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O DIVINO ADEMIR DA GUIA: O ‘FILÓSOFO’ DO IRMÃO DUDU

por André Felipe de Lima


Por incrível que pareça o maior jogador da história do Palmeiras vestiu a camisa canarinho em apenas 11 ocasiões, e sem marcar um gol sequer.

Era grande a expectativa para a convocação de Ademir da Guia para a Copa de 1970. Quando Zagalo assumiu o lugar de João Saldanha no comando do escrete brasileiro, as chances de o ídolo palmeirense ir ao mundial ficaram ainda mais reduzidas. A imprensa, sobretudo a paulista, questionava: Qual, afinal, a diferença de Ademir para Rivelino, Gérson ou Dirceu Lopes? A resposta? Difícil encontrá-la. 

Um mês antes de a Copa começar, Ademir, em entrevista ao repórter Michel Laurence, tentava encontrar uma justificativa para a visível indiferença a que os técnicos da seleção o submetiam. “A convocação de um jogador para a seleção é mais uma questão de política. Por exemplo: o futebol carioca está mal e, no entanto, muitos de seus jogadores foram convocados. Eu teria mais oportunidade se o técnico da seleção fosse de São Paulo. O jogador que não estiver nos planos do técnico dificilmente é chamado. Saldanha só saía do Rio para observar Gérson ou Rivelino. Ele não ligava para os outros. O ruim é que na minha posição estão os maiores jogadores do Brasil. Um deles é Gérson, que hoje toca muito a bola para os lados. Isto é, faz exatamente o jogo que me fez tão criticado. Eu não posso dizer que seria útil à seleção Brasileira. Ninguém pode dizer isso antes de jogar. Eu só estive lá em 65 e agora é tarde para voltar. Na outra Copa estarei muito velho.”

Confiante no talento de Ademir e de sua importância para o sucesso na Copa de 74, o técnico Osvaldo Brandão declarou que o craque poderia fazer o mesmo papel de Tostão na seleção de 70, jogando com a camisa nove e correndo em todos os lugares do campo. O certo é que Ademir acreditava nunca ser lembrado: “Não vão me convocar e muito menos fazer de mim um centroavante.”

Quatro anos após a vitoriosa campanha do “tri”, “velho” ou não, Ademir da Guia acabaria convocado por Zagalo para a Copa a ser realizada na Alemanha. Seria o reserva de Rivelino. No jogo contra a Polônia, na disputa pelo terceiro lugar da competição, iniciaria a partida como titular. Mesmo assim muitos afirmariam sempre que só foi escalado porque o zagueiro Luís Pereira [ex-Palmeiras] estava suspenso por ter sido expulso no jogo anterior, contra a Holanda, e que Paulo Cezar Caju [ex-Botafogo] estava machucado. No segundo tempo do jogo contra a Polônia, Ademir não retornou ao campo. Quem despontou no túnel foi Mirandinha [ex-São Paulo].

Domingos da Guia afirmara que a Copa de 74 revelaria Ademir como um novo Didi para a seleção brasileira, especialmente por conta da capacidade de o meia lançar bolas de longa distância, igualmente ao craque do “bi” mundial, em 58 e 62: “Nos 40 lançamentos que realiza por partida, acerta 39 e coloca seus companheiros na frente do goleiro”. Domingos estava, contudo, magoado com Gerson, que comentara com a imprensa que Ademir teria dificuldade para se adaptar ao esquema de Zagalo: “Gerson afirmou que Ademir não era jogador para a seleção. Eu o perdoo, porque quem fala demais sempre comete injustiças. Tenho pena do Gerson por causa de suas declarações infelizes. Meu filho, que é grande amigo dele, não merecia aquelas considerações. Gerson costuma esquecer facilmente os que lhe dedicam carinho e afeto.”

Ademir sempre declarou à imprensa nunca ter sentido mágoa de Zagalo ou de qualquer dirigente da seleção brasileira. Alguns creditam o ostracismo na seleção a uma perseguição velada. Ademir teria se atrasado, em 1968, para um voo que levaria a seleção a um jogo no exterior. O então chefe da delegação da antiga CBD [Confederação Brasileira de Desportos], Paulo Machado de Carvalho, teria se irritado com o atraso de Ademir. A história nunca foi confirmada.

Em 1977, quando estava prestes a abandonar os gramados, Domingos preferia levá-lo para o Vasco a vê-lo no banco de reservas e chegou a recomendar a Dudu, técnico do time, a não barrar Ademir. O craque, embora fosse um esmerado profissional e cuidadoso com a saúde, sofria há tempos de crises respiratórias. Chegou a submeter-se a duas cirurgias no nariz — suspeita de sinusite — para contornar o problema, de nada adiantou. Depois que abandonou o futebol profissional, ficou seis anos sem entrar em um gramado. Nem mesmo para uma descontraída pelada. Mas a quem lhe criticasse a resposta seria no gramado. 

Em abril de 1977, o Palmeiras derrotou a Portuguesa de Desportos pelo placar de 3 a 2. Ademir marcou dois gols e deu o passe para o de Jorge Mendonça. O pai, eufórico, dizia aos jornalistas: “Vim para São Paulo porque soube que o Ademir estava parando. Trouxe até uma proposta do Vasco da Gama para que ele encerre a carreira no Rio de Janeiro; mas, depois do que vi, como não sou imbecil, nem vou falar com os homens do Palmeiras. O time não é mais o mesmo de dois, três anos atrás. Mas o Ademir é.”

Nem mesmo propostas ditas milionárias o afastaram do Palmeiras, como a feita pelo empresário Juan Figger querendo levá-lo para o Monterrey [México] e o Dallas [Estados Unidos]. Ademir balançou: “Não vou mentir. A proposta inicial [a do Monterrey] me pareceu muito boa e chegou a me fazer pensar com euforia”. Mas o Divino decidiu preservar a família e não se arriscou na “aventura”.

Após o fatídico ano de 1977, Ademir recebeu um convite para dirigir o time infantil do Palmeiras. As palavras do velho Moacir Bueno [ex-Bangu], ditas a ele, na época em que começava a carreira na categoria infantil do Bangu, devem ter ecoado na memória do craque naquela ocasião. Mas o status de maior estrela da história do Palmeiras não lhe garantiu uma vida financeira estável. Trabalhou em vários empregos. Alguns nada tinham a ver com futebol, como o de auxiliar de juiz classista.

Apesar de aquele jogo contra o Corinthians, em 1977, ter sido o último da carreira do Divino, faltava a Ademir uma festa de despedida, o que só aconteceu em no dia 22 de janeiro de 1984, em um jogo realizado no estádio do Canindé, da Portuguesa, entre os amigos do Palmeiras e um combinado paulista, que contou até com a escalação de Rivelino.

O combinado derrotou o time de Ademir por 2 a 1, que jogou apenas 36 minutos e recebeu do Sindicato dos Atletas Profissionais a renda do jogo. Cerca de 12 milhões de cruzeiros e 10 milhões doados por Pelé. Naquele ano, já estava separado da chilena Ximena, mãe de Mirna e Namir, dois dos filhos de Ademir e vivia da renda dos imóveis que mantinha em São Paulo e no Rio de Janeiro e da venda de calções da fábrica de um amigo. “Eu achava que a idade ideal para parar de jogar seria 35 anos. Quando cheguei aos 35, passei a achar que melhor seria parar aos 36. Se tivesse chegado aos 36, ia pensar em parar aos 37…”

Ergueram no Parque Antártica uma estátua para Ademir da Guia no dia 1º de setembro de 1986. No campo da literatura, alguns jornalistas, poetas e escritores se lembraram de Ademir. O maestro e escritor Kleber Mazziero de Souza é um deles. Mazziero publicou, em 2001, uma rica biografia sobre o craque intitulada “Divino: A vida e a arte de Ademir da Guia”.

Ao ler a obra de Mazziero, constata-se que a vida do genial jogador é mesmo coisa de cinema. Não deu outra. Do cineasta Penna Filho, nasceu, em janeiro de 2006, o documentário de longa-metragem “Um craque chamado Divino”, com imagens do saudoso Canal 100, da Cinemateca Brasileira e das emissoras de televisão Bandeirantes e Cultura.

A vida de Ademir não pode ser dissociada da trajetória de sua família. Foi assim com seus avós paternos e com o seu pai, o incomparável Domingos da Guia. Uma das marcas mais singulares dos Da Guia foi o zelo familiar. Ademir manteve essa tradição, procurando sempre conciliar a atribulada carreira nos gramados com a vida em casa. E não foi fácil.

Feriados, por exemplo, eram raros. Quando disponíveis, priorizava-se o convívio exclusivamente familiar em sua confortável casa na Vila Madalena.

Em abril de 1977 aconteceu uma dessas escassas oportunidades. Ademir desfrutou alguns dias de folga com os filhos Mirna, então com oito anos, e Namir, com sete, e Ximena. Saíram à noite para comer uma pizza e curtirem o domingo de Páscoa juntos… mas sem Namir, que fora levado por um amigo de Ademir ao Parque Antarctica ver o Palmeiras jogar, sem o pai em campo. O garoto voltou para casa decepcionado com o empate do Verdão com o Palmeiras em 0 a 0. “Paiê! Não gostei do time sem você.”

Assim sempre foi Ademir, relevante em casa e não menos imprescindível em campo.

CASAMENTO OU CONCENTRAÇÃO

Em 1967, o Palmeiras jogaria, no Maracanã, o terceiro e decisivo jogo da final da Taça Brasil, que classificaria o campeão para a Taça Libertadores da América. O primeiro jogo, em Recife, terminou 3 a 1 para o Verdão. No segundo, em São Paulo, o inesperado: vitória de 2 a 1 do Náutico. 

Ademir da Guia foi barrado do jogo por Mário Travaglini, que reprovou a ida do jogador ao Chile para buscar a noiva Ximena, que conheceu em Santiago de Chile, durante uma excursão do Palmeiras. Ademir, que adiara o matrimônio duas vezes, se casaria no dia seguinte ao confronto entre os times paulista e pernambucano. Mesmo assim, faltando 15 minutos para o término do jogo, Ademir entrou em campo e marcou o gol do Alviverde. No tira-teima do Maracanã, o Divino jogou desde o início, fez um gol e o Palmeiras saiu de campo campeão, com o placar de 2 a 0, sendo de César “Maluco” Lemos, o segundo tento.

Valeu o esforço de Ademir pelo casamento. No dia 23 de janeiro de 1969, nasceu Mirna, e, no ano seguinte, a 16 de fevereiro, Namir, o casal de filhos do primeiro casamento, com Ximena.

Muitos anos depois, Ademir casou-se novamente, em 1984, com Sueli Botelho Chimelo. De seu segundo matrimônio nasceu Ademirzinho, o filho caçula, que despontou nas divisões de base do Palmeiras e almejou o mesmo sucesso do avô e do pai no futebol.

Apesar do gosto pela terra natal, o Rio de Janeiro, Ademir mora até hoje no bairro de Perdizes, zona oeste da capital paulista. Chegou a ter cinco empregos, um deles o de vendedor de uma fábrica de um amigo, em Araraquara, e a treinar garotos no São Caetano e no Esporte Clube Sírio, por volta de 1989.

Poderia arriscar-se como técnico de futebol, mas o Divino optou pela política. Antes, porém, foi convidado para comandar a escolinha de futebol mantida pela Secretaria estadual de Esportes e Turismo de São Paulo, em 1991.

Em 2004, foi eleito vereador de São Paulo, mas, no ano seguinte, passou por um constrangimento fartamente repercutido pela imprensa.

Em setembro de 2005, Ademir foi acusado de reter parte do salário de funcionários de seu gabinete. O episódio, negado com veemência por Ademir, provocou seu afastamento do PCdoB, partido com o qual se elegeu em 2004 e para o qual foi levado por Aldo Rebello, palmeirense convicto, que anos mais tarde seria ministro dos Esportes do governo de Dilma Rousseff. Após o imbróglio de 2005, Ademir ingressou no PR para tentar se reeleger em 2008. Não conseguiu. Em 2010, insistiu, mas como deputado estadual, e novamente perdeu nas urnas.

Em 2012, tentou reingressar na política, candidatando-se a um cargo de vereador pela capital paulista. Conseguiu apenas 14.345 votos. Muito pouco para quem um dia arrastou multidões aos estádios de futebol, tornando-se, até hoje, uma unanimidade quando o assunto em pauta é sobre ídolos do Palmeiras. 

Evidentemente que sua trajetória na política não se compara a das quatro linhas do gramado de futebol. Uma situação não pode servir de parâmetro para a outra.

Foi dentro do gramado que o Divino levantou muitas taças e entrou para a história do futebol brasileiro como um de seus maiores ídolos. Foram cinco campeonatos paulistas [1963, 66, 72, 74 e 76]; dois brasileiros [1972 e 73]; dois torneios Roberto Gomes Pedrosa [1967 e 69]; uma Taça Brasil [1967]; um torneio Laudo Natel [1972]; o torneio Mar del Plata de 1972; três vezes o troféu Ramon de Carranza [1969, 74 e 75]; um torneio Rio-São Paulo [1965] e o torneio IV Centenário da Cidade do Rio de Janeiro, em 1965.

Dentre todas as reverências já feitas ao gênio Ademir da Guia, a mais simbólica foi escrita pelo poeta João Cabral de Melo Neto:

“Ademir impõe com seu jogo 

o ritmo do chumbo [e o peso], 

da lesma, da câmara lenta, 

do homem dentro do pesadelo. 

Ritmo líquido se infiltrando 

no adversário, grosso, de dentro, 

impondo-lhe o que ele deseja, 

mandando nele, apodrecendo-o 

Ritmo morno, de andar na areia, 

de água doente de alagados, 

entorpecendo e então atando 

o mais irrequieto adversário.”


Bravo, Divino! Bravo pela humildade que ostentou dentro e fora dos gramados. Bravo por — parafraseando o poeta Carlos Drummond de Andrade — rechaçar o “moderno” para transforma-se em “eterno”. Bravo, sim, por colocar o luxo em segundo plano. Não lhe saltava aos olhos carrões, seu sonho, disse uma vez a ex-esposa Ximena, era ter um simples fusca. “Há quem pague 400 mil cruzeiros por um Mercedes. Eu acho que é jogar dinheiro fora”, declarou o craque, que chegou a ter um Aero Willys 68 e um esporte SP-2, carro este que Ademir ganhou após um concurso entre os torcedores que o elegeram o craque palmeirense mais querido. Mas o Divino acabou mesmo, em 1989, mantendo um carro Gol 82.

Companheiro dentro de campo, Leivinha, que muitos gols marcou graças aos passes precisos do Divino, definiu-o bem: “Ele [Ademir] não é um jogador frio, nem um indiferente. É apenas um homem que guarda para si mesmo todas as emoções que sente.”

E assim, em suas irradiantes simplicidade e tranquilidade, construiu-se o maior ídolo de toda a história do Palmeiras: Ademir da Guia, o fleumático, o inabalável, o calmo, ou, simplesmente, o “filósofo” do time, como o chamava o grande amigo Dudu. 

Eis o Divino, que ao completar 70 anos, em abril de 2012, declarou ao saudoso e querido repórter Geneton Moraes Neto preferir a glória em vida a uma lembrança fosca no futuro: “Quero ser lembrado hoje, gosto muito do presente”.

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A SELEÇÃO QUE ME FEZ CHORAR NA QUARENTENA

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Estou fugindo do Coronavírus, em Angra, na casa de meu amigo Wilson de Souza Filho, rubro-negro e boleiro dos bons. Não estou vendo tevê, nem acompanhando o noticiário, mas continua atendendo ligações e uma delas foi de um jornalista da revista France Football. Falamos sobre minha carreira, polêmicas, títulos e derrotas. No fim, fez aquela pergunta que o pessoal da resenha adora: qual a melhor seleção, a de 58 ou a de 70? Me lembrei de um vídeo do Afonsinho e sua reação ao ver uma foto do time de 58 formado. Ele chorou e falou “esses são os santos de meu altar”.

Esse sentimento resume o que essa geração representou para nós. Um grupo com Pelé, Garrincha, Nilton Santos e Didi não pode ser comparado com nenhum outro na história do futebol. Realmente são os santos do altar de quem enxerga esse esporte como uma arte. A de 70 foi fantástica, mágica, inesquecível! Pela qualidade dos adversários pode ser considerada a melhor Copa de todos os tempos, afinal estreamos contra a seleção tcheca, campeã europeia, com Petrás e Kuna, depois contra a Inglaterra, de Banks e Bobby Moore, campeã mundial, e Romênia, vice-européia. Depois, Peru, do técnico Didi, Uruguai, de Ancheta, e a final contra a Itália, de Mazzola. O nível era muito bom. Mas, olha, não dá para esquecer da de 50, do grande Barbosa, Zizinho, Jair da Rosa Pinto, Chico, Friaça e Ademir Menezes. Era um timaço!

A de 62 era praticamente a de 58, mas tinha Amarildo, o Possesso, que mostrou o seu potencial quando precisou substituir Pelé. A de 82, nem se fala, Zico, Falcão, Éder. Carregam um peso cruel por não terem trazido o caneco. O futebol tem dessas coisas. Sobre as outras seleções não me sinto confortável porque o estilo passou a ser outro, muita retranca e um futebol pragmático, sem a magia de outrora. Mas coloco Rivaldo, Romário, Bebeto, Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho na galeria dos maiores do mundo.

Respondi para o jornalista da France Football que a de 58 foi incomparável, mas pelo nível enfrentado pela de 70 o ideal seria colocar uma em cada tempo. Quando terminei a ligação procurei uma foto de 58 no Google: Gylmar, Djalma Santos, Orlando, Bellini, Nilton Santos, Zito, Didi, Garrincha, Zagallo, Vavá e Pelé. De repente, Wilson, meu amigo, cutucou o meu ombro e quis saber por que eu chorava. Mostrei a foto e ficamos os dois vidrados como se aqueles artistas da bola estivessem bem ali na nossa frente, entrando em campo para mais um espetáculo.

Pablo Forlán

TAL FILHO, TAL PAI

por Paulo Escobar

No Uruguai, os Forlans são sinônimo de futebol. Nesta família, dedicada ao esporte, e que vive do mesmo, Pablo Forlán é referência de raça e de idolatria pelos clubes que defendeu.

Naquela tarde de verão pedalando numa magrela a caminho de encontrar Pablo, penso que estava indo encontrar um sinônimo do futebol duro e pegado. O próprio Nei o apelidou do “Rei da Pancada”. Não deu moleza àqueles que enfrentou e pegou uma época de muita habilidade.

Pablo deu seus jeitos de parar muitos dos que teve encarar, e com certeza também deve ter perdido suas noites de sono pensando naqueles que viriam a sua frente. Ao me encontrar com o ídolo tricolor, Pablo me recebe com um abraço e já de antes de ligar a câmera começamos a resenhar a histórias e lendas das quais ele fez parte.

Sem mais fiquem a seguir com Pablo Forlán.

 

 

A CONSAGRAÇÃO DE PAULO GOULART

por Luis Filipe Chateaubriand


Naquela tarde de Domingo de 1980, Fluminense e Vasco da Gama decidiam o título do primeiro turno do Campeonato Carioca.

Quem ganhasse o jogo seria o clube campeão, havendo prorrogação e cobrança de pênaltis, caso necessário.

O jovem time tricolor formou com: Paulo Goulart; Edevaldo, Tadeu, Edinho e Rubens Galaxy; Deley, Gilberto e Mário; Robertinho (Mário Jorge), Cláudio Adão e Zezé (Adilço).

O experiente time vascaíno formou com: Mazzaropi; Paulinho Pereira, Orlando, Léo e João Luiz; Pintinho, Guina (Dudu) e Marquinho; Wilsinho, Roberto Dinamite e Paulo Cezar Caju (Silvinho).

Início de jogo, domínio territorial do Fluminense, mas nada ameaçador.

Logo aos oito minutos de jogo, Paulo Cezar Caju bate escanteio para fazer gol olímpico, mas Roberto Dinamite ainda escora a cabeça na bola antes desta entrar.

Vasco da Gama 1 x 0.

Então, pelo resto do primeiro tempo, o Fluminense exerce domínio, “corre atrás do prejuízo”, mas apenas aparente, pois não cria chances reais de gol e, aliás, são os cruz maltinos que o fazem, em contra ataques.

Vem o segundo tempo é tudo muda, pois, logo aos dois minutos, o tricolor empata, em cruzamento da direita do canhoto Zezé, de pé trocado, em que Cláudio Adão mata a bola no peito, se enrosca com dois vascaínos mas, mesmo assim, consegue emendar de esquerda por baixo de Mazzaropi, para o fundo das redes.

O jogo está 1 x 1.

Agora é o Fluminense que manda no jogo, com domínio territorial e chances concretas de marcar tentos.

As expulsões de Wilsinho e Edinho, aos 18 minutos da etapa complementar, não mudam o cenário.

Perante o avassalador domínio tricolor na segunda parte do jogo, merecia a vitória, mas, como não fez o gol, veio a prorrogação.

Esta foi chata e arrastada, embora o domínio do Fluminense também tenha acontecido.

E vieram os pênaltis.

Veio a consagração de Paulo Goulart, como atuação trôpega no tempo regulamentar, mas que já havia pegado vários pênaltis na carreira, até de Zico e de Roberto Dinamite, mas, desta vez, iria decidir o título ao fazê-lo novamente!

Ao defender as cobranças de Dudu e de Orlando, deu o título ao clube das Laranjeiras.

Paulo Goulart ficou tão famoso como pegador de pênaltis, depois da decisão, que foi nos Trapalhões, onde defendeu um penal chutado por… Pelé!

É mole ou que mais?

 

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada.

O DIVINO ADEMIR DA GUIA: LENTO… E DAÍ?

por André Felipe de Lima


A crítica mais mordaz contra Ademir foi a de ser um jogador lento. Bobagem que foi insistentemente escrita e dita pela imprensa nos quase 20 anos de carreira do craque. Ademir não precisava correr muito porque suas passadas eram largas. Nada mais que isso. “Muita gente dizia que eu era lento. Até mesmo eu dizia. Em 1965, uma frase que eu havia dito transformou-se em manchete no caderno de esportes de um jornal: ‘Sou lento, mas não vou mudar.’

Ademir da Guia justificava o estilo por ser oriundo do Rio, onde se jogava um futebol mais cadenciado, mais compassado. Mas, para a imprensa paulista, a opinião de Ademir não convencia. “Durante muito tempo Ademir ficou no Parque Antártica aguardando uma oportunidade para surgir no conjunto esmeraldino. Houve inclusive quem esquecesse que Ademir pertencia ao Palmeiras. Todavia, quando a oportunidade chegou. Ademir não conseguiu aproveitá-la de acordo. Mostrou que é um craque na acepção da palavra, que sabe manobrar com a pelota. Entretanto, seus maiores inimigos foram exatamente os excessos de classe e lentidão. Com a bola nos pés, Ademir é um portento, porque sabe entregá-la com perfeição. Porém, sem ela, Ademir é figura decorativa no gramado, pois é lento demais e não é jogador que dê combate ao adversário para desarmá-lo […] É preciso considerar que há muita distinção entre o futebol jogado na Guanabara e o que se pratica em São Paulo. Lá, corre mais a bola que o jogador, pois é um futebol acadêmico, sem muito empenho individual. Aqui, as coisas são bem diferentes, pois é preciso garra, rapidez, entusiasmo, vibração. Estes argumentos destroem o garoto Ademir que, absolutamente, não conseguiu e tampouco conseguirá se adaptar ao futebol bandeirante.”

Ora, reconhecem-no “craque” e, mesmo assim, pediam que o devolvessem ao futebol carioca. O futuro tomaria conta da verdade sobre Ademir, provando aos seus críticos que ele, o “Divino”, estava fadado a ser o maior de todos os tempos no Palmeiras. O fundador legítimo da “Academia palmeirense”. Um estilo “acadêmico” de jogar bola que, como o próprio repórter despeitado escreveu, era genuinamente “guanabarino”.

A imprensa paulista só se renderia à genialidade de Ademir em 1964: “Ademir ‘tapou a boca’ de muita gente”, escreveram. Não havia mais o que falar [mal] do craque “guanabarino”. Até da Itália choviam propostas milionárias. Tudo na casa dos 300 milhões de cruzeiros. Ninguém confirmava, nem mesmo Ademir ou os cartolas do Palmeiras, mas a especulação corria solta na imprensa. Ademir desconversava, dizia que só sairia do Brasil depois de 1966. Tinha esperanças de ser convocado para a seleção brasileira que iria a Copa do Mundo a ser realizada na Inglaterra. E os jornalistas paulistas comentavam: “Está no caminho certo de Londres”. Mas com ressalvas.

Para o jornalista Armando de Castro, Ademir melhorara, contudo precisava desvencilhar-se da timidez para seguir adiante com brilho na carreira. “Agora, Ademir, resta ir em frente. Deixar para lá esse excesso de humildade e retomar o lugar que, de direito, lhe cabe dentro do ‘Esquadrão de Ouro’. Afinal, um ‘divino’ não se pode misturar a simples mortais…”

Conclui-se, portanto, que a posição na qual o craque jogava traz, até os nossos dias, um atavismo. Jogador meia-armador é execrado num dia e no outro recebe glórias aos montes. O périplo de Ademir da Guia nos campos de futebol foi assim. Sua personalidade nunca fora abalada com as críticas ou elogios. Manteve-se sempre sereno, surpreendentemente para a pouca idade que ostentava nos primeiros tempos de Palmeiras. Arroubos juvenis não combinavam com seu estilo consciencioso, dentro e fora dos campos. Em 1966, um cronista francês declarou: “Os brasileiros encontraram em Ademir da Guia o substituto ideal do grande meia Didi, talvez melhor, pois seu futebol é exuberante, pleno de beleza.”


Jornalistas argentinos definiam-no como um dos dez mais do futebol mundial em 1966. Elogios desse porte não o deixavam com nenhum sinal de máscara. Nem na juventude e tampouco na fase mais madura de seu extraordinário futebol.

Em 1971, corria um boato no Palmeiras de que os “mais velhos” receberiam passe livre. O ano não tinha sido bom para o time e as reclamações vinham de todos os lados, sobretudo dos cartolas. Na mira da diretoria estariam Nelson, Dudu, Hector Silva, Dé e Ademir da Guia: “Eu sei o que reclamam. Não leio jornais, não escuto rádio, não vejo televisão, mas sei o que reclamam […] Reclamam que eu não lanço e que sou lento, como sempre. Acontece que, sem querer me defender, o time do Palmeiras sempre teve esse estilo”. Reclamaram tanto que Ademir, coberto de razão, liderou o time ao “bi” brasileiro, em 1972 e 73.

Quando a carreira de Ademir ia se aproximando do fim, em 1976, sobrou-lhe, contudo, tempo para mais uma conquista. Como fiel parceiro de meio-campo, Dudu, conquistou o campeonato paulista de 1976, derrotando, na decisão, o XV de Novembro de Piracicaba.

Após o título, o time foi desfigurado. Ademir acreditava ter mais alguns anos de carreira. Ledo engano. Em 1977, durante o campeonato paulista, o “Divino” queixava-se de uma insistente dor na garganta. Do campo para a mesa de cirurgia. Pouco adiantou. Restou ao craque deixar os gramados no dia 18 de setembro do mesmo ano, em uma partida contra o Corinthians, que venceu a peleja por 2 a 0. Ademir não aguentou até o final da partida e foi substituído por Picolé.

No Palmeiras, Ademir da Guia ficou de 1961 a 1977. Disputou 901 partidas com a camisa do Verdão. Um recorde que até hoje ninguém conseguiu quebrar. Venceu 509 vezes e empatou 234. Fez 153 gols. Mas como foi a presença de Ademir da Guia na seleção brasileira? A resposta é das mais inusitadas: não foi.

Amanhã, no quinto e último capítulo da série “O Divino Ademir da Guia” a decepção com a seleção brasileira e o fim da carreira do genial craque palmeirense.  Até lá.