OS EXAGEROS SOBRE JORGE JESUS
::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
É inegável que Jorge Jesus fez um ótimo trabalho no Flamengo e chacoalhou o mercado de treinadores, mas não o suficiente para as mesas-redondas, absolutamente todas, gastarem 80% do tempo na cobertura de sua ida para o Benfica. Elogiei sua postura algumas vezes, mas até a página dois. Jorge Jesus é um treinador mediano e pegou um elenco grande e de qualidade bem superior a maioria de seus rivais. E há uma grande diferença entre inovar e resgatar. O que Jorge Jesus fez foi escalar os jogadores em suas posições de origem e apostar no futebol ofensivo. Um colírio para os olhos do torcedor cansado de assistir shows e mais shows de retranca. Um time bem preparado fisicamente, com bons salários em dia e empolgados com a chegada de um treinador europeu. Jorge Jesus estava na hora certa, no lugar certo.
E que lugar era esse? Na Ásia. Nem ele mesmo deve ter entendido quando foi procurado pelo Flamengo. Mas teve o mérito de fazer Gabigol, Bruno Henrique e Gerson jogarem bola. E não custa lembrar que nenhum dos três deu certo na Europa. O que não dá é para a imprensa brasileira ser pautada pelo futebol português. E será que o Flamengo trará um outro português? Por isso, o Brasil não avança. Será que os portugueses realmente estão revolucionando o futebol? Só faltava essa, termos que aprender com a escola portuguesa!!! Respeito a história de Benfica, Porto, Sporting e todos os outros clubes. Qual representatividade o futebol português tem na Europa? Mas a imprensa transformou Jorge Jesus em um superstar. A carência de ídolos é impressionante. Por que essa imprensa, que só fala o óbvio, não pega o Paulo César Carpegiani e o convida para dar um passeio pela Rua da Carioca? Aposto que muitos torcedores da nova geração não o conhecerão e ele foi mais longe do que Jorge Jesus, além de ter jogado muito mais bola.
Sem falar que aquele timaço do Flamengo, da década de 80, era quase todo de crias da base. Mas o pior é imaginar que nos próximos meses ficaremos sabendo tudo sobre o Benfica, suas contratações, demissões, fofocas, tudo por conta de Jorge Jesus, o novo Deus do futebol. Olha que se fizerem uma pesquisa no Brasil sobre o português mais famoso do futebol Jorge Jesus barrará Eusébio e Cristiano Ronaldo. Como costuma dizer o locutor Sílvio Luiz, “pelo amor dos meus filhinhos”, paramos no tempo, idolatramos quem trabalha melhor o marketing pessoal.
Bom, o campeonato paulista vai começar e por lá estão Vanderlei Luxemburgo, Fernando Diniz e Tiago Nunes, três treinadores que elogiei muito em campeonatos passados. Os outros foram Roger Machado, do Bahia, e Sampaoli, do Galo. Que Jorge Jesus seja feliz no Benfica, que o novo técnico da Flamengo siga papando-títulos, e que algum especialista em futebol me aponte alguma revolução ocorrida em nosso futebol, além do melhor preparo físico, nos últimos 50 anos. Eu só vi retrocesso. E que Jesus, o de verdade, me castigue se estiver falado alguma besteira.
ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: DOIS CRAQUES COM DESTINOS OPOSTOS
por Marco Antonio Rocha
Mais do que tristeza e perguntas sem resposta, a derrota em 1950 criou uma série de mitos, subterfúgios para explicar por que a vitória brasileira não aconteceu. Valentia, medo, amor à camisa, descaso, organização, despreparo. Tudo isso ainda serve para justificar o que pode muito bem ter sido simplesmente uma peça do acaso.
– Vocês, brasileiros, inventaram muitas histórias sobre o Mundial de 50! – divertia-se Máspoli, aos risos.
E ele parecia ter razão. A coragem dos adversários acabou personificada em Obdulio Varela, capitão que deu o tom da atitude celeste dentro do Maracanã e ainda hoje é lembrado como herói uruguaio. Já Barbosa, escolhido como a representação do fracasso apesar de ser um dos maiores goleiros da história do futebol brasileiro, cumpriu até o fim da vida uma condenação injusta pelo segundo gol que sofreu naquele jogo.
– No Brasil, a pena máxima é de 30 anos. Eu pago a minha desde 1950! – repetia ele, que morreu no dia 7 de abril de 2000.
Já a valentia atribuída a Obdulio Varela é tão grande que até mesmo uma agressão a Bigode, aos 28 minutos do primeiro tempo, entrou para o folclore da decisão. Ex-jogadores das duas equipes desmentem a história.
– Os brasileiros fizeram de Obdulio um homem mau. Ele não era de brigar, mas falava muito como capitão que era. Jamais correu atrás de problema! – defendia Máspoli.
De fato, El Negro Jefe – apelido que recebeu pela liderança que exercia – impunha-se pela voz ativa. Aos 32 anos, servia de proteção aos companheiros, transmitindo a eles coragem para enfrentar não apenas os favoritos ao título, mas também as cerca de 200 mil pessoas que abarrotavam o velho Maracanã. Apesar da fama de mau, o homem que comandou a virada uruguaia, mostrando a camisa ao restante da equipe, era apontado por todos como uma pessoa tranquila.
– Ele era um boêmio. Os uruguaios contam que, às vezes, procuravam Obdulio antes de um jogo e ele estava em Buenos Aires. Ele pegava aquele barquinho que faz a travessia do Rio da Prata e ia para a Argentina! – revelou Zizinho, falando do amigo com saudade:
– Nossa amizade começou depois da Copa, em 1963, quando ele me convidou para participar de um jogo de caridade que estava organizando para um hospital de crianças.
Se Obdulio era apontado como o herói do triunfo uruguaio, Barbosa foi escolhido como o vilão brasileiro. Tanto que o goleiro campeão sul-americano e pentacampeão carioca pelo Vasco passou a ser conhecido como “aquele que levou o gol de Ghiggia”.
– Quando se perde, sempre se busca um culpado. Eu não culpo Barbosa, porque ele era um grande goleiro e não teve culpa. Ele foi exemplar, tanto como jogador quanto como pessoa! – elogiou Ghiggia.
Máspoli também acreditava que Barbosa não falhou. Para ele, os méritos foram todos do companheiro.
– Os chutes dele eram dificílimos de defender, pois sempre tinham muito efeito. Não eram secos, mas marotos. Nos treinos, ele também fazia dessas comigo! – absolveu o ex-goleiro, com conhecimento de causa.
Jair Rosa Pinto foi mais longe e atribuiu a morte de Barbosa ao desgosto que sentiu no fatídico dia 16 de julho de 1950:
– Ele teria vivido mais se não fosse a tristeza. Não estou exagerando: ele morreu de amargura.
ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: O OBA-OBA QUE FEZ MÁSPOLI SONHAR COM A TAÇA
por Marco Antonio Rocha
A bola cruzada na área uruguaia, Jair Rosa Pinto em desespero agarra o goleiro, o apito final; Gambetta segura a bola, enquanto uma multidão, não menos aflita do que o atacante brasileiro, pede pênalti. O lance seguiu vivo por décadas na memória de Roque Máspoli, o simpático velhinho que morava perto do Estádio Centenário. Arqueiro celeste, foi ele quem parou a Seleção Brasileira.
– Saímos correndo pelo gramado gritando ‘Uruguai! Uruguai!’ porque sabíamos que o jogo havia terminado. A Copa do Mundo estava ganha! – orgulhava-se.
Na verdade, para Máspoli o Mundial já era dos uruguaios muito antes da comemoração. Segundo ele, o gol de Schiaffino, decretando o 1 a 1, mostrou à torcida que havia a possibilidade da derrota, o que tornaria patética a euforia mostrada até então:
– Era lógico que o Brasil fosse o favorito e que os torcedores esperassem a vitória. Por isso a torcida acabou sendo a principal causa da derrota na final. Ela sentiu medo quando empatamos e isso se refletiu nos jogadores brasileiros, que agiram como agem todos os seres humanos em uma situação como essa.
Para o goleiro campeão do mundo em 1950, a imprensa também teve sua parcela de culpa na frustração que se instalou no país após a partida. Agindo como torcedores, os jornalistas deixaram de lado o senso crítico e acabaram entorpecidos pelas goleadas do Brasil.
– A imprensa brasileira certamente deu mais força para o Uruguai, pois nos deixou sem a mínima responsabilidade. Ela nos tirava o peso das costas ao dar como certo o triunfo máximo do Brasil! – avaliava Máspoli:
– Com tantos resultados maravilhosos, os jornais já estampavam os brasileiros como vencedores. É o tipo de coisa prejudicial, porque ofende a outra equipe.
Beneficiada pelo clima de festa que cercava a partida decisiva, a seleção celeste entrou em campo sabendo que poderia tirar proveito da figura de coadjuvante. O roteiro estava devidamente estudado, e o papel principal mudou de mãos…
– Ao jogar a Copa Rio Branco, dois meses antes do Mundial, passamos a conhecer cada jogador brasileiro, todo o time, ponto por ponto. Isso nos favoreceu porque, quando disputamos a final, já tínhamos um conceito perfeito de como eram todos os jogadores adversários. Se não tivéssemos nos enfrentado pouco antes da Copa do Mundo, não tenho dúvidas de que não teríamos ganho! – sentenciou.
Aos 32 anos, Máspoli era um dos veteranos que tinham voz ativa no grupo. Ao lado de Obdulio Varela, Gambetta e Tejera, o goleiro participava das decisões do técnico Juan López:
– Analisávamos juntos os adversários e dávamos todo o suporte aos jovens, que formavam nosso ataque.
Porém, não só de tática se fez a conquista. Como num ritual de batalha, em que a sabedoria é transmitida pelos guerreiros mais velhos, Máspoli ressaltava a importância do convívio com os bicampeões olímpicos (1924 e 1928) e com os campeões mundiais (1930):
– Foram todos excelentes conselheiros, além de ótimos amigos. Eram veteranos, a maioria já tinha parado. Eles nos davam muitos conselhos e, como nós, formavam um grupo extraordinário. Era gente de muita categoria, que passava um astral incrível para nosso time. Quando estavam conosco, cantavam as músicas que embalaram suas grandes conquistas.
Aos poucos, os ensinamentos se transformaram em força, e a geração de 1950 também entrou para a história do futebol uruguaio. Era a vez de os novos campeões entoarem seus próprios cantos:
– No dia seguinte à decisão, fomos a pé até a Embaixada do Uruguai. No caminho, de mais ou menos um quilômetro, cantávamos, fazendo a nossa festa. As pessoas, apesar de tristes, nos aplaudiam, como exemplo da amizade que sempre existiu entre os dois povos.
AFINAL, O QUE É AMOR À CAMISA?
por Wilker Bento
Quantas vezes já ouvimos que não se fazem mais jogadores como antigamente, ou que, no passado, se jogava por amor e hoje se joga por dinheiro? Será verdade que os atletas, antes românticos, se tornaram mercenários?
Para desvendar esse mistério, vamos começar analisando a história de dois casais fictícios: João e Maria estão juntos há 75 anos, sempre viveram no interior e se casaram atráves de um arranjo familiar. Ao longo do tempo, João se tornou frio e agressivo com Maria. Ela sempre trabalhou como dona de casa e, sem ter seu próprio dinheiro, permaneceu com ele apesar de tudo. Já Enzo e Valentina estão juntos há um ano e meio, conversam por horas na internet e sempre trocam presentes nas datas comemorativas. Depois de um tempo, eles se distanciaram, a família de Valentina se mudou para Portugal e Enzo ganhou uma bolsa numa faculdade norte-americana. Terminaram o namoro, mas são amigos até hoje.
Quem amou mais, João ou Enzo? Qual o peso do tempo numa relação, seja pessoal ou profissional?
No Brasil, jogadores de futebol atuam oficialmente por dinheiro desde os anos 1930. Mesmo antes do profissionalismo, transferências eram comuns. Maior jogador brasileiro da era amadora, Arthur Friedenreich passou pelo Germânia, Ypiranga e Flamengo, entre outros. Não havia a ideia do jogador leal, que precisava atuar pelo mesmo clube a vida inteira.
Mesmo com o profissionalismo, os jogadores de futebol não passaram a ter as condições de trabalho que têm hoje. A lei do passe mantinha os atletas presos aos clubes detentores de seus direitos. O primeiro a romper com essa lógica foi Afonsinho, que, em plena ditadura, entrou na justiça para ter direito ao seu passe. Foi o único jogador a obtê-lo até a Lei Pelé, de 1998. Três anos antes, a Lei Bosman alterou os rumos do futebol, permitindo que jogadores com cidadania europeia trabalhassem sem restrições pelo continente.
Assim, o fluxo de transferências aumentou porque o futebol se consolidou como um negócio, e não por degradação no caráter dos atletas. A intensa circulação financeira tornou-se evidente: em 1893, Willie Groves custou 100 libras ao Aston Villa, transferência mais cara da época; em 2017, Neymar foi vendido ao PSG por 200 milhões de libras. Cada um é fruto do seu tempo.
Mesmo se adotarmos a longevidade num clube como critério para definir “amor à camisa”, observa-se que não há muita diferença entre os tempos anteriores à Lei Pelé e os dias atuais. No século XX, grandes jogadores fizeram toda sua carreira no mesmo time, como Nilton Santos, Leandro, Baresi e Bergomi. São poucos, assim como no século XXI, onde nomes como Rogério Ceni, Marcos, Puyol, e Maldini foram exceções. Não parece haver uma diferença quantitativa muito grande.
Talvez o incômodo maior para os torcedores aconteça quando um jogador passa a vestir a camisa de um rival. No passado, tivemos exemplos de atletas que só atuaram em uma equipe em seus países de origem, como Pelé, Zico e Valdano. Mas isso também ocorreu em tempos mais recentes, com Raul, Henry e Kaká.
É natural buscar novos ares e mudanças às vezes são saudáveis. Totti, por exemplo, viveu toda sua carreira na Roma e é o maior símbolo recente de fidelidade a um clube, mas também passou por momentos de desgaste e em alguns episódios, sair parecia uma melhor opção. Messi, que está no Barcelona desde criança, por vezes é contestado por não buscar novos desafios em outros times, como fez Cristiano Ronaldo.
Amor à camisa é honrar a torcida e a equipe, mostrar raça e dedicação, mesmo que o contrato não dure para sempre. Como faz Loco Abreu, que mesmo já tendo passado por 29 clubes, costuma deixar boas lembranças. Ser um andarilho da bola não apaga o que ele fez pelo Botafogo, tendo se tornando um ídolo alvinegro. O mesmo vale para Túlio, outro peregrino muito querido pela torcida do Glorioso.
O torcedor que chama o ex-jogador do seu time de “judas” não pensaria duas vezes em trocar de emprego por um salário maior. Ou aceitamos a realidade como ela é ou fantasiamos atletas puristas de uma época que nunca existiu.
CHRISTINE VALETTE E A REPRESENTATIVIDADE FEMININA NA FORMAÇÃO DAS ULTRAS
por Bruno Sentone
Pouco antes de “Marielle, presente” ecoar pelo mundo afora, outra mulher, figura emblemática de um movimento de resistência, deixou este plano para viver na memória.
Christine cede entrevista à imprensa.
Ao contrário de Marielle Franco, Christine não foi assassinada. Tampouco sua morte em decorrência de um câncer foi mundialmente noticiada. Por estes fatores e, até mesmo, por ter falecido no Natal (de 2015), quando as notícias costumam ser mais agradáveis, Christine Valette, talvez, possa não ser um nome tão conhecido, quem dirá popular, quanto deveria. Isto porque Christine foi porta-voz e uma das principais líderes da primeira ultra do Olympique de Marselha, chamada Commando Ultra ’84. Porém, sua morte comoveu, inclusive, torcidas rivais, como do Bordeaux – dentre tantos outros clubes europeus -, pelas quais era muito respeitada e admirada.
Agora, você deve estar se perguntando: “tá, mas o que há de mais em tudo isso?”. E eu respondo com outro questionamento: quantas mulheres que você conhece e que são líderes de alguma torcida organizada? Christine esteve à frente da ultra desde 1984, ano de sua fundação. Se, hoje, o futebol, como um todo, ainda é um ambiente majoritariamente masculino, imagine, então, na década de 80.
Christine (sentada sobre a mesa) comandava uma ultra formada por mulheres, homens e crianças.
Atualmente, o estádio do OM, Vélodrome, recebe um notável público feminino para acompanhar os jogos do Olympique. Com certeza, isto também deve-se, e muito, à figura de Christine. Todavia, pode haver outros motivos: ao longo dos seus pouco mais de 35 anos de existência, o CU ’84 adotou um caráter antifascista, antirracista e, de certa forma, feminista (bem representado por Christine); e mais uma razão importante e que, sem dúvida, incentiva o apoio massivo das mulheres nas arquibancadas do Stade Vélodrome é a dedicação do clube para com o time feminino do OM. Em termos de estrutura, desde sua recriação em 2011, a equipe segue em constante evolução. A exemplo do rival Lyon – um caso de sucesso no futebol feminino dos últimos anos -, o Olympique tenta oferecer às mulheres as mesmas condições de trabalho dos homens. A paridade salarial, no entanto, continua sendo um tabu (não exclusivo do OM, mas, sim, global).
Normalmente, os ultras são anônimos, seus nomes raramente são divulgados e poucos são aqueles que possuem algum status especial ou papel, de fato, relevante dentro do clube. Não foi este o caso de Christine Valette, que faleceu aos 43 anos, ou seja, influente no Olympique desde criança, quando ainda só tinha apenas 12 anos de idade. Até hoje, quase 5 anos após sua morte, seu nome segue sendo lembrado e homenageado em cada partida do OM e também por torcidas aliadas, como do Sampdoria.
Torcida do Sampdoria apoia Christine na sua batalha contra o câncer: “CHRISTINE, VOCÊ É UMA GRANDE MULHER! LUTE COMO UMA ULTRA!” e “FORÇA, CHRISTINE, A JAMAICA NOS ESPERA!” foram alguns dos recados
Assim como Christine participou do início do movimento ultra na França, igualmente, colaborou para que o mesmo se fortalecesse na Itália. O Commando Ultra ’84 esteve presente em Gênova, no dia 4 de Janeiro de 1987, para assistir Sampdoria x Roma e conferir de perto a Ultras Tito Cucchiaroni, cuja Europa inteira estava comentando na época. Tratava-se da precursora do movimento ultra no país italiano. Ali, logo, formou-se uma grande e duradoura amizade.
Mais tarde, uma segunda organizada do Sampdoria, chamada Rude Boys, foi convidada a unir-se às duas e, a partir de então, o CU ’84 passou a viajar para Gênova, praticamente, todo final de semana, a fim de encontrar-se com as ultras amigas. As três eram associadas aos dois clubes e frequentavam ambas arquibancadas, carregando consigo suas respectivas faixas e bandeiras.
Portanto, hoje em dia, o Commando Ultra ’84 orgulha-se em dizer que conhece tudo a respeito das torcidas italianas. Afinal, não somente viu tudo acontecer com seus próprios olhos, como ainda envolveu-se diretamente, contribuindo para com a troca de experiências e, principalmente, com seu apoio diligente.
Christine Valette foi a principal responsável pelo êxito da aliança entre o CU ’84 e a Ultras Tito. Ao mesmo tempo em que a ultra francesa aprendeu muito com seus companheiros italianos – com, pelo menos, 15 anos a mais de existência (1969) -, Christine conseguiu aplicar sua ideologia igualitária em mais uma torcida. Não à toa, algum tempo depois, o Rude Boys acrescentou & Girls 1987 ao seu nome.
Desde jovem, Christine entregou-se de corpo e alma àquilo que acreditava ser correto. Foram cerca de 30 anos de comprometimento e dedicação com os menos (ou nada) favorecidos, brigando por justiça, ainda que fosse uma pacifista, famosa por sua calma e serenidade. Seus esforços ultrapassavam o universo da bola e Christine também ajudava desabrigados da melhor forma que podia. Após ficar sabendo da sua doença, isto não a impediu de manter suas atividades, com a mesma vontade e bondade de sempre.
Mesmo que o Commando Ultra ’84 recorde, em cada jogo do Olympique de Marselha, que Christine continua presente, seja com homenagens, cantando e/ou vibrando por ela, ainda é pouco. Não digo por parte dos adeptos do OM, mas, sim, sobre o reconhecimento de Valette. Nossa sociedade está habituada em reproduzir que “futebol não é lugar de mulher”. E, neste ambiente hostil, uma menina de 12 anos de idade conquistou seu espaço e provou, para dois países tradicionalmente conservadores, justamente o contrário. O legado de Christine não pode limitar-se à França e Itália; deve ser enaltecido para além do continente europeu.