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A MÁQUINA AINDA EMOCIONA

por Wendell Pivetta


Estava sendo uma final acirrada, equipes tecnicamente e extremamente equilibradas, porém em um piscar, ou melhor, em um clique a emoção maior tomou conta.

O momento máximo do gol realmente é a comemoração. Um toque na bola pra dentro da rede e os segundos seguintes resultam na expressão que toma conta do momento sublime do jogador de futebol. Já pensou na comemoração que você poderia fazer em uma final de mundial? Todo jogador com certeza já sonhou momentos antes de uma final no melhor estilo de comemorar.

No ano de 2019 contei com a satisfação de fotografar competições futebolísticas através da Secretaria de Esportes e Lazer de Cruz Alta, e com elas, inúmeras fotos foram moldando um acervo municipal. Em uma das finais municipais, ficou reservado o momento único, que jamais vislumbrei seja na TV ou ao vivo. O Ginásio Municipal estava fervendo na final do Citadino Série Bronze 2019 entre Barça x União da Vila. Jogo quente, pegado do inicio ao fim. Em um lateral cobrado, Andrio Tolentino pega a defesa do União da Vila de surpresa, chutando na entrada da pequena área acertando o ângulo adversário. Indefensável o chute. Um gol preciso no qual o camisa 10 se atirou de carrinho ao chão para alcançar a bola e proporcionar o melhor chute.


Este era o segundo gol do artilheiro na partida. Todos esperavam sua tradicional comemoração acenando para o alambrado, procurando visualizar alguém que estava na parte mais alta dos assentos. Quando de repente, o atleta que costumeiramente apenas acenava, vai correndo a beira da grade de proteção que reparte o piso da quadra entre a torcida, de encontro a quem ele sempre acenou. Lá do alto, cabelos longos ao vento, de passo curto e dificultados para superar os degraus do ginásio vinham descendo com um sorriso maior do que a goleira que recepcionou aquele gol. Abraço. Um sincero e afetuoso abraço do artilheiro com sua filha marcou as comemorações e a sinceridade daquele momento de felicidade em que o pai espera para compartilhar da sua felicidade com a pequena torcedora presente ali. 

O cartão amarelo pelo atraso do reinício da partida aconteceu. O árbitro teve de punir, fazia parte da sua regra, porém não interferiu na magia do esporte.

VIVA OS CLUBES PEQUENOS

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


É muito comum ouvirmos que determinado treinador está desatualizado, que tal jogador não se encaixa nos padrões atuais do futebol e até que alguns comentaristas esportivos ficaram ultrapassados. Mas o que é preciso para ser inserido, respeitado, nesses três grupos?

No primeiro caso, desembolsar alguns milhares de reais para fazer o curso da CBF e sair falando “um terço do campo” e outras frases de efeito. No segundo, virar um velocista e comemorar porque correu não sei quantos quilômetros durante uma partida. E no terceiro, também fazer o curso da CBF e citar nas bancadas, durante as transmissões, expressões como “amplitude” e “entrelinhas”.

Por falar nisso, assistindo uma partida da segunda divisão do Campeonato Paulista, ouvi um comentarista dizer que tal jogador quebrou a bola! E desde quando a bola virou pedra para ser quebrada? Seguindo essa cartilha, você ganhará muitos tapinhas no ombro de seu chefe. E fiquem tranquilos porque na entrevista ninguém vai pedir para você fazer embaixadinhas, dominar no peito, cabecear e bater faltas. Não é preciso dominar essa prática para exercer as três profissões. Basta falar com firmeza, contar algumas piadinhas e pronto. Camisa pólo também funciona. No caso dos jogadores, correr, correr muito! E só.

Mas a boa notícia é que a paciência do torcedor está se esgotando e nem no Sul tolera-se mais essa história de jogar pelo resultado. Por isso, tenho vibrado quando vejo um Caxias vencendo o Grêmio, Tombense, América e Caldense liderando o campeonato mineiro, Fluminense, de Feira, e Atlético fazendo boas campanhas na Bahia, Boavista chegando a uma final, no Rio, e Santo André, Mirassol e Inter de Limeira aprontando em São Paulo.

Acredito que a mudança venha dos clubes de menor expressão, com menos poder aquisitivo. Tenho visto jogadores muito bons de bola nos times do interior paulista. Assisto os jogos até da Segunda Divisão e, ali, encontro jogadores com a essência da várzea, ousados, atrevidos, sem esses vícios malditos impostos pelos diplomados da CBF. O mesmo acontece em times do Nordeste.

Vibrei com a goleada do Atalanta contra o Valência. Gian Piero Gasperini comanda o Atalanta há quatro anos e minha esperança é que esses Davids comecem a derrubar os Golias em sequência. O problema é quando o David começa a inflar e vira Golias, mais ou menos o que vem acontecendo com o Tiago Nunes, que sempre elogiei, mas incorporou o discurso de Tite e Fábio Carille desde que assumiu o Corinthians. Vive se explicando e não foi diferente na derrota para o Água Santa, outro David de minha coleção. Quem foi ver o Luan, do Corinthians, conheceu o 10 do Água Santa, Luan Dias, que fez um golaço!

Tirando Jorge Jesus, os treinadores estrangeiros também não andam em uma fase boa por aqui. O português Augusto Inácio foi demitido do Avaí recentemente, o venezuelano Rafael Dudamel, do Atlético-MG, ainda não conseguiu encaixar o time e o Santos de Jesualdo Ferreira não é o mesmo da temporada passada, de Sampaoli.

Que os Davids multipliquem-se, com seus jogadores baixos, magrelos e ensaboados, e que eles sejam os grandes responsáveis pela redenção de nosso futebol enterrado em algum lugar do passado.

A AULA DA SAUDADE DO “MR FOOTBALL”

por Victor Kingma


 Assim que terminou o coletivo naquele grande clube, o treinador reuniu os seus melhores chutadores para treinarem cobranças de faltas. 

Toda  uma infraestrutura, então, foi cuidadosamente montada: barreira móvel, bolas novas, escolha do melhor ângulo para os chutes, etc, etc.  Nada faltando para facilitar  a vida  dos “craques”. 

 Na beira do gramado um senhor magro e esguio, de cabelos grisalhos, calça jeans e  tênis, a tudo observava. 

 Iniciadas as cobranças, os chutadores vão se revezando nos chutes e após várias tentativas, sem muito sucesso, a bola toca na barreira e corre até a lateral do campo onde estava o velho senhor.

Esse, então, a levanta com o bico do tênis, faz duas embaixadas com surpreendente habilidade, a coloca debaixo do braço e se dirige, altivo como um príncipe’, para dentro do gramado. 

– Vai tentar também, seu Waldir?  -Brinca o jovem treinador.

O senhor de cabelos grisalhos ajeita carinhosamente a pelota no local da cobrança, dá quatro passos para trás, corre vagarosamente e a toca com incrível precisão.

A bola passa sobre a barreira, descreve uma meia parábola e pousa suavemente na rede…

Como se fosse uma “Folha Seca”.      


E diante dos olhares incrédulosdaqueles jovens e milionários atletas, de cabelos e chuteiras coloridas, vai deixando lentamente o gramado. 

Da arquibancada, um velho e solitário torcedor, como se assistisse a um vídeo tape do passado, exclama eufórico:

–  VALEU, DIDI!

PS:  Waldir Pereira, o  grande  Didi, o inventor da “Folha Seca,  foi o maestro e o ponto de equilíbrio de uma seleção que tinha Nilton Santos, Garrincha e Pelé, entre tantos outros craques consagrados.  Eleito o melhor jogador da copa do mundo de 1958, na Suécia, foi aclamado pela imprensa internacional como “Mr. Football.”

Ídolo das torcidas do Fluminense e  Botafogo, onde viveu seus melhores momentos na carreira, nasceu em Campos dos Goytacazes em 08 de outubro de 1928 e faleceu no Rio de janeiro, em  12/05/2001, aos  72 anos,  poucos  dias  após  essa  homenagem ser escrita.  

BEBETO, O CRAQUE SORRISO

por Luis Filipe Chateaubriand


José Roberto Gama de Oliveira, o Bebeto, foi um dos maiores craques que o Brasil já viu em ação. 

Como jogava a criança sorridente!

Certa vez, o jornalista Fernando Calazans deu uma definição absolutamente perfeita do que é o futebol de Bebeto: liso e escorregadio!

Bebeto era liso, porque fazia as jogadas que passavam por seu pé fluírem. Ágil tanto nos movimentos como no raciocínio, fazia a bola girar rapidamente, seja para os companheiros, seja para o gol.

Escorregadio porque Bebeto não era facilmente achado pelos marcadores, pois sua movimentação, sua ginga, sua técnica, deixavam os caras malucos, como ele mesmo gostava de dizer.

Especialista em voleios, não importava se a bola vinha à meia altura ou bem alta, os golpes eram certeiros e plasticamente maravilhosos, o que fazia do baiano um bailarino da bola.

Excelente cobrador de faltas, sabia batê-las tanto com força como colocadas. Sua bola saía com uma agilidade tal que era difícil o alcance dos goleiros.

Ótimo cabeceador, tinha impulsão incrível para quem era relativamente baixo, ia no “último andar” testar as bolas mais improváveis.

Quando provocado pela torcida rival, crescia em campo. Quase sempre, fazia um gesto para os adversários, como se dissesse “espera”. E, dali a pouco, vinha o gol memorável, fruto de uma jogada brilhante, como que a dizer, nas palavras do Mestre Armando Nogueira, que “Deus castiga a quem o craque fustiga”.

Pelo Flamengo, castigou o Vasco da Gama. Pelo Vasco da Gama, castigou o Flamengo. Pelo Deportivo La Coruña, deixou os espanhóis boquiabertos. Pela Seleção Brasileira, encantou o mundo por quase 15 anos.

Deixou para a posteridade lances incríveis, como uma bicicleta no jogo de ida da final da Copa União de 1987 contra o Internacional (pelo Flamengo), o gol “dois para lá e dois para cá” em que “deitou e rolou” no coitado do André Cruz (pelo Vasco da Gama) e o gol “Eu te amo” pela Seleção Brasileira, em que, depois do preciso passe de Romário, fez uma jogada de bilhar, colocando a bola no único local que ela poderia entrar em gol.

Bebeto foi gênio! Fato! Com a bola nos pés, e até sem ela, o baiano fez misérias por todos os lugares em que jogou.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

VÃO TE INVENTAR MIL PECADOS

por Leandro Ginane


Conheci o universo das escolas de samba nos anos oitenta, creio que em 1987 quando eu tinha 8 anos. Meu pai, mangueirense roxo, junto com minha mãe nos levava aos domingos de carnaval para ver os carros alegóricos que iriam desfilar à noite na Sapucaí e ficavam enfileirados na Avenida Presidente Vargas perto do Balança mas não Cai esperando a hora da festa. Na verdade, o que ele mais queria é que a gente conhecesse a verde-rosa e foi uma forma criativa e gratuita que encontrou na época.

Naquele ano, a Mangueira foi campeã com um enredo sobre Carlos Drummond de Andrade. Este certamente foi o primeiro contato que tivemos com o poeta, que se tornou anos depois uma referência importante para o meu irmão. Os sambas-enredos aliás foram uma grande aula de história no decorrer da minha infância, foi por eles que conheci Zumbi dos Palmares, Chico Buarque, Dorival Caymmi e tantos outros personagens da cultura popular brasileira.

Além das histórias contadas pelos carros alegóricos, ampliadas pelo meu pai, o momento em que encontrávamos a águia da Portela também me marcava. Quando avistava de longe as asas imponentes no abre alas, meu coração disparava. Tudo parecia tão maior do que é.

Enquanto meu amor pela Mangueira vem do meu pai, o carinho pela Portela tem raízes na minha mãe. Sua irmã, uma amante inveterada do carnaval, na juventude foi madrinha de bateria de um tradicional bloco do subúrbio, o Batutas do Méier e seu sonho sempre foi desfilar na avenida vestida com o azul e branco de Madureira. Cresci no meio desse carnaval de cores e batucadas e a primeira vez que ouvi a Surdo Um tocar na quadra da verde-rosa, chorei.

Senti a mesma sensação ao ver a torcida do Flamengo no Maracanã. A relação entre o morro da Mangueira, o Maracanã e o Flamengo sempre foi muito estreita na minha cabeça e só mais tarde entendi que essa conexão ia além das fronteiras da minha imaginação e da proximidade geográfica entre o estádio e o morro. Ela dialoga com uma força popular e estética que só tive contato na quadra da verde-rosa e no antigo estádio de concreto com a torcida do Flamengo.

Era comum ouvir de forma pejorativa que em dia de jogo do rubro-negro no Maraca o morro da Mangueira descia, pude constatar que era verdade e me orgulhava disso. Para nós, aquela provocação era um elogio e tínhamos orgulho de ser reconhecidos pelos rivais como a torcida da favela e de ter o Maracanã como meio de inclusão social. Enquanto escrevo, sinto saudade dessa época.

O último ensaio na quadra da Mangueira antes do desfile no Sambódromo, trouxe a tona essas memórias e me encheu de esperança.

Pega a visão: o enredo deste ano tem uma potência incrível. Fala de um Jesus que retorna vindo do morro de Mangueira, onde Ele é homem, é mulher, é negro, é indígena e pode ter qualquer religião. É Jesus da Gente, nascido no morro. Um Cristo que é representado pelas diferenças e não apenas por um homem branco. Neste enredo, a Mangueira mantém sua posição em defesa das minorias e é vítima de ataques conservadores de todos os tipos, o que faz o canto de trechos do samba que tem como referência a resistência popular ser ainda mais forte e será assim domingo de carnaval, na avenida. Essa potência está presente também na bateria Surdo Um, que chama seu povo para cantar no sincopado dos tambores.

Ao fim do ensaio, a bateria desceu do palco que mais se parece com um altar e como numa procissão, todos seguiram atrás da verde-rosa até sair da quadra para tocar na rua ao raiar do sol, que iluminou pouco a pouco o mar de pessoas que vestiam verde-rosa-vermelho-preto.

Durante a batucada com o canto forte do samba pelo povo, as lágrimas escorreram novamente como na primeira vez.