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DINHEIRO E OBA-OBA NÃO ESCREVEM A HISTÓRIA

por Mateus Ribeiro


Em mais uma noite terrível para clubes brasileiros, Palmeiras e Atlético Mineiro foram eliminados da Copa Libertadores da América. O alviverde caiu para o modesto Barcelona de Guayaquil nas penalidades máximas, enquanto o Galo de Minas apenas empatou com o mais modesto ainda Jorge Wilstermann.

Os dois clubes se juntaram ao Flamengo como os brasileiros eliminados (dentro do campo, já que a Chapecoense foi excluída do torneio por outros motivos). Curiosamente, no início do ano, os três figuravam como os melhores elencos do Brasil, pelo menos na boca da imprensa esportiva “especializada” e de alguns torcedores mais exaltados.

Quem acompanha futebol sabe que essa história de melhor time, melhor elenco, geralmente é o Selo da zica, que faz com que os times assim nomeados não alcancem nem metade do que foi projetado. Exemplos temos de monte, e em todas as proporções: os galácticos do Real Madrid, o time da MSI, a seleção de 2006, o “melhor ataque do mundo” e o próprio Internacional de Porto Alegre nos últimos anos.

A receita é basicamente a mesma: trazer jogadores que estão sem mercado na Europa a preço de ouro, inflacionar o mercado, encher as redes sociais de propaganda e vídeos mostrando todo o suposto poderio do elenco, lançar dezenas de campanhas, e dar entrevistas falando sobre as finanças do clube. Do lado da imprensa, o papel é projetar sucesso, fazer um carnaval em cima de qualquer pereba que o clube contrata por um valor exorbitante, palpitar sobre as possíveis escalações do time e repetir a frase “time x tem um dos melhores elencos do Brasil” quantas vezes puder. Sem medo de repetir, para entupir a grade de programação, sem pudor algum mesmo. Resultado: um número gigantesco de torcedores mais desinformados que compram essa ideia, e invariavelmente se decepcionam.

Com Palmeiras e Atlético Mineiro as coisas não foram diferentes. E, analisando friamente, a chance de acontecer algo longe das expectativas era real.

Falando sobre o Palmeiras, o campeão brasileiro de 2016 resolveu continuar tentando gastar o dinheiro da Crefisa de qualquer forma. Despejou um caminhão de dinheiro em Borja, o símbolo do fracasso. Alguns podem dizer que ele foi bem nas fases finais da Libertadores passada, e que cansou de fazer gols no futebol C O L O M B I A N O. Está certo que realmente ele foi bem no torneio continental. Mas, sejamos honestos, é inadmissível pagar uma quantia pornográfica por um jogador que tem um ano bom no futebol, e que em seis anos de carreira já rodou o planeta. Estava escrito que provavelmente não iria atingir o nível que se esperava dele. Pior, até o momento, é um mico gigantesco.

Mas não para por aí. O tal Felipe Melo chegou como se fosse o Falcão do Século XXI. Falou muito, jogou pouco, teve imprensa e torcida passando pano para suas atitudes estúpidas, fez mal para o grupo (óbvio) e foi dispensado. De resto, um elenco inchado e com nomes do calibre de Keno, Tchê Tchê, Egídio, Bruno Henrique, Edu Dracena, e tantos outros não pode ser considerado imbatível. Ainda mais se tal elenco for comandado por um treinador que acredita que uma calça pode dar sorte ao time. Para o Palmeiras, resta uma reflexão profunda sobre o ano de 2017 (e sobre o papel dos tais diretores de futebol).


O Atlético Mineiro não tinha tanto holofote, mas também era bem cotado. O que não consegui entender desde o início foi porque um elenco envelhecido, recheado de jogadores que saíram da fase boa há tempos era tão louvado. Para completar o pacote, contrataram aquele que seja talvez o jogador mais acomodado e supervalorizado do Brasil, Elias.

Não bastasse todos esses fatores, o tão falado planejamento foi por água abaixo quando demitiram o, até meses atrás, aclamado e intocável Roger Machado. A solução encontrada foi trazer um treinador cuja glória máxima foi vencer as Olimpíadas. Está certo que era um título inédito. Porém, não é justificável a expectativa exacerbada em cima de alguém que comandou um time vencedor de um torneio de nível técnico baixíssimo, aos trancos e barrancos, onde a única seleção que realmente se importou e levou jogadores de renome foi a brasileira. Desde o começo, estava na cara que Micalle não seria o salvado da Pátria. Não foi, e o Atlético continua sua trilha de ser favorito em todos os campeonatos que disputa, e terminar apenas com o estadual (isso quando termina com algo).


Sobre o Flamengo, ainda disputam a Copa Sul-Americana, com chances de ir mais longe. Porém, isso é muito pouco. Está longe das expectativas criadas. Tão longe quanto o time está de passar o carro nos adversários do Campeonato Brasileiro, como muitos entendidos cravaram no início do ano.

Pode se dizer que o Flamengo tem um time até bacana do meio pra frente. Mas nada de outro planeta, analisando friamente. Aí entro em outro mérito: um dos principais itens de uma equipe de sucesso é o equilíbrio. E aí não adianta você ter um meio campo e um ataque razoáveis quando seu sistema defensivo é catastrófico. Somado a tudo isso, uma torcida que se iludiu e caiu no conto de jornalistas que pouco se importam com as bobagens que falam no início da temporada, e só querem ver o circo pegar fogo. Resultado: time escalado pela vontade de terceiros e o pobre Zé Ricardo pagando o pato.

Tenho quase certeza que pouco disso será falado. Talvez até comentem sobre essa importância demasiada que dão para o dinheiro sendo gasto apenas e simplesmente por gastar. Mas nunca falarão o suficiente. Nunca se falará o suficiente do oba oba também.

Continuaremos a ver programas esportivos desenhando um sucesso imenso para clubes que torram milhões em jogadores e em propaganda. Continuaremos a ver torcedor que não se importa com o valor absoluto (muito menos com o relativo) de certas contratações. Continuaremos a ver diretor de futebol sendo chamado de herói. Continuaremos a ver presidente sendo tratado como rei porque, TEORICAMENTE, cumpre a obrigação de cuidar bem das finanças do clube.

Eu entendo o fato de torcedor se iludir. eu mesmo já até acreditei que Pato e Ganso fossem jogadores de futebol de nível profissional. Digo mais, acreditei que pudessem ter um futuro. O que não dá pra engolir é esse número gigantesco de profissionais (muitos deles de competência duvidosa) da imprensa, que ganham muito dinheiro para palpitar e iludir torcedores. Pior ainda, sabendo que estão falando borracha desde o início do ano e que correm o risco enorme de passar vergonha.

Que eles deixem de passar vergonha. E que o torcedor deixe de se iludir.

TOCO Y ME VOY

por Mateus Ribeiro


Reinaldo Rueda

No último domingo, o Flamengo foi derrotado pelo Vitória, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro. A derrota inesperada culminou na demissão do treinador Zé Ricardo.

Nada de anormal, uma vez que tal prática é uma certeza no caso de uma campanha que não satisfaça aos anseios da torcida. Some a essa já insuportável pressão todo o carnaval que a imprensa fez em cima do jovem treinador. Pronto, a bomba está feita, e o “Fora, Zé ricardo” foi atendido.

Menos de 48 horas depois do anúncio, nem esperaram o presunto esfriar, e nomes começaram a pipocar pelos programas esportivos, e pelas redes sociais. Dentre os nomes, me deparei com o nome de Reinaldo Rueda.

Além das costumeiras especulações, algo me chamou a atenção: a loucura da torcida no Twitter e no Facebook , com direito até a criação de hashtags.

Reconheço que o trabalho dele ano passado rendeu bons frutos, coisa e tal. Mas não é por isso que consigo acreditar que estão colocando o treinador em um pedestal que não é de seu merecimento. Venhamos e convenhamos, fora o título do ano passado na Libertadores, não restam muitas glórias em sua carreira. Talvez o fato de ter classificado a Seleção de Honduras para a Copa 2014. Enfim, na minha modesta opinião, um time do tamanho do Flamengo merece um treinador com muito mais casca , e menos holofotes, de preferência.

Ainda falando de Rueda, ouvi de um comentarista (que graças a Zeus já esqueci o nome) que PARTE da torcida rubro negra DESEJA um treinador estrangeiro. E aí chego no ponto que queria: o fato de que muitos torcedores brasileiros enxergam uma competência fora do comum pelo simples fato de um jogador ou treinador falar espanhol.


Defederico

O caso clássico, que todos amam falar, é o do argentino Defederico no Corinthians. Chamado por alguns mais alucinados de “Novo Messi” (realmente, era o novo Messi e só o Corinthians prestou atenção em seu futebol), chegou com toda a pompa possível no Alvinegro de Parque São Jorge. Claro que um jogador contratado por um DVD não tinha a mínima chance de dar certo. Não deu. Mesmo com muita gente insistindo por chances e mais chances. As chances vieram, o resultado não. E parte da torcida queria ver essa enganação em campo. O motivo? Acredite, muita gente imaginava que esse sem sangue tivesse a raça e a gana de alguns jogadores argentinos. Erraram feio, e o bibelô de alguns desavisados deve perambular por algum clube sem expressão.

Isso sintetiza esse fenômeno que há um bom tempo vem tomando conta do Brasil. Se fulano “hablou”, é craque. Ou um bom jogador. Dane-se a sua real qualidade, é argentino, uruguaio, ou chileno, traga pra cá que dá resultado. E numa dessas, o Brasil virou um belíssimo de um refúgio pra muito jogador que nunca sairia do continente, e ganha salário de nível europeu atuando na América (isso quando jogam).


Outro caso que merecia um pouco de reflexão é o de Juan Carlos Osório, com curta passagem pelo São Paulo. Após um bom ano dirigindo o Nacional de Medellín, Osório chegou ao São Paulo com fama de fazer o time jogar bonito. Bom, alguns torcedores ficaram iludidos e de queixo caído pelo fato do Professor Pardal fazer rodízios malucos, substituições equivocadas e entregar bilhetinhos aos jogadores. Fora isso, sinceramente, não fez absolutamente nada de revolucionário ou de novo, como alguns torcedores de arquibancada e torcedores disfarçados de jornalistas enchem o peito para falar. Sua passagem (até o momento, tenebrosa) pela Seleção Mexicana, mostrou que sua principal característica mesmo é tentar inventar e se aparecer mais que todo mundo. Mas ele é estrangeiro, então, tudo certo. Vai um Joel Santana ou um Geninho da vida inventar de fazer essas graças por aqui, pra ver o que não iria chover de críticas.


Ainda falando de treinadores, é bom a torcida do Flamengo abrir os olhos. Essa necessidade, esse desejo de ter alguém estrangeiro no comando quase botou água no chopp do Corinthians em 2005. Daniel Passarela substituiu Tite, e com seus métodos controversos, foi demitido tendo como maior marca uma bordoada dolorosa em partida contra o São Paulo.

Não estou falando que Rueda não vai dar certo. Muito menos que vai dar errado. eu realmente não sei. A única coisa que sei é que essa euforia simplesmente pelo fato de alguém ser estrangeiro já consagrou inúmeros cabeças de bagre pelo Brasil. Jogadores que não serviam em seus países, são enviados pra cá, endeusados sem entregar o mínimo do que se espera.

Isso sem contar a expectativa que alguns criam em profissionais que mal viram atuar. Caem em todo esse oba oba que alguns mais empolgados criam. E nessa onda, Escudero, Gioino, Santiago Silva, El Tigre Ramirez, Buffarini, Gareca, Maxi Biancucchi, e mais dezenas de gringos aumentaram seu pé de meia atuando por aqui. Não convenceram, e tínhamos profissionais do mesmo gabarito por aqui. Porém, a grama do vizinho é mais verde. Só se esqueceram que pode ser mais amarga também.

Hasta la vista, babes!

‘VAI SE CHAMAR HÉRCULES’. E ASSIM NASCEU O BRITO DE 70

por André Felipe de Lima


O Flexeiras AC foi um time de peladas da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, que não existe mais. Mas o que pouco se comenta – inclusive no meio futebolístico – é que desse clube de peladeiros surgiram dois campeões mundiais. O primeiro foi Nilton Santos, a Enciclopédia; o segundo o zagueirão Hércules Brito Ruas, o cara que desbancou, num teste físico, o inglês Bobby Moore, o alemão Franz Beckenbauer e o italiano Gigi Riva e, com o reconhecimento oficial da Fifa, foi considerado o jogador com o melhor preparo físico da Copa do Mundo do México, em 1970.

O segredo para a estupenda forma física só revelaria muitos anos depois: uma garrafa de cerveja preta, um gema de ovo, uma colher de mel e outra de canela, tudo batido no liquidificador.

Brito despontou em 1955 e mostrava-se versátil. Quando a zaga era pouco para ele, arriscava-se no meio-campo. E foi Válter, funcionário da Aeronáutica e vascaíno fanático, quem levou Brito para São Januário. Fez um teste e foi aprovado como zagueiro.

De 1955 a 1958, o garoto cumpriu sua primeira passagem pelo Vasco da Gama. Mesmo tendo que disputar espaço com Bellini e Orlando Peçanha, donos indiscutíveis da zaga da Colina, fez parte dos elencos campeões cariocas em 1956 e em 1958.


O craque nasceu no dia 9 de agosto de 1939, na cidade do Rio de Janeiro. O carpinteiro Lenídio Ruas, pai de Brito, logo que viu o bebê pela primeira vez com incríveis cinco quilos, não pestanejou: “Vai se chamar Hércules”.

Brito foi um dos jogadores mais fortes, porém leal, do futebol brasileiro. Ao deixar o Vasco da Gama em 1958, com apenas 20 anos, seguiu para o Internacional, de Porto Alegre. Sequer encontrou tempo para vários chimarrões. Retornou ao Vasco da Gama em 1959 e por lá ficou até 1969.

E não é que Bellini esteve novamente em seu caminho? O maior zagueiro da história do Vasco da Gama e capitão da Seleção em 1958, na Suécia, estava de malas prontas para o São Paulo no início da década de 1960. Era o momento da afirmação de Brito no Vasco da Gama.

E foi o que realmente aconteceu, embora a década tenha sido um fardo para o time de São Januário, que não levantou troféu algum. Brito era, porém, o capitão do time, posto que também herdou de Bellini, e a torcida – por motivos óbvios – o chamava de “Cavalo”, apelido que marcou a sua carreira e manteve a fama de mau.

Em 1969, sem títulos na Colina, o zagueiro trocou São Januário pela Gávea, mas disputou poucos jogos pelo Flamengo. No ano seguinte, o Vasco da Gama conquistaria o Campeonato Estadual.


Teria Brito se dado mal? No único ano em que ficou no rubro-negro carioca, enfrentou a indignação dos vascaínos e, até, de torcedores do Flamengo. Deixou a Gávea em 1971, após uma áspera discussão com o então técnico Yustrich (ex-goleiro do Flamengo na década de 1930), cuja fama de destemperado era antiga.

O bate-boca começou porque Yustrich teria chamado os campeões de 1970 de “porcarias”. Mas há outras versões da insatisfação com Yustrich. Em julho, logo após o tri, Brito leu em um jornal, quando embarcara em um táxi rumo à Gávea para treinar, que perdera a posição de titular para o desconhecido Washington. “Tive de vencer muitos obstáculos para ser titular da Seleção. A imprensa, principalmente a de São Paulo, foi um. No mínimo, tive que ganhar do Djalma Dias, do Joel, do Fontana, do Scala, do Baldocchi e até mesmo do Piazza, para entrar no time. Aliás, de luta não fujo. Por isso, não culpo ninguém. O problema de escolher o titular é do Seu Yustrich. O meu, é apenas lutar por êsse lugar. E é o que estou fazendo”.

No final das contas, a revista Placar publicou como capa de uma edição de agosto uma foto de Brito com a manchete “Vende-se, Hércules Brito Ruas, 30 anos, zagueiro de área, campeão do mundo”.

A mais pura e genuína verdade. Mas os motivos que levaram a diretoria a vender o passe de Brito é que não são louváveis. Por inapetência intelectual dos cartolas, Brito, um campeão mundial, deveria ser moeda de troca para pagar ao Atlético de Madrid e ao Barcelona, respectivamente, os passes do zagueiro paraguaio Reyes e do centroavante Silva e manter Yustrich na Gávea. E foi isso o que aconteceu. O Cruzeiro depositou 365 mil cruzeiros na Confederação Brasileira de Desportos (CBD) e levou Brito para Minas Gerais.

Afastado do elenco do Flamengo, treinando sozinho, Brito arrumou mala e cuia e foi para Belo Horizonte, onde assinaria contrato com o Cruzeiro para jogar ao lado de Piazza, ex-companheiro de zaga no tri, de Dirceu Lopes e de Tostão, também ex-parceiro na jornada do México.

A rixa com Yustrich parecia interminável. Nem com Brito fora do Flamengo havia paz. Faltou pouco para ambos saírem no tapa. Após o fim de um jogo do Cruzeiro contra o Flamengo, no Mineirão, que terminou 3 a 1 para o time mineiro, Brito, ao sair do gramado, xingou o Yustrich e atirou a camisa azul na direção do treinador. “Se eles não me segurassem, eu teria feito qualquer absurdo. Isto se conseguisse chegar junto do Brito, porque ele está correndo como nunca. Sem eu conseguir sair do túnel, ele correu. Imagino se eu me desvencilhasse dos policiais. Ele é tão covarde que jogou a camisa longe, cerca de 10 metros, e ela caiu na pista. Nem no túnel ela chegou. Mas eu achei uma indignidade com o Flamengo, com a sua torcida – bem grande e que tomava parte das arquibancadas. Por isto, fiquei revoltado. Se eu entro em campo, não sei o que seria dele agora”. Brito sentira-se, contudo, vingado: “Era isso que eu precisava: humilhá-lo publicamente, como ele fez comigo. Pena que o jogo não tenha sido no Maracanã. Lá teria mais gente, a torcida do Flamengo é enorme.”

A estada em Minas, porém, também durou pouco. O Flamengo ainda era dono de seu passe, mas o presidente André Richer não o queria de volta pelo fato de Yustrich ainda ser o técnico do time. Brito, então, retornou ao Rio de Janeiro, mas agora para defender o Botafogo, mas já não era mais o zagueirão de outrora. E, a paciência também parecia ter ficado no passado.


Após agredir com um soco no estômago o árbitro José Aldo Pereira, que marcara um pênalti a favor do Vasco da Gama, em jogo realizado no dia 31 de outubro de 1971, Brito foi punido pela antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), com um ano de suspensão, pena abrandada semanas depois para seis meses. O Vasco da Gama venceu de 1 a 0 e a imagem de Brito perante a opinião pública ficou manchada. Dizia que somente o então presidente Emílio Garrastazu Médici é quem poderia livrá-lo do problema com a Justiça. Pegou mal…

Cumpriu a pena e percebeu que não havia mais ambiente para ele no futebol carioca. Aliás, a derrota do Botafogo na final com o Fluminense ficara entalada em sua garganta.

Décadas depois, comentou o episódio que envolveu José Aldo Pereira motivo de sua condenação: “O pênalti foi uma vergonha. Olhei para ele, que me deu uma risada de deboche. Não aguentei e dei um gancho que pegou na barriga dele. Aí, gritei. ‘Isso é para você tomar vergonha na cara”.


Em agosto de 1974, já com 35 anos e poucos cabelos, recebeu do Corinthians uma proposta salarial de 11 mil cruzeiros mensais. Para a época, algo irrecusável. E lá foi Brito jogar ao lado de Rivellino para tentar tirar o Timão do amargo jejum de 20 anos sem títulos estaduais.

Tudo parecia seguir um rumo certo. O time do Parque São Jorge conquistou o primeiro turno e garantiu vaga na decisão. Mas a carruagem viraria abóbora na tarde do dia 22 de dezembro de 1974 diante do Palmeiras, de Ademir da Guia, Dudu, Luis Pereira e Leivinha, e dos 120 mil torcedores que lotaram o estádio do Morumbi. Enquanto os craques palmeirenses vibravam no gramado, Brito, o velho herói de seu Lenídio, mostrou por que recebeu o nome de Hércules. Tinha vergonha na cara e foi chorar no chuveiro do Morumbi, uma das derrotas mais dolorosas para a história do futebol do Corinthians.

Após a perda do título, a diretoria do Corinthians decidiu que deveria priorizar os mais jovens do elenco. Nem precisa pensar muito para saber que Brito, já com 35 anos, estava fora dos planos do Timão; ademais, tinha passe-livre e sua contratação foi apenas para a disputa do Campeonato Paulista.

O período em que Brito esteve no Parque São Jorge foi gratificante. Fez amizade com funcionários, especialmente os mais humildes. Morou alguns dias com o amigo (lateral-direito) Zé Maria e até caçou passarinhos com Rivellino e o goleiro Ado. Cinco meses muito bem vividos no clube.

E a torcida reconheceu isso. Brito marcou gol contra, chorou e jogou com uma garra digna das palmas de cada corintiano que o assistia nos estádios. Brito é do tipo daquele jogador que toda torcida gosta de ver, sobretudo a do Corinthians. 

“A torcida, por exemplo, me aplaudiu e deu provas de um carinho que nunca tinha encontrado na minha vida. Nesse tempo de Corinthians, aprendi a amar a torcida e o clube, e até me adaptei a São Paulo, o que todo carioca acha impossível”. Para os jogadores, Brito era uma espécie de pai e conselheiro. Rivellino, por exemplo, com quem Brito foi parceiro de Seleção, na Copa do Mundo de 1970, dizia que o zagueiro era o único que podia gritar com todos em campo sem ser mal interpretado.

Os sambas que cantarolava no clube e na concentração fizeram falta. Era Brito quem, antes de cada jogo, acendia velas para São Cosme e São Damião. Sua fé nos santos também valia para proteger os companheiros. Rivellino, por exemplo, estava prestes a ser julgado pela justiça desportiva. Brito não se fez de rogado e fez promessa aos santos para que o amigo “Curió” fosse absolvido. “Sempre fui pobre, todos sabem disso. Nunca escondi que não preciso de dinheiro para viver como gosto. Nunca faço aquilo que não gosto de fazer. Eu sou assim mesmo”.

Brito jamais soube ao certo os motivos que levaram a diretoria a não renovar seu contrato. Especulava-se que o pessoal do departamento de futebol ficou indignado com o fato de Brito ter bebido uísque com Rivellino e Zé Maria até quatro da manhã, na casa de Riva, na noite em que ele foi absolvido pelo Tribunal de Justiça Desportiva da agressão ao bandeirinha Mário Molino. Mas havia gente que afirmava ser o treinador Pirillo o óbice para que Brito permanecesse no Corinthians. A trajetória do zagueiro campeão do mundo no Alvinegro foi marcada por apenas 29 jogos, 12 vitórias e sete empates, com um gol contra.

Brito já não era nenhum garoto. Com 40 anos, ainda tentou uma passagem pelo Atlético Paranaense, em 1975. No mesmo ano, esteve no Les Castors (de Montreal, Canadá) e no Deportivo Galicia (Venezuela). De 1976 a 1978, esteve no Democrata, de Governador Valaladares (MG), encerrando a carreira em 1979, no River AC, do Piauí.

Para a Seleção Brasileira, Brito foi convocado pela primeira vez como titular em 1964, na Taça das Nações. Até 1972, esteve sempre na lista de convocados. Durante as eliminatórias para a Copa do México de 1970, era uma das “feras” nas listas de João Saldanha. Zagallo assumiu o comando da seleção e manteve Brito, que havia deixado o Vasco da Gama poucos meses antes da Copa, na zaga tricampeã.

Além do “caneco”, Brito conquistou um título particular. Foi considerado o jogador com o melhor porte físico da Copa por uma junta médica. A faceta rendeu-lhe um mimo do então presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici, o título de comendador… Comendador Hércules Brito Ruas, ou, simplesmente, o “Zagueiro Saúde”, para a torcida.

E teve mais conquista em 1970. Brito ganhou a Bola de Prata da revista Placar. O craque disputou 60 jogos com a Amarelinha. Venceu 45 e empatou 10 e só assumiu a vaga de titular em 1970, porque João Saldanha foi dispensado pela CBD, caso contrário Djalma Dias seria o titular.

O zagueiro fez fama também pelo seu bom humor. Na concentração, era insuperável. Entre mitos e histórias reais, Brito telefonava da concentração no México para o seu cachorro que, do outro lado da linha, respondia em latidos intermitentes. Impossível não cair na gargalhada.

Além da gracinha canina, Brito também era um contador de piadas. Para ele, uma boa cachacinha e samba (preferencialmente da querida União da Ilha do Governador, Mangueira ou Imperatriz Leopoldinense) o deixavam feliz. 

O zagueirão também quase deixa uma bola importante passar por ele. Perdeu a hora do casamento. Se foi capaz de esquecer o matrimônio, não esqueceria um grande amigo: Garrincha.

Por Mané, Brito intercedeu para que o ponta, que já estava em estado avançado do alcoolismo, treinasse no Vasco da Gama. Gentil Cardoso que, curiosamente, foi o primeiro treinador da carreira de Garrincha, dirigia o Vasco da Gama naquela ocasião. E foi franco com o craque ao dizer-lhe que não havia como aproveitá-lo no time principal. Mas, talvez por gratidão e reconhecimento, ofereceu-lhe uma vaga em um time misto do Vasco da Gama que jogaria em Cardoso, interior de São Paulo. Nada mais.


Até com pouco mais de 50 anos, sempre manteve a forma com diárias corridas de oito quilômetros, todas as manhãs. Quando era jogador, usava coletes de chumbo e roupão. Perguntavam se estava louco, mas o fato é que Brito corria mais que qualquer outro em campo.

Brito deixou o futebol e fez cursos para treinamento de times de futebol na Federação Canadense. Dirigiu, entre outros clubes, o Bonsucesso, o Ceilândia e o Sampaio Corrêa. Também esteve na Arábia Saudita, onde dirigiu o Riad Club até o início da guerra do Golfo Pérsico, em agosto de 1990.

Mas o ápice foi mesmo em 1982, quando comandou o Cruzeiro. Trabalhou algum tempo no projeto do já falecido empresário Arthur Sendas, o Sendas Esporte Clube, para crianças carentes, que existiu até 2011.

Brito jamais abandonou a Ilha do Governador, onde vive até hoje, fazendo o que mais gosta depois do futebol: pescar. Melhor ainda se for bem cedo, às cinco da manhã, e na companhia dos netos. Pescar, aliás, sempre foi o melhor “calmante” do craque. “Quando os caras estão nervosos, lembro o ditado: ‘Tá (sic) nervoso, vai pescar’. Eu mesmo quando pesco penso na vida, reflito. Tenho muito medo de morrer. Deus me livre, a vida é muito boa, né!”.

Palavras do eterno e imortal “Comendador da Zaga” e tricampeão mundial.

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O texto acima integra a “Letra B” (segundo volume) da enciclopédia Ídolos – Dicionário dos Craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias, cujo lançamento será ainda neste semestre pela Livros de Futebol.com.

NA PELADA DA FIRMA NASCE UM ÍDOLO OU O GIVANILDO DO SANTINHA

por André Felipe de Lima


“Eu não acreditava que pudesse jogar futebol profissional. Disputava minhas peladas com o pessoal da firma, aos sábados, e só. Nunca passara por um clube. Foi nessa época que meu patrão, o Paulo Duarte, resolveu me levar para o juvenil do Santa Cruz, onde era diretor. Passei a treinar de manhã e a trabalhar à tarde. Depois de dois meses de treinos, vi que aquilo não era para mim. Já havia desistido, quando um diretor telefonou para a agência, pedindo que eu voltasse para ganhar 70 cruzeiros por mês. Mas logo fiz 20 anos, estourei a idade de juvenil e fiquei entre os profissionais. Nem entrava em coletivo. O treinador, seu Gradim, me pedia paciência e no dia 31 de março de 1969 – Como esquecer? – lançou-me desde o início num amistoso com o Bahia – na ponta-esquerda. Ganhamos de 5 a 2 – 5 a 0 no primeiro tempo – e só saí quando vim para o Corinthians. Ninguém entendeu, porque não me conheciam. Eu era uma figura misteriosa até para os jornais da cidade. Quem é esse Givanildo? – perguntavam. Que nome é esse? Fácil: sou o mais velho dos sete filhos de uma família com nomes que começam com a letra gê. Tem a Gessé, o Genival, a Girlene, o Gervásio, o Gilberto e a Gedolva. Afinal, em 71, com as contusões do Zito e do Osvaldo, o Duque me puxou para a posição em que estou hoje. Como nunca imaginara um negócio desses, ficava pensando. Precisava agarrar a oportunidade com unhas e dentes. No futebol, os jogadores vêm de famílias humildes, sem conforto, da classe média para baixo, não é? Então, era a minha chance na vida. Como iria perdê-la? Levei o negócio muito a sério. Tinha que ganhar dinheiro, construir meu patrimônio. No começo, queria ficar por lá. Vir para o Sul era coisa fora dos meus planos. Passei a ter vontade por volta de 74 para poder chegar à Seleção. E depois pela idade, pela rotina do clube, pela vontade de aparecer num centro maior e, não nego, pelos 15% da transferência. (…) Meu futebol é de dois toque, dificilmente dou três. tem jogador que gosta do drible. Eu só driblo se não tem outro jeito. Prefiro passar logo a bola. E aí acusam de não criar jogadas. Não sou é de enfeitar, o que é diferente.”


Esse depoimento faz parte de uma extensa entrevista de Givanildo ao gigante repórter Carlos Maranhão, da revista Placar. Um papo muito bacana que aconteceu em 1977, quando o craque pernambucano brilhava no Corinthians, do técnico Osvaldo Brandão.

Como ele mesmo se autodefinia, Givanildo não era realmente de enfeitar em campo, mas foi, sem dúvida, um dos melhores volantes do futebol brasileiro na década de 1970 e o melhor da história do Santa Cruz, do querido “Santinha”.

Givanildo, um grande ídolo que nasceu no dia 8 de agosto de 1948.

‘NÃO HOUVE ANTES DE ZITO, NÃO EXISTE DEPOIS DELE’

por André Felipe de Lima


Pelé pegou a pelota, driblou um, driblou dois, três e ficou cara a cara com o goleiro Mão de Onça, do Juventus. A torcida se levantou na arquibancada. Gol certo do Santos, mas Pelé perdera o gol feito. Enfeitara a jogada para atender a uma equipe de cinegrafistas postada atrás do gol e pronta para capturar as cenas mais plásticas para o filme da vida do Rei. Inconformado, o líder do time, o volante Zito, correu na direção de Pelé e sem parcimônia apontou-lhe o dedo no rosto: “Chega de palhaçada, crioulo! Vamos jogar sério!”. Um humilde e titubeante Pelé respondeu: “Mas, Zito, estamos ganhando de 2 a 0, e eu…”. Zito sequer esperou o Rei completar a desculpa: “Não quero saber de quanto estamos ganhando. Trate de jogar sério e marcar quantos gols puder”.

Pelé abaixou a cabeça e acatou a ordem do Zito. Não havia no time quem não acatasse. Zito foi o maior líder que o Santos teve e um dos maiores ídolos da história do futebol brasileiro. Fazia na seleção brasileira o mesmo que na Vila Belmiro. Todos ouviam. Deu tão certo o estilo que o Brasil, com Zito em campo, conquistou duas Copas do Mundo (1958 e 62).


Ganhar era pouco para Zito. Ele sabia que seus times eram poderosos. Exigia marcadores elásticos. Goleadas inigualáveis. Recordes de gols. Pepe, o segundo maior artilheiro da história do Santos, foi um dos que temia as homéricas broncas do Zito. Assim o descreveu o maior ponta-esquerda alvinegro de todos os tempos: “Zito chegava a ser cruel. Seus gritos eram ainda mais fortes e marcados pelo desprezo.”


Para Zito, raça jamais foi sinônimo de violência, mas gritava à beça também com os juízes. Acabou expulso algumas vezes. Umas trinta, talvez. Foi com esse estilo, digamos, viril ao extremo, que marcou uma época de ouro no clube que defendeu de 1952 a 1968. “Não houve antes de Zito, não existe depois dele. Não existe agora e ninguém sabe quando aparecerá um estimulador de time, um transmissor de ânimo, um orientador tão hábil e tão enérgico, um comunicador de tão absoluto equilíbrio”, escreveu sobre ele o cronista e santista fanático Adriano De Vaney.

Zito levantou uma penca de troféus. Além das duas Copa do Mundo (1958 e 1962), ajudou ao Santos nas conquistas do Mundial Interclubes (1962 e 1963); da Taça Libertadores da América (1962 e 1963); do Campeonato Paulista (1955, 1956, 1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965, 1967 e 1968); da Taça Brasil (1961, 1962, 1963, 1964 e 1965) e do Torneio Rio-São Paulo (1959, 1963 e 1964).


Mas um fato curioso marcou a vida desse ídolo santista, como o próprio Zito declarou a Bernardo Buarque de Hollanda e a José Paulo Florenzano, em entrevista para o projeto Futebol, Memória e Patrimônio, da FGV: “Não tinha outro jeito, tinha que acompanhar pelo rádio. Engraçado que a gente pegava mais o Rio do que São Paulo, e eu era palmeirense naquela época, garoto, garoto escolhia: “eu sou palmeirense, sou são paulino, sou isso, aquilo”, na época eu era palmeirense, coube para mim, não é? Mas depois você vai crescendo, vai mudando”. E Zito mudou muito. Tornou-se um dos santistas mais convictos e juramentados. Igual a ele, jamais.

Hoje, dia 8 de agosto, o inesquecível José Eli de Miranda, o incomparável Zito, faria anos.