Carlos Alberto (Flu)
O MENINO DAS LARANJEIRAS QUE CONQUISTOU O MUNDO
“Decidi parar principalmente pela questão física. Por isso entendi que não posso mais dar ao futebol a performance que gostaria”. A frase acima é de Carlos Alberto, campeão mundial pelo Porto, logo após decidir pendurar as chuteiras em meados de 2019. Apesar da fama de indisciplinado, o craque segue à risca as sessões de fisioterapia com o Dr. Renato de Paulo e a equipe do Museu foi entender mais sobre essa história!
Cria de Caxias, na Baixada Fluminense, Carlos Alberto desfilava seu talento pelos campinhos perto de casa até ser descoberto por Ênio Farias.
– Tive uma infância normal de toda criança humilde, mas não troco por nada! Muita brincadeira e muito contato com a bola, que era o brinquedo mais barato!
Uma das brincadeiras preferidas de Carlos Alberto era pintar a rua para celebrar a chegada da Copa do Mundo e o Mundial de 94 teve um sabor mais do que especial! Fã de Romário, procurava desenhar o rosto do craque pelas calçadas e viu seu ídolo deitar e rolar na competição!
Seis anos depois, por ironia do destino, Carlos Alberto dava seus primeiros passos no futebol profissional vestindo a camisa do Fluminense ao lado de Romário.
– Me sinto um privilegiado por isso! São coisas que o esporte proporciona!
O talento do meia logo foi reconhecido e Carlos Alberto se transferiu para o Porto com apenas 18 anos para ser comandado por ninguém menos que José Mourinho. Sua história no clube todos conhecem e está desenhada na pele do ex-jogador: campeão da Liga dos Campeões e do Mundial de Clubes.
– Costumo dizer que estava no lugar certo, na hora certa e com as pessoas prontas para tirar o máximo de mim naquele período.
Depois do Porto, retornou para o Corinthians, onde foi campeão brasileiro naquele timaço que reunia Tévez, Mascherano, Nilmar e cia. Teve também mais uma passagem pelo Fluminense, sendo o capitão mais novo a levantar um troféu pelo clube: a Copa do Brasil de 2007.
Após quase 20 anos dedicado ao futebol, extrapolando limites, suportando dores e infiltrações, Carlos Alberto preza pela qualidade de vida e saúde. Por isso, não dispensa as sessões de fisioterapia com o Dr. Renato de Paulo.
– A fisioterapia não só melhora uma dor, mas ela também é capaz de prevenir lesões. A fisioterapia me dá uma qualidade de vida e mais saúde!
Ao longo do papo, Carlos Alberto e o Dr. Renato abordaram os avanços na medicina, a importância da fisioterapia não só no esporte e o que, de fato, os jogadores vivem no dia a dia para enfrentar o calendário de jogos!
Dê o play no vídeo acima e confira a resenha completa!
TERRA BATIDA, MEU AMOR
Por André Luiz Pereira Nunes
O Museu da Pelada esteve presente em mais um evento de importância esportiva na cidade do Rio de Janeiro. A presença do ex-craque do Botafogo, Vasco e Seleção Brasileira, Donizete, abrilhantou o jogo amistoso da categoria masters, disputado no campo do Vasquinho, entre Grupo Família e EC São José de Magalhães Bastos. Em seguida, os mesmos rivais duelaram pela categoria adultos.
Para quem não sabe, o São José é um tradicional clube alvinegro que dispõe em seu rico pavilhão da conquista do Campeonato Carioca de 1934, organizado pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT). Ao contrário de muitos de seus pares, a quase centenária agremiação não veio a se profissionalizar. Por isso, anos mais tarde, passou a integrar o saudoso Departamento Autônomo, o qual abrigou inúmeros e tradicionais times, alguns até inicialmente amadores da cidade, como Portuguesa e Campo Grande.
No evento foram homenageadas postumamente, com faixas e dizeres, as senhoras Luzimar da Silva Oliveira e Alexandra Santos pelo tanto que representaram à comunidade.
O desportista José Mauro Tenório, organizador do espetáculo, ainda aproveitou para desfilar o seu talento nas quatro linhas à frente da equipe master do São José, mas coordenou com eficiência a programação.
“Fiquei extremamente satisfeito com a presença do Museu da Pelada e em poder homenagear duas pessoas muito queridas da comunidade que infelizmente não estão mais entre nós”, declarou Mauro, ex-presidente do Ação, clube da Série C, que desde o início do ano passou a se chamar FC Rio de Janeiro.
No final foi servido um suntuoso café da manhã para todos os presentes.
JOEL CAMARGO, UM TRICAMPEÃO MUNDIAL
por Guilherme Guarche, do Centro de Memória do Santos
Sim. Joel Camargo com justiça deve ser considerado campeão mundial, não só por ter feito parte do elenco da Seleção Brasileira, mas, principalmente, por ter sido o quarto-zagueiro titular nas seis partidas das Eliminatórias do Mundial do México, em 1970.
O técnico do Escrete Nacional, João Saldanha – o João sem medo – considerava Joel Camargo o melhor quarto-zagueiro do mundo e reprovava publicamente o técnico do Alvinegro, Antônio Fernandes, o Antoninho, que escalava Djalma Dias na zaga santista.
Filho de Lourdes Camargo e Antônio Camargo, Joel nasceu em uma quarta-feira, 18 de setembro, feriado nacional naquele remoto ano de 1946, data em que o presidente Eurico Gaspar Dutra promulgou a Constituição Brasileira daquele ano.
O menino começou no futebol no XV de Novembro, time amador do bairro do Marapé, onde sua família residia. Antes, já chamava a atenção pelo estilo clássico e sério que tinha ao jogar com os outros garotos da rua Antônio Bento de Amorim.
Foi o técnico da base da Portuguesa Santista, Arnaldo de Oliveira, o popular Papa, o maior revelador de talentos na cidade, que levou Joel, então um garoto de 13 anos, para treinar na “Mais Briosa”.
Dentre os jogadores revelados pelo mal humorado técnico Papa estão Gylmar, Feijó, Álvaro, Ramiro e Pagão. Todos começaram com ele no Jabaquara. Na Portuguesa Santista lançou os craques Cláudio, Adelson, Capitão, Lorico, Joel Camargo e Osmar.
Foi o futebol vistoso de Joel que atraiu os olhares dos dirigentes do Peixe e fizeram com que o destaque da Portuguesa Santista, e esperança do treinador Joaquim Feliz atravessasse o canal da avenida Pinheiro Machado em setembro de 1963, e fizesse da Vila Belmiro a sua nova casa.
Zagueiro forte e alto (1,83m), que por sua habilidade também se destacava como médio-volante, Joel tinha o hábito de sair da defesa de cabeça erguida, abrindo os cotovelos, que se tornavam como duas alças lhe para lhe dar mais equilíbrio, razão pela qual ganhou a alcunha de “Açucareiro”. Na Vila Belmiro era chamado pelos colegas de “Gogo”.
No Santos teve que disputar posição, a princípio ,com o gaúcho Calvet e com o carioca Haroldo, o “Sombra”, e depois com Emerson Marçal, vindo da Portuguesinha. Sua estreia na equipe profissional ocorreu em 1º de setembro de 1963, um domingo, em Araraquara, diante da Ferroviária. Joel tinha exatos 16 anos, 11 meses e 14 dias, tornando-se um dos jogadores mais jovens a vestir a camisa santista.
Nessa partida, válida pelo Campeonato Paulista, no Estádio Fonte Luminosa, o Santos foi derrotado por 4 a 1, com Pelé marcando o tento santista. O time foi escalado pelo técnico Luiz Alonso Perez, o Lula, com Gylmar, Dalmo, Joel Camargo e Geraldino; Calvet e Zito; Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Rossi.
Pouco a pouco Joel Camargo foi ganhando espaço na defesa da equipe titular do Alvinegro. Tanto o ataque como o sistema defensivo santista passaram a ser enaltecidos pela imprensa e pelos torcedores, satisfeitos por ter uma equipe tão coesa e forte como era o grande Santos nos anos 1960.
Uma curiosidade da forte equipe do Peixe era que Joel Camargo era o único afrodescendente que formava na retaguarda, ao contrário do setor ofensivo ,que contava em sua maioria com atacantes negros.
A decepção com Zagallo
Nas Eliminatórias da Copa de 1970 toda a defesa titular das “Feras do Saldanha”, como era chamado o Selecionado Nacional, era composta por santistas: Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo. Além dos atacantes alvinegros Pelé e Edu.
Na defensiva praiana havia ainda o excepcional argentino Ramos Delgado, que afirmava ser Joel Camargo o seu parceiro preferido para formar a dupla na zaga santista.
A qualidade dos jogadores de defesa do Santos criava, às vezes, uma situação insólita: Joel era titular na Seleção Nacional e reserva no Santos, pois o técnico Antoninho confiava mais no futebol de Djalma Dias.
Um momento que muito o entristeceu e que não gostava de lembrar ocorreu quando João Saldanha foi substituído por Mario Jorge Zagallo e o novo técnico da Seleção decidiu escalar Wilson Piazza, que era médio-volante, para a quarta-zaga, ocupando o lugar que seria de Joel nas partidas da Copa do Mundo, no México.
Desiludido por não ter jogado a fase final da Copa no México, o jovem de 23 anos viu de fora o Brasil ser Tricampeão Mundial, ganhou o mesmo prêmio dado aos jogadores titulares e adquiriu um possante Chevrolet Opala.
Antes tivesse investido a premiação do Mundial não na compra do automóvel, pois o veículo foi o causador de sua decadência no mundo da bola. O craque foi o protagonista de um grave acidente automobilístico nas ruas de Santos.
Sua última apresentação pelo time da Vila Belmiro foi no dia 21 de novembro de 1970, no Campeonato Brasileiro, em partida disputada no Parque Antártica, em São Paulo, no empate sem gols diante do América Carioca.
Com a camisa do Alvinegro ele jogou 304 partidas e marcou cinco gols entre os anos de 1963 e 1970. Enquanto esteve atuando no Peixe, o craque jogou pela Seleção Brasileira em 36 partidas.
Títulos conquistados no Santos
1964 – Campeonato Paulista, Campeonato Brasileiro e Torneio Rio-São Paulo.
1965 – Campeonato Paulista e Campeonato Brasileiro.
1966 – Torneio Rio-São Paulo.
1967 – Campeonato Paulista.
1968 – Campeonato Paulista, Campeonato Brasileiro, Recopa Sul-Americana e Recopa Mundial.
1969 – Campeonato Paulista.
Em um PSG sem brilho
Depois do acidente com seu Opala, Joel teve o contrato rescindido com o Santos, acabou deixando o clube e se tornou o primeiro brasileiro a jogar no PSG da França. Na época o PSG era apenas mediano, o oposto do time badalado que é hoje, onde atua o Menino da Vila Neymar Jr.
A impaciência e a má vontade demonstrada por Joel no time de cores azul e vermelha irritaram os dirigentes franceses e lá o grande zagueiro jogou apenas duas partidas.
De volta ao Brasil, atuou pelo CRB, de Alagoas, e o Saad EC, de São Caetano do Sul. Mas seu futebol não era mais o mesmo que fez com que ele se tornasse um dos mais importantes zagueiros do Alvinegro Praiano.
Depois de se afastar dos gramados, Joel Camargo nunca mais procurou os antigos companheiros do time santista. Sua difícil situação financeira o obrigou a se desfazer de duas casas lotéricas e a vender também a medalha conquistada na campanha do Tricampeonato Mundial de 1970.
Assim como era praxe no Porto de Santos dar emprego aos ex-jogadores santistas, ele foi mais um que durante 20 anos trabalhou no cais do porto como trabalhador avulso e lá na estiva se aposentou aos 55 anos de idade.
Deu aulas em uma escolinha de futebol em Santos, e na Prefeitura de São Paulo, evitando a imprensa e se mantendo no anonimato.
O zagueiro que foi importante para o Brasil ter em definitivo a taça Jules Rimet, faleceu em Santos, sua terra natal, no dia 23 de maio de 2014, aos 67 anos, vítima de insuficiência renal provocada pela diabetes que mutilou uma parte de seu corpo no ano anterior ao seu óbito
NÃO É SÓ FUTEBOL
por Paulo Roberto Melo
Pode parecer chatice, mas nunca gostei de ver jogos de futebol decisivos, pela TV, na companhia de amigos. Sempre achei que esse negócio de fazer festa antes da hora, de ver jogo, enquanto faz churrasco e toma cerveja, não é a melhor escolha em partidas importantes. Acredito que para se ver jogos decisivos há toda uma liturgia, que inclui uma preparação solitária, regada a uma boa dose de nervosismo, que, vai aumentando à medida que o início do jogo se aproxima.
Creio que é justamente esse clima tenso que sempre fez com que preferisse assistir aos jogos recolhido no aconchego da família ou mesmo sozinho. No caso da família, meu pai, meus irmãos e eu, tínhamos uma cumplicidade na hora dos jogos. Fazíamos comentários e usávamos expressões que só nós entendíamos, tais como: “Deixa de ser displicente!”; “Você não está jogando no quintal da tua casa!”; “Não precisa marcar ele não, porque esse a natureza marca!”; “Sai planta!”; “Tá jogando como um autêntico center-half!”
Claro que havia xingamentos e gritos desesperados. Era legal também os apelidos com que chamávamos os jogadores dos dois times e até alguns árbitros. Apelidos que nós mesmos inventávamos, com base nas feições, no porte físico, nos nomes dos atletas ou em alguma situação do próprio jogo. A maioria desses apelidos eram criados pelo meu pai, que era um mestre na arte de perceber certas peculiaridades, certas características e, a partir daí, inventar os epítetos mais cômicos, como se estivesse desenhando uma caricatura.
Outro motivo pelo qual eu sempre evitava sair da minha conveniente concentração e preferia recusar os convites que vez por outra me faziam eram os convidados para esse tipo de evento, partidas decisivas com churrasco e cerveja. Torcedor pé frio, pessimista, imbecis que não gostam de futebol mas apreciam picanha ao ponto e cerveja gelada, torcida neutra, gente que se fantasia para ver jogo, tudo isso, indiscutivelmente, tem um enorme potencial para atrapalhar o bom andamento de uma partida. (Sim, ou vocês acham mesmo que o que determina uma vitória ou um título é só o futebol jogado dentro das quatro linhas?)
Sabe-se lá por que cargas d’água, em 1986, durante a Copa do Mundo disputada no México, acabei aceitando um convite para ver Brasil x França, pelas quartas de final. Era apenas uma reunião de amigos, pelo menos não haveria churrasco.
Que não me acusem de falta de patriotismo, mas confesso que o meu amor pela seleção brasileira não consegue ser maior do que o que sinto pelo Vasco. A perda da Copa de 1982, com uma seleção recheada de craques que jogavam no Brasil, foi determinante para confirmar esse sentimento. Sem contar o posterior êxodo desses mesmos craques. Como se não bastasse, a preparação para a Copa de 86 foi pra lá de turbulenta.
Depois da Tragédia do Sarriá, a seleção brasileira patinou. Após a saída do técnico Telê Santana, o time teve outros três técnicos (Parreira, Edu e Evaristo de Macedo), diversos jogadores foram convocados, uns bons outros nem tanto. Aí, um ano antes da Copa, entregaram novamente o comando ao mesmo Telê, quer dizer, ao invés de uma renovação, tivemos um revival. Tudo isso, fez com que eu e muita gente tratássemos esse jogo de quartas de final, como apenas mais um (talvez por isso eu tenha aceitado aquele malfadado convite).
Eu havia visto todos os jogos do Brasil naquela Copa em casa e as coisas até que caminhavam bem. As duas vitórias, com um magro 1×0, nos dois primeiros jogos, contra Espanha e Argélia, não empolgaram, mas tudo bem. Depois da derrota de 82, havia se instaurado uma questão: jogar a Copa dando show e não ganhar (como a Hungria de 54, a Holanda de 74 e o próprio Brasil de 82) ou jogar mais ou menos, ir crescendo na competição e ganhar a Copa (como a Itália de 1982)? Isso porque o futebol apresentado pela seleção de 70, que deu show e ganhou a Copa, parecia (e creio que até hoje é) algo inatingível.
Fechando a primeira fase da Copa, o Brasil enfrentou a Irlanda do Norte e os 3×0 deram a esperança de que talvez algo pudesse ser diferente. Principalmente, por causa do segundo gol, na verdade, um golaço marcado pelo Josimar. Lateral direito do Botafogo, reserva na seleção (o titular Edson havia se contundido), simbolizava a capacidade incrível do futebol brasileiro de se renovar.
O jogo contra a Polônia pelas oitavas de final, consolidou a esperança do tetra. O Brasil ganhou de 4×0 e,se não deu show, pelo menos convenceu, com um futebol bem envolvente. Aquele jogo confirmou algumas coisas. A primeira: que, com aquele outro golaço marcado nesse dia, Josimar poderia ser considerado ser o craque do time. A segunda: que o Careca estava jogando demais! Com jogadas rápidas, implacável nas finalizações e extremamente perigoso, nosso centroavante nos fazia lamentar a sua ausência na Copa de 82, contundido às vésperas do mundial. E a última confirmação era sobre ele: Zico. Sem ter condições de disputar uma partida inteira, por conta do joelho recém-operado, que inchava depois dos jogos, o craque se tornou uma arma de segundo tempo. Entrou contra a Polônia, sofreu o pênalti que sacramentou os 4×0 e dessa forma alimentou o imaginário do torcedor brasileiro.
Assim, dezesseis anos após o nosso último título, uma seleção brasileira, envelhecida e traumatizada pela derrota de 82 (com os remanescentes Carlos, Edinho, Júnior, Sócrates, Falcão, Zico) e, com alguns jogadores contundidos (Edson, Zico, Falcão), iria decidir sua caminhada em gramados mexicanos, enfrentando a temida frança nas quartas de final.
Cheguei ao apartamento da família do Chico faltando quinze minutos para começar o jogo. O quadro era o seguinte: havia bolas de gás penduradas no lustre, duas TVs de 20 polegadas colocadas lado a lado na sala e três amigos, Felipe, Carlinhos, Marcão sentados no chão; no sofá estavam o dono da casa e o pai dele. Timidamente, eu me acomodei entre os dois, no sofá. Estava pouco à vontade com aquilo que, para mim, parecia uma multidão enlouquecida. Por fim, alguns minutos depois, quase na hora de a bola rolar, ainda chegou o Márcio, que também havia sido convidado trouxe com ele – vocês imaginem o sacrilégio, o perigo, o prenúncio de catástrofe… – a namorada…
Eu sei que, hoje, isso soa como um comentário machista, mas, advogado de mim mesmo, eu digo em minha defesa que em 1986 tudo era diferente. Até o início da década de 80, por exemplo, mulheres nos estádios (sobretudo as vestidas com roupas justas ou curtas) ainda eram brindadas nas arquibancadas com corinhos nada gentis a respeito de uma suposta licenciosidade de suas vidas. Então, o fato é que, ao ver a menina, não tive um bom pressentimento. Meu medo era que algum comentário infeliz pudesse influir no resultado do jogo, tipo o Brasil faz gol em qual lado, ou cadê a bola, coisas assim. Porém, como já estávamos todos lá, naquela corrente pra frente, não havia muito o que fazer.
O jogo começou e, como todo mundo sabe, foi terrível. O Brasil abriu o placar (Careca) e jogava a sua melhor partida naquela Copa. No final do primeiro tempo, a França empatou (Platini). Mesmo com as pessoas em volta, eu tentava me isolar, numa tentativa de não deixar que aquele ambiente prematuramente festivo me contagiasse, mas era difícil. Além disso, a França tinha um timaço! Havia feito uma ótima Copa em 82 e sido campeã da Europa em 84. Chegou na Copa do Mundo como uma das favoritas, com um elenco de craques, como Fernandéz, Tigana, Giresse e, o maior deles (senhores, fiquem de pé), Michel Platini.
O segundo tempo foi igual ao primeiro: tenso, com as duas seleções muito cautelosas, afinal, com tantos craques em campo, qualquer descuido poderia ser fatal. Mas se a França tinha sua legião de craques, o Brasil tinha a sua arma de segundo tempo: ele, Zico! Nosso craque entrou e praticamente na primeira bola que pegou, fez um passe perfeito para o lateral esquerdo Branco, que, dentro da área, tentou driblar o goleiro Bats e foi derrubado. Pênalti! Festa no Estádio Jalisco, festa no pequeno apartamento! Numa decisão controvertida, foi decidido que o Zico, frio, sem ritmo, meia-bomba, bateria o pênalti, e, enquanto o nosso camisa 10 se preparava, a tensão no país alcançou níveis estratosféricos.
A cobrança de um pênalti exige um ritual todo especial para quem está assistindo a um jogo pela TV. Unhas roídas, cabelos arrancados e, principalmente, silêncio. Os poucos segundos entre a corrida do cobrador até o chute na bola precisam ser vividos pela assistência no mais absoluto silêncio. Não foi o que aconteceu. Quando o Zico partiu para a bola, uma voz feminina, arauto do desastre, rompeu o silêncio:
– Ai, gente! Eu acho que ele vai perder…
O chute saiu fraco, e todos nós sabemos o que aconteceu
Após aquele breve segundo da dor do golpe, instalou-se o caos na sala do apartamento. O Felipe, sempre grosso e mal educado, virou-se para a garota aos gritos, culpando-a pelo pênalti perdido. Lógico que tinha sido ela, mas não precisava dizer. O namorado da infeliz, não gostou dos impropérios proferidos contra a menina e partiu pra briga. Resumindo, por muito pouco, em vez de o desenrolar de uma partida de futebol, não acabamos todos assistindo a um espetáculo de luta livre. E eu lá, sentado no sofá, cabisbaixo, em meio a ameaças, gritos e palavrões, morrendo de saudade de casa.
Aquele 21 de junho de 1986 já faz parte da história. O jogo e a prorrogação terminaram empatados e o Brasil foi eliminado na disputa dos pênaltis, com um insólito gol contra do goleiro Carlos. Depois que acabou o jogo, eu e o Carlinhos íamos caminhando pelas ruas, ainda desertas e tristes, quando vimos uma senhora chorando.
– O Brasil perdeu, o Brasil perdeu!
O Carlinhos, gentilmente, tentou consolá-la.
– Senhora, não chora! É só futebol!
Hoje, ao relembrar esse fato, tenho dois sentimentos. Um deles é de saudade. Sinto uma saudade imensa de ver jogos com meu pai e meus irmãos, seja pela TV ou no estádio. Os jogos a que assistíamos juntos marcaram a minha vida de tal forma, que nem as mortes do meu pai e do meu irmão mais velho conseguiram apagar as lembranças.
O outro sentimento é uma certeza. Nunca o futebol é só futebol. Seja torcendo pela seleção, seja pelo nosso time, rituais cabalísticos à parte, é por meio das emoções potencializadas na dor das derrotas e na euforia das vitórias, que construímos a consciência de quem somos como pessoas – estejamos em família, com amigos ou sozinhos.
SANTIFICADO SEJA O GOL, E VIVA QUARENTINHA
por André Felipe de Lima
Seria injustiça, ou mesmo uma bobagem inominável, dizermos que um goleiro, ou mesmo um zagueiro, um meio de campo ou um ponta são menos ídolos que um centroavante. Não se mede talento e afeto clublísticos pela lógica que tanto arrefece paixões. Desde que o mundo é mundo a lógica tenta frear a arte e a libido. Freud explica. Outros tentam também. Mas há algo que não se questiona. Nenhum proporciona mais alegrias ao torcedor senão o centroavante artilheiro. Ou será que os lógicos e chatos de plantão dirão que o gol é apenas um detalhe? Não, amigos, o gol é a alegria máxima do futebol. Sem blefe, é dele que nascemos todos. Daquele grito único proferido por milhares de bocas simultaneamente, tornando-nos irmandade indissolúvel. Viemos ao mundo várias vezes no momento do gol. A sensação é de nascimento. O artilheiro nos torna um Prometeu acorrentado às avessas ao marcar seus gols a todo instante. Amarra-nos deliciosamente na pedra que se chama felicidade, e que venha a ave de rapina repetidas vezes a nos devorar o fígado. Somos inexpugnáveis. Não estamos nem aí para dores do corpo ou da alma quando se tem o gol para nos limpar a vida. Pelo menos, naquele dia em que o nosso amado centroavante nos acarinhou, sentimo-nos vivos, e renascidos graças aos gols dele. Ser torcedor é assim, um eterno dependente do gol. Venham vitórias e taças, mas é aquele gol do artilheiro que jamais nos sai da memória. Hoje, dia 15 de setembro, deveria se chamar “Dia do Quarentinha”, quando todo botafoguense deveria rezar, sem contrição, sem pesar, sem temor, pois o santificado Quarentinha nunca os deixou à margem da alegria do gol. Nenhum outro ídolo alvinegro, nem mesmo Heleno, Garrincha ou Nilton Santos, proporcionou tantas e repetidas vezes a alegria do gol como Quarentinha. Foram mais de 400 momentos de puro êxtase dionisíaco.