MANÉ E JOÃO, TANTAS HISTÓRIAS PARA CONTAR
por Victor Kingma
Charge: Eklisleno Ximenes.
Entre tantas e justas homenagens pelo centenário do mestre João Saldanha, essa história lembra o seu lado irreverente e a malandragem futebolística, uma de suas marcas registradas. É uma de tantas passagens que tiveram como personagens Saldanha e um dos maiores gênios da bola.
No final dos anos 50, Garrincha estava no auge da carreira e era presença obrigatória em todos os jogos do Botafogo. Sem ele a cota reduziria pela metade.
Pois certa vez, num desses amistosos no interior, Saldanha, então técnico do time, era só preocupação. O motivo dos temores do bravo João era a fama de violento do lateral que marcaria Mané. Atendia pelo sugestivo apelido de Pezão e, diziam, era daqueles que davam pontapé até na própria sombra.
Ciente de que precisava fazer algo para preservar as valiosas canelas de seu craque, Saldanha mandou, então, um mensageiro procurar o truculento zagueiro com um recado:
– O homem está a fim de te levar para uns testes no Botafogo. O problema é que você é muito violento e seu João prefere jogador clássico, que só joga na bola, como Nilton Santos. Não vá desperdiçar a sua grande chance.
A estratégia deu resultado. Final do jogo: Botafogo 5 x 0, com três gols de Mané Garrincha, um deles passando a bola por entre as pernasdo “refinado” Pezão, que vivia repetindo nos botequins por onde passava:
– Qualquer dia desses, seu João vai me chamar… Seu João vai me chamar…
Jesus chamou primeiro.
ACERTANDO OS PONTEIROS
por João Saldanha
A preocupação maior do futebol brasileiro no momento é a de atacar pelas pontas. Como se estes elementos essenciais, imprescindíveis do futebol nunca tivessem sido necessários.
Sim, incrivelmente houve quem julgasse assim. Mas se isso fosse uma verdade, o campo não teria as medidas mínimas de largura que são de 45 metros, mas que nas competições de primeira categoria são as da Copa do Mundo: um campo de 105 metros e fração por 68 de largura. Para que essa preocupação? Ora, um campo congestionado, estreito faz um jogo feio, desagradável, e ninguém vai ver.
Pois, incrível que pareça, andamos jogando sem pontas, sem utilizar todo o campo. Então, bastaria uma rua. Os campos de jogo poderiam ser como as piscinas, que só precisariam ser mais compridas. Claro, para que mais largo? Para que gastar tanto terreno que está aliás caríssimo, se não é utilizado? Pois este jogo era o que estávamos fazendo em termos de seleção e, como cópia, em quase todos os clubes. Lembram da seleção de 1974? Os pontas eram o Valdomiro e o Dirceu, bem recuados. Mesmo em 58, a ideia inicial era a de fazer o ataque com Joel e Zagalo, em detrimento de Garrincha e Pepe ou Canhoteiro. O acaso fez com que descobríssemos o caminho da mina. Garrincha entrou e, todo torto, endireitou o jogo.
Mas quem descobriu isto? Como entramos neste jogo que contrariava tudo? A resposta é simples, muito simples: puro espírito de imitação. Os técnicos da Escola de Educação Física viram os ingleses fazendo o 4-4-2 e instalaram a tática no Brasil. Não eram mais necessários os pontas. Então, abaixo os pontas? Bolas, os ingleses faziam isso, mas com seu alto estilo de futebol-escola e com um profundo sentido de deslocamentos. Mas a verdade é que o futebol de Stanley Mathews e de Finney, dois fabulosos ponteiros bem abertos, perdeu o lugar para o de Ball e Peters. Claro que, com os deslocamentos dos dois ponta-de-lança (Hunt e Hurst) e a entrada rápida de Bob Charlton, vindo de trás. Faziam isso para burlar a severa marcação por homem e líbero, do resto da Europa. Mas sempre foram surpreendidos por nós, mesmo quando não andávamos bem. Nosso jogo não estava no livro da League, então não podia ser! E pegamos eles de calça curta em Viñadel Mar, apesar de jogarem com calções compridos.
Nossos teóricos alegaram que vencíamos porque Zagalo atraía um inglês para nosso campo e ficava um buracão na defesa. Bem, (1) Zagalo não era positivamente a Lollobrigida (na época era a maior) para o inglês ir atrás; (2) Vavá fazia de ponta e (3) Garrincha esburacava e estraçalhava tudo pela extrema-direita.
Em 70, tínhamos Jair bem avançado e a correspondência de Tostão fazendo o ponta para Rivelino poder entrar pelo meio, onde estava Pelé.
Em 1974 foi ridículo e 78 é fresca memória: não levamos ponteis. A Argentina tinha dois: Bertoni e Ortiz ou Houseman. Pôde fazer muitos gols quando foi necessário atacar com todo o vigor, como nos jogos com Polônia e Peru.
A razão histórica desse jogo defensivo está nos regulamentos. Na Inglaterra trata-se de não perder fora de casa e ganhar no próprio campo. “Safetyfirst” (primeiro ficar são e salvo), depois, se pintar uma boa, tudo bem – um ataquezinho.
Entramos pelo cano. Nós e eles. Não apareceram nas duas ultimas Copas, e nós entramos mas não para perder, “safetyfirst”.
Em inglês diria William Shakespeare: “The cowisalreadygoingtosmud”. Em português é menos esnobe e a tradução literária nos diz: a vaca já está indo para o brejo.
Mas acordo feliz e esperançoso. Escutei no rádio e li no jornal que o treinador da seleção nacional está no firme propósito de atacar pelas pontas. O que significa atacar. Muito bem, muito bem, palmas. Deixamos de lado os ensinamentos de um livro obsoleto e a imitação cheia de mofo de nossa Escola, que necessita urgentemente rever seu currículo.
Também inventaram o cabeça-de-área como salvação e para permitir o avanço dos laterais que fariam os pontas. Estavam, e alguns ainda estão, a caminho do sanatório. O macaco deixou de namorar a girafa por causa de distâncias a percorrer. Estes coitados também são obrigados a abandonar sua intenção tática. E o cabeça-de-área é menos perigoso porque surgiu em 1930 com os uruguaios. Mas a origem era inglesa e, também em 1934, com os italianos. Os italianos caíram fora da velhice da tática. Os uruguaios ainda jogam com o cabeça-de-área. Já se sabe o resultado. Mas este é um problema fácil de resolver. A tática é muito velha. Basta um empurrãozinho que a velhinha se desmancha. O reconhecimento de que o caminho estava errado é o primeiro passo para descobrir o caminho certo. Nossa música é diferente da alemã, holandesa ou inglesa. Temos que tocá-la. Talvez os Beatles tenham nos influenciado em demasia.
Texto publicado originalmente na Revista Placar em março de 1979.
TORQUATO NETO, ADILSON CEVÔ E A FÁBULA DO GOL PERDIDO
por Marcelo Mendez
Torquato Neto
Domingo frio na minha ida para várzea. Uma manhã diferente.
Sob o espesso céu cinza e gelado do Parque Novo Oratório, caminhava eu rumo ao ponto do trólebus munido de fones e um som do John Lurie nos ouvidos. No bolso, um livro de crônicas do Torquato Neto e ouvindo “Chaucer Street” enquanto meu ônibus não vinha, comecei a reler Torquato Neto pela milésima vez.
Torquato…
Foi tudo na vida; jornalista, poeta, cronista, compositor, visionário e louco. No meio disso tudo ainda encontrou tempo para ser genial. Entre as suas ótimas provocações, uma me veio à mente enquanto pensava no jogo entre D.E.R x Comercial que eu cobriria pela Copa Uniligas. Disse Torquato, certa vez:
– Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela (…). Quem não se arrisca não pode berrar.
Já disse algumas vezes que o papel do cronista é nada menos do que o risco. A possibilidade de sair de casa e ver a Ilíada de Homero, e sair de casa e ver também o nada. Seja como for, vendo um ou outro, a crônica terá que sair, a história deverá ser contada, porque ela está aí, justamente aí onde o Torquato sugeriu:
Na necessidade de recriar as dificuldades. De não ter medo. De ter direito assegurado ao berro. Na várzea isso não falta, as histórias pipocam aos borbotões. Domingo ultimo, por mais que o contrário insistisse em prevalecer, a história se fez presente de maneira deliciosamente inesperada.
Vejamos então o jogo:
Era de uma pobreza técnica absurda e ululante!
Os times, tomados pelo frio Siberiano que fazia no campo do bairro Alves Dias em São Bernardo, nada queriam com o encanto, nem de longe estavam preocupados com a imortalidade que a várzea pode dar, tampouco corriam com aquela fúria do esfomeado ante uma coxa de frango, com os desejos de fome de um menino virgem apaixonado diante das imortais pernas de Angela Muniz em pornochanchadas insuspeitas, não!
Não!
Eles queriam apenas o óbvio.
Dentro da obviedade burocrática reinante, apenas empatavam em um 1×1 chocho. Nada demais acontecia. O Comercial de Ribeirão Pires, mais humilde, mais comportado, recuava suas linhas enquanto o D.E.R de São Bernardo, recheado de contratações com que há do melhor da várzea local, atacava, pressionava. No segundo tempo, com a força da entrada de seus reforços conseguiu a virada, primeiro com Max, segundo com Adilson Cevô, o craque. Recheado de todas as bolas do mundo Cevô seguia a risca o tratado burocrático e óbvio daquele domingo. Jogava e se consagraria decerto. Isso se não fosse a várzea.
Eis que vem a bola do fundo e Cevô está sozinho, de frente com o gol. Um metro de distância entre ele e as redes. Era empurrar, meter o quarto gol e se consagrar. No entanto, nesse momento, veio o berro do Torquato, veio a crônica, veio ela para o cronista que correu o risco…
Cevô, o craque, debaixo do gol, mete o pé na bola e joga ela às nuvens!
(Foto: Custodio Coimbra)
Sim! Foi um gol perdido de maneira vergonhosamente linda! Uma típica barbeiragem e nos pés do craque. Perdeu!
Foi um momento épico no estádio. O técnico de queixo caído, o vendedor de amendoim estático, o torcedor incrédulo, o mesário estupefato, as beatas de São Bernardo em choque; Ele perdeu! Grosseiramente, Cevô perdeu um gol feito, tal qual o maior dos grossos. Como perna de pau que não é Cevô perdeu um gol, mas salvou a crônica do domingo. Obrigado, Cevô!
Eu e Torquato Neto o louvamos por isso…
CENTENÁRIO DE JOÃO SALDANHA GANHA LIVRO COM SUAS 100 MELHORES CRÔNICAS COMENTADAS
Nesta segunda-feira, às 19h, a Editora LivrosdeFutebol, em parceria com a Vértice Marketing, lança o livro As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha, no restaurante Nanquim, do Jardim Botânico. O evento, aberto ao público, será antecedido por um debate sobre a personalidade e o pensamento de João Saldanha com participação dos jornalistas esportivos Marcio Guedes e Lucio de Castro. O jornalista Eraldo Leite, da Rádio Globo e presidente da ACERJ – Associação de Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro será o mestre-de-cerimonias e âncora do debate.
As crônicas foram selecionadas pelo historiador do futebol brasileiro Alexandre Mesquita após a leitura de todo o acervo disponível sobre João Saldanha entre 1960 e 1990, do jornal Última Hora, passando pelo O Globo, Placar, até o Jornal do Brasil. De fora apenas o período de 1966 até 1970, reunidas por Raul Milliet Filho no livro Vida que segue (Nova Fronteira), um dos mais brilhantes resgates do trabalho do João. Elas foram organizadas pelo editor Cesar Oliveira e comentadas (para situá-las na linha do tempo) por Alexandre Mesquita e Cesar Oliveira, que convidaram Marcelo Guimarães (ex-diretor de Marketing do Botafogo) para dividir com eles a responsabilidade dos comentários.
As 248 páginas de “As 100 melhores crônicas comentadas de João Saldanha” estão divididas em quatro capítulos com temas centrais: Futebol, Seleção Brasileira, Botafogo e a Zona do Agrião – termo criado pelo jornalista em referência à grande área dos gramados –, que trata de assuntos gerais. Dois prefácios enriquecem a obra: de Juca Kfouri e do craque Tostão. Um posfácio, do professor e ensaísta Ivan Cavalcanti Proença, analisa a maneira especial com que João escrevia.
O lançamento é o primeiro ato do projeto “João Saldanha: cem anos, sem medo”. Na terça-feira, dia 4 de julho, na Associação Brasileira de Imprensa, será realizado um dia de debates e palestras sobre João, numa parceria do prof. Victor Andrade de Melo e da ACERJ – Associação de Cronistas Esportivos.
Já no sábado, 8 de julho, acontece uma roda de samba em homenagem ao portelense João Saldanha, a partir das 12 horas, na Livraria Folha Seca (Rua do Ouvidor, 37), comandada pelo sambista Rodrigo Carvalho e grupo Manga Rosa. Presença de ex-jogadores do Botafogo, jornalistas esportivos, e das pessoas envolvidas na produção do livro. Haverá vendas de livros e autógrafos.
Em agosto, Saldanha será lembrado num evento comemorativo no auditório do Museu do Futebol, em São Paulo, durante a reunião mensal do Memofut – Grupo de Literatura e Memória do Futebol, também com debates e lançamento do livro.
Apoiadores
Trem do Corcovado, BKR – Lopes Machado Auditores, Associação Brasileira de Imprensa, ACERJ — Associação de Cronistas Esportivos do RJ, Approach Comunicação, Museu da Pelada, WTT – Transportes e Turismo.
SERVIÇO
LANÇAMENTO DO LIVRO
Data: 03/07 (segunda)
Horários: 19h
Local: R. Jardim Botânico, 644 – Jardim Botânico, Rio de Janeiro
Credenciamento: credenciamento@approach.com.br
Informações: www.facebook.com/joaosaldanha100
DEBATE SOBRE A CRÔNICA ESPORTIVA E JOÃO SALDANHA
Data: 04/07 (terça)
Horários: das 9 às 18 horas, com intervalo de almoço
Local: ABI – Associação Brasileira de Imprensa, Rua Araújo Porto Alegre, 71 – Centro, Rio de Janeiro
Convidados: Eraldo Leite (âncora), Prof. Ivan Cavalcanti Proença, e os jornalistas José Rezende, Marcio Guedes, Lucio de Castro e Ricardo Gonzalez.
Serviço – As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha
“As 100 melhores crônicas – comentadas – de João Saldanha”. Pesquisa e seleção de crônicas: Alexandre Mesquita; Organização: Cesar Oliveira; Comentários: Alexandre Mesquita, Cesar Oliveira e Marcelo Guimarães. Formato 15,5x23cm, 248pág., R$50. Distribuição: Mauad -X. Versão e-book: Digitaliza Brasil.
SORRIR É O MELHOR REMÉDIO
texto: Marcos Vinicius Cabral | foto e vídeo: Guillermo Planel | edição de vídeo: Daniel Planel
– Alô, é da casa do País? – perguntei com receio de ter ligado para o número errado.
– Sim, é da casa dele. Quem está falando? – perguntou uma voz feminina.
– Aqui é o Marcos Vinicius, do Museu da Pelada.
– Oi Marquinhos, vou chamá-lo, mas ele está muito triste. Um instante – disse dona Maria Lúcia, sua esposa, sem dar tempo de perguntar o motivo da tristeza.
– Oi amigo, é amanhã que a gente vai pegar minhas fotos? – me indagou uma voz aveludada.
– Isso mesmo, estou ligando para avisá-lo que amanhã às 14h, irei te pegar com a equipe do Museu da Pelada, para irmos no Largo do Machado buscar seu álbum digitalizado, como prometido.
– Amanhã te espero e obrigado pelo que estão fazendo comigo! – exclamou sem saber o real motivo da nossa ida à cidade maravilhosa.
– Ok querido, “tamu junto”! – me despedi respeitando sua tristeza.
Na manhã seguinte, na sexta-feira (16), ao ir trabalhar, fiquei imaginando quais motivos deixariam o grande goleiro País tão para baixo a ponto de não mostrar a mesma alegria que nos recebera, no início do mês, quando estivemos em sua casa, fazendo uma entrevista com ele.
Diferentemente daquele dia, percebi que algo estranho estava presente por trás dos minúsculos óculos, que escondiam a tristeza em seu olhar.
Parei o carro em frente ao número 4.497, na rua Marajó, no Boa Vista, liguei o pisca alerta do veículo e fui tocar a campainha de sua casa.
Ao abrir o portão, dona Maria Lúcia, sua esposa há 43 anos, me disse para ter um pouquinho de paciência com ele, pois estava muito emocionado com a partida do Bil, com quem conviveram por 12 maravilhosos anos, desfrutando da mais sincera lealdade numa amizade.
– Marquinhos, o Bil morreu ontem e estamos arrasados – disse com lágrimas nos olhos.
Dei um abraço nela e tentei passar uma energia boa com a perda, mesmo ainda sem saber quem era o Bil.
Antes de entrar no carro, cheguei o banco do carona para trás – por ter quase dois metros de altura – imaginei que seus joelhos ficariam encostados no painel e isso lhe causaria um incômodo desnecessário.
Ao entrar no carro, recebi do País um abraço tão apertado, que com a emoção destinada naquela ação, conseguiu destravar o cinto de segurança que havia colocado ao me sentar para dirigir.
Demos tchau em um ato ensaiado, e pegamos a BR-101, sentido Rio de Janeiro.
Liguei o rádio na 97,5 (Melodia) e coloquei bem baixinho esperando pelo ex-arqueiro do América-RJ puxar assunto, já que sempre limpava os óculos que estavam embaçado pelo choro incontido, pela lembrança do Bil.
Fomos até a subida da ponte, sem trocar uma palavra.
O sentimento era de um silêncio fúnebre, enlutado pela tamanha perda.
Ao chegar no vão central da Ponte Presidente Costa e Silva, popularmente conhecida como Ponte Rio-Niterói, liguei para o cinegrafista Guillermo Planel, que estaria já nos esperando com o (suposto) álbum digitalizado.
Entre gaivotas dando rasantes e alternando belos mergulhos, naquele magnífico céu azul com sol refletindo nas águas da Baía de Guanabara e reluzindo nos vidros dos carros a nossa volta, País observava com olhos marejados e atentos, tipo criança quando vai a algum lugar pela primeira vez.
Depois de quase 20 minutos sem trocar uma palavra sequer, nossa parada técnica – termo usado para designar uma pausa nas partidas de futebol e também hidratar os atletas – foi com um comentário que hidratou a partir de então, nossa conversa.
– Sabe de uma coisa, Marquinhos? Certos animais não deveriam morrer nunca. E o meu cachorro era um deles – desabafou o goleiro, que iniciou a carreira profissionalmente em 1971 e assumiu a camisa número 1 do Mequinha em 1974.
Concordei, balançando a cabeça positivamente e tentando estancar aquela dor, que era igual a de 1977, quando o presidente do América-RJ, senhor Wilson Freire Carvalhal, se negou a vendê-lo para o Atlético de Madrid, após uma atuação épica na vitória por 1 a 0, dentro do Vicente Calderón (na época, chamado de Manzanares), no torneio Teresa Herrera.
– Hoje eu vivo com uma aposentadoria que dá para sobreviver mas se eu fosse vendido para fora, estaria em melhor situação – confidenciou.
Contudo, se no final da década de 70, a chance de fazer a independência financeira não se concretizou, restou como consolo ser um dos melhores goleiros do Brasil, sendo inclusive, posteriormente, convocado por Cláudio Coutinho para a seleção brasileira que iniciava a preparação para a Copa do Mundo na Argentina, em 1978.
Mas se nossa conversa se restringiu a fatos tristes, chegando no Largo do Machado, uma surpresa o esperava.
Sem revelar a verdade – pois ele acreditava que iria buscar o material dele com fotos, recortes de jornais e revistas todo digitalizado – ele estava sendo aguardado pelos ídolos rubro-negros e seus companheiros no Fla-Master, Adílio e Júlio César Urigeller, no consultório do nosso querido Dr. Lulinha, para iniciar seu tratamento dentário.
Portanto, chegando lá, foi recebido com todo carinho e voltou a mostrar para os que o conhecem, o sorriso, que ao lado de sua generosidade, são duas marcas características do grande ser humano que é. Sua dor deu lugar a um respiro, ainda que fraquinho, de alegria pela surpresa e esse respiro ínfimo me encheu da mais pura alegria, ao ver novamente o sorriso bonito do nosso número 1.