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O QUE SERIA SER CONTRA O FUTEBOL MODERNO?

por Paulo Escobar


Ser contra o futebol moderno é acima de tudo levantar o questionamento sobre as estruturas que excluem os mais pobres, é ser contra essa uniformidade e engessamento de ter nos estádios somente aquele público de teatro e a cada dia mais os torcedores do lado de fora. Lembrar onde começou este processo de exclusão e embranquecimento dos públicos das arenas, ser contra esse padrão de arenas que tira as particularidades e demole a história contida nos antigos recintos.

Há uma corrente, que aparece acreditar que ser contra o futebol moderno é ser contra o futebol bem jogado, o futebol bonito de se ver. Esse que o cara na favela gosta de ver seu time praticar, a boa jogada que muitas vezes fica na mente sofrida de muitos torcedores, o futebol tem esse papel de gerar momentos de alegrias para aqueles que mais carregam dores.

O futebol bem jogado, tanto ofensiva como defensivamente, foi praticado desde que a bola rola e o esporte existe, e os exemplos poderiam ser muitos. Só no âmbito local poderíamos citar o Brasil de 1970, 1982 e tantas outras seleções, o São Paulo de Telê ou o Palmeiras de 1993, a própria democracia corintiana, ou o Flamengo de Zico e tantos outros.

E na América Latina outros tantos exemplos, como o próprio Newells do Loco Bielsa, o Boca de tantas glórias, o Uruguai ajustado pelo Maestro Tabarez tanto no seu sistema defensivo já conhecido como na frente, assim como inúmeros times e seleções ao longo do tempo que vivem na memória de seus torcedores.

Ser contra o futebol moderno, não significa ser a favor da feiura do futebol, não acredito que os torcedores gostem mais de ver o time rival com a bola do que o seu. Ganhar é bom, torcedor gosta, mas ganhar jogando bem é mais motivo para comemoração, quando o time deita e rola no rival.

Mas ganhar a qualquer custo, ou ser movido pelo resultadismo, também é um espelho do que o futebol moderno reproduz deste sistema, que é ganhar a qualquer custo, mesmo que para isso seja usado o artificio que seja.

Os legados deixados por belos times, mesmo que esses times não tenham ganhado o título, as vezes são mais lembrados que o campeão e isso não é de hoje. Vocês lembram mais do carrossel holandês de 1974 ou da Alemanha campeã? Se belos times não ganharam copas, azar das copas.

Futebol bem jogado e bonito de se ver está acima de épocas ou gerações, está na memória até dos rivais. A lembrança de belos times seja no ataque ou na defesa bem armada continua na memória e os avôs contam aos seus netos, o gosto de ver a bola bem tratada.

Não adianta ser contra o futebol moderno e não questionar as estruturas de poder que excluem os mais pobres, ou que reproduzem o racismo dentro dos estádios. É apontar essas estruturas que a cada dia que passa roubam mais o futebol dos pobres e os deixam de fora dos estádios.

Ser contra o futebol moderno é se arriscar e apontar as contradições, mesmo que isso te custe o emprego. É não se calar ou estar em paz quando este futebol insiste em ser jogado diante de quase 100 mil pessoas mortas pela Covid.

Sou contra o futebol moderno porque ele é classista, racista, mais homofóbico que nunca e porque o espetáculo está acima da vida.

NASCIDO PARA BRILHAR

por Alberto Lazzaroni


Equipe do Bahia campeão brasileiro de 1959. Léo é o terceiro agachado (esq. p/ dir.)

Vamos viajar para a Bahia, mais precisamente para a cidade de Itabuna, bem no meio da cultura do cacau. Se Itabuna é famosa por ser a terra natal de Jorge Amado, falaremos de um outro grande personagem nascido por lá: Léo Briglia. Imaginem vocês nascer numa família rica, filho de um coronel do cacau, em plena Itabuna, no início do século passado. Conseguiram imaginar? Pois bem, isso aconteceu com ele. Filho do lendário coronel Chico Briglia que, no contexto histórico da época, mandava “soltar e prender” quem quisesse, ele ousou desafiá-lo e, contra a vontade do pai, deixou de lado os estudos e foi ser jogador de futebol.

Léo era daquelas pessoas que sonham com algo e, para realizá-lo, vão em frente contra tudo e contra todos. Observado jogando numa preliminar de Bahia x América-RJ, não pestanejou: veio fugido para a capital federal jogar pela equipe rubra. Após dois anos no Rio de Janeiro, aconteceu algo inusitado. O América foi disputar um amistoso em Ilhéus e Léo decidiu visitar os irmãos. Moral da história: foi preso pelo próprio irmão, que era delegado, com a anuência do pai.


Léo recebendo a faixa de Campeão Brasileiro

Após alguns anos trabalhando “obrigado” na fazenda do pai, Léo não desistiu do futebol.  Continuou jogando por equipes de menor expressão da região e consegue retornar ao Rio de Janeiro em 1956 para jogar no Fluminense. No tricolor carioca sofreu com a concorrência de Waldo (simplesmente o maior artilheiro da história do clube) mas conseguiu mostrar seu valor a ponto de ser convocado para a Copa do Mundo de 1958 realizada na Suécia. No entanto, lesionado, acabou cortado, sendo substituído por Dida. Sobre esse episódio, Léo falava resignado que, apesar de ruim, foi graças à sua contusão que Pelé foi para a Copa e o resto todo mundo sabe.

Tinha fama de boêmio e mulherengo. Dizem as más línguas que era companheiro de boemia de Garrincha. Por conta desse histórico, ao retornar à Bahia, ninguém queria saber dele. Tentou sem sucesso jogar no Vitória. Investiu então no Bahia e a resposta também foi negativa e enfática: velho e boêmio. Foi aí que surgiu a figura do treinador Geninho que, à exemplo do que fizera Gentil Cardoso no ano de 1946 no Fluminense no episódio Ademir Menezes, disse: deem-me Léo Briglia e seremos campeões brasileiros. O ano? 1959. O resto, a história registrou. O tricolor da Boa Terra tornou-se o primeiro campeão brasileiro e Léo o artilheiro da competição com oito gols.


Casamento com Selma

Léo faleceu na sua Itabuna querida em fevereiro de 2016. Passou os últimos anos da sua vida na Ponta da Tulha, uma colônia de pescadores, junto aos amigos que considerava verdadeiros. Modernizou o local, levou energia elétrica e mandou construir uma igreja na comunidade. Léo não foi santo mas, em vida, mostrou toda a sua alegria e empatia. Como bem lembra a filha Fátima: “meu pai era um homem muito amoroso. Por onde passava, ninguém ficava triste”. Morreu feliz.

TELÊ E OS PONTAS

por Rubens Lemos


Durante o período de Telê Santana na  seleção brasileira, tempo que inclui duas Copas do Mundo, a função de ponta-direita começou a ser exterminada no Brasil. O humorista Jô Soares, toda segunda-feira em seu programa, berrava como se telefonasse ao técnico: “Bota ponta, Telê!”.  

Durante a preparação, a partir de 1980, a camisa 7 ficou com Tita, do Flamengo, excelente driblador e criativo. Ruim de convivência e sutilmente citado pela boleirada como adepto da trairagem.

Tita, pretensioso, cobiçava a camisa 10 que nasceu colada ao corpo de Zico, seu chefe no Flamengo. Proporcionalmente, Tita queria o impossível como a paz no Oriente Médio. Tita testou Telê e se deu mal. Nunca mais foi convocado por ele quando abriu a boca para amplificar seus desejos.

No lugar de Tita, entrou o neguinho Paulo Isidoro, então no Grêmio. Craque, técnico e veloz, cumpriu bem a tarefa de ponta ajudando na marcação de meio-campo e permitindo ao exuberante Leandro, subir pela lateral-direita, transformando-a em Sambódromo permanente. 

Na estreia contra a União Soviética, em 1982, Telê Santana, de quem a maioria só recorda os méritos, escalou o canhoto Dirceu no lado direito e terminamos o primeiro tempo perdendo de 1×0, frangaço do goleiro Valdir Peres em chute murcho do falecido meia ucraniano Andrey Bal. Viramos graças ao talento de Sócrates e Eder.

Em 1986, Telê cortou o ponta Renato Gaúcho, em sua melhor fase, por conta de uma farra com o lateral Leandro. Renato não foi à Copa e Leandro desistiu alegando solidariedade ao amigo no dia do embarque ao México.

A foto que ilustra a coluna é, segundo o inesquecível jornalista João Saldanha, a razão para a ira de Telê contra os homens de linha de fundo pela direita. Garrincha humilha o futuro técnico da seleção brasileira após uma série de dribles e o deixa prostrado no chão, vencido, vaiado, mortificado.

 Saldanha, cujas mentiras tinham o sabor de fábula (dizia com firmeza que batalhou na Segunda Guerra com o general inglês Montgmomery), garantia que Telê foi escalado para marcar o torto espetacular. Uma missão que se dá a inimigo. O Fluminense precisava do empate para ganhar o campeonato carioca.

O Botafogo partiu para a vitória e enfiou 6×2 no tricolor. Uma das maiores exibições de Mané Garrincha. Naquela tarde de 22 de dezembro de 1957, diante de 125 mil pessoas no Ex-Maracanã, brotava, no inconsciente de Telê Santana, o expurgo a uma alegria que ele transformou em revanche. Segundo João Saldanha.

A RICA TRAJETÓRIA DO CEJAP, DE TRAJANO DE MORAES

por André Luiz Pereira Nunes


Trajano de Moraes é um pequeno município localizado na região serrana do Rio de Janeiro. O seu desbravamento e desenvolvimento se ligam ao interesse dos portugueses, então estabelecidos nas baixadas, que subiram a serra em busca de riquezas. Os veios de ouro inexistiam, mas havia um outro tipo de riqueza: o café. Os colonos lusitanos e a mão-de-obra escrava tornaram a terra produtiva e extraíram grandes fortunas. Em 1881, chegavam os primeiros europeus à região atraídos pelo manancial dos cafezais.

Apesar de nunca ter contado com um time em esfera profissional, a bucólica cidade protagonizou um feito histórico através de um de seus representantes. Fundado a 16 de julho de 1971, o Centro Esportivo José Antônio Peruzzi foi criado por cinco jovens idealistas que almejavam inicialmente uma quadra de esportes. Indagaram então o padre acerca da disponibilidade do terreno onde atualmente se localiza a Casa das Irmãs. Obtendo autorização, utilizaram o espaço durante dois anos até que a paróquia necessitou de seu uso. Não se dando por vencidos, os bravos rapazes angariaram fundos para a construção de uma nova, à qual hoje pertence ao Hotel Trajano de Moraes. Para formalizar a criação da área de lazer, decidiram então fundar um centro esportivo e homenagear o saudoso desportista Juca Peruzzi. Nascia, portanto, o CEJAP, conhecido como Águia da Serra.

Em meados da década de 80 a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro promovia e organizava anualmente, através do extinto Departamento de Futebol do Interior, dirigido por Ildo Nejar, o Campeonato Intermunicipal de Clubes Campeões. Participavam os vencedores dos campeonatos municipais e o campeão do Departamento de Futebol Amador da Capital (antigo Departamento Autônomo). A realização desse certame alternava com a do Campeonato Estadual das Ligas Municipais.

Em 1987, 55 times provenientes de todas as regiões do estado participaram da competição. Aperibeense (Aperibé), Ipiranga e Pureza (São Fidélis), Fluminense e São Joanense (São João da Barra), Aeroporto (Lajes do Muriaé), Barra e Carapebus (Macaé), Outeiro (Campos), Olaria e São José (Cachoeiras de Macacu), América e CEJAP (Trajano de Moraes), Bibarrense e Boa União (Duas Barras), São João e Vila Nova (Casimiro de Abreu), São José (Bom Jardim), Nalim e Mauá (São Gonçalo), Morro Grande e Radar (Araruama), Bacaxá e Sampaio (Saquarema), Cruzeiro (Rio Bonito), São Pedro e Independente (São Pedro da Aldeia), Progresso e América (Cabo Frio), Ubatiba e Dínamo (Maricá), Suruiense e Mageense (Magé), Portuense e Cítrus (Itaboraí), Flamenguinho e Barra (Teresópolis), Paulistano e Icaraí (Niterói), Santa Lúcia (Duque de Caxias), Califórnia e Faestal (Itaguaí), Vasquinho e Éden (São João de Meriti), ADC DSP (Nilópolis), Vila de Cava (Nova Iguaçu), Floriano e Cotiara (Barra Mansa), Beira-Rio (Resende), Verolme e Novo Mundo (Angra dos Reis), Grêmio Olímpico (Mangaratiba) e Chácara (Paraty). O ACET, de Volta Redonda, e o CSN, de Barra Mansa, declinaram da disputa. Na fase final foi composta ainda pelo campeão e vice do último certame, o Nova Esperança, de Duque de Caxias, e o histórico Cambaíba, da usina de mesmo nome, localizada em Campos.


Após superar três fases anteriores, o CEJAP foi eliminado nas semifinais pelo Nova Esperança, ao perder por 3 a 1, em Caxias, e empatar em casa sem abertura de contagem. Curiosamente, o torneio não teria conclusão por conta de uma baixa manobra jurídica impetrada pelo Cambaíba contra o Vila de Cava, ambos disputantes da outra semifinal. No jogo de ida, em Campos, ocorreu um empate em 1 a 1. A partida de volta, programada para o estádio do Aliados, em Nova Iguaçu, acabou não sendo realizada porque os campistas alegaram falta de policiamento. Certos, portanto, de que ganhariam os pontos no tribunal, se negaram a jogar. A briga então se arrastou pelo STJD durante mais de 4 meses com direito a vários recursos, não chegando a lugar algum. A dor de cabeça na época foi tão grande que a Federação deu o certame por encerrado e não mais voltaria a promovê-lo, retornando com a organização do Campeonato de Seleções Municipais.

No entanto, a campanha do CEJAP jamais seria esquecida. Em 19 jogos, houve 14 vitórias, 2 empates e 3 derrotas, sendo que nenhum revés ocorreu em casa. Após um período de inatividade que perdurou por mais de 20 anos, diversos abnegados da cidade, entre os quais Álvaro Ramos, resolveram reativar o clube. O retorno não poderia ser melhor. Logo no ano de estreiia, em 2019, o time se sagrou campeão municipal para a alegria da Família Grená, no Estádio Municipal Francisco Limongi, onde manda suas partidas.

Os planos são inúmeros por parte dos novos dirigentes do CEJAP. Quem sabe, o time consiga alçar novos voos e chegue ao profissionalismo. Mas, no momento, já é extremamente comemorada a volta da Águia da Serra ao caminho das conquistas.

O NEW FOOTBALL É UMA CHATICE SEM FIM

por Mateus Ribeiro


O bom filho a casa torna. E apesar de nunca ter abandonado o Museu da Pelada, aqui estou de volta para tocar a minha corneta sem medo de ser feliz.

Eu andei um pouco afastado do futebol, pois em meio ao caos que o mundo vive, não conseguia sentir o mínimo prazer em ver o esporte bretão. Por mim, o futebol nem voltaria neste ano, mas como querer é poder só na música do José Augusto com a Xuxa, a redonda voltou a apanhar nos gramados brasileiros.

É claro, óbvio e evidente, que eu não conseguiria ficar longe dos jogos e dos noticiários, mesmo sabendo tudo o que eu iria encontrar: aquele festival de termos rebuscados, os malabarismos para se explicar um sistema tático e toda aquela modernidade que apesar da roupa elegante e da fala bonitinha, já torrou a paciência.

Porém, o que mais me irritou nessa volta foi o que já roubava a minha paz antes da pandemia: a banalização da vitória. Tudo se tornou mais importante que os três pontos: a posse de bola, o planejamento, o mapa de calor, a movimentação e todas essas conversas pra boi dormir.  De uns tempos pra cá, tenho a impressão de que o objetivo do jogo não é mais a vitória ou a conquista de títulos, mas sim, o “legado”, a “metodologia” ou quaisquer outros termos pomposos. Os debates esportivos, que eram tão legais, se tornaram a análise de um disco de rock progressivo (com todo respeito aos simpatizantes do estilo).

Enquanto os entendidos modernos fazem malabarismo para defender a invencionice desse “new football”, eu fico com o futebol punk rock, aquele onde a simplicidade manda e a única coisa que de fato vale é a bola na rede.

Toda essa necessidade de transformar algo tão simples e gostoso em uma ciência de difícil compreensão só reforça a tese de que o  futebol moderno é uma chatice que não tem tamanho. A minha sorte é que existe o Museu da Pelada, onde eu posso acompanhar grandes feras e relembrar que futebol é gol, futebol é paixão, futebol é vitória, futebol é memória.

Obrigado pelo espaço e até a próxima!