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A CONQUISTA DE 70

  :::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Com esse vírus rondando nossas vidas tenho ficado em casa boa parte do tempo, mas basta dar uma saidinha para comprar pão e lá vem pergunta. Impressionante com o torcedor é curioso e adora enquetes, desafios e polêmicas. Dessa vez, o caixa da padaria me perguntou se a seleção brasileira seria campeã de 70 se o treinador fosse o João Saldanha.

Já falei sobre esse tema outras vezes, mas nunca é demais reforçar a importância do João Sem Medo para o futebol brasileiro. O Brasil vinha de uma campanha terrível na Copa de 66, sendo desclassificado na primeira fase. Em 68, fui convocado pela primeira vez por Aimoré Moreira. Teve o Oswaldo Brandão, mas a chegada de Saldanha foi fundamental para a recuperação da autoestima dos jogadores.

Ele foi prático, não quis inventar e elegeu as Feras de Saldanha. O time titular tinha apenas craques de Cruzeiro, Santos e Botafogo, os melhores da época. Basta pesquisarem como foi o desempenho da seleção nas Eliminatórias. O time estava voando e Tostão, de centroavante, fez vários gols. Volta e meia ouço falarem que foi Zagallo quem o colocou nessa posição. Não foi.

Zagallo foi fantástico, mas Saldanha também entendia do riscado, era audacioso, envolvente e sabia muito de futebol. Seu time da Copa certamente seria o mesmo das Eliminatórias, com a zaga toda do Santos, Claudio, que foi do Bonsucesso para o Santos, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo. Piazza, Gerson e Pelé, no meio e Jairzinho, Tostão e Edu, na frente. Por que esse time não poderia ser campeão do mundo?

O time reserva era Félix, Zé Maria, Scala, Brito e Everaldo, Clodoaldo, Rivellino e Dirceu Lopes, Paulo Borges, Toninho Guerreiro e eu. Tá ruim? Pelas circunstâncias que todos sabemos Saldanha saiu, Zagallo entrou e fez as alterações que julgava necessárias. Deu certo, fomos campeões e Zagallo, merecidamente, recebeu os louros. Tudo certo desde que Saldanha não seja esquecido.

Dirceu Lopes e Rildo sofrem com esse corte até hoje. Não é para menos, estavam no auge, jogando uma barbaridade. Paulo Borges também estava afiadíssimo. Roberto Miranda veio para a vaga de Toninho Guerreiro. Piazza foi recuado para a zaga e Rivellino entrou no lugar de Edu. Ou seja, Zagallo teve personalidade. Montou um time mais cauteloso, com Everaldo, que não avançava muito, e Rivellino na vaga de Edu, ponta autêntico, altamente ofensivo.

Mas o Brasil conquistou o México, encantou o mundo com seu futebol. Nesse ano, comemoramos 50 anos dessa conquista e, por isso, volta e meia relembrarei casos e curiosidades desse título inesquecível. E entre essas histórias e personagens sempre estarão presentes João Saldanha e suas Feras, as que classificaram o Brasil para a Copa.

Para mim, Paulo Borges, Rildo, Toninho Guerreiro e todos os outros que ficaram pelo caminho são tão campeões quanto eu, Jairzinho, Riva, Pelé e o esquadrão de 70. Em tempo, se tem uma coisa boa nessa quarentena é o descanso dos terríveis chavões dos comentaristas: ligação direta, orelha da bola, leitura de jogo…

ALDIR BLANC, ETERNO CRUZMALTINO

por Wesley Machado


“A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”! Assim termina a letra de “O Bêbado e o Equilibrista”, música de Aldir Blanc, da sua frutífera parceria com João Bosco. A canção, do LP “Essa Mulher”, de Elis Regina, lançado em 1979, se tornaria o hino da Anistia da Ditadura Militar no Brasil naquele ano.

Mas como continuar o show agora sem Aldir Blanc? Ainda mais que ele não era afeito a shows. Lembro de tê-lo encontrado uma vez na Cantareira de Niterói quando lá eram realizados shows culturais às terças-feiras no início dos anos 2000. Eu estudava Cinema na UFF e tive a oportunidade de assistir a muitas destas apresentações, uma delas de Aldir Blanc, uma raridade.

Criado na casa dos avós em Vila Isabel, bairro boêmio do Rio de Janeiro, Aldir Blanc resolveu colocar o nome de uma das filhas de Isabel. Ironia do destino foi num hospital de Vila Isabel, o Pedro Ernesto, que Aldir Blanc veio a falecer na madrugada desta segunda-feira (04/05) aos 73 anos por complicações da Covid-19. Ele havia dado entrada e sido internado no dia 10 de abril na Coordenação de Emergência Regional (CER) do Leblon com infecção urinária e problemas respiratórios e o quadro se agravou levando-o ao óbito.

Além da clássica “O Bêbado e o Equilibrista” com Elis Regina, outros sucessos foram “Mestre Sala dos Mares” e “Dois prá lá, dois prá cá”, ambas também na voz de Elis; entre outras, a linda “Resposta ao Tempo”, gravada por Nana Caymmi e que foi tema de abertura da minissérie “Hilda Furacão”, que inclusive foi mulher de Paulo Valentim, ex-jogador do Botafogo, do Atlético-MG e do Boca Juniors da Argentina.

Como o tema aqui é futebol, passamos então à relação de Aldir Blanc com o futebol, mais especificamente com seu Vasco, o time do coração dele. Aldir Blanc escreveu, em parceria com o jornalista e historiador José Reinaldo Marques, o livro “A Cruz do Bacalhau”, da Coleção “Camisa 13”, da Editora Companhia das Letras. O Vasco foi tema de várias crônicas que escreveu para diversos jornais. Suas crônicas foram tema de uma dissertação de mestrado em Letras, obtido em 2013 por Luis Eduardo Veloso Garcia.

Chegou a afirmar em 2007 em entrevista ao Jornal O Globo: “Se o Vasco for para a Segunda Divisão, serei Vasco. Se for para a Terceira Divisão, serei Vasco. Se o Vasco acabar, serei Vasco”. Aldir Blanc é autor ainda da música “Coração Verde e Amarelo”, composta para a Copa de 94 e que se tornou o jingle oficial da Rede Globo e é veiculado a cada Copa do Mundo.

Da sua música “De frente pro crime”, mais uma parceria com João Bosco, do disco “Caça à Raposa”, de 1975, a frase “Tá lá um corpo estendido no chão” ficou famosa nas narrações de Januário de Oliveira. 

“Nada sei de eterno” é o título de uma música composta em parceria com Sílvio da Silva Júnior e defendida por Taiguara no Festival Universitário da Música Popular Brasileira. Uma coisa, eu sei e posso dizer, Aldir Blanc: Você é eterno, como o Vasco da Gama!

YASHIN, O ARANHA NEGRA

por Valdir Appel


Um dia, resolvi acabar com o culto ao eterno traje cinza utilizado pelos goleiros vascaínos. Tradição que vinha desde os tempos do Barbosa. Mandei confeccionar uma camisa preta e bordar a cruz de malta no peito.

Comprei meias e calções da mesma cor.

Este uniforme era inspirado no lendário goleiro soviético Lev Yashin, que eu idolatrava e quem eu estava prestes a enfrentar.

Antes do Carnaval de 1969, embarcamos para Caracas, na Venezuela, para realizar dois amistosos.

Os sambistas e passistas Alcir e Brito, viajaram preocupados. Não queriam, de forma nenhuma, perder o desfile das escolas de samba na Presidente Vargas. Geralmente, saíam na Portela e na Mangueira.

O técnico Pinga levou a força máxima.

As partidas serviriam para definir o time que iniciaria o Campeonato Carioca

O primeiro jogo seria contra o Dínamo, de Moscou.

A equipe soviética tinha em seu elenco grandes nomes da seleção soviética e a sua grande estrela era o goleiro Yashin. Considerado o melhor camisa 1 de todos os tempos.

Impressionava pelo porte físico. Com 1,89 metro de altura e longos braços, trajando negro, o apelido Aranha Negra era perfeito.

Estava com 39 anos e em grande forma. Encerraria a carreira dois anos depois.

Na imprensa local, circulavam boatos de que havia um plano para sequestrar o extraordinário goleiro, que recebeu proteção 24 horas das autoridades venezuelanas.

O hotel que hospedou a nossa delegação, colocou à disposição belas recepcionistas, que fizeram questão de nos mostrar as atrações noturnas de Caracas.

Fomos a luxuosíssimas discotecas que exigiam dos frequentadores o uso de paletó.

O novo uniforme do clube combinava uma calça cinza clara com um paletó azul marinho sobre a camisa branca. Bastava tirar do peito o boton da cruz de malta para que as portas se abrissem para homens elegantemente trajados.


E a frouxa marcação da comissão técnica permitiu que circulássemos por várias casas, até por volta da meia-noite.

Para o jogo, as equipes entraram perfiladas e os jogadores foram apresentados um a um à torcida local, que lotou o estádio para ver, principalmente, Yashin, já que na Venezuela o futebol era um esporte menor.

Num país de forte influência da cultura americana, o basquete, o baseball e o futebol americano estavam furos à frente, na preferência do torcedor.

Para se ter uma idéia desta apatia pelo soccer, o gramado do estádio municipal apresentava sulcos e visíveis demarcações utilizadas no baseball e no futebol americano, e ficavam evidentes as adaptações para a prática do nosso futebol.

Feitas as apresentações das equipes, eu me dirigi com uma flâmula do Vasco até o goleiro russo.

Estava nervoso e emocionado. Estava frente a frente com o meu ícone e, não sabendo como cumprimentá-lo, arrisquei algumas palavras em inglês:

“Hi! It is a great honor to know you. I would like to want you a good game”.

Para minha surpresa, o goleiro respondeu em bom português:

“O prazer é todo meu. Gosto muito do futebol brasileiro e do Vasco, mas torço pelo Flamengo. Boa sorte!”.

Eu esquecera que o soviético, quatro anos antes, curtira as praias cariocas e dera aulas aos goleiros do Flamengo, adquirindo algum conhecimento da língua portuguesa. Afora o mico, fiz uma excelente partida, à altura do mestre, apesar da derrota por 2 a 0.

Depois do jogo, Carlos Alberto Parreira, preparador físico e treinador de goleiros, sugeriu irmos juntos ao vestiário soviético, onde batemos um papo com o Aranha Negra e de lá saímos, orgulhosos, com o seu autógrafo na flâmula do Dínamo.

 

Lev Yashin recebeu a Bola de Ouro como o melhor jogador da Europa em 1963.Nasceu no dia 22 de outubro de 1929 em Moscou, na Rússia, e faleceu no dia 20 de março de 1990.

Pelé

MEU ENCONTRO COM O REI

por Rodrigo Linhares

Nesses meus 41 anos de vida, posso cravar com absoluta certeza que jamais me esquecerei do do dia 18 de agosto de 2017.

O frio da capital paranaense contrastava com a minha inquietação para que chegasse logo o momento da entrevista. Marcamos entre 18h e 18h30. Pelé me atenderia no intervalo entre dois eventos em que estaria presente. Na cidade desde quinta-feira, a maratona do Rei só terminaria no final da tarde de sábado. Hospedado na casa dos grandes amigos Henrique e Luciane, dos quais eu e minha esposa Daniela somos padrinhos de casamento, tomei um banho, almocei pouco e fiquei à espera do horário que parecia não chegar nunca. Henrique se dispôs a me levar até hotel onde aconteria a entrevista. Saímos por volta de 17h e, durante o trajeto de aproximadamente 20 minutos, muitas coisas me passavam pela cabeça: os primeiros entrevistados, a luta para conseguir todas essas entrevistas exclusivas, a dificuldade para localizar e convencer personagens de todas as partes do mundo a participarem do programa. Tudo é extremamente trabalhoso. Entre conseguir os contatos, fazer com que grandes estrelas atendam ligações de número que não conhecem, convencê-los a marcar o bate-papo e, enfim, cumprirem a promessa de gravar a entrevista existe uma luta que exige perseverança, paciência e muito poder de persuasão. Costumo dizer que as pessoas não têm a dimensão da dificuldade que envolve todo esse processo. Uma luta solitária. Neurotizante? Sim, porém, igualmente gratificante. Entrevistar meus ídolos não tem preço, é um imenso privilégio. De repente, estava a caminho para entrevistar o maior de todos os tempos. Ainda tentava me dar conta disso.

Chegando ao hotel, o evento ainda não havia terminado. Entrei na sala e vi Pelé em meio a um mar de participantes pedindo fotos e selfies. Conforme o combinado, subimos para o quarto onde seria montado todo o aparato para a gravação. Estávamos o meu amigo Henrique, que também faria as fotos, dois câmeras que contratei para fazerem o vídeo e eu. Tudo montado, era só esperar o Rei do futebol chegar.

Passados cerca de 40 minutos, ele chega. Ainda se locomovendo com a ajuda de um andador após tantas cirurgias, Pelé abre a porta. Naquele momento ficamos todos paralisados. O Rei logo dá uma boa noite, prontamente respondido por todos. Levanto e me apresento:

– Tudo bem, Pelé? Sou o Rodrigo Linhares, de Londrina-PR, eu que vou entrevistá-lo!

Ele já quebra o gelo e brinca comigo:

– Tudo bem nada, Rodrigo! Vocês estão aqui me dando trabalho, entendeeee! – E abre um largo sorriso, provocando o riso geral.


Poderíamos gravar no sofá ou nas cadeiras. Pelé opta pelas cadeiras, argumentando ser mais fácil para se levantar depois do bate-papo. Sentamos e conversamos enquanto são colocamos os microfones de lapelas e os câmeras ajustam os últimos detalhes de foco e luz.

Engatamos na prosa.

– Rodrigo! Tem um engenheiro que trabalha comigo que também se chama Rodrigo. É praticamente da família.

– Que bom, então não terá como você se esquecer do meu nome durante a entrevista (risos).

– Não, ainda estou bem de memória (risos).

– Pô, quando você vai parar de dar susto na gente com essa ida aos hospitais?

– Rodrigo, estou lucro. A conta só chegou quase 30 anos depois que parei de jogar (risos).

Um dos câmeras interrompe. Podemos começar.

Já estava completamente à vontade ao lado do maior de todos.

Foram quase 20 minutos de uma entrevista que termina com um grande abraço.

Pelé se levanta e continua contando histórias enquanto o microfone é retirado de sua lapela:

– Gente, sempre tomo um cuidado danado com esse negócio de microfone. Uma vez em um programa estávamos Tostão, Gérson e eu. Já havíamos terminado e mesmo assim vazou no ar um monte de bobagens que estávamos falando! – contou, rindo.

Nos despedimos e fomos embora. Estava nas nuvens, vivendo ali a coroação de todo um trabalho. Me propus contar no rádio a história do futebol através da própria história, ou seja, ouvindo os protagonistas. Havia acabado de entrevistar o maior de todos e realizado um sonho.

Ainda estou me beliscando. Caramba, entrevistei o Rei! Impossível descrever a sensação de ter vivido aquele momento.

Meu muito obrigado a todos que colaboraram em toda essa caminhada. Obrigado, meu Deus.

Carregarei para sempre as lembranças de cada instante vivido naquele dia.

Jamais me esquecerei do dia 18 de agosto de 2017…

SÓ AS MÃES DOS ÁRBITROS SÃO FELIZES

por Paulo Roberto Melo


Eu devia ter uns dez anos, mas lembro como se fosse hoje. Cheguei em casa do colégio e não conseguia disfarçar a tristeza. Minha mãe, sempre atenta, quis saber o motivo e eu despejei em cima dela a causa do meu sofrimento:

– Hoje, o Ricardo me chamou de FDP! E eu sei que esse xingamento não é só pra mim… (Pausa dramática para as lágrimas) Ele na verdade xingou você!

Minha mãe sorriu aliviada, pois talvez esperasse algo pior e me consolou:

– Meu filho, não tem problema! Vamos combinar assim: Você tem duas mães. Uma que sou eu e outra para esses meninos sem educação xingarem, está certo?

Concordei, embora confesse que sempre tive uma enorme dificuldade de separar as mães. Afinal, como saber se estavam xingando a que era para ser xingada ou a que era para ficar guardada?

Cresci e hoje, começando o mês de maio, dedicado às mães, penso que sem futebol, causado pela pandemia, só as mães dos árbitros são felizes! Penso que elas devem estar acompanhando as notícias sobre a possível volta do futebol, de uma forma diferente de todos nós que não carregamos este terrível fardo.

Afinal, imagine como elas devem se sentir, escutando aquele coro vindo das arquibancadas, captado pelos potentes microfones das transmissões? Será que algum deles telefona para a mãe, manifestando a mesma tristeza daquele garoto de dez anos?

Realmente não sei… O que sei é que essa ausência do futebol, combinada com uma quarentena cruel, está me fazendo ter saudade até dos árbitros!


Como não se lembrar do Daronco, que parece que a qualquer momento vai ensopapar quem discordar dealguma marcação? E o Ricardo Marques Ribeiro, que faz resenha com a própria sombra? Quem se esquece do Clauss e sua pose de galã de novela mexicana? E claro, lembramos todos do Heber Roberto Lopes, que parece ser um vilão saído de histórias em quadrinhos.

Quem foi um garoto de dez anos já há algum tempo como eu, há de se recordar de Armando Marques e sua elegância; do baixinho Agomar Martins, considerado o Rei dos Gre-Nais; de Sidrack Marinho e suas corridas para trás; de Arnaldo Cezar Coelho, tranquilo como comentarista e tranquilo com a bola nas mãos encerrando a Copa do Mundo de 1982; e Margarida, Luiz Carlos Félix, Cabelada, Wright, Romualdo e tantos outros.

Não há como negar, o nosso futebol é marcado pelos incontáveis craques e os times maravilhosos que desfilaram e desfilam pelos gramados deste país. Mas também é marcado pelos árbitros e suas folclóricas e polêmicas arbitragens. 

Neste mês de maio, sinto saudade da minha mãe que já partiu e abraço todas as mães que um dia consolaram seus filhos, sejam eles árbitros ou não