jogo contra o Besiktas. Situações deprimentes como as mencionadas viraram rotina. E existe quem ache legal torcedor brigar, jogador com discurso agressivo, e tudo que lembra a violência gratuita. Não precisa ser muito esperto para saber que isso está longe de ser aceitável, muito menos legal.
O mesmo torcedor que reclama que o futebol não tem emoção sente-se com medo de ir até o estádio e voltar com algum hematoma ou com algum trauma. Na verdade, o torcedor que realmente pensa em sua segurança fica na sua casa. E não importa se é torcida única, torcida mista, que seja. Selvagem existe em qualquer lugar. E a selvageria está sendo perdoada, e em alguns casos, exaltada.
Um ambiente que era para significar lazer e diversão passou a significar medo e apreensão. E isso não pode passar batido.
O que não pode passar batido também é o discurso de que tais cenas acontecem em países de terceiro mundo. Ledo engano. Imbecis e criminosos existem no mundo todo. Desde a Guiana Francesa até a Noruega.
Infelizmente, depois de um final de semana repleto de grandes partidas, o que chama a atenção são espetáculos tétricos protagonizados por imbecis que se perderam na Idade da Pedra.
A esperança é a única solução. Esperança em dias melhores e leis mais rígidas. Enquanto isso não acontece, nos resta assistir jogos no sofá com a garantia de que terminaremos o jogo com vida.
NÃO SE SERVE MISTO FRIO EM RESTAURANTE CINCO ESTRELAS
por Zé Roberto Padilha
(Foto: Reprodução)
Pobre do torcedor do Botafogo, foi o ultimo freguês deste cardápio insosso que tem sido servido ultimamente pelos clubes que ascenderam a Copa Libertadores: misto frio. No lugar de serem premiados com pratos renomados que aqueçam suas paixões, são punidos com sandubas frios e improvisados, como a frágil equipe escalada ontem para enfrentar o Vasco na decisão da Taça Rio. A fome de títulos da gloriosa estrela da casa Nilton Santos não pode ser alimentada com uma salada de batatas em que você coloca uma pitada de Bruno Silva e acha que ela alcançará o sabor da vitória. No mínimo, há de ser preservada o fino paladar sempre servido em campo ao longo da sua gloriosa história.
O desrespeito maior é subestimar o entrosamento. Para isto existe uma pré temporada, onde vários ingredientes são colocados à disposição do mestre cuca Jair Ventura. Vegetais das divisões de base, Pimpões de safras passadas e carnes frescas do mercado são colocadas à disposição para que ele encontre uma consistente textura. E agrade a massa. Mesmo com alguns desfalques, que seu molho chegue ao ponto até o Campeonato Brasileiro e cause indigestão nos adversários. Não no Guilherme, meu filho, que divide sua paixão alvinegra com o Real Madrid e foi ontem literalmente desrespeitado. Mal servido por um time desentrosado e mal escalado quando disputava não uma pelada, mas uma importante taça. Quem disse, afinal, que o título carioca é de menor importância diante dos outros?
(Foto: Reprodução)
Mesmo porque a Colômbia é logo ali, não justifica ser erguida uma faixa de gaza entre titulares e reservas. Ela já foi distante no tempo do Manga, do Rogério e do Rildo, em que o quadrimotor da Varig levava cinco horas de viagem. Agora não, pela metade do tempo e o dobro do conforto nossos jogadores são transportados. É possível, como sempre foi, jogar no domingo, viajar na segunda, descansar na terça e enfrentar os adversários na quarta. O torcedor sabia de cor seu time titular, que quanto mais jogava, mais se entrosava. E reserva sempre foi reserva, vai ficar de molho até encorpar o sabor, ganhar sustância para depois merecer fazer parte da iguaria que teve Garrincha. Ser figurinha cobiçada em um álbum que tinha também Gérson, Roberto e Jairzinho.
(Foto: Reprodução)
Passo na banca e leio há pouco: Taça Fabulosa. Poderia até ser o prato principal no cardápio esportivo de hoje, o Vasco não tem culpa de nada, escalou quem tinha de melhor e venceu com todos os méritos. A indigestão fica para quem, como meu filho, aprendeu a frequentar um restaurante cinco estrelas e, em plena páscoa, lhe servem um misto frio em um prato morno numa tarde fria de domingo. Que vai precisar logo da quarta para ser digerida e esquecida.
GERALDO, UM RENASCENTISTA DO FUTEBOL
por André Felipe de Lima
Oswaldo Brandão, então treinador da Seleção Brasileira em 1976, dizia com todas as letras: “É o jogador mais técnico do Brasil”. Ele se referia a Geraldo Cleofas Dias Alves ou simplesmente Geraldo “Assoviador”, que nasceu no dia 16 de abril de 1954, na mineira Barão de Cocais.
Nesta Páscoa recordamos de Geraldo, um grande jogador do Flamengo que, lamentavelmente, partiu muito novo. Há quem garanta ter sido ele, que foi da mesma geração de Zico, tecnicamente superior ao Galinho de Quintino. Embora vestisse a camisa 8, a 10 do Flamengo poderia ter sido dele caso não morresse com apenas 22 anos, no dia 26 de agosto de 1976, após sofrer um choque anafilático durante uma simples e totalmente desnecessária cirurgia para retirada das amídalas na clínica Rio-Cor, na rua Farme de Amoedo, em Ipanema. Muitos do Flamengo recomendavam a cirurgia porque ela supostamente aceleraria a recuperação em contusões.
Se não operasse, reforçaria a injusta fama de indisciplinado. Esse era o temor de Geraldo, que foi à clínica acompanhado do inseparável amigo Serginho, enfermeiro do Flamengo. Antes de entrarem no hospital, pararam na Igreja de Nossa Senhora da Paz, também em Ipanema. Rezaram e chegaram à clínica. No quarto, preparando-se para a cirurgia, rezaram novamente, juntos. “Ele me falou que só iria operar porque, se não, seria chamado de indisciplinado mais uma vez. Mas estava com muito medo e não escondia. Ele queria que eu ficasse a seu lado sempre. Chegou a brincar, pedindo que eu amarrasse seus pés, porque ‘poderia dar uma louca e sair correndo’. Eu vi quando chegou à Gávea, magrinho, cheio de ziquizira, alto e feio. Fui o último amigo a vê-lo vivo.”
No dia em que Assoviador morreu, Zico comentou que Geraldo tinha pavor de operações, mas que jamais o considerou indisciplinado e, sim, um cara com a opinião formada e um pouco “genioso”. “Como quase todos os craques”, descreveu-o Zico.
Ver Geraldo jogar era um prazer inenarrável. Fazia ele de uma partida de futebol uma galeria de arte, com jogadas cerebrais e de uma plasticidade incomum. Geraldo foi um renascentista do futebol, mas o destino cometeu um assalto contra os fãs do bom futebol ao sequestrar, sem chance de resgate, o nosso Geraldo “Assoviador”.
“Eu mesmo quero passar a camisa do meu filho. A camisa preta. Aquela que ele mais gostava. Aparecida, veja lá no guarda-roupa uma gravata escura. Pode ser a azul-marinho. O conjunto, aquele que veio do tintureiro. Calça preta e paletó quadriculado. Como é que pode? Sabe, eu não acredito que isto tudo é verdade. Que coisa impressionante que é a morte. Parece que eu ainda estou vendo ele saindo do Grupo Escolar Cel. Câncio de Albuquerque e pedindo para eu comprar uma bola. Isto foi lá em Barão de Cocais, nossa cidade. Que coisa impressionante é a morte. O que fizeram com meu filho não tem explicação. Aparecida, a camisa. O ferro já está quente”. Foi assim, num misto de incredulidade e resignação, que o pai de Geraldo, seu Oswaldo, preparava o corpo do filho para a derradeira e dolorosa despedida.
Brandão estava certo. Geraldo estava prestes a se tornar o melhor jogador do Brasil. Ao cronista Sérgio Noronha ressaltou: “Ele é um menino que tem muito o que aprender em matéria de disciplina tática, mas carrega um potencial de craque, e por isso vou insistir com ele na Seleção Brasileira”. Infelizmente, não deu tempo.
Mas Geraldo, além do grande futebol, foi um camarada alegre. Irradiava felicidade e bom humor por onde passava. Essa imagem foi a que ficou. Geraldo foi um ídolo fugaz, porém eterno.
Claudio Carsughi
A HISTÓRIA CONTADA POR QUEM A ESCREVEU
texto e entrevista: Mateus Ribeiro | vídeo: Vini Lima | edição de vídeo: Daniel Planel
Claudio Carsughi é uma lenda viva. Uma das minhas primeiras e maiores influências. Uma enciclopédia. Uma montanha de conhecimentos. E o melhor dessa entrevista foi perceber que além de tudo, Carsughi é um ser humano dotado de muita simplicidade, humildade e bom humor.
Mateus Ribeiro, Claudio Carsughi e Vini Lima
Aproveitem essa aula que o grandioso ícone da crônica esportiva nos concedeu. Agradeço imensamente sua filha Claudia, que possibilitou o encontro, e ao irmão Vini Lima pelo suporte.