A SELEÇÃO DE EDU
por Rubens Lemos
Eram três amistosos logo após o Campeonato Brasileiro conquistado pelo Fluminense em 1984, campeão (1×0 e 0x0) contra o Vasco. Nas finais, o Fluminense pragmático e obstinado, venceu o primeiro jogo, gol de Romerito, e o segundo foi um bombardeio dos dois lados, com o goleiro vascaíno Roberto Costa obtendo a segunda bola de ouro da Revista Placar de melhor jogador do campeonato.
O campeonato de 1984 foi ótimo e sobraram poucos dos astros da sinfônica de 1982: Leandro, Oscar, Júnior e Sócrates. Sócrates seria vendido após o Brasileiro para a Fiorentina. Júnior iria logo depois, ao Torino.
Depois da derrota para a Itália, buscava-se a reconciliação com o toque de bola desaparecido na primeira e desastrosa passagem de Carlos Alberto Parreira pela CBF em 1983, quando ganhamos na moedinha o direito de decidir e perder a Copa América para o Uruguai.
O futebol vistoso do Vasco, de toques reluzentes e meio-campo habilidoso, deu vez a Edu Antunes de Coimbra, o irmão de Zico, que deslumbrava o país no balé cruzmaltino.
A bola é peça irônica e – apesar de golear – Edu não definia um time titular e sobravam craques. Aos 20 anos, o maior armador brasileiro estava no Vasco – Geovani – que começou entrosado com Pires e Arthurzinho enfiando goleadas de 9×0, 6×0 e 5×1 e ganhando todos os grandes.
Edu insistia num revezamento entre o titularíssimo ponta Mauricinho e o seu limitado reserva Jussiê. Geovani e Mário. Acácio e Roberto Costa brigavam. Arturzinho, sensacional contra os times pequenos, sumiu na decisão, perdendo um gol feito nos minutos finais, gol que daria o título ao ofensivo Vasco.
Depois da decepção, Arturzinho acabou no Corinthians, como substituto de Sócrates, vendido à Fiorentina da Itália para também sucumbir. Sócrates entregou-se à esbórnia no prenúncio do lamentável fim.
Num rompante de autossuficiência, o Doutor impôs ao país permanecer caso fosse aprovada a emenda parlamentar que estabeleceria as Eleições Diretas Já (em 1984) para presidente. A emenda perdeu e o Doutor – no episódio, mais militante que jogador, partiu.
A primeira opção do Corinthians foi Geovani, então com 20 anos, que se apresentou, vestiu a camisa do Timão e voltou porque o astuto presidente cruzmaltino Antônio Soares Calçada aceitava emprestar, jamais vender seu maior talento. Queria Geovani mais experiente para usufruí-lo maduro adiante.
Arturzinho acabou onde sempre se deu bem: no Bangu, onde recebia tietagem do bicheiro Castor de Andrade sem conquistar títulos: foi terceiro lugar em 1983 e vice carioca em 1985.
O time não tinha tranquilidade enquanto Parreira definiu seus onze e com eles rumou até o título: Paulo Victor; Aldo, Duílio, Ricardo Gomes e Branco; Jandir, Delei e Assis; Romerito, Washington e Tato.
Para os três jogos – contra Inglaterra (0x2), quando o ponta Barnes driblou toda a defesa e fez um dos gols mais bonitos do Maracanã, Argentina (0x0) e Uruguai (1×0), Edu contrariou vaidades.
No Vasco, o lateral Edevaldo, os meias Geovani e Mário e o ponta Mauricinho foram descartados. Os que ele considerava melhores, levou, assim como no Fluminense, no Grêmio, no Flamengo e do Corinthians.
O tricolor Assis disputava com Tita e Arturzinho, Zenon e Delei queriam a vaga de organizador do time que morreu sem padrão de jogo. Convocar o limitado Baidek do Grêmio foi surrealismo. Reinaldo, fisicamente em frangalhos, decepcionou. Tato e Marquinho Carioca, os pontas pela esquerda, só rodopiavam com a bola.
Marcante, a despedida do magnífico Roberto Dinamite da amarelinha aos 30 anos e a certeza de que o ambiente no Vasco esfumaçou. Genial em campo, a seleção foi demais para Edu, que, jogando, valia pelos 22 chamados por ele.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA DADÁ MARAVILHA
Dá, dá, se deu! E se deu em maravilha, de corpo e alma, por completo, e nos 15 clubes em que jogou foi amado, exaltado, reverenciado, idolatrado, e por incrível que pareça, foi convocado para uma Copa do Mundo pelo general Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), presidente do Brasil em 1970 nos tempos de regime militar.
Mas, se Dario José dos Santos não fosse jogador de futebol, seria um frasista. Não um qualquer, mas um feitor de frases antológicas como os tantos gols que fez em 20 anos de relacionamento com a pelota.”Bola, flor e mulher, só com carinho”, diria certa vez ao ser alçado ao posto de primeiro romântico no futebol brasileiro. Mas o camisa 9, ídolo no Atlético Mineiro de 1971 e Internacional de 1976, amou a bola de uma forma intensa, genuína, sincera.
Alguns artistas, sejam do cinema, da música, da TV, das artes cênicas ou plásticas, da literatura, ou até mesmo os de rua, populares e impopulares brasileiros até a medula, conseguem transformar a própria precariedade numa chama divina da invenção. Assim foi Dario, ou Dadá, como gosta de se chamado toda vez que escuta seu nome visitando seus ouvidos e retribui com um sorriso largo de orelha a orelha.
Mas se Dadá foi generoso, foi um químico quando inventou minuciosamente a fórmula P=gat2, onde P = persistência, gat2 = gols, artilharia e títulos elevado ao quadrado, fórmula tão eficiente quanto a E=mc2, considerada a mais célebre equação científica do século 20 que fora desenvolvida pelo cientista alemão Albert Einstein (1879-1955).
Foi se reinventando que o camisa 9 do Campo Grande-RJ, em início de carreira, travou duelos sofridos e romanescas com o destino. Desde muito cedo teve uma infância difícil e muito pobre. Foi criado na rua Frei Sampaio, em Marechal Hermes, subúrbio carioca.
Acostumado a incendiar as torcidas com seus 926 gols marcados pelo Brasil afora, foi por meio de uma tragédia familiar que quase lhe custou a vida. Dadá, com apenas cinco anos de idade, se abraçou a mãe com o corpo embebecido de querosene e em chamas querendo morrer com sua progenitora. A mãe, que sofria sérios problemas mentais, num rompante em sã consciência, e em favor do futebol, se desvencilhou do filho e, num ato (im)pensado salvou a vida dele lhe atirando na lama.
Daquela matéria orgânica viscosa e pegajosa, e com o coração partido em mil pedaços, ressurgiu das cinzas para encarar os marcadores implacáveis que o senhor destino colocava em sua vida. Enfrentou todos como os tantos zagueiros que o marcaram. A começar pelo pai, que sem condições de cuidar dos filhos sozinho, colocou ele e seus dois irmãos na Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem), instituto responsável pela reabilitação de menores infratores no Rio de Janeiro.
Os irmãos não moldaram sua personalidade, no entanto, a convivência com outras crianças e jovens que cometiam crimes não foi das melhores. O Exercito Brasileiro foi o subterfúgio para sair da bandidagem, e aos 18 anos, era considerado “ruim” pelos recrutas, mas conseguia fazer gols compensando a falta de técnica aliada com sua velocidade que compartilhava força e impulsão, qualidades herdadas das ruas em tempos sombrios.
Chegou ao Campo Grande, clube modesto do Rio, se tornou profissional e aos poucos, foi tirando da cabeça os traumas da infância e a vida bandida na adolescência. Mas foi contra o Botafogo, no Maracanã, naquele 19 de dezembro de 1971, que Dario, o Peito de Aço, usou essa mesma cabeça para dar ao Clube Atlético Mineiro o seu primeiro e único título do Campeonato Brasileiro.
“Nunca aprendi a jogar futebol, pois perdi muito tempo fazendo gols”, disse certa vez o irreverente, goleador, frasista, folclórico e campeão Dadá Maravilha, nosso 31° personagem da série Vozes da Bola.
Por Marcos Vinicius Cabral e Gabriel Gontijo
Edição: Fabio Lacerda
Dadá, muitos pensam que você é mineiro, mas na verdade você é carioca nascido em Marechal Hermes. E na tua infância você passou por muitas dificuldades e ainda perdeu tua mãe com o corpo literalmente em chamas. Como foi essa situação para você como criança?
Em primeiro lugar agradeço a Deus e digo a todos que me acompanham que ganhei experiência por ter vivido tantos percalços na vida. Vida difícil, diga-se de passagem, como o triste episódio em que a minha mãe, que era doente mental, se suicidou ateando querosene no corpo. Mas mesmo com o corpo em chamas conseguiu me salvar, pois quando vi aquela cena trágica me agarrei a ela com todas as minhas forças e com meu corpo também em chamas ela me empurrou na vala. O gesto salvou minha vida. Então, minha mãe é um grande exemplo que eu jamais vou esquecer.
Como você já falou em algumas entrevistas, a morte da tua mãe te deixou muito revoltado e foi uma espécie de “empurrão” pra você entrar na criminalidade. Apesar dessa revolta pessoal, qual era o tipo de crime que você se recusava a cometer enquanto estava trilhando um caminho errado?
Eu entrei na vida do crime sim, no entanto, muitas coisas eu me negava a fazer: estupro, botar arma na cabeça dos outros, usar da violência e desrespeitar o cidadão, fazer covardia, tirar a vida de alguém. Isso eu jamais fiz!
O que te motivou a sair do crime foi a fuga de uma tentativa de assalto a um armazém. Você conseguiu escapar vivo porque corria em ziguezague dos tiros disparados pelo dono do estabelecimento, apesar de um comparsa ter sido atingido e morrido na hora. Isso foi o ponto de partida pra você mudar de vida. Como surgiu a oportunidade de ir para o Campo Grande, clube do subúrbio do Rio?
É verdade. Minha vida era muito difícil, tenho que admitir! Quando eu realizava assaltos, eu achava que estava sendo perseguido e que havia chegado o momento de escolher um lado para que eu não fosse julgado como um bandido que eu era. Essa fato foi apenas um dentre tantos outros. Mas o futebol entrou na minha vida no Exército e foi lá nas Forças Armadas que eu coloquei em prática a velocidade louca de correr da polícia, a impulsão de pular muros e subir em árvores. No Exército despertou a vontade de ser alguém respeitado na vida mesmo com estudos defasados – estudei até a oitava série. O Campo Grande foi a porta de entrada no futebol que acabou sendo a solução que o Dadá encontrou para salvar sua vida.
Durante seu período como interno na Escola XV, em Quintino, Zona Norte do Rio, você conheceu Zico e seus irmãos, de quem se tornou próximo. O que a família Antunes representou na sua vida?
Bem, eu era um cara muito confuso ainda. Foi quando dei a sorte no colégio em fazer um jogo contra um time que tinha o Antunes, o Edu e o Zico, três cracaços fabulosos de bola. O Antunes era um centroavante goleador e não tendo um zagueiro, me colocaram de beque-central para marcá-lo. Basta dizer que ele deitou e rolou em cima de mim. Lembro que eles venceram por 4 a 0 e eu bati muito no Antunes nesse dia. E quando acabou o jogo eu me dirigi para falar com o Antunes para pedir desculpa pelos pontapés que eu dei e ele virou e falou: “Garoto, posso te dar um conselho? Você de zagueiro não vai arrumar nada, você é horroroso. Agora você tem uma velocidade boa e uma impulsão melhor ainda. Se treinar, um dia poderá ser um grande jogador!”. E o Zico, que era pequenininho, ficava fazendo embaixadinhas e eu corri para dar uns cascudos nele. Aí o Antunes e Edu me juraram e disse que se eu encostasse no Zico eu apanharia dos dois Aí eu pipoquei, né? (risos). O Antunes me deu uns conselhos que eu segui e virei um jogador de futebol.
Verdade que você só foi aprovado pra jogar no Campo Grande depois do 7° teste e porque o treinador disse que iria te aprovar pela tua insistência, já que você era “muito ruim”?
Foi verdade. Quando eu cheguei na sétima vez para treinar o cara lá que fazia as peneiras torceu o nariz, coçou a cabeça e falou: “Meu Deus, lá vem esse negão de novo, esse garoto é ruim demais”. Aí eu pedi para ele: “Poxa, me dá mais uma chance e que seja a última. Eu preciso dessa chance”, implorei. Aí o treinador chamado Gradim viu e disse: “Traz o menino”. Eu entrei no segundo tempo no time reserva que perdia por 2 a 0 para o titular, e o treinador me deu a chance. Fiz os três gol da nossa vitória de virada. O Gradim ficou impressionado com a minha velocidade e a minha impulsão. Aí, ele foi no presidente e falou assim na minha frente: “Seu presidente, ele é ruim, ou melhor, ele é péssimo,mas com essa velocidade e impulsão, se eu treinar esse garoto eu tenho certeza que ele vai dar resultado. O senhor pode fazer um contrato de curto prazo”, disse acreditando em mim. Aí o Nílson, centroavante titular se machucou e eu entrei no time e comecei a danar de fazer gols. Foi assim.
Como foi sair do modesto Campo Grande e ir jogar no Atlético Mineiro? Quem o descobriu?
O Campo Grande foi fazer uma preliminar no Maracanã de um Fla-Flu e o nosso centroavante Nílson estava machucado. O Gradim, nosso treinador, não tinha quem colocar e esse Nílson pediu para me dar uma chance. Entrei como titular no jogo e o Maracanã tinha mais de 150 mil pessoas. Eu dei a maior sorte porque o Gradim falou na preleção: “Olha, vamos explorar esse menino e cruzar na área para ele. A velocidade e a altura são as qualidades que ele tem de melhor. Vamos aproveitar isso”. Eu fui muito feliz porque o Campo Grande ganhou de 4 a 2 o Bonsucesso, que estava com o moral elevada, pois havia vencido o Flamengo e o Fluminense. Era a zebra do campeonato. E lembro que nesse jogo eu fiz os quatro gols do Campo Grande, e em cada gol marcado, eu saía correndo igual um louco para comemorar com a torcida do Flamengo e com a torcida do Fluminense. E os torcedores não sabiam o meu nome, mas sabiam que eu fazia gols e começaram a gritar: “Dá no 9, dá no 9, dá no 9!”, e aquilo me motivou bastante no jogo. O Campo Grande ganhou. Para minha surpresa quando terminou o jogo, indo para o vestiário, um senhor me cutucou e disse na frente do Gradim, nosso treinador: “O 9, eu acabei de te contratar para jogar no Atlético Mineiro”. Eu olhei assim e tomei um susto, pois naquela mesma semana Atlético Mineiro e Cruzeiro decidiam o título e a Raposa se tornou campeã. Eu lembro que fiz a seguinte pergunta para aquele dirigente: “Esse Atlético Mineiro é aquele time em que a torcida fica igual a uma maluca gritando Galo, Galo, Galo? Ele respondeu: “É. É para lá que você está indo”. Quando cheguei no Clube Atlético Mineiro o treinador Yustrich me contou que o Gradim, nosso treinador no Campo Grande, havia ligado para ele e dado as minhas características. Ele me disse que seríamos campeões e me utilizaria. E foi o que o Telê Santana muito sabiamente fez.
O torcedor atleticano, até hoje, não esquece do gol de cabeça que você fez em cima do Botafogo em 1971 dando o primeiro Campeonato Brasileiro para o Atlético Mineiro (num triangular final disputado por São Paulo, Atlético e Botafogo). Além desses gols, eles não se esquecem do seu retorno, já veterano, em 1979, para suprir a falta de Reinaldo contundido, e conquistar o bicampeonato mineiro que terminaria só em 1983 com o hexacampeonato, maior seqüência em Minas Gerais na era profissional. Como foram esses dois momentos?
Inesquecíveis, posso assim dizer. Eu fico feliz em falar que, em 1971, quando foi a glória maior do Clube Atlético Mineiro na sua história, ou seja, campeão Brasileiro numa época em que os melhores jogadores jogavam no país. Com isso, a responsabilidade de cada jogador aumentava, e eu com esse aumento de responsabilidade, achei que o Atlético Mineiro seria campeão. Tanto que eu dei uma entrevista dizendo que o Galo seria campeão brasileiro, eu o artilheiro, e faria o gol de título. E aí? Tudo isso aconteceu! Eu nunca deixei de ser um profissional e aproveitando a entrevista para o Vozes da Bola do site esportivo Museu da Pelada, eu queria falar de 1978. Naquele ano foi uma campanha maravilhosa para mim, pois o Atlético foi surpreendido pelo Cruzeiro um ano antes, em 1977, e ganhou o título. O Dadá veio para substituir o brilhante Reinado, que estava machucado e já coloquei na imprensa aquela frase. Lembro perfeitamente que me reuni com o Procópio e os jogadores e falei que a gente ganharia aquele campeonato de qualquer maneira. E ganhanos do Cruzeiro que era favorito. Eu quero deixar bem claro para cada um dos leitores que vão ler essa entrevista, que eu sou um homem realizado e muito agradecido ao Clube Atlético Mineiro, onde cheguei sem moral. Mas eu e meus companheiros batalhamos e conseguimos reverter esse cenário. Algumas pessoas se tornaram importantes como o Lola, um amigo pessoal. As duas conquistas colocaram o Dadá no coração dos atleticanos.
Dadá, em toda a entrevista que fazem contigo, falam da convocação para a Copa de 70 após a demissão do João Saldanha. Vou tocar nesse assunto, mas de uma forma diferente. Qual foi a notícia na imprensa sobre isso que mais te machucou e de que forma você conseguiu superar esse assunto consigo?
Numa boa. A minha convocação para a Seleção Brasileira de 1970 aconteceu pelos inúmeros gols que fazia na época. Lembro que era o jogador que mais fazia gols no mundo. Mas teve uma discussão que envolveu o Presidente da República Emílio Garrastazu Médici, queria ver os gols de Dadá na Seleção e repercutiu isso na imprensa. Houve um mal-entendido, pois o presidente expressou a opinião dele como um torcedor e não como um político. Mas a população toda do Brasil queria ver Dadá em gramados mexicanos e que problema há nisso? Eu fui um jogador que dei alegria a todos os brasileiros que gostam de ver o gol que é a parte mais importante desse esporte no qual somos apaixonados. Mas eu penso que tudo aconteceu e me deu experiência para novas conquistas. Depois desse episódio eu me tornei o jogador mais artilheiro do futebol brasileiro.
O bicampeonato do Internacional foi em 1976 com um gol de cabeça e o outro de Valdomiro em cobrança de falta contra o Corinthians. O que lembra desse jogo?
Foi um gol que eu subi e parei no ar. Tive oportunidade de ver os meus filhos e naquele momento disse para mim mesmo: “Eu tenho que defender o leite das minhas crianças”. Dei uma cabeçada de 800 megatons e depois corri, desenfreadamente, uns 100 metros em 10 segundos até o goleiro Manga para comemorar. Mas era preciso tamanho esforço para comemorar um golaço daquele. Eu gostaria de citar o Internacional de 1976 que marcou muito a minha vida. Marcou tanto que acabou sendo considerado o melhor time da década, e nós fomos campeões em cima do fortíssimo Corinthians numa partida sensacional. E o Dadá, sempre ele, fez o gol inicial de cabeça. Depois o Valdomiro fez o segundo e ficamos administrando os minutos tensos daquele jogo e nos sagramos campeões. Agora o Campeonato Brasileiro que terminou recentemente, haviam dois disputando o título: o Internacional e o Flamengo. Em cada rodada a competição se desenhava de uma maneira diferente e quem ganha com isso é o torcedor, pois nesses últimos jogos que a gente tá vendo na TV está havendo um futebol de primeira classe e de uma categoria que merecem aplausos. Uma pena o Colorado não ter saído da fila. Uma pena mesmo!
Em uma partida válida pelo Campeonato Pernambucano de 1976, você marcou 10 dos 14 gols do Sport na vitória sobre o Santo Amaro. A marca histórica superou os feitos de Pelé e Jorge Mendonça, que marcaram oito gols em uma mesma partida. Quais as lembranças dessa partida memorável?
As lembranças são as melhores possíveis. Se lembrar um gol do Dadá é bom, imagine você lembrar de 10? Mas essa história começou seis anos antes, para ser mais exato. Um bate-papo informal com o Pelé na Copa do Mundo de 1970, o Rei, este que é ídolo do Dadá e de todo mundo. Eu fiquei sabendo de um recorde dele em ter marcado oito gols numa partida e não me contive. “Vou bater teu recorde de gols numa partida, que valer”? Ele riu. E eu gostei desse riso dele, porque o Dadá sempre falou as coisas e quando as pessoas riam, o Dadá ia lá e cumpria. Então eu falei assim: “Negão, e se eu fizer mais gols que você em 90 minutos, você me manda um telegrama”? Ele não titubeou: “Lógico que mando”. O tempo passou e aquilo ficou marcado no coração e na mente de Dadá. Em 1976, no Campeonato Pernambucano, numa partida contra o Santo Amaro, me deu um estalo: “Vai ser hoje”, prometi, e dos 14 gols eu fiz 10. No outro dia liguei para o Pelé e falei: “Negão, aqui é o Dadá, lembra que te falei na Copa do Mundo de 1970, que marcaria mais gols que você numa partida e você disse que me enviaria um telegrama? Pois é, fiz 10 contra o Santo Amaro pelo Campeonato Pernambucano, no dia 07 de abril, na Ilha do Retiro. E agora, vai me enviar o telegrama”? Ele respondeu: “Dadá, eu prometi e vou cumprir”. Dito e feito. O telegrama está no meu livro “Dadá Maravilha”, que foi escrito por Lúcio Flávio Machado, da editora Dele Rey, em 1999, e por ser amigo do Pelé, isso valorizou a história, o recorde dele que foi batido por mim. Hoje me dá um imenso orgulho em afirmar que sou recordista e o jogador que mais gols fez numa partida de futebol.
De todo o grupo de 70 com quem você cultiva uma relação de amizade e mantém contatos até hoje? E, por ventura, com quem você se decepcionou e prefere se manter distante?
Sou amigo de todos e todos são amigos do Dadá. Em 1970, não era só um time, era uma família. A CBF mantém até hoje essa amizade viva entre nós, fazendo reuniões semanais com os jogadores e estamos sempre juntos. A nossa amizade é muito grande e que isso sirva de exemplo para essa juventude.
Você nunca escondeu de ninguém que torce pelo Atlético Mineiro. Mas na tua infância no Rio qual era o time que fazia teu coração bater mais forte?
Eu tenho um carinho muito grande pelo Atlético Mineiro por ter me colocado na prateleira de cima dos grandes artilheiros do futebol brasileiro. Mas em Marechal Hermes, Zona Norte do Rio, eu torcia para o Club de Regatas Vasco da Gama.
E ter jogado no Flamengo, como foi?
A ida do Dadá para o Flamengo foi um momento muito importante da minha vida pessoal e na carreira. Eu havia saído do Campo Grande para o Atlético Mineiro como um desconhecido e quando fui para a equipe Rubro-Negra, eu era tricampeão mundial, campeão brasileiro e cheguei na Gávea com muita fome de gols. Aí, depois joguei com Zico, com Paulo César Caju, com Júnior e outros jogadores extraordinários. Só tenho a agradecer a Deus por tudo que o Senhor fez na minha vida.
Qual a sensação de ser o quarto maior artilheiro do futebol brasileiro com 926 gols, ficando atrás apenas de Romário com 1002 gols, Pelé com 1284 e Arthur Friedenreich, 1329?
Uma sensação maravilhosa, pois ficar entre os quatro maiores goleadores do futebol pentacampeão mundial é muita honra para o Dadá, que foi o máximo como jogador!
Mesmo com uma carreira vitoriosa, com inúmeros títulos, você confessou uma frustração profissional: nunca ter jogado no Corinthians. Teve algum momento em que isso quase aconteceu? E se teve, por que não foi adiante?
Verdade. Joguei nas grandes forças do futebol brasileiro, no entanto, em São Paulo, faltou o Corinthians. Em 1976, eu estava no Internacional e o Corinthians tentou me contratar, mas a torcida Colorada não permitiu. Uma pena!
Dos mais de 15 clubes em que jogou qual é o que você guarda com carinho e o que não gosta de lembrar?
Olha, todos moram no coração do Dadá e lembro deles com carinho. Tive a oportunidade de jogar em 15 clubes no Brasil e a felicidade de ser campeão em quase todos. Mas consegui ganhar algo mais importante do que títulos, vitórias e gols, que foi o respeito do torcedor. Os times merecem que o jogador dê tudo de si, e o Dadá deu o seu máximo por onde passou. Estou feliz!
Quem foi o grande treinador de Dadá?
Na minha carreira esportiva, tive bons treinadores que fizeram a diferença e melhoraram o desempenho do Dadá. Posso citar alguns deles, como: Telê Santana, Zagallo, Yustrich, Procópio Cardoso, Rubens Minelli. Todos deixaram suas marcas no futebol brasileiro.
E o grande ídolo?
Ídolo não, grandes ídolos: Pelé, Falcão, Zico, entre outros.
Como tem enfrentado o isolamento social do Covid-19?
Estamos passando por um momento muito delicado, mas eu confio na vacina. Espero que a gente possa voltar a se abraçar, se aglomerar, se amar e dar e receber carinho, pois é o mínimo que eu desejo a todos. A família está em primeiro lugar e a gente tem que saber que dias melhores virão, porque Deus é Pai.
Como você definiria Dadá Maravilha em uma única palavra?
Máximo (risos).
NOVOS ARES
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Nesses tempos de pandemia não anda nada fácil comentar sobre futebol, mas sigo zapeando, garimpando alguns joguinhos. Outro dia assisti o Corinthians tomando um sufoco tremendo para vencer do Retrô. Juro, sem querer desmerecer ninguém, mas nunca havia ouvido falar desse clube. Após a partida, o treinador Vagner Mancini certamente deve ter dito que seu grupo vem evoluindo.
Flamengo empatou com o Boavista, Vasco empatou com o Madureira, Fluminense perdeu do Volta Redonda e por aí vai. O Botafogo conseguiu o gol da vitória no apagar das luzes e tive que ler que o técnico Marcelo Chamusca implantou um estilo reativo com ligações diretas e com cruzamentos de jogadores de beirinha do campo! Antigamente esses resultados seriam considerado zebras, mas a Zebrinha que viveu dias de glória no Fantástico hoje vive aposentada, reclusa, nas savanas africanas. Desistiu, claro.
Já que vivemos a fase de todos juntos e misturados bem que a Holanda ou a Bélgica poderiam ser campeãs do mundo, um antigo sonho meu. Também adoraria ver campeões do mundo a Nigéria, Costa do Marfim, Senegal, Marrocos, Argélia. Não seria bem melhor que uma Itália vencer com os onze atrás? Tenho assistido as Eliminatórias e é certo que a próxima Copa do Mundo será nivelada por baixo. Portugal tenta, tenta, tenta, mas não convence. Tudo bem que foi prejudicada contra a Sérvia, mas quer saber, prefiro o futebol dos sérvios.
A Inglaterra atual é bem mais interessante que Portugal. Seria ótimo que nessa Copa, a zebrinha fosse resgatada, voltasse a brilhar. Também assisti River x Racing e Boca x Independiente, nada demais. Alemanha, Espanha, França, sinceramente, se ganharem uma Copa nada mudará no cenário mundial do futebol. Torço para algo surpreendente, que conquiste pela leveza.
Pena Pep Guardiola não ser técnico de alguma seleção. Definitivamente, é o melhor treinador do mundo e há anos vem provando isso. Insisto que adoraria vê-lo dirigindo o Brasil. Sairíamos do marasmo, daríamos uma boa chacoalhada nessa mesmice que vem assolando nossos campos. É estranho pensar assim, mas a seleção canarinha ganhar a Copa pode ser considerado uma zebra. Mas torcerei por zebras autênticas, a começar pelo Carioca. Ou seja, sou Volta Redonda desde criancinha! Na Copa, mentalizarei por Cruyff, Paul van Himst, Roger Mila, Okocha, Kanu, Didier Drogba, Eto’o, Madjer e Abedi Pelé! O topo maior do futebol precisa de novos ares. A mesmice não tem nos levado a nada, então que a zebra volte e ajude a resgatar o futebol das trevas.
O ‘QUASE’ GARRINCHA QUE UM DIA PERDEMOS
Ele gostava de caçar igualmente ao Garrincha; ele tinha o mesmo perfil psicológico do Mané, e isso dentro e fora dos gramados; driblava para o mesmo lado, sempre, marca registrada do Garrincha; tanto ele quanto Mané foram lançados no futebol pelo mesmo treinador: Gentil Cardoso. Por que Luisinho Boiadeiro não virou, de fato, o herdeiro do maior camisa sete da história? Aliás, quem foi Luisinho Boiadeiro de quem hoje praticamente ninguém se lembra? Quantos “Garrinchas” continuaremos a perder?
por André Felipe de Lima
Antes de tudo, um necessário prólogo.
***
— Olha, Jaime, esse cara não leva muito jeito de bola. Você pode mandar pra frente a fim de ajudar o ataque. Eu cuido dele.
— Você manda, Beto. Vou tentar fazer um gol nesse treino e chamar a atenção do técnico pro meu futebol. Quem sabe não chegou minha grande oportunidade?
Esse diálogo entre um zagueiro e um lateral-esquerdo do time reserva do Bangu, em 1965, se referia a um jovem ponta-direita que pela primeira vez vestia a camisa dos titulares. O rapaz não tinha pinta de jogador; era magro, meio desengonçado e aparentemente fora de órbita, ou seja, parecia alheio a tudo em sua volta. O sujeito era tranquilo demais. Isso incomodava aqueles onde o sangue fervia ao ficarem frente a frente com uma bola de futebol. O garoto ouviu o papo entre os dois experientes jogadores. Não deu a mínima. Abaixou-se e apanhou um fio de capim para “palitar” os dentes.
Começara o treino. Logo no primeiro lance, o garoto recebeu a bola do lateral Fidélis (o mesmo que anos depois defenderia o Vasco). Não dominou a pelota e a deixou sair pela linha lateral. Ninguém chiou, mas olharam de forma enviesada para o jovem magrelo ponteiro, embora respeitando-o em consideração ao olheiro Nelsinho, responsável pela presença do garoto no Bangu.
O menino impetuoso não sentiu-se intimidado e ergueu a cabeça. No segundo lançamento dirigido a ele, pegou a bola no meio de campo e partiu driblando um, dois, três… chegou à linha de fundo e cruzou para dentro da área. Nenhum atacante aproveitou — lembram-se daquele lance do Garrincha cruzando para o Vavá na final da Copa da Suécia? Pois é, o rapaz repetiu a jogada de Mané. Parecia “incorporado” por Garrincha; estava endiabrado. Repetiu tudo aquilo inúmeras vezes, como Garrincha fazia. Foi aí que o tal de Jaime decidiu marcá-lo de perto. Nem precisa dizer o que aconteceu com o imprevidente e autoconfiante beque…
Jaime talvez tenha pensado, naquele instante, que deveria pendurar as chuteiras por ter sido tão humilhado por um menino “sem pinta de jogador”, “desengonçado”, mas simplesmente genial com a bola nos pés.
***
Quantos meninos um dia já foram chamados de “Garrincha”? Quantos despontaram em peneiras da categoria de base de grandes clubes driblando infindáveis vezes para o mesmo lado e deixando perfilados e paralisados outros meninos não tão bons de bola como ele? A embasbacada assistência das peladas jamais duvidara do que via: todos estavam diante de um “novo Garrincha”. Verdade indissolúvel precisa, porém, ser dita: “Quem é bom já nasce feito”. Mas, infelizmente, também é preponderante outra máxima: “O sol não nasce para todos”. Muitos daqueles pretensamente inexpugnáveis “Garrinchas” que conhecemos ou de quem somente ouvimos falar foram vítimas da aproximação destas duas máximas. Ao garoto não bastaria enfileirar “Joões” em um campo de terra batida ou num ardente asfalto de uma rua qualquer. Isso não garantiria a concretização do sonho (para ele e para quem o via jogar); não garantiria, portanto, a virtuosa convicção coletiva de que brotara mais um “Garrincha” para tornar o particular mundo de cada um de nós um pouco mais lúdico.
Hoje, confesso com uma cavalar e inconveniente dose de amargura não ouvir mais que um “novo Garrincha” surgiu, porém infindáveis vezes deparei-me ao longo da vida com definições do gênero.
Recentemente, recordei um destes camaradas cuja bola parecia escondê-la entre os pés. Pelo menos é o que li a respeito dele. Não o vi jogar porque o cara encerrou precocemente a carreira em 1968. Uma carreira, ressalte-se, que durou apenas quatro anos. Poucos recordam, mas o ex-jogador sobre o qual escrevemos chama-se Luís Moreira da Silva Filho, o popular (ou quase isso) Luisinho Boiadeiro, um ponta-direita, “sem pinta” e “desengonçado”, como definiram os ex-banguenses, Jaime e Beto, revelado no time de aspirantes do Bangu em 1964 e que integrou o elenco do time alvirrubro campeão carioca no ano seguinte. Disputou, entretanto, somente um jogo daquela histórica campanha, como cita Carlos Molinari, o mais relevante pesquisador da história do alvirrubro suburbano.
Lusinho Boiadeiro nasceu no dia 16 de março de 1941, no bairro de Vicente de Carvalho, subúrbio carioca. Chegou ao Bangu levado por Nelsinho, olheiro do clube, que o viu jogar no Continental de Irajá. Tinha tudo, mas tudo mesmo, para dar certo e tornar-se um dos maiores ídolos e craques já revelados pelo querido Bangu. Até mesmo suas tiradas se pareciam com as do Garrincha, o original, obviamente: “Quando meus marcadores pensam que vou pra lá, finjo que não, mas vou pra lá mesmo. É ou não é coincidência?”
Mas há situações na vida que ninguém consegue explicar. Tentam, mas esbarram no maldito pragmatismo que insiste em se distanciar da essência dos fatos. No fundo somos todos, infelizmente, assim, indefectíveis e inofensivos pragmáticos. Mas a história do Lusinho Boiadeiro é o que importa neste momento, não o nosso pragmatismo.
Quem foi, afinal, aquele jogador, aquele ponteiro que sempre deixava seus marcadores caídos com a bunda doída na grama? A imprensa carioca volta e meia falava dele. Às vezes — não se negue isso — falavam bem; outras, nem tanto. Entenderemos os porquês dessa inquietante dicotomia mais adiante.
“ENCARNAÇÃO” DO MANÉ
“Nascimento de um novo astro: Boiadeiro tem tudo de Mané”, exultava o título de reportagem assinada por Geraldo Escobar, do saudoso e revolucionário jornal Última Hora, do não menos saudoso e revolucionário jornalista Samuel Wainer. Foi a primeira e alvissareira notícia sobre o garoto extraordinário que pintava o sete em Bangu.
“É o novo ídolo, que nos treinos faz o público vibrar com sua malícia com a bola. Luís Boiadeiro é a simplicidade em pessoa. Joga com uma naturalidade como se estivesse ainda no Brasil, de Irajá. Inventa jogadas, ilude o adversário com truques e mágicas que tonteiam e lhe dão campo para o malabarismo que termina sempre em gol. Nos treinos, quem não der a bola para Luís Boiadeiro fazer misérias pela ponta-direita, leva vaia da torcida. É a coqueluche alvirrubra e, dizemos mais: é sensação mesmo. Um futebol de gênio. É um Garrincha em potencial”, assim escreveu Escobar e, igualmente a ele, outros repórteres e cronistas da época que constataram do que era capaz de fazer com uma bola nos pés aquele matuto, que parecia poeticamente flanar sem compromisso ao invés de jogar bola.
Tudo o que Luisinho falava tinha um “seu” ou “sim senhor” embutido na frase. Dirigia-se assim até mesmo aos companheiros de time. Era “Seu Parada”, “Seu Araras”, “Seu” Ari Clemente (sua principal “vítima” nos treinos), “Seu Paulo Borges”… este último foi quem acabaria levando a melhor na “briga” com Boiadeiro pela ponta-direita do melhor time da história do Bangu. Sempre havia, contudo, aqueles que garantiam: “Luisinho Boiadeiro foi muito melhor que Paulo Borges”.
Após aquele estrondoso treino em que “entortou” Jaime e Beto, Escobar perguntou ao menino matusquela: “Em quem você se inspirou tanto para jogar assim? Tem algum ídolo?”. A resposta foi sem titubeios: “Ah! Me inspirei no ‘Seu Garrincha’. Gastei muito dinheiro para ver ‘ele jogar’. Mas ainda não sei fazer aquelas mímicas que ele faz. Vou tentando.”
Os treinos seguintes contaram sempre com um show do Boiadeiro. Num deles, a euforia foi tão grande da torcida que tentaram invadir o gramado para festejá-lo. A radiopatrulha foi chamada para conter a empolgada moçada.
Não faltava empenho e talento ao rapaz, que chegou a fazer um teste no Botafogo. O técnico do time juvenil era Paraguaio, outrora ponta-direita do alvinegro campeão carioca de 1948. “Não fiquei lá porque eu tinha pouca roupa. Me vestia mal e fiquei com medo que eles me gozassem. Aí não voltei mais”. O garoto Boiadeiro então bandeou-se para as Laranjeiras. “O ‘Seu’ Gradim me queria, mas aí o pessoal do Bangu me chamou”. E por lá o “novo” Garrincha permaneceu.
Mas, afinal, por que o inusitado apelido? Luís trabalhava em um estábulo, em Irajá, no subúrbio carioca, onde cuidava de vacas e bois. Dizia que ajudava a proprietária do local e que ela o criara. A vida de Luisinho era aquilo tudo, vacas, bois, pasto…
Uma vez o Bangu foi jogar em Juiz de Fora (MG). Como de costume, Luisinho “acabou” com jogo. Na manhã seguinte, no café da manhã do hotel onde a delegação banguense se hospedara, um cartola percebeu Lusinho cabisbaixo. Viu-o triste e até imaginou que o rapaz adoecera. Na dúvida, pediu a um médico que o examinasse, mas Lusinho não quis. Disse apenas que estava com muita saudade de sua vacas e que desejava ir embora. Um cartola enfureceu-se e tomou dele o dinheiro do “bicho” que recebera pela vitória em Juiz de Fora. Luisinho nada falou. Humildemente, ele retirou do bolso da calça a “pataca” de 60 mil cruzeiros e entregou-a ao dirigente insano, mostrou ao mesmo a passagem de volta para o Rio que comprara. Mas Lusinho não embarcou sozinho. Voltou com seus companheiros. No clube, ao tomar conhecimento do caso, o presidente do Bangu, Euzébio Gonçalves de Andrade e Silva, mandou imediatamente que devolvessem o dinheiro ao rapaz. Foi feita a justiça. “Treinar é chato. A gente põe meia, calção, chuteiras, atadura, mas para quê? Jogo, não: a gente sabe que vale no mínimo um bico nas canelas, dado de graça pelo beque adversário. E jogo é jogo; treino é treino. Eu, confesso, não gosto de treinar mesmo não; ainda mais um tal de individual. Esse mata qualquer um. Prefiro dar pique atrás de vaca que foge do cerrado.”
“DRIBLES” CONSTANTES NOS TREINOS
Luisinho levava uma vida difícil. Era muito pobre. Com os 60 contos que ganhava, sustentava seis sobrinhos. Com o pouco que sobrava comprava uma muda de roupa e pagava o transporte de Irajá a Bangu. Confiava plenamente no “Seu” Eusébio e no “Seu” Castor de Andrade, para ele “tudo gente boa” que aumentaria o “seu” dinheirinho, dizia. Acreditava também que o treinador “Seu” Gentil Cardoso estava feliz com ele. Também pudera. Lusinho driblava até seis marcadores em uma única jogada. Quem não queria um projeto de craque assim no time? E o menino se empenhava para garantir o mínimo para sobreviver: “Tenho que jogar para ganhar, porque ‘Seu’ Castor disse que que vai me dar uma camisa de frio de Copacabana. Mas não quero vermelha, não! Boi não gosta dessa cor.”
Um dia Lusinho Boiadeiro sumiu. Foram semanas sem aparecer no clube para treinar. Isso se repetiu várias vezes ao longo de 1965. Tanto o presidente Eusébio quanto Castor cogitaram comprar todas as vacas cuidadas por Lusinho em Irajá e transferi-las para o pasto da concentração do time na Vila Hípica de Bangu. Lusinho avisara ao Gentil Cardoso que “mãe estava doente”. Era sempre a mesma desculpa. Gentil, obviamente, não a digeriu: “E daí? Ele agora é médico?”
Tentaram de tudo para que o rapaz voltasse aos treinos. Procuraram até uma moça chamada Julia de quem diziam ele gostar. Para o ponta-de-lança Roberto Pinto a “compra” das vacas resolveria o problema. Bastaria — garantira Pinto — colocar algumas no estádio e outras na concentração. “Aí, acho que nunca mais ele sai de Bangu.”
A relutância de Luisinho em permanecer exclusivamente no futebol despertara a curiosidade de muita gente para além das cercanias de Bangu. O garoto matuto que preferia ordenhar vacas a driblar (o que fazia magistralmente) com uma bola de futebol suscitava debates acalorados entre os cronistas nas redações. Um deles foi o indefectível Armando Nogueira, que definiu, em sua coluna no Jornal do Brasil, como “impressionante a excitação” dos banguenses em torno do jogador Luisinho Boiadeiro. Após ouvir os mais entusiásticos testemunhos no vestiário do Bangu, Nogueira abordou o jogador Parada, vedete do time, e emendou a pergunta:
— Então, Parada, que tal o Boiadeiro?
Nogueira ouviu na lata:
— O homem é um caso, viu! É um caso: dribla como o Garrincha…
Nogueira não se conteve com o depoimento do Parada. Queria ouvir mais sobre o garoto genial que o Bangu estava revelando. Descobriu que Gentil Cardoso queria preservá-lo mais, ou seja, lançá-lo devagar no time principal, sem afobação, porque na ponta-direita tinha um jogador, digamos, intocável: Paulo Borges. Melindrá-lo com a reserva poderia atrapalhar todo o time, que vinha bem no campeonato carioca. Mas Nogueira não se conformara. Percebera em Gentil Cardoso um “desinteresse aparente” em relação ao Boiadeiro. Tal como fez com Garrincha, por ele lançado no Botafogo, em 1953. “O menino ainda tem defeitos”, respondera o treinador ao repórter. Os tais “defeitos” eram “falta de objetividade” dos dribles e o “fôlego curto”.
Mas quem adorava o folclore em que se transformara Lusinho Boiadeiro era Castor de Andrade, que colocava lenha na fogueira: “Vou dar de presente para o menino uma vaca leiteira, que será o passatempo do menino para mantê-lo em Bangu e produzirá leite para alimentar os jogadores na concentração da Vila Hípica, em Bangu.”
Piadas à parte, Castor sabia que o clube detinha uma joia raríssima. Conscientizou-se disso quando o viu marcar um gol antológico naquele amistoso em Juiz de Fora. Boiadeiro driblou os beques e o goleiro e marcou o gol. No final do jogo, o cartola/bicheiro perguntou ao rapaz como ele conseguira marcar gol tão espetacular. Ouviu dele o seguinte: “Pois é, doutor, os beques deles ficaram preocupados com o Parada, com o Paulo Borges e, enquanto eles cercavam as feras, o mosquitinho aqui ia e picava eles por trás.”
O garoto, porém, não ganhou a tão almejada vaca leiteira, mas uma dentadura nova. Os companheiros do Bangu não perdiam a piada. Diziam que Lusinho, com a boca novinha em folha, agora riria até da desgraça alheia.
No ano seguinte, Garrincha partia para o Corinthians, deixando tristonhos os botafoguenses. Em Bangu, Lusinho permanecia sem saber se deseja um estábulo ou uma bola de futebol. Permanecia faltando aos treinos. O clube ora o multava, ora fazia vista grossa. Parecia que o destino do “novo Garrincha” estava selado. As sucessivas faltas aos treinos pareciam, entretanto, não incomodar olheiros de clubes rivais. O Fluminense queria levá-lo para as Laranjeiras. Mas Boiadeiro, que também se revelara um bom alfaiate, dizia que de Bangu não sairia de jeito algum, embora tenha treinado no Grêmio Maringá do Paraná um ano antes de chegar ao Bangu. Talvez o menino fosse mais efetivo naquele time campeão carioca de 1966, mas uma contusão no menisco após uma entrada violenta de um marcado invejoso e rancoroso o afastou do time por mais de dois meses. Coube ao notório médico Arnaldo Santiago operá-lo na Casa de Saúde São Geraldo. Durante a campanha do título alvirrubro, Lusinho Boiadeiro entrou em campo uma única vez, contra o Flamengo, no primeiro turno.
EM BANGU, NÃO DAVA MAIS
No começo de 1967, Eusébio de Andrade, o presidente do Bangu, chegara ao limite da paciência. Ele não suportava mais o desinteresse do Luisinho com o futebol. Havia meses que o jogador não aparecia para treinar até que na primeira semana de abril deu as caras no clube. O novo treinador, Martim Francisco, permitiu que o rapaz treinasse. Para variar, mais um show de bola. Coube ao treinador deslocar Paulo Borges para o miolo do ataque e escalar o “novo Garrincha” na ponta direita contra o Botafogo. “Escuta aqui, rapaz, você precisa se acostumar a tomar uns ares de Bangu, gostar mais da grama daqui e esquecer o pasto das boiadas. Outra coisa, o sol de Bangu é muito bom, principalmente pela manhã, e por isso é mais um motivo para você não sumir de vez em quando”, sugeriu Eusébio de Andrade, mas a resposta do Boiadeiro foi imediata: “Eu sei disso, presidente, mas o sol de lá é bom também.”
Mas era tarde. Não havia mais espaço para folclore. Luisinho não se emendava. No dia do jogo contra o rival, ele não apareceu. Foi a gota d’água. O Bangu não poderia puni-lo porque o jogador não tinha contrato assinado. Isso, aliás, era a queixa do Boiadeiro e, talvez, o principal motivo para preferir as vacas e não o Bangu. Castor de Andrade entrou na jogada e bem ao seu estilo, emendou: “Aqui, menino, você não fica. Vou emprestar teu passe ao São Cristóvão, e de graça.”
Boiadeiro recusou-se ir para o time da rua Figueira de Mello. Mas a ousadia para enfrentar uma ordem de Castor era completamente infrutífera. O jogador teve de acatar a decisão do cartola do Bangu. Mas o São Cristóvão é que sofreria as consequências. No dia seguinte após assinar o contrato, todos esperavam Boiadeiro no clube. O cara sumira novamente. Os dirigentes do clube rescindiram imediatamente o contrato, com o aval do técnico José do Rio a quem Luisinho Boiadeiro prometera emendar-se.
Mas um craque como ele não poderia ficar fora do futebol. Muitos pensavam que para tudo, em relação a Luisinho Boiadeiro, haveria uma solução. Mas com as portas fechadas no Bangu e no São Cristóvão estava difícil acreditar que a carreira dele lograria êxito. Em abril de 1968, uma luz surgiu. Com o passe livre recebido do Bangu, o jovem craque foi levado pelo lateral Paulo Henrique para testes no Flamengo. Na época, todos reconheciam seu valor. O goleiro Castilho, já em fim de carreira, convidou-o para jogar com ele em Belém do Pará. Um olheiro do XV de Novembro de Piracicaba também o queria. Mas o convite do Flamengo era irrecusável. A chance de ouro, porque o ponta-direita titular, o Carlos Alberto, estava se recuperando de uma contusão e mal começara a treinar com bola.
Boiadeiro seria solução para o Flamengo. Ele sentou-se no saguão do estádio da Gávea para aguardar Aristóbulo Mesquita. Os torcedores que estavam lá de plantão conheciam Luisinho. Sabiam da fama dele de “novo Garrincha”. Queriam saber como conseguira o passe livre, se continuava cuidando das vacas em Irajá e, o principal, se ainda rolava um caroço num campo de futebol. Mas aquele Luisinho não estava feliz, não era o Luisinho com tiradas à “Mané”.
“Já não havia mais ambiente para mim. Tudo porque não houve acordo para renovação de contrato (que existiu informalmente, frise-se). Nada custei ao clube (o Bangu). Era amador quando fui treinar no estádio Proletário. Nessa época, o clube estava no Norte, em excursão, e por iniciativa do então diretor Válter Gonçalves eu assinei um contrato (sic). Mas ganhava muito pouco: apenas NCr$ 60,00 mensais. O dinheiro não dava e o sr. Castor de Andrade, que foi quem me ajudou muito, ainda me deu uma melhoria com um aumento para NCr$ 92,00. Na semana do jogo Botafogo x Bangu, que terminou 0 a 0, seu Martim (Francisco) precisou de mim e foi me chamar em casa. Havia se machucado um atacante, não me lembro quem. Treinei e no coletivo nosso ataque, formado por mim, Paulo Borges, Cabralzinho e Aladim, marcou cinco gols. ‘Seu’ Martim me pediu então que eu fosse à casa do presidente (do Bangu) Eusébio para assinar (o contrato). Fui disposto a pedir NCr$ 4 mil de luvas, mas queriam me dar NCr$ 1.500,00 e NCr$ 250,00 mensais, por um ano. Relutei e disse ao sr. Eusébio que não ia aparecer para jogar. Fiquei mesmo em casa e eles tiveram que botar o Élcio. Resultado: ficaram zangadíssimos, passaram a me chamar de maluco e nunca mais tive outra oportunidade. Não falavam mais comigo e já me sentia sem clima. Não se pode brigar com o patrão, eu aprendi isto. E graças ao sr. Castor pude receber o passe (livre).”
Mas as condições físicas do Luisinho Boiadeiro estavam aquém do desejável para um jogador de futebol. Miraglia explicou a ele que seria melhor voltar á Gávea em melhores condições. Lusinho jamais retornou à Gávea.
O “novo” Garrincha sumira definitivamente do futebol. Nunca mais ouviram falar dele. Somente em 1972, o repórter Eliomário Valente, do Jornal dos Sports, foi atrás da grande pauta: Quem fim levou o “Garrincha” do Bangu?
“Talvez seja tarde para voltar, mas bem que eu gostaria. Vibrava com tudo que fazia. Para mim, o futebol não tem mistérios. É só pegar a bola e jogar o mais simples possível. Nada de complicar ou inventar. Um drible não tem nada de mais, a gente pega a bola, olha e executa a jogada. Fiz poucos gols em minha vida, mesmo porque o gol, para mim, nunca foi tentação. Preferia preparar para os companheiros. Sempre fui assim. E assim morrerei.”
Luisinho Boiadeiro estava afastado do futebol desde 1968. Seu derradeiro clube foi o Barra Mansa. Não gostava de tocar no assunto. Respondia sempre que “águas passadas não movem moinhos”. Mas decidiu desabafar com Valente. Disse que a “inveja” que sentiam dele, quando seu nome era publicado em todos os jornais, foi um dos fatores que aos poucos fez com que desgostasse de jogar bola.
Aquele ambiente do futebol foi entediando-o, diluindo-o como ser humano. Tornando-o um suco amargo. Muito humilde, Lusinho não estava preparado para ser jogador de futebol, ou melhor, não souberam prepará-lo, atraí-lo como deveria. Culpados? Muitos e ninguém, mas certamente um sistema arcaico que perdura até hoje nas bases do futebol brasileiro.
Luisinho, que não bebia e nem fumava, gostava das vacas, mas também de uma boa pelada nos campos de terra batida espalhados por Irajá ou mesmo no asfalto das ruas do bairro. O futebol não o quis, mas ele viu seu irmão mais novo, o Jaburu, que também “lembrava” o Garrincha, destacar-se em 1975 na base do Vasco, mas sem ir muito longe, igualmente ao irmão.
Naquele mesmo ano em que o menino Jaburu começava a sonhar, Lusinho Boiadeiro vivenciaria algo que mudaria completamente sua vida.
VIRADAS QUE A VIDA DÁ
Era uma tarde. Lusinho caminhava pela rua quando se deparou com um gesto covarde: um camarada espancava um menino. Um espírito de justiça invadiu sua alma. Atracou-se com o agressor do garoto e o espancou até dizer “chega”. Quando percebeu que o menino estava bem e salvo, deu as costas e foi-se embora. Seu erro. Talvez achasse que o cara em que bateu era mais um dos marcadores que deixara humilhados e estatelados no gramado após seus intermináveis dribles. Foi, sim, seu erro fatal virar-se. Erro mortal. Jamais poderia dar as costas ao ofendido e ensanguentado covarde a quem acabara de dar uma justa lição. Ouviu-se somente o estampido. Um único tiro a cruzar a rua e atingir Lusinho… em cheio. Na coluna. Da forma mais covarde possível pararam aquele que seria o herdeiro do Garrincha.
Luisinho sobreviveu, porém paralítico. Imediatamente perdera tudo. O dinheiro, que já era escasso, sumira de vez. Recebia somente 538 cruzeiros que, mensalmente, a Fugap dava a ele para “sustentar” a esposa e os três filhos menores. O pai do lateral Paulo Maurício, do América, ajudava-o. Faziam o mesmo o lateral Fidélis, seu ex-companheiro no Bangu campeão de 1966, e Luís Valentino Galo, médico do América, que o ajudava anonimamente com exames e medicamentos caríssimos antes de todo o drama de Lusinho ser revelado à imprensa. Até mesmo uma carta ao Gerson “Canhotinha de Ouro” escrevera. No texto, Lusinho pedia socorro. “Comovido, Gerson leu a carta numa emissora de TV. Após cinco minutos da leitura, um telespectador ofereceu 10 mil cruzeiros para atenuar a dor do Luisinho. Fidélis, um parceiro como poucos, jogava no Vasco. Pediu a todos os jogadores do time que colaborassem com a lista em prol do ex-ponta. Em meio a toda rede de solidariedade, surgiu a ideia de um jogo beneficente. Quantos craques foram ajudados assim? Recordo-me do Fausto, a “Maravilha Negra”, nos anos de 1930. A rede de solidariedade foi intensa. Houve também o grande craque baiano “Dois Lados”, do “mais querido” Ypiranga dos anos de 1920 e 30. Cego e muito pobre, a Bahia inteira o ajudou. Lusinho, ao contrário destes dois gigantes da história do futebol, não conseguiu ingressar na galeria de ídolos nem mesmo de Barra Mansa. Ninguém compreendeu a alma dele em Bangu. Era mais fácil o caminho do folclore, do deboche. O dinheiro escasso que recebia da Fugap não dava nem para se alimentar direito. Era comum, durante as intermináveis terapias realizadas na ABBR, no Jardim Botânico, vê-lo desmaiando nas mesas de exercício. Fraqueza. Fome.
Em 1976, o meia Geraldo, do Flamengo, que diziam ser melhor que o Zico, partiu prematuramente após durante uma cirurgia malsucedida para extrair amígdalas. O mundo do futebol mobilizou-se para ajudar os parentes dele. Refletindo sobre o caso de Geraldo e de Boiadeiro, o jornalista Cláudio Mello e Souza escreveu a crônica intitulada “Quando o futebol esquece”, em O Globo: “O nome a história de Luís Boiadeiro me foram recordados por minha mulher, Márcia Mendes[1], a propósito do jogo de ontem, em homenagem a Geraldo, mas em benefício da família de Geraldo (…) Fico pensando se o futebol, que nada ou pouco fez por Geraldo, e que por mais dinheiro que arrecade jamais poderá ressuscitá-lo, não poderia se organizar de forma a proteger ex-atletas para os quais a vida carrega a marca da morte. Não falo de proteção remota, mas imediata, capaz de dar a um ex-atleta não a esmola, que constrange, mas um emprego, que enobrece.”
Somente no dia 28 de dezembro de 1976, após um ano de o drama do Lusinho Boiadeiro ser revelado à imprensa, a Fugap e a entidade que representava os paraplégicos no Rio de Janeiro promoveram, no Maracanãzinho, um jogo de futebol de salão em benefício do ex-jogador do Bangu. Participaram Roberto Dinamite, Abel, Nielsen, Rubens Galaxie, Zico, Marinho Chagas, Rodrigues Neto, Osmar, Nilson Dias, Gilson Nunes, Edinho, Pintinho e Zé Mário. A preliminar foi um jogo de basquete em cadeiras de rodas — e a grande notícia! — com Luisinho defendendo um dos times formados por paraplégicos.
Mas aquele jogo não foi suficiente. Lusinho precisava de mais ajuda. Castor de Andrade deu para ele uma cadeira de rodas. Mas o gesto mais solidário e genuinamente comovente partiu do cidadão Manoel dos Santos. Um certo… Garrincha, que juntamente com Nilton Santos, Brito, Djalma Dias, Cafuringa dentre outros cobras jogaram uma pelada disputada no dia 7 de maio de 1978, em Miguel Pereira, em prol do Boiadeiro.
E foi assim, com uma pelada ali, outra acolá para ajudá-lo que Luisinho Boiadeiro foi sobrevivendo. Ele sonhou, como todos que sabem verdadeiramente jogar bola, um dia vestir a camisa da seleção brasileira, igualzinho ao seu ídolo: Garrincha. O sonho, ainda bem, será sempre herdado por muitos outros meninos iguaizinhos ao Lusinho, que um dia fez sorrir aqueles cujas retinas jamais os enganaram. Era, sim, “o novo Garrincha” diante dos seus olhos.
[1] No dia 9 de dezembro de 1979, Márcia Mendes morria de câncer, no dia do seu aniversário de 34 anos. Foi, sem dúvida, uma das personalidades mais célebres da TV brasileira ao longo da década de 1970. Para a esposa, Cláudio Mello e Souza escreveu um lindo poema: Teu corpo virou jardim/ Tens todo o tempo para brincar de amor/ e gozar o tempo, e possuir o vento./ Agora podes colher,/sem que ninguém te notes,/com tuas mãos de nada ter,/com teus dedos de teclas brancas,/os inesquecíveis miosótis./Agora já podes tocar:/onde estás ninguém ri/da tua versão de Satie./O tempo apaixonou-se por ti.
Já não te pode interpretar./É dor que não mata e nem cura./A contabilidade da usura.
E mesmo que a inveja não suporte/tens em mim, sempre a brotar,/os imperecíveis miosótis.
O CRAQUE DO BRASIL EM 1983
por Luis Filipe Chateaubriand
O jovem Renato Portalupi – depois, rebatizado futebolisticamente como Renato Gaúcho – era, em 1983, um fenômeno de força, técnica e vitalidade.
Na Copa Libertadores da América daquele ano, conduziu, com Tita e De Leon, o time do Grêmio à grande final.
Final difícil, tensa, agastada, eis que Renato acha um espaço milimétrico para fazer um cruzamento que vai na cabeça do centroavante Cesar.
Era o gol do título.
E eis que, então, o Grêmio foi disputar o Mundial de clubes, onde venceu o Hamburgo por 2 x 1 – dois gols de Renato.
No que pese a atuação sensacional de Mário Sérgio, ninguém mais que Renato poderia ser o melhor do jogo.
Como ele disse em entrevista ao Zico recentemente “joguei pouco… só marquei, criei, ataquei e fiz dois gols!”.
E se o homem é o melhor da Libertadores e é o melhor do Mundial, só pode ser o melhor jogador do Brasil em 1983.
E, como diria meu amigo Sergio Pugliese, estamos conversados!
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!