VIVA OS CLUBES PEQUENOS
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
É muito comum ouvirmos que determinado treinador está desatualizado, que tal jogador não se encaixa nos padrões atuais do futebol e até que alguns comentaristas esportivos ficaram ultrapassados. Mas o que é preciso para ser inserido, respeitado, nesses três grupos?
No primeiro caso, desembolsar alguns milhares de reais para fazer o curso da CBF e sair falando “um terço do campo” e outras frases de efeito. No segundo, virar um velocista e comemorar porque correu não sei quantos quilômetros durante uma partida. E no terceiro, também fazer o curso da CBF e citar nas bancadas, durante as transmissões, expressões como “amplitude” e “entrelinhas”.
Por falar nisso, assistindo uma partida da segunda divisão do Campeonato Paulista, ouvi um comentarista dizer que tal jogador quebrou a bola! E desde quando a bola virou pedra para ser quebrada? Seguindo essa cartilha, você ganhará muitos tapinhas no ombro de seu chefe. E fiquem tranquilos porque na entrevista ninguém vai pedir para você fazer embaixadinhas, dominar no peito, cabecear e bater faltas. Não é preciso dominar essa prática para exercer as três profissões. Basta falar com firmeza, contar algumas piadinhas e pronto. Camisa pólo também funciona. No caso dos jogadores, correr, correr muito! E só.
Mas a boa notícia é que a paciência do torcedor está se esgotando e nem no Sul tolera-se mais essa história de jogar pelo resultado. Por isso, tenho vibrado quando vejo um Caxias vencendo o Grêmio, Tombense, América e Caldense liderando o campeonato mineiro, Fluminense, de Feira, e Atlético fazendo boas campanhas na Bahia, Boavista chegando a uma final, no Rio, e Santo André, Mirassol e Inter de Limeira aprontando em São Paulo.
Acredito que a mudança venha dos clubes de menor expressão, com menos poder aquisitivo. Tenho visto jogadores muito bons de bola nos times do interior paulista. Assisto os jogos até da Segunda Divisão e, ali, encontro jogadores com a essência da várzea, ousados, atrevidos, sem esses vícios malditos impostos pelos diplomados da CBF. O mesmo acontece em times do Nordeste.
Vibrei com a goleada do Atalanta contra o Valência. Gian Piero Gasperini comanda o Atalanta há quatro anos e minha esperança é que esses Davids comecem a derrubar os Golias em sequência. O problema é quando o David começa a inflar e vira Golias, mais ou menos o que vem acontecendo com o Tiago Nunes, que sempre elogiei, mas incorporou o discurso de Tite e Fábio Carille desde que assumiu o Corinthians. Vive se explicando e não foi diferente na derrota para o Água Santa, outro David de minha coleção. Quem foi ver o Luan, do Corinthians, conheceu o 10 do Água Santa, Luan Dias, que fez um golaço!
Tirando Jorge Jesus, os treinadores estrangeiros também não andam em uma fase boa por aqui. O português Augusto Inácio foi demitido do Avaí recentemente, o venezuelano Rafael Dudamel, do Atlético-MG, ainda não conseguiu encaixar o time e o Santos de Jesualdo Ferreira não é o mesmo da temporada passada, de Sampaoli.
Que os Davids multipliquem-se, com seus jogadores baixos, magrelos e ensaboados, e que eles sejam os grandes responsáveis pela redenção de nosso futebol enterrado em algum lugar do passado.
A AULA DA SAUDADE DO “MR FOOTBALL”
por Victor Kingma
Assim que terminou o coletivo naquele grande clube, o treinador reuniu os seus melhores chutadores para treinarem cobranças de faltas.
Toda uma infraestrutura, então, foi cuidadosamente montada: barreira móvel, bolas novas, escolha do melhor ângulo para os chutes, etc, etc. Nada faltando para facilitar a vida dos “craques”.
Na beira do gramado um senhor magro e esguio, de cabelos grisalhos, calça jeans e tênis, a tudo observava.
Iniciadas as cobranças, os chutadores vão se revezando nos chutes e após várias tentativas, sem muito sucesso, a bola toca na barreira e corre até a lateral do campo onde estava o velho senhor.
Esse, então, a levanta com o bico do tênis, faz duas embaixadas com surpreendente habilidade, a coloca debaixo do braço e se dirige, altivo como um príncipe’, para dentro do gramado.
– Vai tentar também, seu Waldir? -Brinca o jovem treinador.
O senhor de cabelos grisalhos ajeita carinhosamente a pelota no local da cobrança, dá quatro passos para trás, corre vagarosamente e a toca com incrível precisão.
A bola passa sobre a barreira, descreve uma meia parábola e pousa suavemente na rede…
Como se fosse uma “Folha Seca”.
E diante dos olhares incrédulosdaqueles jovens e milionários atletas, de cabelos e chuteiras coloridas, vai deixando lentamente o gramado.
Da arquibancada, um velho e solitário torcedor, como se assistisse a um vídeo tape do passado, exclama eufórico:
– VALEU, DIDI!
PS: Waldir Pereira, o grande Didi, o inventor da “Folha Seca, foi o maestro e o ponto de equilíbrio de uma seleção que tinha Nilton Santos, Garrincha e Pelé, entre tantos outros craques consagrados. Eleito o melhor jogador da copa do mundo de 1958, na Suécia, foi aclamado pela imprensa internacional como “Mr. Football.”
Ídolo das torcidas do Fluminense e Botafogo, onde viveu seus melhores momentos na carreira, nasceu em Campos dos Goytacazes em 08 de outubro de 1928 e faleceu no Rio de janeiro, em 12/05/2001, aos 72 anos, poucos dias após essa homenagem ser escrita.
BEBETO, O CRAQUE SORRISO
por Luis Filipe Chateaubriand
José Roberto Gama de Oliveira, o Bebeto, foi um dos maiores craques que o Brasil já viu em ação.
Como jogava a criança sorridente!
Certa vez, o jornalista Fernando Calazans deu uma definição absolutamente perfeita do que é o futebol de Bebeto: liso e escorregadio!
Bebeto era liso, porque fazia as jogadas que passavam por seu pé fluírem. Ágil tanto nos movimentos como no raciocínio, fazia a bola girar rapidamente, seja para os companheiros, seja para o gol.
Escorregadio porque Bebeto não era facilmente achado pelos marcadores, pois sua movimentação, sua ginga, sua técnica, deixavam os caras malucos, como ele mesmo gostava de dizer.
Especialista em voleios, não importava se a bola vinha à meia altura ou bem alta, os golpes eram certeiros e plasticamente maravilhosos, o que fazia do baiano um bailarino da bola.
Excelente cobrador de faltas, sabia batê-las tanto com força como colocadas. Sua bola saía com uma agilidade tal que era difícil o alcance dos goleiros.
Ótimo cabeceador, tinha impulsão incrível para quem era relativamente baixo, ia no “último andar” testar as bolas mais improváveis.
Quando provocado pela torcida rival, crescia em campo. Quase sempre, fazia um gesto para os adversários, como se dissesse “espera”. E, dali a pouco, vinha o gol memorável, fruto de uma jogada brilhante, como que a dizer, nas palavras do Mestre Armando Nogueira, que “Deus castiga a quem o craque fustiga”.
Pelo Flamengo, castigou o Vasco da Gama. Pelo Vasco da Gama, castigou o Flamengo. Pelo Deportivo La Coruña, deixou os espanhóis boquiabertos. Pela Seleção Brasileira, encantou o mundo por quase 15 anos.
Deixou para a posteridade lances incríveis, como uma bicicleta no jogo de ida da final da Copa União de 1987 contra o Internacional (pelo Flamengo), o gol “dois para lá e dois para cá” em que “deitou e rolou” no coitado do André Cruz (pelo Vasco da Gama) e o gol “Eu te amo” pela Seleção Brasileira, em que, depois do preciso passe de Romário, fez uma jogada de bilhar, colocando a bola no único local que ela poderia entrar em gol.
Bebeto foi gênio! Fato! Com a bola nos pés, e até sem ela, o baiano fez misérias por todos os lugares em que jogou.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.
VÃO TE INVENTAR MIL PECADOS
por Leandro Ginane
Conheci o universo das escolas de samba nos anos oitenta, creio que em 1987 quando eu tinha 8 anos. Meu pai, mangueirense roxo, junto com minha mãe nos levava aos domingos de carnaval para ver os carros alegóricos que iriam desfilar à noite na Sapucaí e ficavam enfileirados na Avenida Presidente Vargas perto do Balança mas não Cai esperando a hora da festa. Na verdade, o que ele mais queria é que a gente conhecesse a verde-rosa e foi uma forma criativa e gratuita que encontrou na época.
Naquele ano, a Mangueira foi campeã com um enredo sobre Carlos Drummond de Andrade. Este certamente foi o primeiro contato que tivemos com o poeta, que se tornou anos depois uma referência importante para o meu irmão. Os sambas-enredos aliás foram uma grande aula de história no decorrer da minha infância, foi por eles que conheci Zumbi dos Palmares, Chico Buarque, Dorival Caymmi e tantos outros personagens da cultura popular brasileira.
Além das histórias contadas pelos carros alegóricos, ampliadas pelo meu pai, o momento em que encontrávamos a águia da Portela também me marcava. Quando avistava de longe as asas imponentes no abre alas, meu coração disparava. Tudo parecia tão maior do que é.
Enquanto meu amor pela Mangueira vem do meu pai, o carinho pela Portela tem raízes na minha mãe. Sua irmã, uma amante inveterada do carnaval, na juventude foi madrinha de bateria de um tradicional bloco do subúrbio, o Batutas do Méier e seu sonho sempre foi desfilar na avenida vestida com o azul e branco de Madureira. Cresci no meio desse carnaval de cores e batucadas e a primeira vez que ouvi a Surdo Um tocar na quadra da verde-rosa, chorei.
Senti a mesma sensação ao ver a torcida do Flamengo no Maracanã. A relação entre o morro da Mangueira, o Maracanã e o Flamengo sempre foi muito estreita na minha cabeça e só mais tarde entendi que essa conexão ia além das fronteiras da minha imaginação e da proximidade geográfica entre o estádio e o morro. Ela dialoga com uma força popular e estética que só tive contato na quadra da verde-rosa e no antigo estádio de concreto com a torcida do Flamengo.
Era comum ouvir de forma pejorativa que em dia de jogo do rubro-negro no Maraca o morro da Mangueira descia, pude constatar que era verdade e me orgulhava disso. Para nós, aquela provocação era um elogio e tínhamos orgulho de ser reconhecidos pelos rivais como a torcida da favela e de ter o Maracanã como meio de inclusão social. Enquanto escrevo, sinto saudade dessa época.
O último ensaio na quadra da Mangueira antes do desfile no Sambódromo, trouxe a tona essas memórias e me encheu de esperança.
Pega a visão: o enredo deste ano tem uma potência incrível. Fala de um Jesus que retorna vindo do morro de Mangueira, onde Ele é homem, é mulher, é negro, é indígena e pode ter qualquer religião. É Jesus da Gente, nascido no morro. Um Cristo que é representado pelas diferenças e não apenas por um homem branco. Neste enredo, a Mangueira mantém sua posição em defesa das minorias e é vítima de ataques conservadores de todos os tipos, o que faz o canto de trechos do samba que tem como referência a resistência popular ser ainda mais forte e será assim domingo de carnaval, na avenida. Essa potência está presente também na bateria Surdo Um, que chama seu povo para cantar no sincopado dos tambores.
Ao fim do ensaio, a bateria desceu do palco que mais se parece com um altar e como numa procissão, todos seguiram atrás da verde-rosa até sair da quadra para tocar na rua ao raiar do sol, que iluminou pouco a pouco o mar de pessoas que vestiam verde-rosa-vermelho-preto.
Durante a batucada com o canto forte do samba pelo povo, as lágrimas escorreram novamente como na primeira vez.
Oberdan
O ZAGUEIRO QUE NÃO DESAFINA
texto e entrevista: Eduardo Lamas | fotos e vídeo: Fernando Gustav
Onde Oberdan está, o sucesso é certo. Oberdan Nazareno Vilaín, 74 anos, é, desde os anos 80 um empresário extremamente bem-sucedido. É o presidente do Grupo JAN, que – entre muitos outros – tem como principal produto a Água Mineral Imperatriz. Mas antes e sempre será lembrado pelo grande público fã do futebol por ter escrito o seu nome na História de Santos, Coritiba e Grêmio, onde conquistou uma quantidade enorme de títulos e amigos.
Numa tarde ensolarada do fim de novembro ele nos recebeu em seu belo e recém-reformado apartamento no Centro de Florianópolis com a simpatia que já demonstrara nas conversas para o agendamento da entrevista. E não faltaram histórias, dos mais diversos tipos, ilustradas por um farto material fotográfico e jornalístico que mantém com muito carinho e cuidado em seu poder. As mais divertidas, sem dúvida, são as que viveu ao lado de Pelé, com quem jogou de 1965 a 1974. Mas, no Coritiba, onde começou e depois retornou na década de 70 para conquistar mais títulos, e especialmente no Grêmio, viveu também momentos muito especiais.
Na verdade, a conquista do título gaúcho de 1977 muitas vezes parece ser o mais importante da História do Grêmio, não sendo esquecida jamais por seus torcedores, mesmo por aqueles que nem eram nascidos na época. Também, o Inter havia conquistado os oito estaduais anteriores. E Oberdan foi para o Tricolor Gaúcho quando já se preparava para encerrar a carreira, graças a Telê Santana. E comandou a equipe em campo, anulando – como prometera assim que chegou – Escurinho, o terror gremista nos Grenais. É com emoção que ele revive as homenagens que recebe ainda hoje por causa daquela conquista.
Esta sensibilidade mostra que o zagueirão que não gostava de ficar fora de partida alguma e que era implacável com os atacantes adversários tem um coração enorme. E ele mostra nesta entrevista o seu lado romântico, tocando violão e cantando, e também uma certa timidez, pois relutou a aceitar o pedido para que mostrasse seus talentos musicais. Nesta eu consegui vencer o grande zagueiro, mas tenho certeza de que ele ficou feliz. Assim como eu, o cinegrafista Fernando Gustav, o motorista Vander Schons e todos que assistirem ao vídeo.