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GÊNIOS E DENGOSOS

por Rubens Lemos 


Nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, a seleção brasileira do jornalista João Saldanha, o João Sem-Medo, venceu os seis jogos e humilhou os adversários em campanha indiscutível. O Brasil cintilou em todas as partidas, marcou 23 gols e sofreu apenas dois. Eram as Feras escaladas tão logo convocadas.

Santos, Botafogo e Cruzeiro formavam a base do escrete e o entrosamento era de orquestra. Colômbia, Paraguai e Venezuela levaram bailes em ritmo de Bossa Nova ou Jovem Guarda, Roberto Carlos explodindo em discos de ouro. Os bolachões de couro cintilavam nos pés de um time espetacular, que seria modificado por Zagallo um ano depois e também dava seus shows. 

Saldanha, sondado ou convidado pelo presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), João Havelange, definiu logo seus 22 titulares e reservas para evitar pressões que viriam e o jogariam no fosso das conspirações. 

A exigência da convocação do atacante Dario, goleador e perna de pau, foi apenas pretexto para servir a cabeça de Saldanha em bandeja de segunda categoria. Ele caminhava para o heroísmo de trazer o tricampeonato sendo adversário radical do Regime Militar. Saldanha militava no clandestino Partido Comunista e provocava os generais. “O presidente escala o ministério e eu escalo a seleção”. Ninguém atiçaria o General Médice assim, à toa.

Enquanto esteve técnico, Saldanha viveu o delírio de comandar com liberalismo e firmeza o creme do futebol nacional. No dia 10 de agosto de 1969, em plena tensão, o melhor comentarista brasileiro de todos os tempos, deixou ecoar sua anarquia. O gramado do Estádio Universitário de Caracas não passava de um chiqueiro disfarçado. Caía um temporal.

No primeiro tempo, as Feras rebolavam. Pelé dava um drible a mais, Gerson virava o jogo de um lado a outro, Edu humilhava o lateral-direito com fintas recorrentes. Carlos Alberto Torres, o capitão, parecia gripado, sem avançar um milímetro até o ataque. Termina o primeiro tempo no impensável 0x0.

Os jogadores caminham ao vestiário e Saldanha esbraveja:

– Porra nenhuma de vestiário!  

Pega a chave e joga fora. Os jogadores, com uniforme imundo, sentam no meio da grama parca e Saldanha deixa chover sem que ninguém pudesse beber um copinho de água:

– Tá vendo aquele 3, Tostão? Aquilo é um padeiro, apontava para o zagueiro Freddy Ellie. E você, Crioulo? Vai deixar o número 5 achar que é Beckenbauer?, rugia o treinador e jornalista. Eles não jogam nada e vocês não querem porra nenhuma! 

No segundo tempo, ajuizados, os canarinhos enfiaram 5×0, três gols de Tostão e dois de Pelé, restabelecendo a lógica e a ordem natural da hierarquia boleira. Gerson brincou: “Gostou, chefe?” Saldanha ainda fumaçava: “Na próxima sacanagem, eu mando voltar todo mundo e jogam os reservas”.

Aquele time era espetacular. Felix; Carlos Alberto Torres, Djalma Dias (Pai de Djalminha, ex-Flamengo, Guarani, Palmeiras e La Coruña), Joel Camargo e Rildo (que viria para o ABC em 1972); Piazza e Gerson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. 

Na Copa, competente, Zagallo mudou a zaga, com Brito e Piazza, escalou Clodoaldo de volante e formou um ataque só de camisas 10 nos seus clubes: Jairzinho, Tostão, Pelé e Rivellino. Saldanha caiu de pé.

50 anos e meses depois, o Brasil é novamente convocado. Pelo diplomata Tite, uma agressão à memória de Saldanha. Sem autoridade, sem esquema tático, sem admitir que não temos jogador de qualidade, trata seus pupilos com mimo, dengo, frescura. É advogado dativo do menino Neymaaaaaaaaaarrrrrr!

Na lista de Tite, nenhum teria vez na pior entre todas as seleções, a de 1990, com o abjeto Lazaroni. Mas o gaúcho Adenor protege a garotada, blinda cada um dos que desfilam marrentos de fones de ouvido e cabelo espetado. A chave do enigma é a profusão de craques do passado. O complemento, o dengoso Tite e seus mascarados que podem, pela primeira vez, tirar o Brasil de uma Copa do Mundo.

O OLIMPO DO FUTEBOL

por José Maurílio Paixão


Deus em um momento de alegria e descontração lançou uma fagulha em forma de bola na direção da Terra criando o futebol.

Neste mundo à parte, o senhor supremo fez surgirem povos que se tornaram clubes e os brindou com heróis.

Assim como nas civilizações, nasceram clubes bárbaros, clubes clássicos, clubes guerreiros e acima de todos esses clubes-povos, foi criado o Olimpo do Mundo do Futebol.

A beira mar foi escolhida como o refúgio dessa nação mágica povoada de heróis e lendas futebolísticas.

O branco foi o manto imposto pelos Deuses para cobrir seus lendários habitantes.

Assim começou a trajetória de conquistas e de batalhas memoráveis desta falange de boleiros.

Primeiro foram Feitiço, Arakem e Antoninho. Depois vieram Del Vecchio, Pagão e Coutinho, o gênio da área. Zito, Gilmar e Pepe o único ponta esquerda do mundo a marcar 405 gols.

Heróis e mais heróis brotavam do chão dessa terra mágica para colocar em prática um estilo de combate inigualável; que unia classe, talento e agressividade nata em busca de gols e de conquistas.

E surgiram mais seres especiais; Carlos Alberto, Clodoaldo e Edu o ponta impossível de marcar.

Fábulas guerreiras formaram em fileiras alvinegras: Toninho o guerreiro clássico e Serginho o guerreiro bárbaro, conquistadores natos.

Pita, Giovani e Paulo Ganso os magos requintados do passe. Verdadeiros clarividentes desta terra formadora de meio campistas notáveis.

As façanhas alvinegras acumulam-se. Primeiro foram as batalhas santistas, depois as paulistas e saindo em excursões foram batidas outras nações-clubes.

Oito guerras futebolísticas nacionais, três Libertadores sul-americanas e dois domínios mundiais.

O mar branco domina os campos verdes dos oponentes, mostrando que a ascensão branca e preta é vertiginosa, incontestável e irreversível.


Adversários tremem quando jogam suas partidas dentro do caldeirão da Vila.

As mais importantes batalhas foram lideradas e conduzidas pelo Deus supremo que habitava esse Olimpo da Bola. O Zeus do Futebol. O rei de todos os povos boleiros.

Pelé, o representante do criador em forma de homem para o futebol.

Seus feitos heroicos correm gerações. Suas marcas continuam inatingíveis. Sua artilharia implacável foi a principal arma desde a sua chegada a esse clube encantado. Matadas, dribles, arrancadas, cabeceios e chutes. Armas letais contra qualquer oponente.

Mil duzentos e tantos gols, três Copas do Mundo, além de Recopas e Libertadores. Fortuna de títulos amealhada através de puro talento.

O senhor de todos os campos talhou um pouco dele em dois príncipes que vieram após seu descanso de pelejas triunfais, que são:


Robinho da pedalada fatal e Neymar, o preferido de sua majestade por ser o mais completo e com certeza seu futuro herdeiro.

Pasmem, pois, este Olimpo do Futebol denominado Santos Futebol Clube, atingiu a espantosa marca de doze mil gols desde seus primórdios. Sendo eleito o melhor dos times em todos os tempos e o que mais gols marcou.

Senhoras e senhores admiradores da mais perfeita forma de jogar futebol; comemorem, saúdem, brindem a este clube que completa um século de pura magia dentro das quatro linhas.

Parabéns.

Santos, sempre, Santos.

 

ALBERI E O MENINO

por Rubens Lemos


Alberi nem é o grande ídolo do redator que vos tecla. No ABC, reverencio Danilo Menezes, Marinho Apolônio e o Franco-seridoense Dedé de Dora, monsieur dos toques elegantes, amigo que morreu dois dias depois de receber um abraço meu, lacrimejante, no hospital. Dedé não sabia que estava com câncer nem sabia que eu sabia do seu fim iminente.

Alberi me surgiu no América. Derrotou meu time. Voltou ao ABC como uma sombra do passado de um dos melhores do Brasil no meio-campo ou de centroavante. Jogando de Alberi, Alberi vencia tudo. 

Saído da adolescência, entrevistei-o várias vezes e, ao vê-lo, uma atmosfera de sol iluminava a penumbra escura de sua sala de estar modesta ou a mesa noturna de algum barzinho, ele que nunca foi chegado ao álcool.

Cantei a mim mesmo. “Foi a emoção da primeira vez.” Repetida todas as vezes ao longo dos 39 anos em que trombei com Alberi por algum motivo. Sua estampa banta é a realeza elegante de um  condutor de massas amado como pai e irmãos dos desassistidos de alegria.

Um drible, um chute, uma obra-prima como a que ele desenhou com os pés em 1982, aos 37 anos, vaiado pela Frasqueira e colocando a bola com um míssil no ato da trave de Caetano, goleiro do América. Foi 3×3 este jogo. 

O magnetismo de Alberi supera sua rara simpatia pessoal. Não é um extrovertido nato igual a Danilo Menezes, nem tem a simpatia ingênua de Marinho Apolônio. É um homem sinalizando cansaço espiritual. 

No último fim de semana, encantou-me no Twitter uma fotografia belíssima no velho Castelão nos primeiros anos 1970 em que Alberi fazia do estádio morto, passaredo de crianças em torno do seu canto de canário alvinegro.

Janser Cavalcanti Júnior é um velho amigo. Hoje executivo empresarial , jogava muita bola em nossa infância contemporânea, sendo eu perna de pau. Janser foi mascote. Eu também fui. Foi um ótimo jogador de futebol de salão, eu, jamais.

A imagem de Alberi e Janser é a conjunção lenda e crença, show de bola e gratidão, esbanjamento de craque e tensão de admirador.

Éramos melhores, nós, os meninos de antigamente. Procurávamos imitar os cobras que víamos bailando ao som da valsa carnavalesca do futebol. Jogávamos na rua, pés descalços, fé no futuro em campo profissional.

Na foto de posteridade, Alberi e Janser representam, juntos, há quarenta e tantos anos, o feitiço capaz de reproduzir o impossível replay dos sonhos bons. Da veneração abençoada e tímida de um menino pelo seu Deus em chuteiras.

A CONQUISTA DE 70

  :::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Com esse vírus rondando nossas vidas tenho ficado em casa boa parte do tempo, mas basta dar uma saidinha para comprar pão e lá vem pergunta. Impressionante com o torcedor é curioso e adora enquetes, desafios e polêmicas. Dessa vez, o caixa da padaria me perguntou se a seleção brasileira seria campeã de 70 se o treinador fosse o João Saldanha.

Já falei sobre esse tema outras vezes, mas nunca é demais reforçar a importância do João Sem Medo para o futebol brasileiro. O Brasil vinha de uma campanha terrível na Copa de 66, sendo desclassificado na primeira fase. Em 68, fui convocado pela primeira vez por Aimoré Moreira. Teve o Oswaldo Brandão, mas a chegada de Saldanha foi fundamental para a recuperação da autoestima dos jogadores.

Ele foi prático, não quis inventar e elegeu as Feras de Saldanha. O time titular tinha apenas craques de Cruzeiro, Santos e Botafogo, os melhores da época. Basta pesquisarem como foi o desempenho da seleção nas Eliminatórias. O time estava voando e Tostão, de centroavante, fez vários gols. Volta e meia ouço falarem que foi Zagallo quem o colocou nessa posição. Não foi.

Zagallo foi fantástico, mas Saldanha também entendia do riscado, era audacioso, envolvente e sabia muito de futebol. Seu time da Copa certamente seria o mesmo das Eliminatórias, com a zaga toda do Santos, Claudio, que foi do Bonsucesso para o Santos, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo. Piazza, Gerson e Pelé, no meio e Jairzinho, Tostão e Edu, na frente. Por que esse time não poderia ser campeão do mundo?

O time reserva era Félix, Zé Maria, Scala, Brito e Everaldo, Clodoaldo, Rivellino e Dirceu Lopes, Paulo Borges, Toninho Guerreiro e eu. Tá ruim? Pelas circunstâncias que todos sabemos Saldanha saiu, Zagallo entrou e fez as alterações que julgava necessárias. Deu certo, fomos campeões e Zagallo, merecidamente, recebeu os louros. Tudo certo desde que Saldanha não seja esquecido.

Dirceu Lopes e Rildo sofrem com esse corte até hoje. Não é para menos, estavam no auge, jogando uma barbaridade. Paulo Borges também estava afiadíssimo. Roberto Miranda veio para a vaga de Toninho Guerreiro. Piazza foi recuado para a zaga e Rivellino entrou no lugar de Edu. Ou seja, Zagallo teve personalidade. Montou um time mais cauteloso, com Everaldo, que não avançava muito, e Rivellino na vaga de Edu, ponta autêntico, altamente ofensivo.

Mas o Brasil conquistou o México, encantou o mundo com seu futebol. Nesse ano, comemoramos 50 anos dessa conquista e, por isso, volta e meia relembrarei casos e curiosidades desse título inesquecível. E entre essas histórias e personagens sempre estarão presentes João Saldanha e suas Feras, as que classificaram o Brasil para a Copa.

Para mim, Paulo Borges, Rildo, Toninho Guerreiro e todos os outros que ficaram pelo caminho são tão campeões quanto eu, Jairzinho, Riva, Pelé e o esquadrão de 70. Em tempo, se tem uma coisa boa nessa quarentena é o descanso dos terríveis chavões dos comentaristas: ligação direta, orelha da bola, leitura de jogo…

ALDIR BLANC, ETERNO CRUZMALTINO

por Wesley Machado


“A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”! Assim termina a letra de “O Bêbado e o Equilibrista”, música de Aldir Blanc, da sua frutífera parceria com João Bosco. A canção, do LP “Essa Mulher”, de Elis Regina, lançado em 1979, se tornaria o hino da Anistia da Ditadura Militar no Brasil naquele ano.

Mas como continuar o show agora sem Aldir Blanc? Ainda mais que ele não era afeito a shows. Lembro de tê-lo encontrado uma vez na Cantareira de Niterói quando lá eram realizados shows culturais às terças-feiras no início dos anos 2000. Eu estudava Cinema na UFF e tive a oportunidade de assistir a muitas destas apresentações, uma delas de Aldir Blanc, uma raridade.

Criado na casa dos avós em Vila Isabel, bairro boêmio do Rio de Janeiro, Aldir Blanc resolveu colocar o nome de uma das filhas de Isabel. Ironia do destino foi num hospital de Vila Isabel, o Pedro Ernesto, que Aldir Blanc veio a falecer na madrugada desta segunda-feira (04/05) aos 73 anos por complicações da Covid-19. Ele havia dado entrada e sido internado no dia 10 de abril na Coordenação de Emergência Regional (CER) do Leblon com infecção urinária e problemas respiratórios e o quadro se agravou levando-o ao óbito.

Além da clássica “O Bêbado e o Equilibrista” com Elis Regina, outros sucessos foram “Mestre Sala dos Mares” e “Dois prá lá, dois prá cá”, ambas também na voz de Elis; entre outras, a linda “Resposta ao Tempo”, gravada por Nana Caymmi e que foi tema de abertura da minissérie “Hilda Furacão”, que inclusive foi mulher de Paulo Valentim, ex-jogador do Botafogo, do Atlético-MG e do Boca Juniors da Argentina.

Como o tema aqui é futebol, passamos então à relação de Aldir Blanc com o futebol, mais especificamente com seu Vasco, o time do coração dele. Aldir Blanc escreveu, em parceria com o jornalista e historiador José Reinaldo Marques, o livro “A Cruz do Bacalhau”, da Coleção “Camisa 13”, da Editora Companhia das Letras. O Vasco foi tema de várias crônicas que escreveu para diversos jornais. Suas crônicas foram tema de uma dissertação de mestrado em Letras, obtido em 2013 por Luis Eduardo Veloso Garcia.

Chegou a afirmar em 2007 em entrevista ao Jornal O Globo: “Se o Vasco for para a Segunda Divisão, serei Vasco. Se for para a Terceira Divisão, serei Vasco. Se o Vasco acabar, serei Vasco”. Aldir Blanc é autor ainda da música “Coração Verde e Amarelo”, composta para a Copa de 94 e que se tornou o jingle oficial da Rede Globo e é veiculado a cada Copa do Mundo.

Da sua música “De frente pro crime”, mais uma parceria com João Bosco, do disco “Caça à Raposa”, de 1975, a frase “Tá lá um corpo estendido no chão” ficou famosa nas narrações de Januário de Oliveira. 

“Nada sei de eterno” é o título de uma música composta em parceria com Sílvio da Silva Júnior e defendida por Taiguara no Festival Universitário da Música Popular Brasileira. Uma coisa, eu sei e posso dizer, Aldir Blanc: Você é eterno, como o Vasco da Gama!