Escolha uma Página

GENTIL

por Valdir Appel


Talvez seja pura lenda. 

Circulava entre os boleiros do meu tempo, a história de um jogo na Bolívia, nos anos 1950, entre o Vasco da Gama e um time de La Paz. Preocupados em evitar uma goleada histórica do timaço vascaíno, os dirigentes andinos resolveram buscar na arbitragem uma forcinha para equilibrar o jogo. 

Os times brasileiros geralmente aplicavam sonoras goleadas nos times locais.

Velha raposa, Gentil Cardoso, treinador do Vasco, previamente informado das intenções do seu adversário, matreiramente desembarcou na Bolívia, não como técnico, mas se fazendo passar por árbitro de futebol. 

Hospedou-se num hotel longe dos seus comandados e fez circular a notícia de que estava na cidade um famoso árbitro argentino.

Os dirigentes locais entraram em contato com Gentil, que foi contratado para apitar o jogo.

A partida seguiu bem disputada até a metade do segundo tempo, o Vasco vencia por um módico 1 a 0, e o público estava empolgado com o seu time, que encarava com garra os brasileiros. 

Aos 20 minutos, um atacante do Vasco trombou com um zagueiro boliviano, e caiu na área. 

Gentil, incontinente, assoprou o seu apito e disparou em direção a grande área, com o dedo indicador apontando a marca do pênalti.


Em questão de segundos, estava rodeado de jogadores e dirigentes locais, que saíram do banco de reservas esbravejando e contestando a marcação do árbitro hermano. 

Era uma gritaria só:

– Usted no es hombre para marcar un pênalti contra nosotros, en nuestra casa!

– Usted no vá salir vivo de acá!

Gentil acalmou os agressores: 

– Ustedes no entenderán nada! Y ese dedito acá no vale nada? La falta es para allá!

Gentil mostrou o dedo polegar indicando a direção contrária, marcando falta do atacante do Vasco.

Gentil Cardoso

Descrição

Gentil Alves Cardoso, foi um treinador de futebol e uma das figuras mais folclóricas do esporte. Gentil Cardoso era torcedor e técnico do Bonsucesso. Wikipédia

Nascimento: 5 de julho de 1906, Recife, Pernambuco

Falecimento: 8 de setembro de 1970, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

DIVINAS ATUAÇÕES

por Antonio Maria de Jesus


Sem querer fazer proselitismo religioso, e tampouco entrar em discussões teológicas, enfatizando o meu profundo respeito por todas as formas de culto, bem como por aqueles que não professam nenhum tipo de fé, gostaria de introduzir essa minha breve reflexão enfatizando o fato de eu ser uma pessoa profundamente crédula, que crêem um Deus Onipotente, Onipresente e Onisciente, que tudo criou e tudo controla, e tem participação em todas as coisas,

E esse Deus, tendo criado o ser humano à sua imagem e semelhança, lhe concedeu o dom de realizar coisas admiráveis, dentre elas a prática do esporte, e de maneira singular jogar futebol, logo o jogo de futebol é divino, por excelência.

Por conseguinte, esse Deus, segundo a minha imaginação, ocasionalmente vem assistir um jogo no Maracanã. Chega de maneira discreta, ocupa o seu lugar na arquibancada sem chamar a atenção e fica aguardando o desenrolar do jogo, quase ninguém nota a sua presença, exceto um determinado jogador, que, inexplicavelmente, percebe a sua presença e, por vezes até inconscientemente, joga em sua homenagem, como se o estivesse cultuando, e produz o que eu chamo de DIVINA ATUAÇÃO.

Foi assim, na noite de um meio de semana, num jogo Santos 5 X 2 América, no ano de 1957, Deus estava no Maracanã, e Pelé, nos seus 17 anos, produziu uma atuação divina, tendo marcado 4 gols, a ponto de Nelson Rodrigues, na sua coluna de jornal ter feito o seguinte comentário: “O futebol tem um rei, e ele se chama Pelé”.

O mesmo aconteceu no ano de 1962, num domingo, num jogo Botafogo 3 X 0 Flamengo, decisão do Campeonato Carioca, dessa vez quem jogou para Deus foi Garrincha, que marcou os três gols da vitória do Botafogo.

Deus retornou ao Maracanã no ano de 1967, num jogo entre Botafogo  3 X 2 América, e novamente um menino, parece que os meninos tem uma sensibilidade mais apurada, chamado Paulo Cezar com apenas 17 anos, atuou divinamente, tendo marcado os três gols do Botafogo.


Deus só reapareceu anos mais tarde, num jogo entre o Vasco 5 X 1 Corinthians, e Roberto Dinamite, que tinha sido vendido ao Barcelona, mas retornara ao Vasco, e no seu retorno ao clube de São Januário teve uma atuação divina, marcando os cinco gols da goleada do Vasco.

Passou um longo tempo, e Deus só retornaria ao Maracanã para a partida entre Brasil 2 X 0 Uruguai, pelas eliminatórias da Copa de 94, e Romário teve uma DIVINA ATUAÇÃO, marcando os dois gols da vitória brasileira.

Nessa altura da reflexão, alguém pode estar pensando, “Deus só vem ao Maracanã”? E eu diria, o estádio preferido é o Maracanã, mas ele também vai a outros estádios, como por exemplo no Pacaembu, no ano de 2002, no  jogo Santos 3 X 2 Corinthians, quando Robinho jogou divinamente, marcando um gol e dando a assistência para Elano e Leo marcarem. Porém, o jogo Que deixou Deus mais feliz, foi no Estádio da Luz, no ano de 1961, um jogo entre Santos 5 X 2 Benfica, pela disputa do Mundial Interclubes, e Pelé realizou a mais divina, das divinas atuações, marcando 4 gols e assistindo Coutinho em outro, e certamente Deus se agradou do que criara.

Nesse futebol atual, com a mecanização dos jogadores, onde a tática engessa a criatividade, Deus que é Onisciente, está consciente que o tempo das DIVINAS ATUAÇÕES, infelizmente, ficou no passado.

MACKENZIE: AS ANTIGAS GLÓRIAS DO ALVINEGRO DO MÉIER

por André Luiz Pereira Nunes


O suburbano bairro do Méier, localizado na cidade do Rio de Janeiro, hoje oscila entre torcedores dos grandes clubes do Rio de Janeiro. Porém, teve o seu próprio time de futebol, o Sport Club Mackenzie, o qual hoje se dedica a uma vida social riquíssima e intensa, mas jamais sem renegar os feitos futebolísticos do passado.

No distante ano de 1913 já existia uma agremiação esportiva intitulada Odeon Futebol Clube, fundada a 1 de junho de 1912, e situada provisoriamente numa das dependências da residência da viúva do general Xavier de Brito, à Rua Getúlio, 153 (hoje 227), em Todos os Santos.  A garotada que morava na casa, filhos do general, abraçou a ideia e, no dia 14 de março de 1914, quando organizavam uma festa de aniversário no local, resolveram dissolver o clube e formar um outro mais sólido. 

A fundação ocorreu no dia seguinte e o nome escolhido, Sport Club Mackenzie, foi inspirado no Mackenzie College, de São Paulo, considerada uma instituição-modelo. Antes de chegar à atual sede, na Rua Dias da Cruz, 561, o clube passou da Rua Getúlio, 153 para outras casas, nas Ruas Tenente Costa (atual Padre Miguel Penalva), Ferreira de Andrade, Dias da Cruz (número 153, que agora pertence à Rua 24 de Maio), Archias Cordeiro, Mossoró, Méier, Cachambi e novamente Rua Getúlio, 153

O primeiro pavilhão continha as cores roxo e branco. A partir de 1916, passou a ostentar o preto e o branco, tendo sido o seu escudo e bandeira desenhados pelos associados Osvaldo dos Santos e Murilo de Castro Monteiro. 

Em 1921, chegou à primeira divisão ao disputar a Série B e conquistar o vice-campeonato. Dois anos depois, foi campeão do Torneio Início do Campeonato da Cidade, organizado pela Federação Metropolitana de Desportos Atléticos, voltando a ser vice-campeão da Série B da primeira divisão no mesmo ano. Em 1926, o Mackenzie conquistaria vários títulos, entre os quais, o de vencedor do Torneio Início da segunda divisão da AMEA, vice-campeão da mesma categoria no campeonato normal e campeão dos segundos e terceiros quadros da segunda divisão da AMEA. Um novo vice-campeonato foi conquistado em 1931 com o primeiro time, na segunda divisão da AMEA e, em 1936, o clube do Méier ganhou a primeira edição do Campeonato Carioca da Federação Atlética Suburbana, precursora do glorioso Departamento Autônomo, fundado em 1949.

O Mackenzie viria a encerrar as suas atividades futebolísticas em 1941. Desde a década de 30 o clube disputa com sucesso os certames de basquete, já tendo vencido mais de 40 títulos em diferentes categorias. Vale ressaltar que a sua rica trajetória também continuou a enveredar por outros desportos como o futebol de salão e o voleibol. A agremiação também conta com uma imponente sede social, a qual contén quadras para a prática desses esportes, assim como salões e restaurantes para sócios e visitantes.

A LIGAÇÃO DE MANGA

por Paulo Escobar


Em dezembro de 2019 estava pegando um ônibus na avenida Millán em Montevidéu, cidade do meu segundo nascimento, estava a caminho de encontrar uma lenda, um ídolo, que até aquele momento estava em algum lugar. Esquecido pelos clubes por onde passou e encontrado por torcedores no Uruguai que o ajudaram.

Ao descer no ponto próximo aquela vendinha, com o prédio em cima, entro e subo com minha câmera e tripé, para encontrar Manga.

Ao abrir a porta com um misto de espanhol e português na língua, aperto aquelas mãos marcadas pelo futebol. Aquele futebol sem luvas, aquele que não tinha tempo ruim, das lendas, dos ídolos, dos bairros, das terras.

Sentamos pra conversar sobre a vida, sobre a bola, sobre o futebol. Aquele jogos tão cheios de amores e dores, tão parecido com a vida e por vezes tão carregado de injustiça.

Ali naquela entrevista (para o Museu da Pelada), Manga me fala que o último sonho que ele tinha antes de partir, seria pisar em um jogo do Botafogo de novo. De entrar no Maracanã de pisar o Rio de Janeiro.

Saí dali com o coração pesado e com lágrimas nos olhos, pensando em como este país é ingrato com muitos ex jogadores e ídolos, que ficaram relegados muitas vezes ao esquecimento.


Peguei o celular e comecei a ir atrás de contatos, mandando o vídeo pensando em como ajudar.

Ali apareceu Marcelo Gomes e Helvidio Mattos, com a ideia de ir atrás dele e trazê-lo de novo a um jogo no Rio de Janeiro. E assim foi o resto da história.

Manga no Rio de novo num jogo do Botafogo sentindo o carinho da torcida e realizando um último desejo talvez. E o outro sonho que ele nem sabia que viria a rolar, graças a uma correria do Gomes, era um canto para ele morar com sua companheira.

Na semana passada, ele ligou do Retiro dos Artistas, com um sorriso para me perguntar se eu estou bem e como estão as coisas. Me conta que está feliz, que hoje ele tem seu canto, me convida para ir visitá-lo, que ele está me esperando.

Disse a ele que quando isso passar irei vê-lo e que fiquei feliz que aquilo que começou em Montevidéu tenha terminado bem. Falei que me sentia feliz com ele e sua companheira felizes.

E assim em dias de dores, Manga me deixou feliz com sua ligação e ao desligar com uma lágrima no rosto agradeci ao futebol.

GONÇALVES E UMA DAS MAIORES ATUAÇÕES DE TODOS OS TEMPOS

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 1997, durante a Taça Guanabara, o time reserva do Botafogo despachou o time titular do Flamengo e, assim, habilitou o Vasco da Gama para disputar consigo a final do certame.

Botafogo x Vasco da Gama, final da Taça Guanabara de 1997, com vantagem do empate para o alvinegro de General Severiano.

Eu estava lá, vascaíno de quatro costados, nas arquibancadas do Maracanã. 

Jogo começa, Vasco ataca, Gonçalves rebate.

Vasco alça bolas na área, Gonçalves cabeceia.

Vasco penetra pelo meio, Gonçalves dá o bote.

Vasco vem tabelando, Gonçalves sai jogando.

Vasco tenta o chute, Gonçalves bloqueia.

Gonçalves é absoluto, onipresente, desdobrado, altivo, impressionante!

Não bastasse ser o imperador da defesa, ainda vai ao ataque, levando perigo à defesa cruz maltina.

E, assim, ao final do jogo, o Botafogo contra ataca, e acha o gol, para sacramentar o título.

Imagina de quem?

Sim!

Dele!

Gonçalves!

Que foi de uma área à outra, recebeu o cruzamento, e testou forte, da entrada da grande área, no alto, a bola bateu no travessão e quicou dentro do gol!

Que atuação de gala!

Final de jogo, 1 x 0 para o Botafogo, título da Taça Guanabara garantido, 12 jogos, 12 vitórias, nenhum empate, nenhuma derrota.

Gonçalves foi o nome do jogo, uma atuação memorável, inesquecível!

Saio do estádio e volto para casa dividido.

Triste porque meu clube perdeu.

Mas feliz porque presenciei uma das maiores atuações individuais da história do futebol!    

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.