KITA: O ARTILHEIRO DO INTERIOR
por André Luiz Pereira Nunes
João Leithardt Neto, o Kita, surgiu como grande promessa do futebol brasileiro no início da década de 80. A carreira teve início no 14 de Julho, de Passo Fundo, cidade da qual é originário.
Sob a direção de Luiz Felipe Scolari, o centroavante, então no Juventude, se sagrou artilheiro do Campeonato Gaúcho de 1983.
De boa altura, estilo forte e trombador, no ano seguinte foi convocado para a Seleção Brasileira aos Jogos Olímpicos de Los Angeles, marcando 4 gols, e se sagrando vice-campeão olímpico, sob o comando de Jair Picerni.
Dois anos mais tarde, Kita atingiria o auge em sua carreira. Conquistou o inédito título de campeão paulista ao liderar a inesquecível equipe da Internacional de Limeira, assinalando um gol na disputada final contra o Palmeiras. Foi ainda o artilheiro isolado do certame com 23 gols. Até então nenhum time fora da capital conquistara a competição. Tal feito permaneceria inédito até 1990, quando Bragantino e Novorizontino protagonizaram a decisão que ficou conhecida como “Festa do Interior” e “Final Caipira”, vencida pela equipe de Bragança Paulista.
O seu faro de gol despertou a atenção do Flamengo, que veio a contratá-lo para o Campeonato Brasileiro de 1986. Os rubro-negros, na época, montaram um grande time, o qual contava ainda com Sócrates e Zico. Na sua estréia, o atacante assinalou dois gols na derrota para o Corinthians, mantendo o bom nível durante todo o ano.
Contudo, em 1987, foi vendido à Portuguesa após decair bastante em comparação aos anos anteriores. Foi contratado pelo Atlético-PR, em 1990, com o status de grande reforço. Aos 32 anos, foi extremamente importante na conquista do Campeonato Paranaense, o seu último título como profissional. Posteriormente o centroavante de estilo matador sumiria definitivamente do cenário nacional ao atuar em times de menor escalão do sul do país como Brasil de Pelotas, 14 de Julho e Esportivo.
Em meados de 2011 o ex-jogador atravessou um momento difícil. Aos 53 anos, foi internado em um hospital de Passo Fundo em estado grave. Operado para reconstituir os ligamentos do tornozelo, Kita contraiu uma infecção hospitalar e precisou ter o pé esquerdo amputado. O ex-atleta se recuperaria da infecção, mas um câncer o mataria pouco depois. Apesar da prematura partida, a lembrança do seu bom futebol e de seu faro de gol não sairá tão cedo da memória daqueles que puderam vê-lo em campo.
Adílio II
O CLÁSSICO MEIA DO TIME DOS SONHOS
texto: André Luiz Pereira Nunes | fotos: Daniel Planel
Adílio de Oliveira Gonçalves nasceu no dia 15 de maio de 1956 no Rio de Janeiro. O ex-meia possui uma ligação profunda com o Flamengo desde a infância. Morador da Cruzada São Sebastião, uma comunidade de baixa renda, surgida a partir da desocupação de uma favela no Leblon, desde criança pulava os muros do clube da Gávea para acompanhar os treinos do time de futebol.
Revelado por Dominguinhos, ex-atacante do Flamengo, na Usina de Talentos, situada na comunidade da Cruzada de São Sebastião, foi contemporâneo de outros craques da localidade, como Rui Rei, Antunes, Ernâni, Júlio César Urigueller e Paulinho Pereira. Todos também jogavam bola na Praia do Pinto.
Extremamente habilidoso, elegante e talentoso, sucedeu na posição o falecido ídolo Geraldo e formou com Zico e Andrade o melhor meio de campo do Flamengo de todos os tempos. O trio faturou o Mundial Interclubes, a Libertadores de 81, os Brasileiros de 80, 82 e 83, as Taças Guanabara de 1978, 1979, 1979 (Especial), 1980, 1981, 1982 e 1984, as Taças Rio de 1983, 1985 e 1986 e o Campeonato Estadual de 1978, 1979, 1979 (Especial), 1981 e 1986.
No total participou de 611 jogos (471 vitórias, 147 empates e 93 derrotas), marcando 128 gols, sendo o terceiro jogador com maior número de jogos disputados pelo Rubro-Negro, de acordo com o “Almanaque do Flamengo”, de Clóvis Martins e Roberto Assaf. Ainda ganharia a Bola de Prata, da Revista Placar, em 1977 e 1978. Do super time da década de 80, do qual ainda fizeram parte Leandro, Andrade, Nunes e Tita, além da categoria, a união da equipe era uma marca registrada.
Era um jogador de rara criatividade, além de detentor de um passe perfeito e adepto a um estilo de jogo clássico. Soube ainda ser decisivo quando marcou o segundo gol do Flamengo na vitória por 3 a 0 sobre o Liverpool, na final do Copa Intercontinental de 1981, e quando fez o terceiro gol na vitória por 3 a 0 sobre o Santos, na final do Campeonato Brasileiro de 1983.
Deixaria o Flamengo, em 1987, para dar lugar ao jovem Aílton. Naquele mesmo ano, teve presença discreta no Coritiba, atuando posteriormente no Barcelona de Guayaquil e Alianza de Lima. Ainda voltaria ao Flamengo, em 1990, e posteriormente rodaria por clubes pequenos como Barreira, Friburguense, América de Três Rios, Serrano-BA e Bacabal.
Talvez a grande injustiça de sua carreira tenha sido a não convocação para a Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Em grande fase, havia tido ótima atuação pela Seleção Brasileira, no Maracanã, durante um amistoso contra a Alemanha Ocidental, quando deu passe para o gol de Júnior e ainda promoveu excelentes tabelinhas com Zico. Em compensação, foi campeão do mundo com a Seleção Brasileira, no Campeonato Mundial de Futsal de 1989, sendo o único jogador da história a ter atuado como profissional nas seleções brasileiras de futebol de campo e futebol de salão.
Foi o treinador do Flamengo que atuou mais tempo nas categorias de base, sendo campeão dos estaduais de 2005, 2006 e 2007, da Copa Cultura de 2005 e do Torneio Otávio Pinto Guimarães de 2006.
Após tentar sem sucesso carreira na política, Adílio promove e participa do Fla Master, um vitorioso projeto formado por ex-jogadores do Flamengo, surgido em 1991, o qual visa reviver momentos gloriosos de grandes craques do passado que desfilaram o seu talento com a camisa rubro-negra.
É PROIBIDO PISAR NA GRAMA
por Paulo-Roberto Andel
Meus tempos de garoto coincidiram com um momento de rara beleza do futebol brasileiro, entre o final dos anos 1970 e o início dos 1980. Havia uma leva de craques, a quase totalidade deles jogava no Brasil e os jogos eram eletrizantes, tanto nas competições regionais quanto nacionais. Os estádios viviam cheios, as manchetes dos jornais inundavam as bancas de jornais e, mesmo que o futebol brasileiro tivesse seus problemas – é claro que tinha -, torcer tinha um sabor mais do que especial. Para completar, começava a Seleção Brasileira permanente de Telê Santana, com shows diários a cada mês.
Não bastava torcer, tinha que jogar. E a gente jogava muito. Tinha o golzinho em plena calçada na Rua Figueiredo Magalhães, o aluguel da quadra de futebol de salão no Corpo de Bombeiros da Xavier da Silveira, golzinho na praça do Bairro Peixoto, dupla de praia na trave do Juventus; peladas na Rua Tenreiro Aranha, a Vila, hoje ocupada pela estação de metrô Siqueira Campos. Tudo na imortal Copacabana. Ah, se déssemos sorte, um futebol básico em algum dos playgrounds dos prédios vizinhos, também na Figueiredo ou no Copaville da Ladeira dos Tabajaras.
Para mim só havia um trauma. Era um campo proibido. Como assim?
Durante cinco anos, como aluno do antigo ginasial e do segundo grau em escola pública, frequentei as aulas de Educação Física no Forte do Leme, entre 1981 e 1985. Um local maravilhoso. A cada novo ano, ao se matricular você escolhia que modalidade esportiva gostaria de treinar. Tinha basquete – que escolhi – e vôlei. Não lembro de outras, mas uma coisa era certa: futebol não havia como opção.
Nosso ritual duas vezes por semana era o mesmo: concentração perto do obelisco de nome impublicável nas imediações do Forte, fila indiana, chamada, duas ou três voltas na pista de atletismo – com o maravilhoso cheiro da mata ali perto, que se intensificava em dias de chuvisco – com chuva a aula era cancelada – e finalmente a concentração na quadra de basquete. Arremessos, passes, às vezes jogos. Eu gostava de basquete, sem dúvida, apenas não era o meu esporte predileto. Segundas e quartas, segundas e sextas ou quartas e sextas. Tive três professores: José Carlos, o famoso Buldogue; Peixinho – que sempre chegava às aulas de bicicleta – e Mattos. Eram dias legais, sem dúvida, esporte é sempre muito bom, mas carrego comigo um vazio daquele tempo. Explico.
Atrás da quadra de basquete ficava a de vôlei. E ao lado das duas havia um campo de futebol espetacular. Lindo, com seu gramado bem cortado e brilhante, as traves branquinhas de doer, as linhas sempre reforçadas com cal. Na primeira aula que fiz, olhei para o campo e sonhei imediatamente em correr nele, chutar em gol, entrar com bola e tudo, mas a frustração estava contida numa pequena placa branca de madeira, esperada na lateral com os dizeres “É proibido pisar na grama”. Engoli a seco e pensei ingenuamente que poderia jogar ali algum dia.
As aulas passavam, os semestres, os anos e o ritual nunca se alterava: duas ou quatro voltas, quadra e bola de basquete quicando. Ao lado, o gramado intocável, proibido e lindo. Um mar verde de silêncio, só cortado pelas nossas jogadas com as mãos batendo a bola no concreto.
Depois de um ou dois anos, durante uma aula vimos finalmente um sujeito no gramado: era um soldado, retocando as linhas das grandes áreas e aparando manualmente o que o cortador de grama tinha deixado passar. Não havia um chute, um drible, uma grande defesa. Bem ao lado, a gente queria ser Edinho, Mendonça, Adílio, queria ser Roberto Dinamite cortando para o lado direito e fuzilando, queria ser Rondinelli subindo no último andar para cabecear, nem que fosse apenas por cinco minutos. Podia ser Enéas também, com sua elegância que poderia ser versada na de Bobô, feito a genial obra de Caetano. A gente queria ser Paulo Victor ou Valdir Peres ou Acácio voando e se esborrachando no conforto amoroso da grama, mas era impossível, não tinha jeito. Era proibido pisar na grama. E assim foram cinco anos de boa prática esportiva mas sem um sonho realizado: jogar naquele gramado lindo e deserto. O tempo passou, concluímos o segundo grau e vinham novas responsabilidades: vestibular, serviço militar, procurar emprego na Era Sarney… Depois disso, voltei ao Forte como visitante duas ou três vezes mas preferi sequer olhar para o campo, evitando qualquer possível decepção. Deixei-o na memória do jeito que estava.
Chove nesta manhã de segunda. Por alguma razão me lembro daquelas aulas, é que algumas delas foram abrandadas ou suspensas no meio do caminho por causa da chuva. Eu sabia que seria impossível jogar naquele campo maravilhoso, mas gostaria de voltar a ser garoto só para correr ali perto. Olhar a beleza das traves novinhas, da grama impecável, sonhar em ser Edinho ali por cinco minutos – fazer um gol de falta, correr, ganhar abraços e comemorar. Rever o que eu tinha de mais próximo do Maracanã toda semana. E na saída, em vez de pegar o 464 e voltar para casa depois de um jogo, apenas comprar um picolé no Leme e descer solitariamente pela orla de Copacabana, me refrescando e pensando na próxima aula, no próximo sonho, no lindo e impossível gramado bem ao lado. Pode ser proibido pisar na grama, mas o sonho é livre.
São coisas de quarenta anos que estão vivas demais. É que o futebol tem um tempo próprio.
@pauloandel
O ERRO DO GÊNIO – PARTE 1
por Luis Filipe Chateaubriand
Não é segredo para ninguém que acompanhe futebol que Romário é um gênio, quando se fala em fazer gols – talvez, e possivelmente, o maior de todos, no quesito gol.
Contudo, Romário cometeu erros na condução de sua carreira, que prejudicaram a ele próprio.
Um desses erros é que o craque não cobrava faltas e só começou a cobrar pênaltis quando tinha uns dez anos de carreira profissional.
Não seria difícil para Romário cobrar faltas de forma perfeita, que resultassem em gol.
Em primeiro lugar, porque quem bate na bola como Romário batia, com extrema categoria, teria facilidade em cobrar faltas.
Em segundo lugar, porque poderia treinar com quem sabe, no início de sua carreira no Vasco da Gama: Roberto Dinamite e Geovani.
Aprenderia o “macete” da coisa facilmente.
Quanto aos pênaltis, se tivesse começado a batê-los mais cedo, e com um pouco de treino, também não teria problemas com a tarefa.
“Resumo da ópera”: se batesse faltas e tivesse começado a bater pênaltis mais cedo, Romário teria feito mais uns 300 gols na carreira, em relação ao que fez, superando Pelé em gols.
Baixinho, “deu mole”, peixe!
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada
PAOLO ROSSI, BAMBINO D’ORO
por Paulo-Roberto Andel
É provável que a morte precoce de Paolo Rossi corrija uma injustiça histórica, fazendo com que ele seja respeitado como o grande centroavante que foi nos campos.
Bastaria dizer que Rossi se tornou uma celebridade no futebol italiano jogando por um time da Segunda Divisão, o Vicenza, que subiu e quase foi campeão na Série A. Ou lembrar que ele foi uma das estrelas do timaço da Juventus, com os futuros campeões mundiais Zoff, Scirea, Cabrini, Gentile e Tardelli, afora os cracaços Platini e Boniek. Que time!
E quando se fala de 1982, a critica tende a apontar o grande fracasso do Brasil sem a devida valorização da Seleção Italiana, que além da turma da Juventus ainda tinha o jovem Bergomi, Collovatti, Altobelli, Graziani, Bruno Conti, Antognioni. É certo que a Itália chegou mal à Espanha e se classificou a duras penas para o mata-mata, mas tinha a base da equipe que havia ficado em quarto lugar na Copa da Argentina, e possuía vários jogadores notáveis.
Rossi foi mortal em 1982. Depois de ser o carrasco do Brasil, marcou contra Polônia e Alemanha, garantindo o tricampeonato que a Itália esperava desde os anos 1930. Na Batalha do Sarriá, seus gols não deixam dúvidas: mostram um artilheiro com recursos, velocidade de raciocínio e com poder de finalização. O terceiro gol é marcante: depois do chute travado de Tardelli, ele transforma uma bola torta numa conclusão certeira. À época, muito se disse sobre este gol, tentando se atribuir a culpa aos jogadores brasileiros mas, se você rever com calma e isenção, a finalização de Rossi é que decidiu tudo, para nossa tristeza.
Paolo Rossi sempre mostrou enorme respeito pelo Brasil. Ele sabia que o Sarriá tinha sido um momento especial e único. Jamais minimizou o grande adversário derrotado. Ele não era um intruso num dia de sorte, mas um artilheiro que, após ter vivido uma situação grave – o escândalo do Totonero, a Loteria italiana, onde foi absolvido pela Justiça Comum mas condenado pela Esportiva, ficando dois anos sem poder jogar -, chegou à Espanha sem ritmo e certezas. Era um profissional posto em dúvida, mas respondeu em campo e entrou para a História.
Paolo Rossi foi embora cedo, assim como Maradona. As feras da Copa da Espanha começam a dar adeus. Até as vozes, caso de Fernando Vanucci. Os meninos que colecionavam figurinhas Ping-Pong choram. Aquele futebol vibrante, que inundava o mundo em fins dos anos 1970 e começo dos 1980, fica mais distante.
Adeus, Bambino D’Oro.
@pauloandel