Escolha uma Página

A GOLEADA VASCAÍNA

por Valdir Appel


Logo após a conquista do título carioca de 1970, o Vasco conseguiu uma excepcional vitória contra o Santos de Pelé, 5×1 no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro.

Este jogo fazia parte de um dos testes da então recém lançada loteria esportiva no país e o Santos era tão superior tecnicamente ao time do Vasco, que ganhadores do concurso fizeram apenas 12 pontos, errando exatamente este jogo.

No princípio dava a impressão de que a equipe santista massacraria a cruzmaltina. O Santos atacava e alugava meio campo, mas a cada contragolpe o Vasco marcava um gol, chegando aos 4×0 rapidamente.

O torcedor não acreditava no que estava vendo e muito menos o pessoal do banco de reservas do Vasco. Quando o Santos diminuiu o placar fazendo o seu gol, que seria o de honra, um dos reservas comentou:

– Vejam como o “negão” Pelé buscou a bola no fundo das redes! O Santos vai virar este jogo!

O zagueiro Joel Santana foi o primeiro a sentir a disposição de Pelé e levou uma cotovelada do Rei, num lance na lateral do campo, que aumentou o volume e deixou marcas para sempre no nasal do rapaz.

Mas, apesar de toda pressão santista, um gol vascaíno logo no início do segundo tempo matou o jogo e o ânimo do time do Rei Pelé.

Esta foi a única grande performance vascaína na competição.

O Vasco, paralelamente ao Campeonato Brasileiro, viajava e intercalava amistosos pelo país afora, usufruindo o prestígio de campeão carioca.

Os jogadores viviam em ritmo de festa com a complacência do treinador Tim.

Em um amistoso em Aracaju, à noite, o time atrasou na saída para o estádio, porque os jogadores não desciam para a recepção, envolvidos que estavam num jogo de cacheta.

Os quartos conjugados do hotel, davam passagem para reunir o maior número possível de atletas em volta de um colchão, onde as apostas corriam soltas. Alguns perderam o prêmio da conquista do Campeonato Carioca nesta viagem.

Após a partida, Tim liberou o grupo até o café da manhã.

Todos sem exceção foram para um bordel, que fecharam como se privado fosse. Houve quem dançasse tango, alguns transaram e outros apenas beberam.

Um deles deu volta olímpica no interior do bordel, nu em pêlo, enquanto duas “senhoras” se atracavam no quarto de onde ele saiu.

O craque afirmava que elas estavam brigando por causa dele.

Finalmente, todos conseguiram voltar ao hotel a tempo de arrumar as malas e tomar o café da manhã, fazer o check-out e seguir para o aeroporto.

Em pleno voo, os grupos de cacheta se formavam envolvendo assentos, obstruindo o serviço de bordo e o livre trânsito no interior da aeronave, causando constrangimento a passageiros e aos comissários de bordo.

O presidente João Silva teve que intervir, proibindo de vez a jogatina.

Vinte e quatro horas depois tudo, voltou à rotina em São Januário, exceto pela gonorréia que alguns jogadores trouxeram de lembrança do nordeste.

Colocados em quarentena pelo departamento médico, desfalcaram o time no jogo seguinte.

(Torneio Roberto Gomes Pedrosa, 1970)

 

Wilson Gottardo

O DONO DA ÁREA

Em setembro de 2018, a equipe do Museu encontrou Wilson Gottardo para relembrar as glórias do zagueirão vestindo a camisa do alvinegro em um papo divertidíssimo em General Severiano. Como as histórias da fera vão muito além do Botafogo, retomamos o contato e marcamos um papo com o defensor, que passou por dez clubes, sempre com serenidade e boa colocação.

Tudo bem que foi no Botafogo que o zagueiro deu fim ao jejum de 21 anos sem títulos do clube, após conquistar o Campeonato Carioca de 1989 fazendo dupla com Mauro Galvão. Contudo, no seu vitorioso currículo constam ainda os seguintes títulos: Campeonato Carioca, Campeonato Mineiro, Campeonato Pernambucano, Campeonato Brasileiro, Recopa, Libertadores e muito mais!

Vale ressaltar, no entanto, que Gottardo nem sempre foi zagueiro. Nas divisões de base do União Barbarense, onde tudo começou, a fera teve que se desdobrar para dar os primeiros passos no futebol:

– Meu trabalho de base foi em várias posições. Era uma espécie de coringa e fui pegando o macete de cada uma delas! – não por acaso, no fim da carreira, teve a oportunidade de jogar de volante no Sport e não decepcionou.

Após o pontapé inicial no UnIão Barberense, foi tentar a sorte no Guarani e o desempenho agradou a comissão técnica e a torcida. Ao longo do papo, Gottardo revelou qual é o seu tempo passatempo preferido durante a quarentena:

– Unico lado bom da pandemia é que estão repetindo jogos do passado e dá para assimilar vários conceitos e estratégia.

Assista ao vídeo acima para saber tudo sobre a carreira de Wilson Gottardo!

DA LAMA À GRAMA: UMA VIAGEM PELA TERCEIRA DIVISÃO

por André Luiz Pereira Nunes

“A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakesperiana”, escreveu Nelson Rodrigues. 

O Campeonato Estadual da Terceira Divisão do Rio de Janeiro, hoje cognominado Série B2, é um verdadeiro celeiro de craques do futebol brasileiro e internacional. O artilheiro do recente Campeonato Estadual, João Carlos, do Volta Redonda, despontou no Arraial do Cabo, agremiação criada e presidida pelo saudoso ex-árbitro e dirigente Walquir Pimentel. O habilidoso atacante Pedro, do Flamengo, foi revelado pelo Duquecaxiense, antes de se transferir para o Fluminense. Uma outra histórica revelação é a do meia Válber, surgido no Tomazinho, o qual posteriormente se consagraria por clubes como São Cristóvão, São Paulo, Vasco, Fluminense, Seleção Brasileira e outros. O modesto Barcelona, de Jacarepaguá, pode não ter um histórico de títulos em seu pavilhão, mas revelou o zagueiro Thiago Silva, o qual chegou ao Fluminense e Seleção Brasileira. 


A vida, contudo, nem sempre é gratificante para quem atua no submundo do futebol fluminense. Os atletas costumeiramente não recebem salários, mas se dispõem a jogar na tentativa de serem notados para que consigam galgar o que pouquíssimos alcançaram: o sucesso em suas carreiras. A tarefa é árdua, pois além da incipiente cobertura da imprensa, falta apoio por parte da Federação de Futebol do Rio. A ausência de médicos e ambulâncias nas partidas, fato que inviabiliza totalmente a realização das mesmas, a ausência de sinal de internet, água, portas e lavatórios nos banheiros e até marcações no campo feitas com farinha de trigo já são cenas conhecidas no conturbado cenário da terceirona fluminense.

Não obstante, Da lama à grama, do estreante Kléber Monteiro, retrata a atmosfera inusitada e ao mesmo tempo lúdica desse universo bizarro e apaixonante cujos protagonistas são heróis invisíveis. O autor percorre diversos estádios em várias cidades, algumas bem longínquas, como Cardoso Moreira, no norte fluminense, na tentativa de dissecar todas as nuances do meio. Não faltam cenas cômicas e bizarras para que o sarcasmo e o bom-humor destilem e prevaleçam em uma crônica permeada de impressões e reflexões, às quais não se restringem apenas à realidade futebolística, mas se estendem à própria vida. Cada capítulo percorre um jogo por rodada da competição, retratando dramas, conquistas, tristezas e alegrias. A obra nos ensina que esses certames merecem ser vistos além da superfície com a qual a maioria está habituada. Até a capa é bastante emblemática. Porém, uma coisa é certa. O cenário é tão complexo que nem tudo, em se tratando de uma terceira divisão, pode ser contado. 


Não faltam referências às históricas agremiações, algumas centenárias como Mesquita, Queimados e Mageense, e outras insólitas como Barcelona e Juventus, que tentam sem sucesso capitalizar o êxito de suas inspirações européias. O autor ainda discorre acerca das dificuldades em obter informações sobre estádios e clubes, observando que a falta de interesse e apoio acerca das competições menores é predominante ainda que estejamos em um país que respira futebol. 

Todavia, fica claro que mesmo nesse meio de grandes dificuldades há uma riqueza histórica e humana que são incomensuráveis. A falta de incentivo, visibilidade e patrocínios não impede a bola de rolar. Da lama à grama é uma ode ao futebol-raiz e leitura obrigatória àqueles que realmente apreciam o velho e verdadeiro esporte bretão. 

Como já dizia o sociólogo inglês David Goldblatt: 

“nenhuma história do mundo moderno é completa sem levar em conta o futebol.”

PELÉ NO VELHO TESTAMENTO

por André Felipe de Lima


Há fatos que surpreendem pelo simples, vá lá, fato de serem quase inverossímeis, e, por incrível que possa parecer isso, acontece muito com personagens memoráveis da história. Pelé, obviamente, está entre elas. Logo após marcar seu milésimo gol, o Rei viu seu feito ganhar o planeta. No mundo inteiro não se falava em outra coisa senão do gol de número mil do Pelé. Das histórias que ouvi ou li sobre Pelé naquela época em que bateu o vascaíno Andrada no Maracanã, a mais impressionante pesquei em uma edição do Jornal do Brasil e partiu de um rabino chamado Herz Torenheim, que se encantou com o apelo que o rei fez ao mundo para que cuidassem das crianças desamparadas. O religioso sugeriu, inclusive, que se criasse um fundo internacional nesse sentido e tendo Pelé como sigla e nome. Torenheim devia gostar muito de futebol e, claro, do Rei. A ponto de simplesmente descobrir (preparados?) Pelé citado no Velho Testamento. “O milésimo gol do Pelé repercutiu mais que o voo dos cosmonautas à Lua”, dizia o empolgado rabino, que revelou à humanidade o fato: Pelé, escrito em hebraico de trás para frente, significa “apelo” e o seu anagrama é “mil”. Vejam: o Pelé chegou ao seu milésimo gol e, em seguida, fez um apelo que ecoou intensamente no mundo inteiro a ponto de o rabino pescar essa memorável história no Velho Testamento. Pelé não é (sempre será) apenas o maior e melhor jogador de futebol em todos os tempos. Pelé é transcendental. Pelé em sua tradução na cosmogênese que explica o planeta bola só pode ser mesmo um deus mágico. E assim falou Torenheim.

1982: O ANO EM QUE O VASCO MUDOU MEIO TIME PARA SER CAMPEÃO

por André Luiz Pereira Nunes


Em 1982, havia 5 anos em que o Vasco sofria um incômodo jejum de conquistas, acumulando vice-campeonatos regionais para Fluminense e Flamengo. Os rubro-negros vivenciavam simplesmente o auge de sua história. No ano anterior haviam derrotado o Liverpool e se sagrado campeões do Mundial Interclubes, em Tóquio. Vale ressaltar que as frustrações cruzmaltinas não se restringiam somente ao Campeonato Estadual. No Brasileiro de 1978, o Gigante da Colina capitulara na semifinal diante do futuro campeão Guarani, a grande surpresa da competição. Já no ano seguinte, houve novo revés vascaíno, dessa vez por parte do fortíssimo Internacional, de Falcão, Mário Sérgio e companhia. 

Tudo levava a crer que na disputa do triangular final do Campeonato Estadual do Rio de Janeiro, Vasco e America seriam meros partícipes, enquanto o Flamengo abocanharia com justiça mais um título. Na própria edição daquele ano não houve comemoração de conquista de um turno. A Taça Guanabara ficou em posse do Flamengo enquanto a Taça Rio com o America, a grande surpresa do certame. O Vasco chegaria ao triangular final por conta da melhor campanha geral.

A inspiração para mudar meio time partiu do então treinador, Antônio Lopes, a partir de uma vitória por 3 a 1 sobre o Flamengo na última partida do returno. Acácio veio a substituir Mazaropi, Galvão ocupara o posto de Rosemiro, Ivan o de Nei, Ernâni entrara no lugar de Geovani e Jérson foi designado para a ponta-esquerda. Gostando do rendimento de seus reservas, Lopes os manteria como titulares para a etapa decisiva. 

No entanto, a imprensa não aprovaria as mudanças, tratando o comandante da nau vascaína como louco. Não faltaram pesadas críticas e até piadas ao técnico vascaíno que não se fez de rogado. Os argumentos contrários partiam do pressuposto de que Mazaropi e Rosemiro eram atletas experientes e que Geovani, 18 anos, tratado como uma verdadeira jóia preciosa, não poderia ser sacado do time. De fato, no ano seguinte, ele conduziria com maestria a Seleção Brasileira para o seu primeiro título mundial de juniores em decisão memorável contra a Argentina, em um torneio no qual foi grande destaque e também artilheiro. 

Porém, com muita raça e liderados por Roberto Dinamite, os vascaínos venceram o forte America por 1 a 0, gol de Ivan, um dos que haviam se transformado em titulares. Vale ressaltar a magnífica atuação de Acácio, o mesmo que fechara a meta do Serrano, de Petrópolis, dois anos antes na lendária vitória sobre o Flamengo por 1 a 0, com um gol antológico do folclórico atacante Anapolina, o qual veio a sepultar as chances do escrete rubro-negro de conquistar o inédito tetracampeonato na Era Maracanã.

Para a decisão foi mantida a escalação contra o Flamengo. Do time rubro-negro estariam em campo dez dos onze titulares que haviam vencido o Liverpool no ano anterior por 3 a 0. A única mudança residia na zaga com a entrada de Figueiredo no lugar de Mozer. Contudo, os ventos não pareciam assim tão favoráveis aos comandados de Paulo César Carpegiani. A equipe parecia desanimada ante à eliminação recente para o Peñarol pela Taça Libertadores da América. Sem contar que Zico, Leandro e Júnior ainda ressentiam do dissabor sofrido na Copa do Mundo quando a Seleção fora eliminada dramaticamente pela Itália.

Na base mesmo da superação, o Vasco fez valer a sua melhor atuação no certame e bateu o Flamengo por 1 a 0. Curiosamente, o gol do título foi marcado por um dos titulares que haviam parado no banco de reservas: Marquinho, um atleta pequenino que subiria majestosamente entre Leandro, Figueiredo e Marinho, para escorar de cabeça para as redes após cobrança de escanteio de Pedrinho Gaúcho pela esquerda.

O fim da sequência de insucessos do Vasco culminaria por decretar também o fim de um vitorioso ciclo daquela inesquecível formação do Flamengo que, remodelado e já sob o comando de Carlos Alberto Torres no lugar de Paulo César Carpegiani, conquistaria o Brasileiro de 1983. Porém, graças às arrojadas defesas de Acácio, à liderança incontestável de Roberto Dinamite e à entrega de Galvão, Ivan, Ernâni e Jerson, os quais agarraram com força a oportunidade, o Vasco levantou o caneco de campeão estadual de 1982. Graças, acima de tudo, à coragem e visão de Antônio Lopes para mudar tanto a base titular em uma reta final de competição.