Escolha uma Página

AUTOBOL, UM ESPORTE BRASILEIRO DISPUTADO POR CARROS

por André Luiz Pereira Nunes


É no mínimo inusitado imaginar uma partida de futebol contendo carros em vez de jogadores. Parece impossível, mas não só existiu essa modalidade, como ainda foi inventada, no início dos anos 70, por um brasileiro, embora tenha persistido por pouco tempo. Foi o doutor Mário Marques Tourinho, fã de futebol e automobilismo, quem a concebeu e a pôs em prática, apoiado pelo produtor de TV, José Maria Adame. Na época, Mário era diretor do departamento médico do America e médico da Associação Carioca de Volantes de Competição. 

A ideia ganharia corpo e se tornaria uma verdadeira febre com direito a uma ampla cobertura de jornais e televisão. Após algumas experiências envolvendo amistosos no estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador, os organizadores resolveram, em 1973, organizar o primeiro Campeonato Carioca de Autobol no antigo estádio do America, na Rua Campos Sales, na Tijuca. Os disputantes foram America, Flamengo, Vasco e Fluminense. O campeão foi o Tricolor das Laranjeiras, o qual contava em seu elenco com o piloto Ivan Sant’Anna, hoje um famoso escritor, além de Alfredo, Fernando Davi e Paulo Jorge.

Os jogos eram disputados em campos de terra batida ou saibro contendo as mesmas dimensões de um gramado de futebol. A bola, de couro de búfalo com diâmetro de 1 metro e peso de 11 kg, era conduzida por carros, cujo número por times variou ao longo dos anos de três, quatro, cinco ou seis. Os escolhidos eram modelos baratos, como o Dauphine, que tinham câmbio de três marchas, facilitando bastante as manobras, pois a ré e a primeira marcha faziam parte do mesmo canal. Outros automóveis como o Volkswagen Fusca 1300, Volkswagen 1600, antecessor da  Brasília, Gordini, Renault RQ e o Kharman-Ghia também foram bastante utilizados. É interessante frisar que os carros com capô redondo, como o Fusca, eram utilizados para “chutar” a bola para o alto, possibilitando que os outros veículos a “cabeceassem” para o gol. Já os de capô quadrado executavam passes rasteiros e cobranças de falta.

Na edição seguinte, em 1974, o Botafogo, que entrara no lugar do America, sagrou-se vencedor. Alguns cotejos também passaram a ser disputados no Colégio Santo Inácio, em Botafogo, no campo dos Funcionários do Horto Florestal e até no gramado das Laranjeiras, o qual aguardava replantio. Porém, a alegria durou pouco. O país, que vivia o auge da ditadura, experimentava outra de suas costumeiras e inúmeras adversidades econômicas que permearam a sua história. O estouro da crise mundial do petróleo, agravada pelo fim do transitório e ilusório Milagre Econômico culminaram em severas restrições à prática de competições automobilísticas no país, inviabilizando totalmente o Autobol, o qual permanece vivo apenas nas lembranças de alguns aficcionados e estudiosos do peculiar esporte cuja origem é totalmente brasileira.

MORCEGO NO GRAMADO

por Victor Kingma


Charge: Eklisleno Ximenes.

Naquele domingo estava prevista uma grande festa na pacata cidade de Jacutinga do Norte. Seria finalmente inaugurado o estádio local, antigo sonho dos moradores do lugar.

 Até a acirrada rivalidade entre os dois principais times locais, o Jacutinga e o Barro Preto foi esquecida.

Um selecionado com os melhores jogadores da região foi formado para enfrentar o time misto, de um grande clube da capital.  

Agustín, o Morcego, com 1,98m de altura e 130 kg de peso, era o torcedor mais conhecido do Jacutinga. Já se tornara uma figura folclórica do lugarejo.

Bandeira na mão, sempre era o primeiro a chegar para assistir aos jogos.

Entretanto, sua presença nos campos sempre foi motivo de preocupação.

Tudo por causa de uma particularidade: ficava possesso quando o chamavam ou insinuavam alguma coisa que lembrasse o apelido – que abominava.

Muitas  foram as confusões que se meteu com as torcidas adversárias, principalmente nos dias do famoso clássico  “Jacu Preto” ,  acirrado prélio entre  Jacutinga x Barro Preto.

 Nesses dias, para provocá-lo, a torcida rival costumava entoar bem alto o coro:  Morcego!  Morcego!

Ele, enfurecido, saia quebrando tudo.   Às vezes  nem  a  polícia conseguia detê-lo.

Agustín não batia bem das  bolas e só uma coisa o fazia esquecer um pouco do futebol: a paixão que tinha por revistas em quadrinhos.

 Com os gibis, desligava-se de tudo. Virava uma criança e ficava horas lendo, dócil e calmo.

E chega o grande dia! Com o palanque cheio de autoridades, tudo era só alegria.

Entretanto, a presença do problemático torcedor no novo estádio deixava apreensivos os organizadores, o prefeito e até o vigário local.

 Apesar de ser  uma partida festiva, e se algum agitador, de oposição ao prefeito, o chamasse pelo apelido? –  Seria o caos!

Um  desses puxa-sacos de palanque, resolve, então, agir: chama o filho e o manda dar uma revistinha qualquer para distrair e acalmar o bravo Agustin.

 Diz pra ele que é presente do prefeito!  –  Recomenda o bajulador.

 Tudo parecia resolvido.

Após os discursos e da cerimônia de inauguração, a bola rola em clima de festa…

 De repente um tremendo tumulto! 

Agustin Morcego, mais furibundo que nunca, salta o alambrado, invade a cancha e se dirige aos berros em direção ao palanque das  autoridades. E vai derrubando tudo pelo caminho…

Todos tentam segurá-lo. Balburdia geral! Corre-corre.

Ao ver o sorriso irônico do filho ao seu lado, desconfiado, o puxa-saco  pergunta:

–  Menino,  você fez o que lhe pedi?

–  Claro, pai! Dei um gibi pra ele e falei que era presente do prefeito…

–  Qual gibi?

E o Juquinha com um riso sacana:

– BAT MAN!!!

O ÍCONE DO JORNALISMO ESPORTIVO BRASILEIRO

por Luis Filipe Chateaubriand


Formado em Ciências Sociais, José Carlos do Amaral Kfouri, o Juca Kfouri, tornou-se, ao longo do tempo, jornalista esportivo. Seguidor de João Saldanha, de quem foi amigo, há décadas exerce o papel de porta voz da consciência crítica em nosso futebol.

Este escriba começou a se interessar pelos problemas estruturais de nosso futebol, o péssimo calendário à frente, a partir de argumentações de Kfouri que, desde o final dos anos 1970, denuncia o modelo arcaico, anti profissional e mal gerido.

Corinthiano de quatro costados, coloca, no entanto, a necessidade de escrever sobre a estrutura do futebol acima de paixões clubísticas, exercendo o papel de questionador do modelo.

Kfouri, com seu trabalho de denúncia e de conscientização, influenciou a formação de jornalistas do futebol da nova geração, alguns deles brilhantes, como Paulo Vinícius Coelho, Mauro Cezar Pereira e Paulo Calçade, dentre outros.

Se ainda temos capacidade de nos indignar contra os desmandos do futebol brasileiro e sonhar em algo melhor do que se tem, devemos a Juca Kfouri grande parte disso.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

AGONIA DO CRUZEIRO

por Marco Antonio Rocha


E o Cruzeiro de Tostão, Dirceu Lopes, Piazza, Nelinho, Raul, Sorín, Niginho e Natal trocou as páginas de esporte pelas de polícia. A poucos meses de completar 100 anos, no dia 2 de janeiro, o clube não tem o que festejar. Afundado em dívidas, vê ações trabalhistas se acumulando, jogadores indo embora, salários atrasados e seu nome manchado por aqueles que lhe juravam amor eterno. Traição.

A situação ficou ainda pior quando a Fifa decretou a perda de seis pontos na Série B por uma dívida com o Al-Wahda, dos Emirados Árabes, pelo empréstimo de seis meses do volante Denilson. E mais: o Cruzeiro corre o risco de sofrer em breve a mesma punição pela compra do atacante Willian junto ao Zorya, da Ucrânia. Seriam 12 pontos a menos… O risco de queda para a Terceira Divisão este ano é imenso, já que o clube teria apenas seis meses para quitar o débito. É provável que novos processos do tipo surjam em breve. Tormento.

O cenário se desenha justamente no momento em que o Cruzeiro precisa se reerguer nos gramados, em uma Série B complicada como jamais acontecera: o regulamento pela primeira vez obriga um clube grande a ver sua cota fixa de TV despencar – neste caso, de R$ 22 milhões para minguados R$ 6 milhões. A pandemia, que deixará os estádios desertos e a arrecadação com bilheteria reduzida a zero, aqui é apenas um detalhe. Devastação.

Minha sogra, Zilda, é cruzeirense e aos 70 e poucos anos foi enfática ao resumir seu sentimento: “Ao ver a camisa do Cruzeiro, sinto saudade. Mas é só. Perdi a chama”. É justamente isso o que esses dirigentes abjetos fazem com os torcedores — e não apenas do Cruzeiro, mas de todos: apagar a chama. É ela que motiva uma pessoa a sair de casa no dia do aniversário da mãe para ver um jogo, entupir o armário de camisas oficias caríssimas, economizar cada centavo para pagar o plano de sócios, passar essa paixão para o filho. Esses dirigentes não. São capazes de acumular um déficit de R$ 394 milhões somente em um ano. Mais de R$ 1 milhão em cada dia de 2019! Em outras palavras, para usar a definição da querida mineira, o que essa gente faz é apagar a chama. Desilusão.

Há quatro crimes sendo investigados pelas bandas da Raposa: falsificação de documentos/falsidade ideológica, apropriação indébita, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Estima-se que a dívida total do Cruzeiro passe de R$ 1 bilhão. Se o clube fosse uma empresa, já teria fechado as portas, confinando o amor de sua torcida a memórias que se apagariam com o tempo — a bem da verdade, se fosse uma empresa os dirigentes estariam no seu lugar de direito: atrás das grades. Revolta.


Não me surpreenderei se o Cruzeiro — esse mesmo de Tostão, Dirceu Lopes, Piazza, Nelinho, Raul, Sorín, Niginho e Natal; duas Libertadores e tantos outros títulos — sumir do mapa. Seria o primeiro de muitos gigantes que se deitariam para sempre. Clubes brasileiros têm dívidas insolúveis, fazem do drible sobre o fio da navalha uma prática recorrente. Há 20 anos o Vasco sobrevive graças ao esforço de sua torcida, que constrói um CT e distribui cestas básicas a funcionários; o Santos agradece a cada craque fora de série vendido, sem saber se haverá um próximo para pagar contas básicas — e nem isso tem sido o bastante; o Corinthians joga dentro de uma bomba-relógio prestes a explodir. Somam-se a eles Fluminense, Botafogo, Atlético-MG… A lista é longa, e mais chamas podem se apagar. Desesperador.

OS TIMES DO SUBÚRBIO | PARTE 2

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Óbvio que recebi alguns puxões de orelha por não ter lembrado de alguns craques na crônica que fiz sobre os times do subúrbio. Jorge Lasperg acrescentou na lista Ivo Sodré e Badu, no São Cristóvão, Alves e Clair, no Campo Grande, Mário Breves e Itamar, na Portuguesa, e Jair Pereira e Morais, no Bonsucesso. João Antônio Soares lembrou do Mateus, reserva do Aladim, do Bangu. Olha só, o pessoal lembra até dos reservas! Fernando Cesar Monteiro Mattos lembrou do Zé Mario, a quem chamo de Dustin Hoffman, no Olaria, e Reinaldo Smoleanschi, de Sena, do Madureira.

São incontáveis craques, assim como vi na praia, no soçaite e no futebol de salão. Um deles foi Álvaro Canhoto ou Álvaro Garrincha, que, por sinal, estava revoltado com um ranking publicado listando os 100 melhores jogadores de futebol de salão de todos os tempos. E tinha total razão. Se não constavam Aécio e Serginho, do Vila, Tamba e Vevé, esqueça, essa lista não tem qualquer credibilidade. O próprio Álvaro deveria fazer parte. Do salão, saiu Pintinho, do América, toda a família de Zico, do Juventude, Zé Mário, do Magnatas, eu, meu irmão Fred, Antônio Carlos e o goleiro Borrachinha, do Vasco.

Comecei no Flamengo e vi muitos craques, os bairros tinham clubes com times muito fortes, como O Melo, Imperial, Sampaio Correia, Minerva/Helênico, os Tijucas, os Grajaús. Vi o Carioca, do Jardim Botânico, com Álvaro Canhoto, Elmo, Chiquinho, Serginho e Zezinho, o Flu, de Eurico Loiro, Mário Sérgio, Ricardo Chacal, Branco e Djalma, o Fla, de Moacir Vinhas, Orlando Vinhas, Bebeto, Zanoni e Khalil. Vi Antônio Carlos, do América, que jogou uma barbaridade, e admirei Tamba, que já falei aqui, um dos melhores que vi e que me aplicou uma das mais dolorosas goleadas.

A verdade é que os boleiros estavam espalhados por todas as modalidades. Basta lembrar como ficava o Aterro do Flamengo, apinhado de gente, para presenciar o Embalo do Catete, de Luisinho, e o Ordem e Progresso, de Cacá. Na praia, os times atraíam milhares de torcedores e turistas para assistir os embates entre Tatuís e Lagoa, por exemplo. O Lagoa era um timaço, com Dadica, Salgado, Lula, um cracaço, Pepe, Joninha, Gugu e Marcelo. E o Radar, de Eurico Lira?

Na praia, vi Bavani, Geraldo Mãozinha, Jorge Davidson, o Baba, Armando Monteiro, Patada e Nelsinho, do Botafogo. Tinha o Lá Vai Bola, de Renato, Santoro, Tubarão e Cesar, e o Copaleme, de Vitinho, Paulo Pelicano e Fernando Canalongo, o Guaíba de Leoni, o Grêmio, de Ricardo, General e Ligeireza, e o Dínamo, de João Carlos Barroso, claro que minha memória pode estar me traindo em alguns detalhes. Seu Edu criou o Columbia, time que eu e meu irmão Fred jogamos por muitos anos na companhia de Lauro, Bosco, Juarez, Feijão, Paulada, Fred Foca, Bira, Bada, Nena, Agnaldo, Ivan, Marcelo, Gilo e Roberto. Também lembro que criamos o Gerashow, em homenagem a Geraldo, do Flamengo, que morreu durante uma operação de amígdala. Era um time de soçaite e jogávamos, no Federal, Piraquê, Monte Líbano e Caiçaras, do craque Zé Britto.

Nessa época de quarentena reviramos nossos baús e sentimos saudade desse tempo de praias cheias e o sol abençoando a todos. Agora, me vejo em minha sala, sozinho, álcool e gel do meu lado, assistindo jogos do campeonato alemão, bons jogos, sem torcida. Na mesa, um álbum da Copa de 70 e uma foto do time do Botafogo, com Manga & cia. Na poltrona, um casaco da seleção brasileira. Faço dele um travesseiro, me deito no sofá e choro tentando entender o que fizeram com o nosso planeta. A quarentena está acabando e a minha preocupação é ter que ouvir novamente os jargões dos comentaristas, como “quebrar a bola”, “leitura de jogo” e por aí vai…