A MÁQUINA TRICOLOR, SEPP MAYER E A ESTREIA DE PC CAJU
por Valdir Appel
Eu e meu pai, subimos a rampa do Mário Filho e assumimos uma posição privilegiada nas arquibancadas, pertinho daquela linha imaginária que costuma dividir as torcidas rivais nos dias de clássico. Linha desnecessária porque era noite de uma torcida única, exceção para meu pai e eu, dois torcedores sem bandeira, ávidos por um grande jogo de futebol.
No gramado, os times saúdam os torcedores e os craques se cumprimentam antes do pontapé inicial do amistoso internacional promovido pelo Fluminense contra o Bayern de München, base da seleção alemã, Campeã do Mundo em 1974.
É a estreia de Paulo César Caju na “máquina”, repatriado junto ao Olimpique de Marselha. É o “pó de arroz” se preparando para o bicampeonato após a conquista da Taça Guanabara.
O espetáculo atrai um público soberbo, muito acima do previsto, e a administração do estádio acaba liberando a entrada de milhares de pessoas sem ingresso.
Bola rolando.
Desde o começo o Fluminense é só pressão. Tem o domínio da meia-cancha, é agressivo, brilhante. Entusiasma até quem não torce por ele.
Apenas um “chucrute” não quer ser coadjuvante do show de bola aplicado pelos bailarinos do presidente Francisco Horta, é o goleiro alemão Sepp Mayer, destaque do Die Bayern, como é conhecido o timaço europeu.
Rivelino dá um elástico na entrada da área e toca a bola para Cléber que invade a área. Mayer sái fechando o ângulo. Cléber desloca o goleiro com um toque sutil, mas sem endereço e a bola caprichosamente encontra as canelas de Gerd Müller – centroavante do Bayern que voltara para marcar no escanteio – indo para o fundo da rede.
Gol contra do artilheiro da Copa de 74.
E é só o comecinho da partida.
Um time dá espetáculo, o outro se defende. Aliás, Mayer defende. A facilidade com que detém os disparos, sempre bem colocado, é de arrepiar.
Meu pai, que no passado também fora goleiro, vibra muito, aplaude e não contém o comentário ácido:
– Isto sim é que é goleiro, não estes merdas que a gente vê por aí!
Sorri concordando, com uma pontinha de inveja. Ele nem se lembrou que o filho também era goleiro.
Segundo tempo, réplica do primeiro. O show de Mayer continua. Defesas incríveis, seguras. Feitas com tanta simplicidade que irrita os atacantes do Fluminense e delicia quem vê.
Cafuringa, que nunca fez gol em ninguém, invade a área na vertical, ameaça o chute uma, duas vezes, cortando sempre para a direita. Quando vai fazer o disparo final, Mayer se projeta aos seus pés, dá um tapa com a mão espalmada e arremessa a bola pela linha de fundo.
O alemão ergue-se rápido e desafia:
– Mann, hier nicht!
Os astros Beckenbauer, o Kaiser Rumenigge, Kapelman assistem impotentes à exibição de bola de Rivelino, Marco Antonio, Mário Sérgio. O magro marcador construído na etapa inicial é pequeno e não espelha a superioridade do futebol jogado pelos astros das Laranjeiras.
O espetáculo termina. O público aplaude de pé, inclusive Herbert e eu.
A vida inteira e até o fim dela, meu pai não perdeu uma única oportunidade de descrever para os amigos as defesas daquele que para ele foi o maior goleiro do mundo.
(Amistoso internacional. Dia 10 de junho de 1975 para um público pagante de 60.137 torcedores. Fluminense 1 x 0 Bayern München Local: Maracanã. Árbitro: Arnaldo César Coelho. Renda de Cr$ 1.162187,50. Gol: Müller contra, aos 7 do 1º tempo.
Fluminense: Félix, Toninho, Silveira, Assis, Marco Antonio, Zé Mário, Cléber, Cafuringa, Paulo César (Manfrini), Rivelino e Mário Sérgio.
Bayern: Maier, Durnberger,Schwarzenbeck, Beckenbauer, Weiss, Roth, Tortensson, Rumenigge, Zobel, Müller e Kapell .
(Glossário pra quem não sabe nada de futebol: Mário Filho = Maracanã; máquina, pó de arroz, tricolor das Laranjeiras = Fluminense; Die Bayern = Os Bárbaros; chucrute = alemão; Mann, hier nicht! = Cara, aqui não!; Kaiser = Imperador)de arroz, tricolor das Laranjeiras = Fluminense; Die Bayern = Os Bárbaros; chucrute = alemão; Mann, hier nicht! = Cara, aqui não!; Kaiser = Imperador)
Uchôa
O PROFESSOR
Já falamos diversas vezes, mas é sempre bom ressaltar a importância dos nossos colaboradores para o crescimento do Museu da Pelada. Dessa vez, o parceiro Renato Belém Bastos entrou em contato pelo Facebook, sugeriu uma matéria com o lateral Paulo Uchôa e ainda fez esse meio-campo para a gente fazer uma resenha sensacional com o craque no Campo de São Bento, em Niterói. Aproveitamos a oportunidade para levar o parceiro Jeremias, ídolo do América-RJ, que abrilhantou o encontro.
por Renato Belém Bastos
Lateral direito consagrado, com boas passagens por Fluminense, América-RJ, Sporting (Portugal), Grêmio, entre outros, Uchôa teve o ponto alto da carreira no tricolor gaúcho, quando conquistou o Campeonato Brasileiro de 1981 ao lado de Baltazar e Renato Gaúcho.
Com excelente sentido de marcação, muito bom no apoio e um chute potente, teve uma trajetória brilhante no futebol, mas ninguém poderia imaginar que o sucesso se repetiria dentro da sala de aula.
Após pendurar as chuteiras, tornou-se professor universitário na área de Educação Física e eu tive o prazer de aprender muito com ele. Além disso, virou técnico da seleção brasileira de futebol para amputados, tornando o Brasil tetracampeão na modalidade.
Se o jogador de futebol morre duas vezes como dizem por aí – após pendurar as chuteiras e quando o coração para – Uchôa tratou de se reinventar e renascer. Uma figura humana maravilhosa, sempre com palavras de incentivo e um humor de primeira, que soube buscar novos objetivos.
A MENTIRA QUE MOTIVOU PELÉ
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Para os que acham fake news um fenômeno atual posso garantir que na Copa do Mundo de 70 ela já causava estragos consideráveis. Esse foi um tema levantado pelo professor Israel Cayo Campos e prometi comentá-lo aqui. Por coincidência, outro dia assisti uma entrevista de Rildo lamentando o seu corte. E tinha que lamentar mesmo, afinal ele jogou as Eliminatórias e tudo indicava sua ida ao México, mas surgiu um inesperado sopro no coração. Verdade? Mentira. Tanto Saldanha quanto Zagallo conheciam Rildo dos tempos de Botafogo. O problema é que nenhum jogador colocou a boca de trombone na época, não sei se por respeito ao treinador ou intimidados pelo poder dos militares.
Se forem conversar com Sebastião Leônidas, para mim um dos maiores zagueiros que vi jogar, ele também contará uma história parecida com a de Rildo. Na época, João Saldanha sequer o chamou para as Eliminatórias e ele havia ganhado tudo, estava em uma fase espetacular. Tempos depois soube que um sopro no coração também foi o motivo para sua ausência nas convocações. Outro grande zagueiro que ficou de fora foi Djalma Dias, titular indiscutível durante as Eliminatórias.
Claro que havia uma política nos bastidores, com as federações de outros estados forçando a barra por seus jogadores. E essa queda de braço foi a responsável pela convocação de Everaldo, do Sul. Claro que era bom de bola, mas Rildo e Marco Antônio jogavam mais. No caso de Leônidas também foi mais ou menos assim. Nas Eliminatórias, foi o Scala. Essa prática de inventar problemas médicas é muito cruel. Rildo e Sebastião Leônidas continuaram jogando normalmente por seus clubes. Se é comigo tinha armado um barraco tremendo e vocês me conhecem e sabem que armaria. O ponta Arílson que o diga! Em uma dessas convocações politiqueiras chamaram o Arílson, que, diga-se de passagem, estava jogando muita bola. Mas queriam alguém do Flamengo e ele mesmo contou em uma entrevista que em um jogo treino, no Maracanã, aberto ao público, Zagallo avisou que ele entraria no segundo tempo. Eu estava de titular. Aí, o Velho Lobo, no intervalo me chamou e veio com uma conversa mole…”olha estou pensando em fazer um teste com o Arílson…” e eu de bate-pronto respondi que não sendo no meu lugar achava uma ótima ideia, Kkkkk. O fato é que o Arílson não entrou.
Se você colocar o galho dentro se aproveitam disso. O Sebastião Leônidas é extremamente tímido e isso acaba atrapalhando. Com o Toninho Guerreiro foi a mesma coisa, inventaram uma contusão crônica em seu tornozelo. Mentira! Jogou anos depois e nunca sentiu nada. Tudo bem que Tostão ganhou a vaga e não teria chance, mas a mentira fere.
Talvez a única mentira “saudável” tenha sido a miopia lançada por João Saldanha e que tomou conta dos noticiários. Saldanha sentia que Pelé andava muito acomodado e havia feito uma Copa horrível, em 66. Queria motivar o “crioulo”, como chamava Pelé. Chegou a colocá-lo no banco para Dirceu Lopes, em São Paulo. Olha, nunca vi Pelé treinar tanto na vida, como alguém poderia chamá-lo de cego, devia pensar. E danou a fazer gols! Não era fake news, mas motivação. Saldanha cutucou a onça com vara curta e o resto da história vocês já conhecem.
O VITORIOSO E ABNEGADO MANOEL DE ALMEIDA
por André Luiz Pereira Nunes
Em 15 de outubro de 1988 faleceu Manoel Ferreira de Almeida. Foi enterrado no Cemitério Jardim da Saudade. Sua ausência abriu uma grande lacuna, pois fôra a maior liderança e a maior prestação de serviços a qual o futebol amador carioca poderia legar. O seu atual anonimato é uma das muitas injustiças que o esporte por vezes proporciona. Homem realizado profissionalmente, além de desportista nato, sempre esteve presente aos estádios para fazer o que mais gostava: comandar times. Contudo, a sua paixão jamais enveredou pelo profissionalismo. Gostava do futebol amador e, qualquer que fosse o clube, vestia a camisa com honradez e dignidade como se fosse a sua segunda pele.
De fácil comunicação, sabia cativar os jogadores e transmitir as suas recomendações. Formava equipes sempre com o intuito de vencer, pois jamais se contentava em ser um mero partícipe. Ainda chegou a cartola, no bom sentido, quando em 9 de março de 1972 assumiu a presidência do Atlético Clube Nacional, levando o clube de Ricardo de Albuquerque às maiores conquistas do extinto Departamento Autônomo, este tornado posteriormente Departamento de Futebol Amador da Capital e vinculado à Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro.
Quando resolveu presidir o Nacional, descobriu que a agremiação da Estrada do Camboatá não dispunha de água, luz, esgoto, vestiários e tampouco da escritura do terreno. Para piorar, havia uma dívida de 18 milhões de cruzeiros. Sem nenhum esmorecimento, resolveu arregaçar as mangas e criar um grupo de trabalho composto por 38 fiéis colaboradores. Após nove meses, tudo estava sanado e o caixa ainda contava com 25 mil cruzeiros. Em fevereiro de 1983, lançou a pedra fundamental do ginásio contando com a colaboração do então presidente do Vasco, Agathyrno da Silva Gomes. Sete meses depois, o conjunto The Fiver’s abrilhantou a festa de inauguração. Ainda em 1972, dirigiu o time em um torneio de clubes profissionais, o Otávio Pinto Guimarães, conquistando a segunda colocação e ainda incluindo o clube na loteria esportiva, um feito inédito e notório. Também ganhou os títulos de campeão de juvenis, amadores e da Taça Disciplina e Eficiência.
Tendo levado o Nacional às grandes vitórias, lamentava-se da decadência causada pelas posteriores gestões. Sempre enumerava os chamados coveiros e essa foi a principal tônica levantada em várias rodas de conversa formadas em seu enterro.
Após a experiência fora dos gramados, voltaria a atuar como técnico, alcançando sempre êxito no comando das equipes. Entre os inúmeros títulos, vale ressaltar o de 1977, pelo Nacional, quando bateu na final o glorioso Oriente, no campo do America. Já em 1982, após ser vice no ano anterior, foi campeão amador pelo Pavunense, em antológica decisão, em Moça Bonita contra o Oriente, transmitida de forma inédita pela Rádio Nacional. Em 1986, à frente do Francisco Xavier Imóveis, já bem idoso, apossou-se de seu último troféu no futebol amador da capital.
Manoel de Almeida nunca viveu do futebol. Pelo contrário, viveu para o futebol. Por 48 anos foi funcionário de primeiro escalão do Laboratório Schering, criando ainda um time da empresa, o qual se sagrou bicampeão de um certame classista.
QUANDO ISSO TUDO PASSAR
por Leo Russo
Mais um dia de quarentena, mal entrei no banheiro e dei de cara com o espelho. Encarei, dei um sorriso falso, falei “Qualé, compadre?” e cansei da óbvia reciprocidade. Tentei intimidá-lo. Olhei uma ruga aqui, outra acolá, e viajei nas lembranças. Vi um menino que jogava bola na praça, subia em pé de carambola, comia caqui e repetia, corria suado e ofegante cantando o hino do time do coração nessas festas infantis nas quais os recreadores tocam as músicas, ia pra escola, recreio simmm, prova nãoooo, se comporta Leonardooo, não fala palavrão. Depois esse menino cresceu, vieram os verdadeiros sonhos, um cavaquinho, as paixões platônicas, aquele frio na barriga…depois as festinhas, prova um drinque aqui, outro acolá, aquela me olhou, beijo bom, bebe mais uma…Depois as responsabilidades, a profissão, show aqui, outro acolá, mais uma música, gravação, viagens, programa de TV, rádio, gravação de novo, alô produção…
Saí do banheiro, entrei no quarto e deitei na cama. Sem pé de carambola, sem recreio, sem os amigos no bar, sem festas, sem futebol, sem samba, sem as viagens, sem shows. Levantei do colchão. Vou voltar pro espelho.