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OLHOS NOS OLHOS

por Rubens Lemos


Olhar nos olhos é a tradução intuitiva da verdade e do caráter. Desconfie de quem conversa com você de luz baixa, desviando a vista ou franzindo o cenho. Esse é um traiçoeiro certificado.  Olhar nos olhos, nos cafundós sertanejos, tem o poder do papel passado. Fechado o assunto, acertado o pacto, é ir dormir sossegado. 

O fraco sem personalidade, o boboca passado para trás (em qualquer aspecto), o avarento de placenta e sem autoridade mínima, é esquivo em geral. Anda desconfiado, vislumbrando o chão, no máximo balança a cabeça em cumprimento, como fazem os ratinhos bípedes, ratos de duas pernas. 

O homem que não olha nos olhos se cerca mal. Põe puxa-sacos deslumbrados para tomar as medidas que evita assumir por covardia, a sua tatuagem invisível. É uma pústula, um desprezível acompanhado por outras catitas de laboratório. 

O ABC adaptou para si a fábula acima. É um clube insosso, sem compromisso com suas raízes, dominado por quem não o conhece, não respeita sua história e, logo o clube da Frasqueira, pisoteia primeiro os humildes. 

É claro que a pandemia do Coronavírus vai levar empresas a enxugar seus quadros por falta de dinheiro. Confinado, ninguém compra. Fechado, ninguém vende. Os vampiros do ABC usam tal discurso para justificar a perseguição aos funcionários. Menos a verdade. Para dar o exemplo, eles saíssem primeiro. Puxando pela mão o inútil que despejou por incompetência redundante o clube na Série D. 

O símbolo de todos os jogados fora é o roupeiro Joca, R$ 2.500 de salário, sobre quem escrevi há semanas uma crônica de domingo. Joca é(era) o roupeiro mais antigo do Brasil. Foi tema de reportagem da Revista Placar, é um servidor padrão, chegou menino ao ABC do qual conhece cada centímentro. 

Joca tem(tinha) 52 anos de clube. João, Bernardo em homenagem ao Santo Claraval combatente de mentiras  e heresias, arrumou o uniforme de um jovem loiro nascido nas encruzilhadas das Salgadeiras e das Sete Bocas, periferia próxima ao Cemitério do Alecrim(o maior de Natal). O menino de 17 anos atendia por Marinho Chagas, maior esportista do Estado pelos séculos, amém. 

Joca chegou antes de Marinho ao clube do povo. Era do povo. Lá na sede de Morro Branco, que não existe mais como a instituição prostituída pelos seus inquilinos atuais. Em 1970, com Joca moleque e Marinho também, o ABC quebrou um tabu de quatro anos sem títulos. Com ambos, o Deus Banto da bola potiguar, Alberi.


Joca estava no tetracampeonato de 1973, o do time de Erivan; Sabará, Edson, Telino e Anchieta; Maranhão, Danilo Menezes e Alberi; Libânio, Jorge Demolidor e Moraes. 

Joca estava no timaço que evitou o tricampeonato do América em 1976: Hélio Show; Fidélis, Pradera, Wagner e Vuca; Draílton, Danilo Menezes e Zé Carlos Olímpico; Noé Silva, Reinaldo e Noé Macunaíma. 

Como estava Joca em 1983, no sonho tocado de primeira por Dedé de Dora, Marinho Apolônio e Silva em orquestra com Lulinha; Alexandre Cearense, Joel, Alexandre Mineiro e Dudé; Nicácio, Dedé de Dora e Marinho Apolônio; Curió, Silva e Djalma. 

Em contas que faço – duvido consigam os carrascos -, Joca participou de 24 dos 55 títulos estaduais do ABC, ou do Ex-ABC.  Joca está na biografia de mais da metade dos campeonatos conquistados. De seis Taças Cidade do Natal. Fora torneios interestaduais e locais para ocupar agenda vazia.

Promovendo um festival de cabeças cortadas, a ridícula e pior gestão do ABC joga para debaixo do tapete, histórias tenebrosas de uma pequena auditoria que flagrou gastos inexplicáveis como o uso de um cartão corporativo no valor de 118 mil reis, ou 47 salários de Joca. Vão deixar por isso? Ou a conveniência da cumplicidade vale para os poderosos e prepostos de costas quentes? Os humildes temem a Deus.

Cadê o ABC? Tem Conselho Fiscal? Joca é um simplório, entrava em campo vestido de frade, de sacristão, da religião alvinegra. Está no desenho escrito por Victor-Marie Hugo: “De que adianta triunfar sobre uma multidão de humilhados e famintos?”. Só miseráveis tripudiam. 

O DIA EM QUE DOPARAM DIDI

Embora justamente condenável, o doping era algo corriqueiro no futebol do passado. Craques de outrora confessaram ter sido dopados. Zizinho, Almir e Amarildo são três notórios exemplos. Didi também foi dopado uma única vez sem que soubesse. O Mr.Football confirmou a história ao repórter Ronaldo Boscoli).

por André Felipe de Lima


Antes de os mecanismos de detecção em laboratórios ganharem notoriedade a partir dos anos de 1970, o doping no futebol brasileiro era mais corriqueiro do que hoje se imagina. Há depoimentos históricos de grandes ídolos que reconheceram ter recorrido às populares “bolinhas” — termo corriqueiro do universo do futebol para substâncias estimulantes proibidas no meio esportivo. Zizinho (“Dão sim. Eu mesmo tomei muito”) e Almir Pernambuquinho (“Naquele Santos x Milan de 14 de novembro de 1963, aqui no Maracanã, eu entrei muito doido no campo”) se tornaram casos célebres. Houve também o caso em que o médico do Flamengo Paes Barreto foi acusado de dopar os jogadores durante a intensa campanha do tricampeonato do rubro-negro em 1942, 43 e 44. Quando Barreto seguiu para o Botafogo, a mesma acusação foi feita em relação à campanha vitoriosa do alvinegro no campeonato carioca de 1948. Algo que jamais saiu do território das especulações e calúnias. Mas o médico confirmou, na época, que realmente dava pílulas vitaminadas para deixar os jogadores mais “animados” antes de cada jogo. Nilton Santos — comentava-se nos bastidores — cuspia escondido as “milagrosas” pílulas do dr. Barreto.

Amarildo é o outro exemplo. O jogador estava prestes a ser convocado para a Copa de 1966, na Inglaterra, quando num papo informal com o médico do escrete, o dr. Hilton Gosling, que mostrou-se surpreso com o incomum estado físico do jogador, confessou que o uso das “bolinhas” era “normal” no futebol italiano. Gosling ficou abismado com o que acabara de ouvir do “Possesso”, e Amarildo acabou sacado do escrete. Não se sabe, ao certo, se por essa história ou se por índice técnico.

A notória relação de Almir Pernambuquinho com as “bolinhas” chegou ao seu livro autobiográfico (Eu e o futebol), no qual ele fala abertamente sobre doping no futebol brasileiro. Mas — antes de o livro surgir pelas penas dos repórteres Fausto Netto e Maurício Azêdo — Almir já alardeava, sem pudor, que às vezes ingeria estimulantes, o que João Saldanha ouviu do próprio craque em uma roda de conversa na praia, em frente à rua Miguel Lemos, em Copacabana. Havia testemunhas, disse ele ao então repórter Mário de Moraes, o primeiro vencedor do lamentavelmente extinto Prêmio Esso de Jornalismo.

Durante nossas infindáveis leituras da história de cada um destes grandes jogadores do passado, deparei-me com um depoimento bombástico de Didi, cujos detalhes, confesso que desconhecia e não me recordo de ter identificado essa informação na excelente biografia dele (Didi, o gênio da folha seca) assinada por Péris Ribeiro. Caso tenha sido desídia da minha parte, desde já minhas sinceras desculpas.

Mas a reportagem da revista Manchete Esportiva estampa o seguinte título: “Eu já fui dopado”. Quando falou ao então repórter Ronaldo Boscoli, Didi estava em plena forma e a Copa da Suécia, em 1958, se avizinhava. Mas ele, embora tenha se consagrada na reta final das eliminatórias para o Mundial, ainda era visto com desconfiança por muitos, que, frise-se aqui, não deviam regular muito bem da cabeça. O ídolo chegou a confessar à esposa Guiomar que desejava abandonar a carreira nos gramados. Guiomar o dissuadiu para o bem da história do nosso futebol. Um dia, ele não aguentou mais, e disse tudo a Boscoli:


— Fico realmente indignado, toma conta de mim o desânimo quando já perto dos trinta anos assisto a tantos desmandos no Brasil esportivo. Fico revoltado com as intrigas a mim atribuídas — e Didi faz as maiores revelações de suas carreiras — dá vontade de desabafar, de falar o que sei. Chamam-me de descansado, de moleque. Queria que esses homens estivessem na minha pele em diversas ocasiões. Lembro-me de um Pan-Americano, o de 52. Eu nem podia tocar o pé no chão, imagine você chutar assim. Pois bem, eu mesmo arrumei um pedaço de borracha plástica (vulcanizada) e adaptei à chuteira. Quando fiz o primeiro gol caí de dor. Disseram que foi emoção… se emoção doesse tanto o mundo inteiro seria bem mais calmo.

Boscoli então indaga:

— Mas por que você não tomou uma injeção?

Didi responde:

— Essa não. Fui na conversa uma vez para nunca mais. Posso dizer-lhe que fui dopado, sem saber, durante um jogo de campeonato. Faz algum tempo. Quando cheguei em casa parecia que ia estourar. A cabeça rodando, o coração aos pulos. Injeção, sem eu ver antes, nunca mais. Você não pode imaginar o que significa jogar seguidamente, sempre visado, sempre assediado.

Pela história ilibada do Didi, certamente o doping sobre o qual falou ao Boscoli não foi intencional. Como o próprio Almir alertara no livro Eu e o futebol, havia aqueles que sabiam estar sendo dopados e outros — como o Didi — que entravam de “bucha” na história. Se o que ocorreu com Didi acontecesse hoje, o craque estaria encalacrado, porém sem culpa no cartório.

Futebol, uma “caixinha de surpresas”… surpresas que nem sempre são boas e saudáveis para o esporte.

HOJE SONHEI COM UM ESTÁDIO

por Claudio Lovato Filho


No começo, ele estava lotado. Crianças, adultos e velhos. Cantos, batucada. Bandeiras, faixas e trapos por todos os lados. Uma festa.

Mas de repente começaram a surgir os clarões.

Primeiramente, pequenas áreas esparsas; depois, grandes espaços vazios em todos os lugares avançando como sombras sedentas de mais escuridão.

As bandeiras, faixas e trapos voaram, sugadas pelo céu cinza-chumbo.

Então o estádio desmoronou.

Foi assim: pedaço por pedaço, seção por seção, anel por anel – até não sobrar nada além de um vasto terreno descampado pedregoso, calcinado e deserto.

Nesse ponto acordei.

Um pouco mais tarde, com uma caneca de café na mão e o olhar preso no horizonte através da janela da sala, pensei numa passagem de “A Estrada”, de Cormac McCarthy:


Eu disse ao garoto que quando você sonha com coisas ruins significa que você ainda está lutando e que ainda está vivo. E quando você começa a sonhar com coisas boas é a hora em que você deve se preocupar”.

O dia prosseguiu em seu novo modo quarentena. Na minha cabeça e no meu coração se fortalecia o desejo de continuar sonhando com coisas ruins desde que isso signifique continuar tendo ao meu lado aqueles de quem preciso e que precisam de mim e fazer por eles o melhor que eu puder, colhendo de volta a possibilidade de, com eles, poder olhar para o céu à noite e falar da Lua, da brisa leve e das estrelas.

Mais adiante, quem sabe, conforme eu continuar a ter sonhos ruins, talvez eu possa ver acontecer coisas como o surgimento de novas e melhores formas de relacionamento entre as pessoas, junto com o retorno de velhas alegrias, coisas simples e maravilhosas como as caminhadas no parque, as confraternizações com os amigos do peito e os estádios lotados.

A SUDERJ INFORMA: SAEM OS INCONSEQUENTES E ENTRAM OS SOLIDÁRIOS

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Por mais incrível que possa parecer, festeiro assumido, sempre gostei de me concentrar. Sinuca, ping-pong, carteado, os amigos reunidos, a troca de ideias, piadas, as histórias dos mais experientes. Para mim, concentração era como estar em família. Talvez, por isso, não tenha me adaptado ao modelo sugerido pela Democracia Corinthiana, de Sócrates, Casagrande, Wladimir & Cia. Mas, dessa vez, a concentração virou clausura. Por conta desse maldito coronavírus minha vida resume-se a casa, padaria, padaria, casa.

Os canais esportivos, sem muitas alternativas, reprisam jogos antigos, pelo menos isso. Gol do Ailton Lira, de falta! Que arrancada do Elói! Moreno, quanta categoria! Esses jogadores não existem mais, foram devastados pelo vírus do anti-futebol. Outro dia, achei um DVD antigo do Júlio César Uri Geller em que ele dizia que nunca treinou um drible, era natural, surgido nas peladas da favela. Hoje tudo é maquiado, os jogadores, os estádios. Os vírus já nos destroem há tempos. A conta chegou. As ruas estão vazias e até os ateus pedem ajuda divina. O que fizeram com o mundo? As lideranças são nulas. Nossa seleção é pífia, nosso Brasil está destroçado.

Odeio política e sigo a linha de Cazuza, “meu partido é um coração partido e as ilusões estão todas perdidas, os meus sonhos foram todos vendidos tão barato que eu nem acredito”. Estou sozinho em casa e o vírus bate em minha porta. Como se não bastassem os vírus da corrupção, da violência e do preconceito. Esses já arrombaram a porta faz tempo. O problema desse corona é que não tem para onde correr, o mundo está contaminado, até mesmo as potências mundiais. Somos todos iguais e talvez esse vírus seja um ensinamento, o de que estamos no mesmo patamar, carne e osso.

Com 70 anos faço parte do grupo de risco, mas vejo pessoas organizando festas, indo à praia, desrespeitando a vida dos outros. Enquanto isso os médicos se esfolam de trabalhar. O egoísmo é o pai desse vírus. Nós fabricamos os piores vírus. Mas a Suderj informa, saem os inconsequentes e entram os solidários. A solidariedade sempre vence. Sou osso duro de roer, nunca operei os joelhos, nunca tive uma contusão séria. Sou do tempo do Quarentinha, não da quarentena. Carrego a estrela no peito e se durmo ao som de Cazuza apostando que minhas “ilusões estão todas perdidas” acordo com Gilberto Gil me reerguendo… “andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá”.

 

Helinho

O PONTA QUE LEVANTAVA A GALERA

Se nos tempos atuais os pontas são raridades no Brasil e no mundo, houve uma época em que a posição era recheada de craques, sobretudo no futebol carioca. No Fluminense, Robertinho, no Vasco, Katinha, no Bangu, Marinho e no Botafogo, Helinho! Esse último recebeu a equipe do Museu da Pelada no seu bar, na Taquara, para uma resenha de altíssimo nível que contou com a presença de Stepan Nercessian, Léo Russo e muito mais!

Com direito a muito churrasco e cerveja gelada, fomos muito bem recepcionados e, como era de se esperar, o papo fluiu naturalmente. O Botafogo, claro, foi o assunto principal, mas foi no Vasco que Helinho deu seus primeiros passos no futebol.

– Eu joguei nos juniores do Vasco por dois anos, mas um auxiliar do clube foi para o Botafogo e, sabendo da minha paixão pelo alvinegro, me levou junto com mais três!

Daquele dia em diante, o craque começou a construir sua bela história no clube e logo caiu no gosto da torcida, que delirava com os dribles desconcertantes do craque pelas laterais.

Apesar do seu talento, Helinho vestiu a camisa do Glorioso em uma época de jejum de títulos. Mesmo assim, fez mais do que o suficiente para se tornar ídolo do clube!

– Minha maior tristeza no futebol foi não poder ter feito mais pelo Botafogo por causa do meu joelho e por outras coisas também. Eu acho que eu poderia ter dado mais! – se lamentou.

– Eu não concordo! Helinho é uma pessoa marcante e tem um jeito simples de ser que carrega desde os tempos em que era o ídolo maior do Botafogo numa época muito sofrida! – disparou Stepan.

Responsável por infernizar a vida dos marcadores adversários e por facilitar o trabalho dos atacantes da sua equipe, o ponta não titubeou ao ser perguntado sobre quem foi o seu maior parceiro de ataque:

– O Cláudio Adão era muito inteligente, se posicionava muito bem. O Baltazar também jogava muito, mas era muito fominha! – relembrou para a risada de todos.

Durante o papo, Helinho também resgatou uma história curiosa. Em um clássico contra o Flamengo, após marcar um gol no Maracanã, correu para a Geral e se deparou com um flamenguista saltitando de alegria. Ao olhar com mais atenção viu que tratava-se do seu vizinho.

Embora todos saibam do carinho da fera pelo alvinegro, outro ponto da alto da resenha foi sua declaração de amor ao Botafogo:

– Eu não queria ser jogador de futebol, eu queria jogar no Botafogo! Tanto é que, depois que eu saí, eu já estava querendo parar de jogar, já não sentia mais aquela tesão.

Para fechar a resenha, o músico e compositor Léo Russo puxou uma música e a rapaziada acompanhou: “Todo mundo tem defeito, cada um com jeito de ser. Ninguém no mundo é perfeito…”.

Assistam ao vídeo e confiram essa resenha completa!