O DESEQUILÍBRIO DO FUTEBOL BRASILEIRO
por Idel Halfen
A recente publicação da medida provisória 984, a qual altera as regras de transmissão de jogos de futebol no Brasil concedendo aos clubes mandantes a exclusividade desse direito, nos leva mais uma vez à reflexão do futuro desta modalidade esportiva em nosso país.
Embora merecesse críticas, não entraremos aqui no mérito da falta de debate sobre o tema antes da citada publicação, pois, para isso, precisaríamos discutir o estilo de governo, o que levaria o texto para o lado da política, fugindo assim dos objetivos deste blog.
Dessa forma, usaremos esse espaço para discutir as consequências que o desequilíbrio entre os clubes já proporciona e que tende a aumentar caso a citada medida provisória seja aprovada. Para melhor ilustrar esse problema, pegaremos como exemplo a final do Mundial de clubes de 2019, quando ficou evidente o abismo que separa as duas equipes que se confrontaram. Se o resultado em campo mascarou um pouco tal diferença, as finanças dos dois times mostram claramente os danos causados pelo modelo de divisão de receitas vigente e que tende a piorar com a MP 984.
O quadro abaixo, produzido pela KPMG, compara os dados relativos à temporada 2017/18 do Liverpool contra os do clube brasileiro em 2018, nele é possível ver que a receita do time inglês é quase cinco vezes maior. Detalhando a composição desses números, veremos que o faturamento do campeão mundial com matchday (bilheteria) é quase quatro vezes superior, com commercial(patrocínios e licenciamentos) beira o quíntuplo e com broadcasting (direitos de transmissão), que é a maior fonte de receita de ambos, é mais do que cinco vezes maior. Ressalte-se que o clube brasileiro tinha na época da apuração o segundo maior faturamento de seu país, enquanto o Liverpool não figurava entre os três principais da Inglaterra, isso significa dizer que, se compararmos as médias dos clubes que fazem parte da primeira divisão dos dois países, a diferença é ainda mais alarmante.
Evoluindo na análise, pegaremos as três formas de receitas recorrentes para avaliar quais seriam as reais condições de o clube brasileiro diminuir a distância em termos de faturamento. Começando pelo matchday nos deparamos com a restrição do tamanho dos estádios – a limitação física – , o que faz com que a única opção para aumentar a receita seja a majoração do preço dos ingressos, mas aqui esbarramos na renda familiar brasileira, o que deixa essa alternativa extremamente dependente do crescimento da economia. Ainda que se adicionem nessa linha as receitas advindas dos torcedores que fazem parte dos programas de associação e não vão aos jogos, a limitação referente ao poder aquisitivo permanece.
A possibilidade de incremento através de patrocínios e licenciamentos é, sem dúvida, factível, contudo é importante ter em mente que os budgets das empresas costumam dedicar ao marketing um percentual das receitas oriundas das vendas. Nesse cenário, um eventual crescimento das verbas de patrocínio dependerá também do crescimento da economia, a menos que a verba venha de fora, o que não é usual. Sobre o licenciamento, podemos aplicar raciocínio similar, pois, por mais que os produtos sejam atrativos, a capacidade financeira para adquiri-los e a pirataria inibem incrementos significativos.
Por último, temos o broadcasting que, como já foi dito, é a maior fonte de receita do atual hexacampeão brasileiro. Essa verba advém dos direitos pagos pelas emissoras para que os jogos sejam exibidos, verba esta que é oriunda do montante pago pelos anunciantes, os quais buscam audiência como retorno. Progredindo nesse raciocínio, constatamos que a defasagem entre o que os clubes da divisão principal do campeonato brasileiro recebem chegou a um patamar que deixa a disputa bastante desequilibrada e pouco atrativa, fato que tende a diminuir a audiência e, consequentemente, o interesse dos anunciantes, redundando na diminuição de receitas e, quem sabe, se estenda aos patrocínios.
Essa falta de atratividade prejudica ainda a comercialização de tais direitos para o mercado internacional, o que proporcionaria mais receitas em moedas fortes.
Tal narrativa nos remete ao livro chamado “The Myth of Capitalism: Monopolies and the Death of Competition” – O mito do capitalismo: monopólios e a morte da concorrência, escrito pelo economista americano Jonathan Tepper, que preconiza que a concentração causada pelo processo de consolidação de alguns setores distorce um dos principais alicerces do capitalismo: a competição.
A propósito, até pelo aspecto técnico, o desequilíbrio crescente é prejudicial, pois, na medida em que não se é tão exigido durante grande parte da temporada, a evolução fica prejudicada, redundando num processo em que acaba se satisfazendo em ser “cabeça de sardinha” ao invés de buscar um planejamento que permita fazer com que o campeonato que disputa seja competitivo, proporcionando o desenvolvimento necessário para retenção/contratação de craques “de verdade” e, aí sim, poder jogar de igual para igual contra qualquer time.
CINEFOOT RECEBE INSCRIÇÕES PARA SUA 11ª EDIÇÃO
O Cinefoot-Festival de Cinema de Futebol está com inscrições abertas até 15 de julho para a sua edição 2020.
Do goleiro ao ponta-esquerda, o festival chega à sua realização número 11 renovando a sua missão de abrir espaços para a difusão da cinematografia mundial de futebol.
Sua programação inclui mostras competitivas internacionais, mostras especiais, debates, homenagens, dentre outras atividades.
O Cinefoot é o único festival de cinema do Brasil e pioneiro na América Latina dedicado à temática futebol, sendo o representante brasileiro no seleto circuito internacional de festivais de cinema esportivo da FICTS-Federation Internationale Cinema Television Sportifs, com sede em Milão.
O 11˚ Cinefoot, que tem data prevista de realização em setembro, aceita trabalhos produzidos em qualquer suporte, gênero ou formato e não há restrições quanto ao ano de realização da obra.
Regulamento e inscrições através do site www.cinefoot.org.
O VERDADEIRO MOTIVO DO CORTE DE RENATO EM 1986
por Luis Filipe Chateaubriand
Antes da Copa do Mundo de 1986, o ponta direita Renato, conhecido como Renato Gaúcho, estava jogando o “fino da bola”. Mesmo assim, foi cortado pelo ranzinza Telê Santana da delegação que foi à Copa do Mundo de 1986, no México.
Muitos atribuíram o corte ao fato de, em determinado dia, ter ficado na farra com Leandro em um dia de folga e só ter aparecido na concentração, junto com o craque rubro negro, às duas horas da manhã, quando a reapresentação estava marcada para as 22h.
Alguns atribuíram a Telê um grande maquiavelismo: desistiu de cortar os dois porque queria contar com Leandro; aí, à véspera do embarque para a Copa, quando teria que cortar cinco jogadores, cortou Renato, podendo manter Leandro.
Leandro, tendo percebido a situação, desistiu de jogar a Copa.
Mas muitos esquecem de um outro fator que, este sim, parece ter sido decisivo para o corte de Renato.
Jogo amistoso em São Luiz do Maranhão, durante a preparação para a Copa. Brasil x Peru. O Brasil ganhou de 3 x 0.
Em determinado momento do jogo, Éder agride um peruano – uma agressão absolutamente desnecessária. É expulso. Sai de campo… aplaudido por Renato.
Telê Santana, que sempre abominou violência (no que tinha toda razão…), corta Éder. E fica fulo da vida com Renato, que aplaudiu Éder pelo desatino.
Na hora de proceder os cinco cortes, pensa que Renato foi indisciplinado no episódio da chegada à concentração, pensa que Renato foi apologista da violência ao aplaudir e incentivar Éder. Corta Renato, ele é um dos cinco preteridos.
Em suma: se Renato não tivesse aplaudido Éder por ter agredido o jogador peruano, muito possivelmente não seria cortado. É o que muitos não lembram, atribuindo a exclusão do gaúcho apenas à farra com Leandro pela noite nas alterosas.
A pergunta que não quer calar é: Telê agiu certo ao cortar Renato? Na opinião deste signatário, não.
Chegar atrasado em concentração por uma farra eventual não é motivo de gravidade que justifique um corte.
Quanto a ter aplaudido Éder, não necessariamente estava fazendo apologia da violência. Possivelmente, não estava. Estava, tão somente, querendo dar ânimo, incentivo, a um colega que tinha acabado de fazer uma besteira.
Em outros termos: Telê, você deixou de levar para a Copa um cara que poderia fazer a diferença para a gente ganhá-la. Como fez, por exemplo, com Reinaldo, em 1982.
Sempre isso, teimoso?
O HERÓI IMAGINÁRIO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
(Foto: Marcelo Tabach)
Vi Pelé jogar, Garrincha, Cruyff, Maradona e é fácil se fascinar por esses personagens quando somos testemunhas de suas obras-primas. Ninguém te contou, você viu, jogou contra ou a favor, ou assistiu pela tevê ou da arquibancada. Mas o que me encanta de verdade é quando os ídolos são construídos em nossos imaginários baseados em relatos e leituras. Evaristo de Macedo, o aniversariante de ontem, foi um desses.
Nunca vi Evaristo jogar, mas as histórias sobre ele eram fantásticas. Marinho, meu pai, sempre falava com amigos sobre seus feitos e de quando iniciou a carreira no Madureira. Sob o comando do paraguaio Fleitas Solich, o Flamengo foi tricampeão carioca, 53/54/55, e o nome de Evaristo era o mais comentado nas rodas: “Imaginem esse homem junto de Pelé”. Evaristo fez 103 gols em 190 jogos pelo Flamengo. É gol pra chuchu!!! Realmente seria mágico ver Pelé e Evaristo juntos, mas o Barcelona desfez esse sonho e o contratou.
Na seleção, não jogou muitas vezes e mesmo assim ostenta um recorde: é o único jogador a marcar cinco gols com a camisa da seleção brasileira, em 1957, Brasil 9 x 0 Colômbia. Ver Evaristo e o Rei juntos, na Copa de 58, seria mágico, mas o clube espanhol não o liberou. Também pudera, Evaristo fez chover na Espanha! Conseguiu ser ídolo de Barcelona e Real Madrid, rivais históricos. Pelo Barça, ganhou dois espanhóis e duas Copas da UEFA e está entre os três maiores artilheiros do Barcelona. Pelo Real, três espanhóis seguidos, 63/64/65.
Mas o destino é imprevisível e sabem em quais circunstâncias vi, pela primeira vez, meu “herói imaginário”? Aos 17 anos, em minha estreia como profissional, pelo Botafogo, no Maracanã, contra o América, decisão da Taça Guanabara, de 67. Meu técnico, Zagallo, o do América, Evaristo. Resultado final: Botafogo 3×2, três gols meus. E como imaginar que Zagallo me convocaria para a Copa de 70 e seríamos tricampeões mundiais? A partir desse jogo comecei a acompanhar a carreira de Evaristo como técnico. Por pouco, muito foi pouco, não foi o treinador da seleção brasileira, na Copa de 86. A imprensa paulista batia de frente com ele. Pelo que me lembro, exigiam a convocação de Sócrates e ele resistia. Entrou Telê. Quem garante que Evaristo não seria campeão? Nessa mesma Copa, Evaristo treinou a seleção do Iraque.
Mas foi campeão brasileiro pelo Bahia, em 88, e pelo Grêmio, na Copa do Brasil, em 97. É considerado o maior técnico da história do Santa Cruz, rodou o Brasil, o mundo, papou títulos por onde passou e é um dos grandes contadores de histórias do futebol. Em uma delas barrou Cláudio Adão, no Bahia, que ficou na bronca e prometeu forra. Tempo depois, em Ipanema, Evaristo olha para frente e vê Claudio Adão vindo em sua direção. Mudou de calçada rápido, afinal encarar Cláudio Adão não seria bom negócio, mas tudo terminou em boas gargalhadas.
Uma das grandes felicidades que o futebol me proporcionou foi a de conhecer pessoalmente um “ herói imaginário” da minha infância, Evaristo de Macedo, uma lenda em carne, osso e um coração gigante. Mudando o assunto, assisti ao jogo do Real Madrid ontem e fui obrigado a ouvir o comentarista falando de “leitura de jogo”. Até quando? Futebol não se lê, se joga!
THE ENGLISH GAME, A SÉRIE PARA QUEM GOSTA DE FUTEBOL
por André Luiz Pereira Nunes
Uma boa dica para quem está sofrendo com a abstinência de futebol em tempos de pandemia é The English Game, uma produção original do Netflix. Idealizada por Julian Fellowes, mesmo autor de Downton Abbey, a trama promove uma eficiente mescla entre luta de classes e os primórdios do popular esporte bretão.
Dividida em seis episódios de cerca de 50 minutos, a série aborda o embrionário crescimento do futebol em meio ao conflito entre clubes da elite e agremiações operárias. O enredo tem início em 1879 e se centra na rivalidade de Fergus (Kevin Guthrie), um pobre operário nascido em Glasgow, e Arthur Kinnaird (Edward Holcroft), abastado lorde do sul da Inglaterra.
Para quem é apaixonado por futebol, é interessante constatar como eram os jogos naqueles tempos. Os uniformes não tinham numeração, a bola de capotão era pesada e a ausência de regras, redes e organização tornavam as partidas muito similares às peladas de rua atuais. Nesse ínterim, recheado de dramas pessoais, surgem os dois primeiros atletas profissionais, cujos talentos estarão a serviço de quem se dispuser a pagar por eles, fato que gerará intenso conflito em meio a abastados que jogavam por prazer e humildes que atuavam por paixão. Para disputar as quartas de final da Football Association Challenge Cup, James Walsh, proprietário do Darwen FC, agremiação composta por operários, resolve contratar profissionalmente dois reforços, medida que irá contra as regras da Copa e enfurecerá os Old Etonians, time adversário composto por integrantes da alta sociedade.
Apesar da narrativa girar em torno do futebol, The English Game reúne características de drama histórico com algumas pinceladas de ficção, permeado pela conjuntura histórica de uma Inglaterra duramente dividida entre classes no final do século dezenove.