ME DÁ UM AUTÓGRAFO?
por Paulo Roberto Melo
Minha esposa conta, que quando ela era menina, umas primas do Paraná, sabendo que ela morava no Rio, perguntaram se ela encontrava os artistas da Rede Globo, passeando pela rua. E minha esposa teve que explicar que, apesar de ser moradora da Zona Sul, o Rio de Janeiro era muito grande e os artistas não frequentavam os lugares de forma tão exposta (naquela época) a ponto de serem encontrados facilmente, e essa explicação certamente causou uma certa decepção.
Pois bem, em 1978, com meus doze anos, eu também nunca havia encontrado alguém famoso. Aliás, na verdade, houve uma vez, sim. Foi antes de 78, eu ainda era bemcriança, e estava com meu pai, indo para a praia, no ônibus da linha 413 – Muda/Copacabana, quando vimos o Jorge Ben (que mais tarde viraria Jorge Benjor). Meu pai o reconheceu e disse no meu ouvido: “Olha, aquele cantor da música do Flamengo!” (“Sou Flamengo e tenho uma nega chamada Teresa…”) Alheio a paixão clubística do Benjor, eu o olhava de forma estranha, pensando em como era possível alguém famoso andar de ônibus. Mas, enfim, eram outros tempos…
Voltando a 1978, confesso que o meu desejo não era encontrar artistas de novela. Os que povoavam o meu imaginário eram os artistas da bola, os jogadores! O Rio de Janeiro, onde morava e moro até hoje, era um celeiro de craques, espalhados nos quatro grandes clubes (nessa época, o América já começava a bambear). O Fluminense tinha Wendell, Edinho, Mário, Pintinho, Nunes e Fumanchu. No Botafogo jogavam Rodrigues Neto, Osmar, PC Caju, Mário Sérgio, Mendonça, Gil, Dé e Manfrini. O Flamengo começava a montar o elenco mais vencedor de sua história, com Raul, Rondinelli, Júnior, Andrade, Zico e Tita.
Já o Vasco, manteve a base do time campeão carioca do ano anterior e, contratou reforços. Como bom vascaíno, eu recitava essa escalação como um poema bem decoradopara agradar uma namorada (vascaína): Leão, Orlando, Abel, Geraldo e Marco Antônio; Zé Mário, Zanata e Dirceu; Wilsinho, Roberto e Paulinho. Com tantas estrelas desfilando pelos castigados gramados cariocas de antigamente (imaginem o que esses jogadores fariam, nos bons gramados de hoje em dia…), a idolatria de um menino de 12 anos, gordinho e de óculos, atingia níveis estratosféricos.
Convém lembrar, que ter 12 anos em 1978 não era algo tão simples. É claro que alguns vão dizer que a infância na década de 70 era uma coisa maravilhosa, bola de gude, bola de meia, e que com menos tecnologia, as brincadeiras eram muito mais divertidas e tal. Mas para mim, que morava em um edifício de uma rua movimentada na Tijuca, com irmãos bem mais velhos e pais trabalhando em horário integral, os dias eram de um vazio imenso.
Dessa forma, o que preenchia as minhas horas era mesmo o futebol. Não me queixo. Foi um tempo bom. Os craques jogavam aqui no país, a rivalidade era sadia. Um dos gritos de guerra dos estádios era (pasmem!): Ô, ô, ô, ô, ô! Roberto é craque, o Zico é um cocô!
Eu procurava ler tudo e assistir a tudo que dizia respeito a esportes em geral e ao futebol em particular. Como nessa época eram raros os jogos transmtidos pela TV, eu esperava para ver os gols do Fantástico e depois mudava de canal para assistir a alguma mesa redonda. Na TV Bandeirantes, havia o programa Bola na Mesa, com craques do jornalismo esportivo debatendo a rodada do fim de semana do campeonato carioca: Sandro Moreyra, João Saldanha, Luiz Lobo, Márcio Guedes e, comandando os debates, Paulo Stein. Quando terminava o programa, começava o videoteipe do jogo daquela tarde no Maracanã, muitas vezes narrado muitas vezes, por…Galvão Bueno. Havia mesa redonda também na TVE, com Luiz Orlando, Luiz Mendes, Sérgio Noronha, José Inácio Werneck e Achiles Chirol. O videoteipe nessa emissora tinha narração do José Cunha (“Limpa, tá lááááá!!!”) e algumas vezes, do Januário de Oliveira (“Eeeeeee o gol!”; Cruel, cruel, muito cruel”).
As matérias de todos os clubes que saíam no jornal O Globo eram lidas por mim, diariamente. Às segundas-feiras, a capa cor de rosa do Jornal dos Sports sempre vinha, com uma manchete pitoresca e bem humorada sobre o resultado do clássico do domingo. E como não podia deixar de ser, aguardava ansioso pela terça-feira, dia que saía a Revista Placar, que, lá em casa, começou a ser colecionada pelo meu irmão Carlos Eduardo desde o seu início nos anos 70, e continuada por mim, até meados dos 80.
Aqui vai um breve parêntese dedicado um à revista Placar. Assim como eu e meus irmãos, ela formou a cultura futebolística de várias gerações. Suas matérias tratavam não apenas dos jogos dos campeonatos mas também contavam a vida pessoal dos jogadores, com uma abordagem humana, focalizando seus sentimentos, sucessos e fracassos. Foi a leitura das páginas da Placar que, construíram em todos os que a liam a certeza de que há algo mais profundo no futebol. Muitas das minhas ideias sobre os esportes foram moldadas pelas palavras de Juca Kfouri, Carlos Maranhão, Marcelo Rezende, Lemyr Martins (que cobria a Fórmula 1 de forma magistral!),entre tantos outros mestres da reportagem.
Nos intervalos disso tudo, claro, eu ia ao colégio, estudar e… discutir futebol com os colegas. Ao menos para mim, em 1978, assim, caminhava a humanidade…
Foi justamente com dois desses colegas, um flamenguista e outro tricolor, que eu caminhava pelos corredores de uma Galeria Comercial na Tijuca, quando um acontecimento mágico marcou minha vida de esportista. Alheio às bobagens que um dos colegas falava, meus olhos avistaram um jogador de futebol. Ele não estava em páginas de jornais ou revistas, nem nas mesas redondas dos programas de futebol da TV. Ele estava ali, em carne e osso! Não era o Roberto Dinamite, nem o Zico, nem o Edinho, nem o o Mendonça. Era o grande Zé Mário, volante do Vasco naquele ano e campeão carioca em 1977!
Interrompendo a fala do meu colega, eu disse trêmulo de emoção: “Olha, o Zé Mário!” Apesar de ter jogado no Flamengo e no Fluminense, antes de vestir a camisa do Vasco, meus dois colegas demonstraram toda a sua vasta ignorância ao não reconhecerem o Zé Mário, ali, perto da gente, ao vivo e a cores. Deixei de lado o riso abobalhadodos dois, um respondendo ao outro sobre não sei o que que havia acontecido atrás do armário, e, caminhei em direção ao jogador, como que hipnotizado, e me coloquei na sua frente, barrando a caminhada que ele fazia junto com a sua esposa. Eu não sabia o que fazer, nem o que falar, mas estava ali, diante de um jogador de futebol em carne e osso, sem a distância que separa a arquibancada do campo. A esposa dele se afastou discretamente e foi ver uma vitrine, deixando o Zé Mário sozinho na minha frente. Ele sorriu, entendendo o peso da minha timidez:
-Oi! Tudo bem?
Se fosse hoje, eu sacaria um celular e faria uma selfie, postando-a em todas as redes sociais logo em seguida, porque, apesar da pouca idade, certamente eu já frequentaria as mídias, afinal essa é uma das melhores brincadeiras do nosso tempo. Mas em 1978, com doze anos, eu pedi apenas:
– Me dá um autógrafo?
Era só isso que eu queria. A assinatura dele em um pedaço de papel. Só isso bastava para eternizar aquele momento. Entreguei a ele uma folha de papel, rasgada de um caderno.
– Como é o seu nome?
– Paulo Roberto. – eu respondi.
Ele pediu a minha mochila e apoiando o papel nela, escreveu algo mais do que simplesmente o seu nome. Enquanto escrevia, perguntou:
– O que você quer ser quando crescer?
Eu não precisava pensar muito para responder uma pergunta dessas:
– Jogador de futebol.
O Zé Mário olhou aquele garoto gordinho, de óculos de lentes grossas e dando mais um sorriso, disse:
– Legal! Não se esqueça nunca de que pra ter sucesso é preciso treinar muito.
Ele estendeu o papel de volta para mim, fez um carinho na minha cabeça, na época ainda com fartos cabelos ondulados que nenhuma pista davam de que cedo me abandonariam, e continuou o seu passeio. Depois de acompanhar seus passos, olhei para o papel e nele estava escrito: “Ao Paulo Roberto, com carinho do amigo Zé Mário.”
Não me tornei jogador de futebol. A vida me levou para as salas de aula e para as palestras. Passados 42 anos e algumas mudanças de endereço, eu não tenho mais a folha com o autógrafo do Zé Mário e também nunca tive nenhuma foto com ele. Tenho comigo, no entanto, alem brança que a magia de um autógrafo de um craque pode provocar em um garoto apaixonado por futebol. Aquelas palavras simples que foram escritas naquela tarde ficaram gravadas definitivamente no meu coração.
PS. Este texto é dedicado ao Museu da Pelada, quealia tão bem a paixão de torcedor ao jornalismo. Vida longa ao nosso Museu!
SHOW DE HORRORES
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Nesse fim de semana, o VAR nos proporcionou um show de horrores. Já não basta o torcedor estar frustrado com a qualidade das partidas e o VAR ainda consegue piorar tudo. Várias vezes, escancaradamente, quiseram interferir na decisão do árbitro e em algumas, como no pênalti marcado para o Fluminense, conseguiram. Algumas mãos dentro da área foram marcadas e outras não, zero de critério. Os próprios analistas da Central do Apito, da Globo, entraram em desacordo com as decisões dos árbitros. E sem falar nessa história de anular gol por meia unha. Isso pode funcionar para tênis, vôlei, mas para futebol não tem nada a ver. Que coloquem pelo menos um corpo à frente, mas do jeito que está é injusto.
“PC, O VAR é uma máquina de forjar resultados”, reclamou comigo o flanelinha que trabalha em frente ao meu prédio. Na Europa, não é assim, mas no Brasil a população desconfia de tudo, afinal aqui o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) manda libertar o traficante mais perigoso do país. É realmente uma pena, mas a realidade é essa. No Brasil, as torcidas organizadas continuam agindo impunemente, já invadiram o treinamento do Figueirense, já agrediram jogadores do Corinthians e, agora, pedem a cabeça de Vanderlei Luxemburgo, a tal da Mancha Verde.
Nesse país, um técnico como Mano Menezes, que já foi de seleção brasileira e que deveria ser um líder, uma referência para os jogadores, chama um árbitro de “vagabundo” sem qualquer constrangimento. Isso é uma vergonha para as cores do Bahia. Mano deveria ser punido. Mas aqui é o país do vale-tudo e só por conta disso o ex-presidente do Cruzeiro continua solto por aí, circulando com o seu carrão, mesmo após ter quebrado o clube, que nessa última rodada sequer conseguiu vencer o Oeste, último colocado da Série B. Na verdade, os dirigentes que detonaram com o patrimônio de Portuguesa, América e tantos outros continuam na área. No futebol, ninguém é preso.
Não por acaso, a audiência em outros esportes está crescendo. O NBA fatura cada vez mais e olha que o público é bem menor. Isso chama-se organização. Na sala de um amigo meu, seus dois filhos jogavam FIFA e achei curioso porque a narração e os comentários eram feitos por profissionais, como Silvio Luiz e Caio Ribeiro. “PC, em poucos anos o E-Sports terá mais público do que o futebol profissional”, profetizou o pai dos meninos, especializado em tecnologia. Não duvido, afinal a dupla jogava no exato horário de Brasil x Bolívia, jogo em que os comentaristas vibraram com a atuação da seleção e chegaram a chamar de atuação de gala, mesmo sendo contra um time de funcionários públicos bolivianos. Esse país é muito estranho.
UM FELIZ ANIVERSÁRIO PARA BONSUCESSO E SÃO CRISTÓVÃO
por André Luiz Pereira Nunes
O dia 12 de outubro é mais do que especial. Além de homenagear a Padroeira do Brasil, Nossa Senhora da Aparecida, aniversariam duas tradicionais agremiações do Rio de Janeiro: Bonsucesso Futebol Clube e São Cristóvão de Futebol e Regatas. A julgar pela atualidade, não há muito o que comemorar. O Rubro-Anil da Leopoldina se encontra na Série B1, a segundona do Campeonato Estadual, enquanto os Cadetes na Série C, correspondente à quarta divisão, o último nível do futebol profissional do Rio de Janeiro. Nos últimos dias imagens da sede, localizada na Avenida Teixeira de Castro, viralizaram nas redes sociais ao mostrarem a fachada do clube bastante deteriorada. É sabido que a agremiação leopoldinense vivencia uma grave crise política. Situação e oposição se digladiam pelo controle do clube. Nos últimos dias os combates se acirraram, visto que as eleições ocorrerão no fim do ano. No que tange à atual campanha, no momento, a equipe se situa na quinta colocação do Grupo B, ora liderado pelo Nova Iguaçu, com o seguinte retrospecto: Em 5 jogos, 1 vitória, 3 empates e 1 derrota, reunindo 6 pontos ganhos.
O clube rubro-anil foi criado em 1913 por meninos entre 12 e 16 anos, os quais eram praticantes de peladas da região. No ano seguinte já conquistava o seu primeiro título, o de campeão da Liga Municipal. Sem dúvida, o maior feito foi ter sido finalista do Campeonato Carioca de 1924, quando capitulou diante do Vasco. Em 1933, terminaria a competição com o mesmo número de pontos do Gigante da Colina, terceiro lugar, à frente de America e Flamengo. No mesmo ano participou do primeiro Torneio Rio-São Paulo, ficando na dianteira dos clubes paulistas de pequeno porte. No Rio goleou São Paulo e Corinthians, por 5 a 4 e 3 a 0, respectivamente. Com 7 títulos, é o maior vencedor da Segunda Divisão do Campeonato Estadual, além de campeão da Copa Rio de 2019. Em 1980 e 1983, participou da Taça de Prata, certame equivalente a atual Série B do Campeonato Brasileiro. Não disputa a elite do futebol fluminense desde 2018, quando foi rebaixado pela última vez.
O São Cristóvão, por sua vez, foi criado a partir da fusão do Club de Regatas São Christóvão, fundado em 12 de outubro de 1898 e que só disputava competições náuticas, e o São Christóvão Athletic Club, surgido em 15 de julho de 1909. A união ocorreria a 13 de fevereiro de 1943. O seu maior êxito é, sem dúvida, a conquista do Campeonato Carioca de 1926. Com uma campanha memorável, alavancou quatorze vitórias, dois empates e apenas duas derrotas em dezoito jogos, goleando adversários expressivos, como Flamengo (5 a 0 e 5 a 1), Fluminense (4 a 2) e Botafogo (6 a 3). Um outro grande feito da equipe cadete foi o vice-campeonato carioca de 1934, organizado pela Liga Carioca de Futebol, cujo campeão foi o Vasco, demonstrando que a agremiação no início do século XX, suplantava grandes forças do futebol carioca.
Em 1937, ocorreria uma grande injustiça que ainda não foi reparada. Enquanto disputava o Campeonato Carioca pela Federação Metropolitana de Desportos (FMD), juntamente com Vasco, Botafogo e Bangu, entre outros, aconteceu a pacificação do futebol carioca, então dividido em duas ligas. O São Cristóvão liderava disparadamente e não podia mais ser alcançado pelos adversários, mas a liga acabaria dissolvida abruptamente sem declarar o clube campeão. Até hoje o título daquele ano não foi reconhecido em favor da equipe imperial.
Em 1998, se sagrou vice-campeão da Copa Rio, diante do Fluminense. Desde 1995 que a equipe não disputa a elite do futebol do Rio de Janeiro. Em 2000, integrou pela primeira e única vez o Campeonato Brasileiro da Série C, não conseguindo se classificar à segunda fase.
Em 2020, o São Cristóvão se encontra com as suas atividades esportivas paralisadas, uma vez que em função da pandemia do novo coronavírus, o Campeonato Estadual da Série C do Rio de Janeiro foi cancelado.
A equipe do Museu da Pelada parabeniza Bonsucesso e São Cristóvão pelo passado recheado de conquistas e de muita tradição. Que ambos possam se recuperar e reocupar seus lugares de destaque na elite do futebol fluminense.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA AMARAL
Nascido em fevereiro de 1973 em São Paulo, na cidade do interior de Capivari – a mesma da pintora modernista Tarsila do Amaral (1886-1973) – Alexandre da Silva Mariano escondeu por trás do sorriso a vida difícil que teve na infância.
Conhecido pelo riso solto, pelas anedotas e pela ptose – enfermidade muscular mais conhecida como pálpebra caída – ganhou rapidamente o apelido de Amaral, dado pelo avô Ditinho e ‘coveiro’, embora fosse agente funerário antes de virar jogador de futebol.
Operário em campo como se define e era definido pelos técnicos, o volante de marcação obstinada, muito fôlego e velocidade, começou a morder tornozelos nas categorias de base do Palmeiras e, a partir de 1991, ganhou espaço entre os profissionais.
Incansável dentro das quatro linhas e querido pelos companheiros de time por seu jeito bondoso, ingênuo e engraçado, o camisa 8 se tornou figura importantíssima de um dos Palmeiras mais fortes de toda a história, onde sagrou-se campeão paulista em 1993, 1994 e 1996 e bicampeão brasileiro no mesmo período.
Mesmo com suas limitações técnicas foi convocado para a seleção brasileira – com a qual ganhou uma medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de 1996 – e se transferiu para o Parma, enfrentando um desafio tão grande quanto e de enterrar seu pai quando era agente funerário.
Multicampeão pelas andanças mundo afora, enfrentou o racismo com bom humor na Polônia, onde atuou pelo Pogoń Szczecin, entre 2006 e 2007.
“Jogar na Polônia foi complicado. Certa vez fomos disputar um jogo e a torcida jogou mais de 30 bananas na gente. Eu não ligo porque acho que a melhor resposta para um ignorante é o silêncio. Peguei a banana, comi, e falei que ela estava aguada e eles jogaram uma banana mais doce. Acabou o jogo, fomos para a delegacia para depor. Tínhamos um tradutor, e como eu levo tudo na esportiva, falava: pô, jogaram a banana e não era banana nanica, não era banana maçã, era uma banana estranha, amarga, que amargava nossa boca”, lembrou.
Passou ainda por Corinthians e Vasco, antes de voltar à Europa mais maduro, com 27 anos e assinou com a Fiorentina, que vinha com problemas financeiros e montava um time mais modesto que em anos anteriores.
Rodou ainda por outros clubes em diferentes países e veio a encerrar a carreira no Capivariano Futebol Clube, em sua cidade natal, no ano de 2015.
O Museu da Pelada conversou por telefone com Amaral, nosso décimo terceiro personagem da série Vozes da Bola.
por Marcos Vinicius Cabral
Você teve um começo de vida difícil. Quais as lembranças que têm dessa época?
Eu nasci na cidade de Capivari, sou capivarano e tenho muito orgulho disso. Em qualquer lugar que eu vou carregar, faço questão de carregar a bandeira da minha cidade. Realmente, meu início foi muito triste, com muita dificuldade e vou falar para você a verdade, eu nunca pensei em ser jogador de futebol, por incrível que possa parecer. Mas Deus falou assim:”Se você sofreu muito na barriga da sua mãe, agora vai sofrer mais um pouco na Terra, para depois, aí sim, eu te exaltar”. Foi um início muito triste, infância difícil, onde cheguei a passar fome. No entanto, resumindo para não prolongar essa triste lembrança na entrevista, tive essa experiência, ou melhor, um fato que marcou muito a minha vida que foi enterrar meu próprio pai, já que eu trabalhava na funerária. Foi um choque muito grande para mim e acho que tudo que eu passei na minha vida e principalmente na infância, acho que Deus permitiu que eu fosse criando um alicerce para quando chegar os baques da vida eu estivesse preparado para não esmurecer. Acho que tudo que aconteceu na minha vida foi um aprendizado.
Nascido Alexandre da Silva Mariano, como surgiu o apelido de Amaral?
Hoje sou palmeirense em São Paulo e vascaíno no Rio de Janeiro, mas na infância, quando era corintiano e muito escurinho, seu Ditinho, meu avô, me chamava de Amaral por causa do Amaral que era zagueiro e jogou na seleção brasileira em 1978. No futebol, eu cheguei como Amaral mas na verdade, queria ter chegado como Alexandre, e aí, quando eu falava para o pessoal, eles falavam para mim:”Pô, Alexandre é nome muito forte, pois Alexandre, o Grande, era um jovem príncipe que sucedeu a seu pai, o Rei Filipe II, no trono com vinte anos de idade”, e eu, era todo pequeninho, então, fiquei como Amaral mesmo. Hoje algumas pessoas me chamam de Amaral, outras de Amaralzinho e ficou registrado como Amaral. Depois surgiu outros ‘Amarais’ por causa de mim e eu surgi em razão do Amaral da seleção brasileira.
Como surgiu o Palmeiras na sua vida?
Por meio de um primo meu chamado Osnir, pois ele tinha amizade com o ex-presidente Carlos Facchina, (presidiu o Palmeiras no triênio de 1989 a 1992). Segundo esse meu primo, ele fez um favor para o ex-presidente e pediu em troca um teste para eu fazer no clube, onde o Dr. Facchina me indicou por meio de uma carta escrita de próprio punho. Fui lá, apresentei a manuscrito dele, fiz o teste em 1992, fui aprovado e me tornei jogador profissional pela Sociedade Esportiva Palmeiras.
O Amaral sempre foi um jogador operário e que todo treinador gostaria de ter em seu time. Mas de todos eles, na sua opinião, qual foi o melhor com quem você trabalhou?
É verdade, eu sempre me dei bem com os treinadores, porque segundo eles, eu era operário mesmo. Mas teve um que eu gostei muito de ter trabalhado e que me ajudou bastante quando estava no Benfica-POR, onde ele fez eu resgatar o meu trabalho, e chama-se Paulo Autuori. Eu lembro que cheguei do Parma-ITA desacreditado no Benfica-POR, fiz um campeonato magnífico e os torcedores queriam que eu ficasse, mas o clube não tinha dinheiro para me comprar. Então, reafirmo que adorei ter trabalhado com ele, era um treinador sereno, manso, que sabia se expressar na hora certa, deixava o jogador à vontade e dava confiança, o que é o mais importante na carreira de um atleta.
O Amaral teve ou tem algum ídolo no futebol?
Eu vou na contramão daqueles que dizem ter esse ou aquele jogador como ídolo, me desculpe. Sempre fui um cara que nunca tive um ídolo, minto, tenho um sim: Jesus! Esse é o meu verdadeiro ídolo. Mas no futebol eu nunca admirei ninguém e sempre olhei para dentro de mim mesmo e acho que o meu ídolo é Jesus. Mas se for para escolher um jogador, por tudo que passou, pelos obstáculos que enfrentou para chegar onde chegou, esse jogador seria Amaral, ou seja, eu mesmo. Não sou um craque, sei disso, sou um jogador normal como tantos outros e graças a minha simplicidade e humildade, sempre joguei com os melhores e em muitos jogos, no fim das partidas, fui considerado o melhor entre os melhores pela minha vontade de vencer e aplicação.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?
Triste como todo mundo. Nesses dias estranhos e tão difíceis, não só para mim mas para todo mundo, a gente não queria estar nessa situação, mas Deus sabe de todas as coisas. O importante é ter arroz e feijão em nossas mesas e sabemos que existem pessoas que não têm condições de ter isso. Mas hoje, minha renda vem dos eventos e todos foram cancelados. Mas o mais importante é estar vivo, com saúde e esperar o tempo determinado por Deus para as coisas voltarem ao normal, pois isso ocorrendo, voltaremos a alegrar as pessoas com nosso trabalho.
Qual o momento inesquecível para você na carreira?
Tenho alguns e gosto de lembrar deles, mas os especiais foram quando assinei meu primeiro contrato no Palmeiras, o primeiro título de juniores em 1989, conquista que o clube não ganhava desde 1963, ou seja, há 26 anos, e o campeonato paulista de 1993, já no profissional, o Verdão não conquistava desde 1976. Esses foram os melhores momentos que passei na minha vida de jogador no Palmeiras.
E o momento a ser esquecido?
Difícil cara. Mas os Jogos Olímpicos de 96, em Atlanta. É, foi o momento mais triste, pois tínhamos condições de ganhar uma medalha de ouro e ficamos com a de bronze, onde muitos jogadores falam:”Pô, você ganhar uma medalha numa Olimpíada é gratificante”, mas não temos costume de ganhar o terceiro lugar e sim o primeiro. Mas foi um momento que marcou de verdade e todo mundo fala da Nigéria, a campeã, uma equipe magnífica e que se a gente ganhasse deles, a final seria histórica contra a Argentina. Vale relembrar que havíamos conquistado o Torneio Pré-Olímpico sul-americano de futebol, ao empatar em 2 a 2 com a Argentina, em Mar del Plata, e se o ouro fosse nosso ali, ia ser uma coisa muito legal, já que a seleção de 96, seria a base do Brasil na Copa do Mundo da França, em 98. Mas como não fomos campeões em 96, alguns jogadores como Roberto Carlos, Rivaldo, Bebeto e Ronaldo permaneceram, e os demais, acabaram sendo trocados.
Sabemos que no meio do futebol existe muita trairagem. Mas quem é o seu melhor amigo?
Sinceramente falando, eu não tenho um inimigo no futebol e até os jogadores com quem eu não joguei, se tornaram meus melhores amigos. Por isso, é difícil falar um nome e todos os jogadores brasileiros com quem eu joguei na minha época são os melhores amigos. Tenho por todos uma grande amizade. Mas não vou falar um e sim alguns, como Marcos Assunção e o Éverton, que eu joguei pouco com ele, são dois caras que me ajudaram muito. Teve o Edmilson, Denílson, Neto, Rivaldo, Marcelinho Carioca, Edmundo, Roberto Carlos, Ronaldo Fenômeno, Romário, Flávio Conceição, Sérgio, Marcos, Veloso, Odvan, Paulo Miranda, Tinga… e por aí vai.
O Dia Nacional do Futebol foi comemorado no dia 19 de julho. O que esse esporte representou na sua vida?
Eu nem sabia que o 19 de julho foi o Dia Nacional do Futebol, mas esse esporte representou muitas coisas na minha vida. Por causa do futebol, graças a Deus não passo fome, estou podendo dar essa entrevista para vocês do Museu da Pelada, sou convidado a ir em vários programas de televisão, fui convidado para fazer A Fazenda 8 em 2015, fazer o filme Os Parças 2, em 2017 e fazer o Dancing Brasil, reality show comandado por Xuxa na Record, em 2018. Então, agradeço a Deus em primeiro lugar, depois a dona Rosária, minha mãe, hoje com 66 anos, por ter me colocado no mundo e ao futebol que abriu as portas para eu conhecer o mundo.
Você acha que aquele drible que o Romário deu em você em um Corinthians x Flamengo, no Pacaembu, te marcou e o fez ser reconhecido?
Não, muito pelo contrário. Eu acho que fiquei famoso no futebol pela minha garra, minha aplicação em campo, minha vontade de vencer… mas é claro que você levar um drible te deixa marcado. Quando eu levei o elástico do Romário, eu já era conhecido, e fiquei mais conhecido ainda (risos), mas já havia chegado à seleção brasileira, era campeão brasileiro e paulista e com uma bagagem na Europa. Mas esse lance ficou marcado onde as pessoas lembram bastante do Romário pelo elástico que ele deu em cima de mim sim, sem dúvida. E na boa, te confesso: sou grato ao baixinho por ter me dado esse drible, porque os anos passam e as pessoas não esquecem, além é claro, de tomar um drible marcante de um gênio como Romário, para mim é, do fundo do meu coração, motivo de orgulho.
O racismo machuca e é um assunto recorrente no esporte. Você viveu episódios marcantes, não foi?
Já sofri muito por causa disso. No Pogoń Szczecin, time da Polônia onde joguei entre 2006 e 2007, era frequente, mas passei também em Porto Alegre. Mas antigamente, nós jogadores, ignorávamos muito. Tem uma frase de um autor desconhecido que ilustra muito isso que é “O silêncio é a única resposta que deves dar aos tolos. Porque onde a ignorância fala, a inteligência não dá palpites”, então, eu nunca me importei com as pessoas me chamando de macaco e nem jogando banana no campo, pois quando jogavam, eu ia pegando as bananas e comendo e quando estava aguada eu reclamava que poderiam jogar uma banana mais doce. Essa era a forma que eu encontrava para essas situações e sempre ignorei isso aí. Nunca dei muito valor aos ignorantes que se acham no direito de nos comparar com um macaco.
Quem foi o jogador mais difícil que você marcou?
Na verdade foram dois, que tive muita dificuldade em marcar: o Zidane e o falecido Denner. Com o craque da França, tem um fato até engraçado que em um jogo beneficente, o Amigos do Ronaldo x Amigos do Zidane, na Arena do Grêmio, em 2012, na primeira bola que o Zizou pegou, já dei uma ajuntada nele e ele virou para mim e disse: “Pô, Ama (como era chamado na Itália) isso aqui é um amistoso, não é Fiorentina-ITA e Juventus-ITA” (risos). Aí eu disse:”Vai que tem alguém aqui vendo o jogo na arquibancada e me vê te marcar, já saio daqui contratado?”, (risos). Mas brincadeiras à parte, o Zidane era um grande jogador, um cara que tenho uma enorme admiração por suas conquistas como jogador e treinador. Mas sempre foi muito difícil marcá-lo. Já o Dener foi outro jogador difícil que eu marquei no futebol. Eu tinha muita dificuldade em marcá-lo, e lembro que era minha primeira partida como profissional e me levaram para ver a fita-cassete dele. Eu vi e percebi que não seria fácil. Mas graças a Deus me sai muito bem, mas ele foi o jogador mais difícil de se marcar e o que mais me deu pesadelo na hora de dormir quando eu ia enfrentá-lo. Mais do que o Zidane. O Dener tinha as pernas fininhas e tortas e você não sabia se ele ia cortar para a esquerda ou para a direita e do nada ele ia pelo meio, além de ser muito rápido. Portanto, Zidane e Dener foram os mais difíceis que eu marquei, mas garanto: o Dener foi o mais difícil que eu marquei.
Você vestiu a camisa do Palmeiras em 244 partidas e marcou apenas um gol contra o Grêmio em um jogo na Libertadores. O que acha disso?
Eu fui um jogador que nunca fiz muitos gols na minha carreira, não me preocupava em fazer gols. Meu negócio era marcar e fazer os meias e atacantes jogarem. Às vezes saia um gol e eu ia comemorar e os companheiros falavam:”Pô, Amaral, volta correndo que você não pode nem comemorar, recupera o fôlego indo para o meio de campo”, (risos). E quando eu fiz o gol, não deu para comemorar direito porque os caras me falaram que eu veria esse gol em casa. Eu fiquei muito feliz com esse gol com a camisa do Palmeiras, e foi uma pena a gente não ter conseguido classificar naquele jogo histórico contra o Grêmio, nas quartas de final das Libertadores, em 1995. E foi engraçado que quando cheguei em casa para ver o gol, o Galvão Bueno errou meu nome na narração e me chamou de Paulo Isidoro. Ou seja, Galvão Bueno confundiu, falou Paulo Isidoro (risos).O Galvão Bueno corrigiu a narração do meu gol de Amaral, e eu vibrei no Bem, Amigos. A produção do programa então separou as imagens do lance, que foi narrado corretamente por ele 23 anos depois. Mas brincadeiras à parte, foi um momento magnífico na minha vida e depois daquele gol os times começaram a me enxergar e acabei rodando o mundo.
Você não foi bem em sua primeira passagem na Itália, mas mesmo atuando poucas vezes no Parma, sagrou-se campeão da Copa da UEFA, jogando ao lado de craques como Gianluigi Buffon, Lilian Thuram, Hernán Crespo e Tomas Brolin. Já na segunda…
Minha primeira passagem na Itália foi muito difícil, porque eu nunca tinha saído da minha cidade Capivari e fui para uma cidade totalmente diferente, uma língua que não entendia, comia macarrão todo dia, enquanto no Brasil se come apenas aos domingos, mas o bom foi que fiz várias amizades. Inclusive joguei algumas partidas da Copa UEFA e é legal, como você mencionou na pergunta, que fui campeão da Copa UEFA e como joguei algumas partidas, me considero campeão mesmo e nem sabia que eu tinha esse título (risos). Lembro da amizade com o Canavarro, encontrei um treinador que me ajudou muito que foi o Carlo Ancelotti, só que eu não tive paciência de esperar a minha chance na Itália e como estava no mercado, queria jogar, não aceitava ficar no banco e acabei pedindo para ir embora do Parma-ITA. Então, primeira passagem minha não foi muito boa, mas a segunda já foi melhor onde me consagrei campeão da Copa Itália, que é um título que eu carrego com muito orgulho e os italianos até hoje falam comigo, me mandam mensagens pela marca que eu deixei lá na Fiorentina-ITA. Para mim frente foi muito especial, já que eu joguei duas partidas finais, pois não joguei no decorrer do campeonato porque estava me recuperando de uma lesão no ligamento cruzado do joelho, e na hora de partir o bolo, eu joguei e para você ver, Deus às vezes, tem aquela palavra que os humilhados serão exaltados. Passei pela mesma humilhação no Parma-ITA, mas faltou um pouco de paciência comigo em me espera um pouco mais, para eu me adaptar e ao não me adaptar, acabei sendo emprestado, e depois não quis voltar. Mas Deus escreveu certo em linhas tortas e preparou minha volta em ser campeão em cima do Parma-ITA, onde consegui provar o meu valor.
O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?
A minha lembrança como jogador no Maracanã, o palco onde todo atleta sonha um dia jogar, foi a final da Taça Guanabara de 2000, entre Flamengo e Vasco, e o clube vascaíno goleou por 5 a 1 o rubro-negro, onde nesse jogo eu quase fiz um gol de cobertura no Clemer e a bola bateu na trave. Se aquela bola entrasse, seria 6 a 1 e um momento marcante da minha vida.
Nós do Museu da Pelada e seus leitores gostaríamos de saber alguma história engraçada. Pode nos contar?
Infelizmente não. Eu não posso contar mais histórias, pois eu faço shows de stand-up comedy e sou contratado por uma empresa que está me patrocinando. Mas basta procurar no Google as histórias do Amaralzinho, que vocês do Museu da Pelada e seus leitores irão ler muita coisa engraçada a meu respeito. Me desculpem, mas vou ficar devendo essa.
Defina Amaral em uma palavra?
Iluminado.
Moacir
UM DAS PÉROLAS DE 58
Naquele dia de manhã, entro em contato com um senhor que mora em Quito, no Equador, e do outro lado ouço a voz daquele que carrega tantas histórias e jogos na sua memória, vivos na sua retina.
Então combinamos o dia e hora e, ao ligar o notebook e a tela do outro lado entrar no ar, vejo aquele senhor de 84 anos, lúcido, sorridente, com seu chapéu do Flamengo. Sim, torcedor rubro-negro, como ele próprio diz!
Aquele menino que morou num abrigo e que fez teste em alguns clubes, que vestia a camisa do time onde iria fazer a peneira, se vingaria do tempo e da história ao ser campeão mundial de 1958. Sim, um dos poucos campeões vivos daquela Copa.
Moacir conta muitas histórias, aquela que lhe surtiu o apelido de Moacir Canivete, ou então de quando era confundido com o Pelé na Suécia, ou de que não tinha como jogar sendo reserva do grande Didi. Reconhece que era impossível ser titular no lugar daquele que é um dos maiores jogadores da história do futebol.
Lembra daqueles jogos do verdadeiro Maracanã, aquele de 200 mil pessoas, naqueles jogos que as pernas davam uma cambaleada. Nas recordações carrega aqueles dias de jogos do Flamengo, no Maraca cheio, lindo, onde os pobres eram maioria.
Neste país que cuida tão mal dos ídolos do passado e bajula demais os do presente, que um dia serão passado, ouço as histórias deste homem que venceu uma Copa e venceu a vida. A vida que talvez lhe teria sido ingrata se não tivesse sido pelo futebol, que o tirou daquele abrigo.
Sem mais, deixo com vocês este ser humano digno de ser ouvido e que com tanta lucidez me contou a sua história.