RIVER PLATE, UM GIGANTE MONUMENTAL DAS AMÉRICAS
por Luis Filipe Chateaubriand
Ao disputar sua terceira final da Copa Libertadores da América em cinco temporadas, tendo vencido duas delas, o River Plate mostra que é uma grande força do futebol das Américas.
A situação não era essa há poucos anos. No início dos anos 2010, por exemplo, o tradicional clube de Buenos Aires chegou a ser rebaixado à segunda divisão do Campeonato Argentino.
A pergunta que não quer calar é: como um clube que há pouco tempo encontrava-se em decadência conseguiu viabilizar grande metamorfose?
Em primeiro lugar, o River Plate criou uma identidade futebolística. Nada de jogadores fortes, altos, robustos. Vai jogar no clube quem for bom de bola, quem souber tocar, quem souber driblar, quem souber conceber jogadas. A priorização de jogadores sobre atletas, de indivíduos tecnicamente qualificados sobre indivíduos fortes fisicamente, e preferencialmente os “pratas da casa”, criou uma cultura de jogo em que o atuar bem é determinante.
Em segundo lugar, o investimento em um gestor técnico com o perfil almejado para conduzir um projeto de longo prazo. Marcelo Gallardo, um dos maiores técnicos do mundo, conduz os trabalhos há quase cinco anos, cuidando de cada detalhe para que a ideia de que jogadores técnicos e ofensivos, aliados a uma cultura tática tradicional, floresça.
Em terceiro lugar, a ideia de continuidade faz-se presente. Técnicos e jogadores qualificados e majoritariamente advindos das categorias de base, com vocação ofensiva e em uma cultura tática apropriada não são algo que se queira temporários, mas sim duradouros. Busca-se construir algo que frutifique não instantaneamente, mas ao longo do tempo.
Enfim, o conceito de Estratégia Organizacional, tão presente no mundo das grandes Organizações, é adotado de forma ilimitada pelos Milionários Portenhos.
Perder para outro gigante, o Flamengo – que muito se assemelha à mítica entidade argentina em diversos aspectos –, uma final dramaticamente decidida não inviabilizará méritos que tende a se perpetuar ao longo do tempo.
O River Plate é um grande modelo de gestão entre os clubes de futebol das Américas e constitui uma receita a ser seguida pelos clubes do lado de cá do Oceano Atlântico.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor de vários livros sobre o calendário do futebol brasileiro.
FLAMENGO RECONQUISTA AS AMÉRICAS
por Luis Filipe Chateaubriand
Ao vencer de forma dramática a Copa Libertadores da América depois de intermináveis 38 anos, e ser o virtual campeão brasileiro da temporada corrente, o Flamengo volta ao lugar que ocupava nos anos 1980 e que foi perdido ao longo do tempo.
A pergunta que não quer calar é: o que foi determinante para o rubro negro realcançar a glória?
Em primeiro lugar, um trabalho de gestão muito bem planejado e executado. Inicialmente conduzido pelo ex presidente Eduardo Bandeira de Mello, e tendo continuidade com o atual presidente Rodolfo Landim, um clube que se encontrava em situação pré-falimentar tornou-se uma potência financeira. Trabalhou-se tanto na dimensão de aumento significativo de receitas, mediante a implementação de modernas ferramentas de Marketing, como no equacionamento de dívidas colossais, com a recorrência a instrumentos contemporâneos de Gestão financeira. Tudo conduzido por experientes profissionais de mercado.
Em segundo lugar, na questão técnica, onde havia erros continuados, finalmente se conseguiu uma solução apropriada a partir da contratação do técnico português Jorge Jesus. Sem ser brilhante, Jesus é, no entanto, bem superior à maioria de seus pares brasileiros. Conseguiu estabelecer uma cultura de trabalho árduo e empenho, aliada a um jogo ofensivo (como pouco se vê nos trabalhos dos retranqueiros tupiniquins) traduzido em uma proposta tática voltada para isso.
Em terceiro lugar, um corpo de jogadores muito qualificado, desta vez muito bem contratados, “comprou a ideia” do clube e do técnico. Percebe-se que grandes jogadores, que obviamente têm seu ego, colocam o projeto coletivo à frente das necessidades individuais, o que contribui para a coesão do grupo.
Esse trabalho integrado entre gestores, equipe técnica e jogadores – todos caminhando na mesma direção – tem sido determinante para o sucesso rubro negro na temporada de 2019.
Que a lição bem-feita possa servir de caminho para o próprio clube e para os demais clubes brasileiros é o que se deseja.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor de vários livros sobre o calendário do futebol brasileiro.
Danilo Menezes + Erandy
RESENHA VASCAÍNA
Um encontro agendado pelo tempo. A resenha de um gringo e de um sertanejo em Natal (RN), a esquina da América do Sul que eles escolheram para viver. Uma resenha vascaína com muita história para contar pelo meia uruguaio Danilo Menezes e o atacante Erandy.
O jornalista Rubens Lemos, correspondente do Museu da Pelada e o historiador Sérgio Trindade descobriram casos importantes e reveladores que mostram porque o futebol vai perdendo sua arte.
Assista ao vídeo acima e curtam essa resenha de alto nível!
Mozer
ARMADURA RUBRO-NEGRA
“Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Adílio, Andrade e Zico; Tita, Nunes e Lico”. A escalação do esquadrão do Flamengo de 81 está na memória não só dos rubro-negros, mas também dos amantes do futebol arte! Por isso, dá um orgulho danado quando temos a oportunidade de entrevistar as feras desse elenco e relembrar a magia daquele time que conquistou o mundo.
Às vésperas da decisão da Libertadores, entre Flamengo e River Plate, a equipe do Museu foi até a Gávea bater um papo com Mozer, a muralha rubro-negra.
– Aqui é minha casa! Não só minha, mas daquela geração toda! – disparou logo de cara.
Considerado um dos maiores zagueiros da história do clube, o “Vampiro” fez história também no Benfica, no Olympique de Marseille e no Kashima Antlers. O que muitos não sabem, no entanto, é que Mozer nunca quis ser zagueiro.
Na realidade, o craque começou como ponta de lança na base e o lendário Modesto Bria foi o responsável pela dica que mudaria a sua história:
– Ele me disse que se eu jogasse de centroavante no Flamengo, e não marcasse gols em todos os jogos, terminaria no Flamengo-PI!
Embora a dica não tenha sido bem aceita inicialmente, Bria enxergava em Mozer qualidades fundamentais para um bom zagueiro e o tempo provou que ele estava mais do que certo. Não por acaso, o ídolo rubro-negro o considera a pessoa mais importante da carreira!
Sua trajetória no clube todos conhecem, foram sete anos de titularidade, com inúmeros títulos ao lado de grandes jogadores. Caçula do elenco, Mozer revelou que era paparicado por todos e se aproveitava dessa situação.
– Aprendi a me dedicar aqui!
Um episódio que marcou muito Mozer ocorreu no final de um treino, quando, ainda garoto, se apressava para ir embora do clube e chegar logo em casa. Ao olhar para o campo, já escuro, notou a presença solitária de Zico, cobrando inúmeras faltas.
– Fiquei envergonhado e corri de volta para o vestiário!
Depois de muitas glórias, a trajetória no clube como jogador terminou de forma inusitada. Depois de não conseguir jogar o Mundial de 86 por problemas no joelho, retornou ao Flamengo e foi surpreendido com a notícia que havia sido vendido. A explicação foi convicente: a diretoria precisava renovar o contrato de ninguém menos que Zico, Júnior, Leandro e Adílio, e a solução encontrada para fazer caixa e cobrir as despesas foi abrir mão da Muralha.
Neste momento, Mozer conheceu o português Manuel Barbosa, empresário que intermediou não só a sua negociação para o Benfica, como a de muitos outros brasileiros. Adaptado à pressão de jogar em um clube grande, o zagueiro caiu no gosto dos “adeptos” e, como de costume em sua carreira, levantou o caneco em Portugal.
Foi por lá, inclusive, que o craque formou dupla com Ricardo Rocha, eleito seu maior parceiro de zaga de todos os tempos. Embora tenha jogado ao lado de grandes defensores, a parceria com Ricardo Rocha foi importante para quebrar um paradigma:
– Fomos considerados a melhor dupla de zaga da Europa. Havia uma fama que os defensores brasileiros não eram competitivos e isso foi bom para provar o contrário. Demos a nossa contribuição e, depois disso, vários zagueiros brasileiros foram jogar lá!
Do Benfica, foi se aventurar no futebol francês para vestir a camisa do Olympique de Marseille, onde também foi campeão. Dos 11 titulares, sete faziam parte da seleção francesa e Mozer era o único brasileiro do elenco.
– Era um timaço! Eu costumo dizer que tive a sorte de só jogar em grandes times!
Pendurou as chuteiras em 1995 e quando curtia as férias em Algarve, região no extremo sul de Portugal, recebeu uma ligação de Zico para jogar no Kashima Antlers, do Japão. Apesar de ter explicado que já havia parado e as dores no joelho incomodavam demais, o Galinho insistiu e Mozer topou. Assinou um contrato de dois anos, mas só conseguiu atuar por uma temporada:
– A japonezada corria demais, não dava! Meu joelho não aguentava!
Mesmo assim, conseguiu atuar em alto nível e ajudar a equipe a conquistar o título japonês.
A resenha terminou com um passeio no Museu do Flamengo, na Gávea, onde o craque reviu os troféus, as camisas dos jogadores da final do Mundial de 81 e relembrou cada jogador daquele time, sem esconder a admiração por eles.
O FLAMENGO E UM DILEMA HAMLETIANO
por Luis Filipe Chateaubriand
Era uma vez um menino de 11 anos que, em 1981, torceu para o Flamengo ser campeão sul americano e mundial, apesar de seu clube de predileção ser o Vasco da Gama.
Esse menino ficou alegre quando o Flamengo foi campeão de ambos os certames, pois era um clube brasileiro que levava o título.
O menino cresceu e, aos 28 anos, viu torcedores do Flamengo criarem uma torcida especial, a Fla / Madrid, para torcer a favor do Real Madrid na disputa pelo título mundial, contra seu amado clube, o Vasco da Gama.
Aquele homem ficou injuriado!
Esse homem, com quase 49 anos atualmente, e torcedor do maior rival do Flamengo, tende a torcer para que o River Plate vença o Flamengo, na disputa do título da Libertadores de 2019.
Ao mesmo tempo, esse homem de quase 50 anos é, atualmente, alguém que é mais um apreciador do futebol, do que um torcedor.
Entende que, independentemente do clube em questão, o que importa é se ver um espetáculo bem jogado, competitivo, que enleve a alma.
Nesse sentido, admira o futebol que o Flamengo vem praticando.
Entende que seu técnico Jorge Jesus, sem ser espetacular, conseguiu dar ao time uma forma de jogar ofensiva, aplicada tecnicamente e, em muitos momentos, exuberante.
Entende, também, que virtudes como essas, em um futebol brasileiro empobrecido tecnicamente e taticamente como o atual, merecem ser recompensadas e, por isso, o Flamengo deve ser campeão.
O homem, enquanto torcedor, que ver o Flamengo derrotado, pois o rival não pode prevalecer.
O homem, enquanto apreciador do futebol, que ver o Flamengo vencedor, pois isso significa premiar a Instituição que sabe, brilhantemente, se reinventar.
Sheakspeare – ao longo de toda sua brilhante obra, mas especialmente em “Hamlet” – mostrou que o dilema é uma das grandes aflições que consomem o ser humano.
Mas, contraditório que é, também faz parte de sua mais sublime beleza.
Em meio ao dilema que vivo, em verdade vos digo: se o Flamengo vencer, não sofrerei, ganhou que vem merecendo pelo conjunto da obra; se o Flamengo perder, não sofrerei, o rival tem mais é que “entrar pelo cano” para parar com essas gracinhas de Fla / Madrid.
E estamos conversados! Ou não?
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor de vários livros sobre o calendário do futebol brasileiro.