Escolha uma Página

SOBRE A SAÍDA DE JORGE JESUS DO FLAMENGO

por Luis Filipe Chateaubriand


Pois é, depois de muito “disse me disse”, o português vai embora – Jorge Jesus está saindo do Flamengo.

Alguns rubro negros, irados, agora amaldiçoam JJ, querem vê-lo pelas costas, consideram uma traição sua saída.

Mas a pergunta que não quer calar é: o gajo não tinha motivos para sair?

É óbvio que sim!

Em primeiro lugar, está voltando para Portugal, seu país, sua gente, é natural que se sinta bem ao lado de parentes e amigos com os quais conviveu por toda uma vida.

Em segundo lugar, está indo para um lugar em que a qualidade de vida é muito maior do que aqui no Brasil – em Portugal, sabe-se viver e eu, que sou português (embora viva no Brasil há 46 anos), e lá estive algumas vezes, bem pude comprovar.

Em terceiro lugar, vai ganhar bem mais lá do que cá, e dinheiro não é problema na vida, é solução.

Em quarto lugar, apresentaram a ele um projeto esportivo ousado, que promete fazer do Benfica uma potência europeia, é um desafio que resolveu se atribuir.

Em quinto lugar, lá ele está muito mais protegido em termos de saúde, especialmente de pegar uma perigosa Covid 19, que aqui se alastra como pólvora.

Como se vê, o português teve motivos mais do que suficientes para sair.

Aceita, rubro negro, que dói menos.

Acho Jorge Jesus um grande técnico, mas aquém do endeusamento que os rubro negros fazem dele.

Basicamente, não é ele que é excelente, apesar de bom, mas os técnicos locais que, com raríssimas exceções, são indigentes, o que fazia com que se destacasse tanto.

Mas, pensando estritamente do ponto de vista profissional, o português fez o que tinha que ser feito.

Terá sucesso?

A conferir.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada! 

ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: SCHIAFFINO E A SORTE (DUPLA) DE CAMPEÃO

por Marco Antonio Rocha


Nem sempre um erro significa algo ruim. Juan Alberto Schiaffino, um dos maiores craques do futebol uruguaio, sabia disso. Se tivesse executado com perfeição a jogada que planejara no gol de empate na final da Copa de 1950, talvez o aniversário de 70 anos daquele Mundial tivesse o verde e amarelo como as cores da festa. Falastrão, era o único jogador com que conversamos que não se importava de relembrar a conquista. E até admitia que a sorte foi sua importante aliada quando a Seleção Brasileira vencia por 1 a 0 e estava bem perto do título.

– Eu peguei mal na bola e acabei me saindo bem. Quem já jogou futebol sabe como é isso. Uma bola que chega rápido tem que ser chutada depressa! – ensinou o ex-apoiador, explicando sua verdadeira intenção:

– Minha vontade era chutar à direita de Barbosa, no canto que estava vazio, mas ela foi no outro lado, no primeiro pau. O goleiro não podia adivinhar o que eu ia fazer. Nem eu sabia o que fazer. Se eu tivesse chutado bem, talvez não empatássemos aquele jogo. No futebol acontecem as coisas mais inverossímeis.

Ao falar do acaso na decisão, o ex-astro do Peñarol não poupava nem sequer o gol de Ghiggia. Assim como o empate, Schiaffino atribuía a virada a um golpe de sorte:

– Ele correu pela ponta, não tinha ângulo, e chutou rente ao primeiro pau. Como a bola poderia ter passado entre Barbosa e a trave? Mas passou.

A convicção de Schiaffino era tão grande que, com base no retrospecto entre brasileiros e uruguaios, considerava a derrota dos donos da casa obra do sobrenatural.

– Não sou cristão, mas acho que o Senhor não quis que o Brasil ganhasse. A Seleção Brasileira nos metia três, quatro gols nos amistosos. Como pôde aquilo ter acontecido logo na final? Foi uma casualidade! – repetia o ex-jogador, que morava numa casa confortável de frente para o mar, onde desemboca o Rio da Prata.

Se a vitória surpreendeu os próprios uruguaios, o que dizer de como os brasileiros receberam o resultado? Schiaffino lembrava com detalhes a reação da torcida que lotou o Maracanã. E garantia que, apesar da alegria pela conquista, foi contaminado pela tristeza adversária.


– Todo aquele povo chorava na arquibancada, principalmente as mulheres. Foi a primeira vez que vi um espetáculo daqueles. Quando percebi a comoção, fui correndo para o vestiário. Eu não queria ver aquilo! – contou, lamentando que tenha contribuído para a decepção brasileira:

– É triste. O carinho dos torcedores com o time era enorme, assim como a esperança que todos tinham em sair campeões.

Nem quando o maior objeto de desejo do futebol chegou às mãos dos uruguaios, pelo presidente da Fifa, o desconforto foi amenizado:

– Jules Rimet entrou em campo para nos entregar a taça e nós víamos o que estava se passando fora das quatro linhas, ali perto. Era incrível, parecia que havia morrido um familiar daquelas pessoas.

Embora o sofrimento dos torcedores tenha sido grande, a cena que mais impressionou Schiaffino foi o desespero de um adversário:

– A imagem que mais me marcou foi o pranto do Danilo. Enquanto nós levantávamos os braços, ele punha as mãos no rosto. Às vezes, é um erro; às vezes, o inesperado acontece.

CANAL 100: CEMITÉRIO DA MEMÓRIA?

por Paulo Marcelo Sampaio


 Quem tem a minha idade ou é um pouco mais velho sabe da emoção que a música “Na cadência do samba”, a popular “Que bonito é…”, consagrada pelas lentes do Canal 100, despertava. Imagens por ângulos jamais captados, closes de jogadores em pé de guerra, craques sendo caçados por chuteiras viris, deuses aplicando seus concertos em câmera lenta; nada disso era perdido pelos cinegrafistas do canal. E assim, gols que eram o delírio de torcedores – tão genialmente retratados também – eram a desgraça de outros, se transformavam com o tempo em patrimônio cultural de um povo.

Pode ter sido em 1993. Quem sintonizava a TV Manchete naquela época tinha chance de assistir um miniprograma que mostrava as pérolas do Canal 100. Como uns times triunfavam sobre outros, criou-se ali, na correria da redação, no meio do ‘fechamento’ do jornal, um clima de concentração de estátua de Bellini.

Num desses dias, perguntei ao apresentador do miniprograma, herdeiro das imagens do Canal 100, quando passaria os 6 a 0 do Botafogo sobre o Flamengo, em 1972. Até porque tinham exibido a revanche, conquistada pelos rubro-negros nove anos depois.  O rapaz flamenguista, sorridente e simpático, desconversava. Até que disse que as imagens estavam guardadas às sete chaves. mas que nunca mais seriam exibidas. Eu até entendi. Dor de torcedor só quem sente sabe o quanto dói.


Soube hoje da revelação dada ao Museu da Pelada. As ditas imagens daqueles 6 a 0 – o baile de Jairzinho e companhia – foram apagadas logo depois da goleada. Para sempre. Eram imagens únicas, exclusivas. Fiquei chocado, não por eu ser botafoguense, mas pelo descaso com a memória. Um gesto tão sem piedade, com a maior desfaçatez, narrado com deboche deselegante, sem o mínimo de arrependimento. Esse crime prova que os documentaristas não eram documentaristas. Eram torcedores travestidos de documentaristas.

Nada mais sintomático que a entrevista do rapaz fosse dada ao Museu da Pelada. Afinal, entrevistador e entrevistado com facetas tão antagônicas. Se o rapaz tivesse trabalhado no Museu da Pelada, nada disso tinha acontecido. Esse gesto – desculpem-me – nada tem de nobre. Nobreza é para poucos.

 

Paulo Marcelo Sampaio é jornalista. Autor de “Os 10 Dez do Botafogo” e de “21 depois de 21”, em parceria com Rafael Casé

O DIA EM QUE PELÉ MANDOU UM JUIZ PARA O CHUVEIRO

por André Felipe de Lima


Não. Definitivamente, não. Nunca um jogador foi capaz de expulsar um juiz de um campo de futebol. A situação seria, no mínimo, completa e totalmente inverossímil. Surreal. Inimaginável. Lembro que em um jogo do Botafogo, em novembro de 2008, contra não sei quem o zagueiro André Luiz, um camarada alto, forte e sempre com cara de poucos amigos, tomou o cartão vermelho da mão do pobre do árbitro e o ergueu. “Fora!”, deve o beque ter gritado de supetão. Mas ficou nisso. André Luiz não tinha nome nem cacife para expulsar um juiz e acabou ele mesmo indo para o chuveiro após baixar a bola. Mas será que houve um dia em que algum maluco como André Luiz tentou (e conseguiu) botar para fora um árbitro? Sim, e somente um camarada com suas devidas idiossincrasias e capaz de mandar mais que a própria bola de futebol no contexto de uma peleja, seria capaz de chegar a esse extremo, e isso aconteceu no dia 17 de julho de 1968, dois anos antes do “tri” no México. O juiz em questão chamava-se Guillermo “el chato” Velásquez, que já não está mais aqui para contar a história; quanto ao seu “algoz” tem nome, sobrenome e um apelido, o mais famoso do mundo, por sinal: Pelé.


A história, uma das mais inusitadas na história do futebol, aconteceu durante um jogo do Santos contra a seleção olímpica da Colômbia. Um simples e (em tese) inofensivo amistoso, cujas cotas eram gordas para o clube paulista pelo simples fato de Pelé estar no gramado. Mas o rei teria aplicado um “chega-pra-lá” em uma dividida mais ríspida com o zagueiro Luís Eduardo Soto. Houve confusão entre os jogadores do Santos e os colombianos. Dirigindo-se ao juiz, Pelé teria proferido um sonoro “Vá se f., seu filho de uma p.”. Velásquez ouviu e viu muito bem o que gritara Pelé. A expulsão (na época ainda não havia cartão amarelo ou vermelho) era o remédio para a situação. Todo mundo se empurrando e ao juiz (coitado), que emenda: “Pelé, ‘con permiso’ fora!”. O Edson sempre negou ter participado da confusão ou mesmo xingado Velásquez, mas o Pelé nunca negou isso, e saiu de campo. Pelé caminhando e a torcida gritando: “¡Vuelve, Pelé, vuelve!”. Os santistas em cima do pobre do árbitro. Empurra dali, empurra daqui; torcedores ensandecidos, que só foram ao estádio por causa do Pelé. A tragédia era iminente. Alguém tinha de fazer algo imediatamente ou nem mesmo Pelé sairia vivo daquele estádio onde o caos se instaurara. Um cara soprou no ouvido do bandeirinha Omar Delgado, e deve ter dito mais ou menos assim: “Ve allí y saca al árbitro loco del césped”. Delgado acatou a ordem e mandou o recado para Velásquez, que, obviamente pasmo, ouviu a decisão contra ele. Velásquez estava expulso. Pelé, que sequer saiu de campo, permaneceu. No fim das contas, o jogo continuou, e deu Santos. Quatro a dois, com um gol dele, Pelé. Velásquez e Pelé estiveram dois anos depois, no México. Mas não se esbarraram. Nunca mais um cruzaria o caminho do outro. Para Pelé, a glória. Para o pobre do “El chato” Velásquez, bem… sobraram um olho roxo e o chuveiro do vestiário.

CONFIRA O VIDEO DAQUELE JOGO QUE ENTROU PARA A HISTÓRIA DO FUTEBOL

ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: GHIGGIA INOCENTA BARBOSA

por Marco Antonio Rocha


Alcides Ghiggia vivia em Las Piedras, subúrbio distante da correria de Montevidéu, há 20 anos, quando batemos um papo sobre a histórica final da Copa de 1950. Nas paredes do sobrado simples de pedra, placas alusivas à conquista e apenas uma foto desbotada de quando o algoz do Brasil defendia o Peñarol. Daquele Mundial, nada de fotos ou recortes de jornais. Apenas memórias, guardadas dentro de uma cabeça que ostentava um topete cuidadosamente penteado, além de um bigodinho no melhor estilo milonguero.

– Não tenho mais as fotos, estão com meus filhos. Para que ficar lembrando algo que já passou? – perguntou Ghiggia, usando uma calça preta com frisos amarelos, tipos anos 80:

– Sou Peñarol até hoje!

As fotos podem até estar esquecidas num canto de armário, mas as lembranças da final entre Uruguai e Brasil estão vivas para vencedores e vencidos. Segundo o ex-jogador, aquele foi o dia mais importante de sua carreira.

– Todo jogador sonha defender a seleção e disputar uma Copa do Mundo. E nós tivemos a sorte de sermos campeões! – admitiu, relegando o gol que decidiu o título!

– Parece que aquilo foi o fator principal da partida, mas a conquista foi dos 11. Fui tocado pela sorte e acabei fazendo o gol.

Da arrancada que deu em direção à linha de fundo ao arremate certeiro, Ghiggia demorou pouco tempo, alguns segundos fatais para o futebol brasileiro.

– A jogada foi um pouco parecida com a do primeiro gol uruguaio. No empate, passei por Bigode, que tentou matar o lance com um carrinho, e depois cruzei para Schiaffino marcar. Na virada, aproveitei o espaço entre a trave e Barbosa, que esperava pelo cruzamento, para desempatar! – explicou, inocentando o goleiro:

– Ele fez o lógico. Quem fez o ilógico fui eu!

E só mesmo a ilógica e muita coragem para pôr fim à festa que tomara conta do Brasil do início da Copa ao gol de Ghiggia, a 11 minutos do fim. O carrasco uruguaio garantia que não havia se impressionado quando deixou o vestiário para trás e viu o Maracanã repleto de torcedores que já planejavam como seria a comemoração.

– A multidão nunca me impressionou, nunca dei importância à torcida. O que me preocupava era jogar e ganhar, porque nunca gostei de perder! – disse, fortalecido pela quebra do favoritismo brasileiro:


– Quando o primeiro tempo acabou 0 a 0, já consideramos um triunfo porque o Brasil vinha vencendo todo mundo de goleada. Depois do gol do Friaça, decidimos ir atrás da vitória. Com a virada, as camisas que fizeram com a inscrição “Brasil campeão do mundo” acabaram encalhando…

Ghiggia parecia ter a nítida noção do prejuízo que causara aos brasileiros. Um prejuízo muito maior do que o valor de simples mercadorias que ninguém mais queria. Tanto que ele, até os últimos anos de vida, ainda cobrava para dar entrevistas.

– Eu cobro mesmo. Certa vez, uma emissora de TV peruana esteve aqui em minha casa e recebi sete mil dólares. A imprensa uruguaia parece não saber o que represento! – disparou o eterno camisa 7 celeste, que conversou conosco sem cobrar um centavo sequer.

A certeza que Ghiggia tinha do que representa para a história do futebol uruguaio se fazia presente quando assumia, de fato, o papel de carrasco. Como num ritual macabro, numa tentativa de não deixar que seu feito fosse esquecido, fazia questão de repetir a frase que jamais saiu da cabeça dos brasileiros:

– Só três pessoas calaram o Maracanã: o Papa, Frank Sinatra e eu! – afirmava, incorporando a seu gol toda a dramaticidade do fato:

– Foi o gol mais importante já marcado no Brasil. E talvez o mais triste também. A Copa do Mundo foi feita pelos brasileiros, que levantaram um estádio para o Uruguai ser campeão mundial!