DEUSES DE CARNE E OSSO
por Leymir Moraes
Deus deu a alguns um talento divino, e a outros uma devoção sobrenatural. A união das duas medidas transfigura a imortalidade desportiva aonde tais como Garrincha, Ademir Menezes, Rivelino e Zico habitam.
Ocorre que o Criador em sua grande generosidade não limitou o céu aos gênios e deixou a porta aberta para que humanos o alcançassem se assim merecessem. Viajaremos nesse primeiro momento pela epopeia de quatro lendas dos gigantes do Rio, e sua seguinte beatificação.
As histórias serão contadas por ordem cronológica e relacionadas aos surgimentos das Instituições:
1. Botafogo 1894
2. Flamengo 1895
3. Vasco 1898
4. Fluminense 1902
A escolha da personagem foi sugerida por Ruy Moura, editor do mundobotafogo.blogspot.com um estimado amigo e brilhante professor a quem sempre serei grato pelo tempo e ensinamentos a mim destinados.
Dinorah de Assis – O Alvi e o Negro do Botafogo.
Se existe um clube aonde glória e tragédia se orlam, esse clube é o Botafogo, e se engana quem supõe ser esta a exposição de uma fraqueza. A dualidade entre os dribles mais alegres da história do futebol, e dores dilacerantes, como a perda de seu lar, desenham a complexa alma do torcedor alvinegro.
O âmago de um clube não é a quantidade de títulos que carrega, é sim a relação de sua gente com o emblema que ostenta. O Botafogo da apolínea Diva navega em águas tranquilas, o Botafogo do dionisíaco Heleno de Freitas conduz ao caos, ambos produzem paixão e encanto em medidas semelhantes e é nesse paradigma que se constituem as massas alvinegras.
Sem dúvida é divino o Botafogo, e sua divindade está atrelada ao fato de ser demasiadamente humano.
Dinorah de Assis defendeu outros emblemas como o Internacional de SP e o América do RJ, um antes sem depois do Clube da Estrela Solitária. Após vestir a camisa do Botafogo, nenhuma camisa mais lhe coube, pois é daqueles casos raríssimos que tem com o clube relação simbiótica.
De 1909 a 1911, foi campeão, zagueiro, atacante, goleiro e juiz. Atrevo-me a dizer que ao lado de Luiz Caldas, 17 anos antes, e Heleno de Freitas, 30 anos depois, é definidor de um dos traços marcantes da alma do clube, a abnegação alvinegra.
Essa é uma história de amor, não o sentimento doentio que levou Euclides da Cunha ao Bairro da Piedade para em seus próprios termos “matar e morrer” em nome de uma suposta defesa da honra.
Essa é uma história de amor, e não a história de Euclides, Anna ou Dilermando, essa é uma história Botafoguense, é a história do nosso herói Dinorah que teve atravessado as costas um balaço a se alojar em sua espinha, numa tarde vadia de agosto de 1909. O que seria para qualquer um apenas um terrível ocaso, é para Dinorah um misto de desgraça e eternidade. Uma eternidade cara, oriunda de paixão e pólvora, sim, só poderia ser no Botafogo.
Glória ao Botafogo gentil, pura glória ao gentil Dinorah, vítima inocente de Euclides da Cunha e herói inconteste do Panteão da Estela Solitária. O homem que entrou em campo para disputar um clássico contra o Fluminense 4 dias após ser baleado. O homem que jogou o campeonato de 1910 com uma bala alojada a sua espinha que de forma sorrateira roubaria seus movimentos. Dos 10 jogos do cantado a verso e prosa “campeão desde 1910”, Dinorah de Assis foi e é o herói de cada jogo.
A fantástica campanha de 1910 entrega ao clube a justa alcunha de Glorioso, em seu elenco jogaram juntos entre outros, Dinorah de Assis e Mimi Sodré, duas facetas opostas e complementares do que é ser Botafogo.
Se Mimi Sodré junto a Carvalho Leite compreendem o cavalheirismo e a fidelidade Alvinegra, Dinorah de Assis expõe a dualidade que Heleno de Freitas e Garrincha viriam sintetizar décadas depois.
Me furtarei a comentar o final de sua vida, mas todo torcedor alvinegro de fé deve ao menos uma prece a Dinorah de Assis, eu não sou e pago a minha. Todo torcedor alvinegro ateu, necessita entender agora que é Dinorah um Deus pareado a Didi e Nilton Santos que teve a honra de herdar e imortalizar a sua camisa.
Dinorah o jogador mais shakespeariano de todos, do clube mais shakespeariano entre todos. Ganha a eternidade sendo demasiadamente Botafogo!
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ROMEIRO, O SPUTNIK BRASILEIRO
por Antonio Carlos Meninéa
Vestindo o manto sagrado do América/RJ
Céu de brigadeiro em Sampa com o astro rei expelindo um calor ardente por onde tocava. Resolvi visitar uma dessas escolinhas de futebol. Um terrão com mato aqui e ali. Longe, avistei no meio de campo um senhor de cabelos bem grisalhos capinando debaixo daquele sol escaldante.
Após o treino da garotada, fui apresentado aquele senhor que capinava o terrão, seu nome era de bom agouro, José, ou melhor, José Romeiro Cardoso. Muito humilde e simpático, Romeiro, como gostava de ser chamado, conversou comigo por quase duas horas. Passei a visitar a escolinha e a ouvir as histórias sobre futebol que aquele capinador de terrão contava.
Tempos depois, descobri que meu novo amigo foi profissional vice-campeão carioca pelo América em 1955, e campeão pelo clube do Parque Antártica em 1959, fazendo o gol do título sobre o todo poderoso Santos de Pelé.
O homem que assinalou o gol do Supercampeonato Paulista de 1959 ainda foi campeão da Taça Brasil de 1960, e foi bicampeão pelo Millonários da Colômbia.
Seus causos eram incríveis e recordo muito bem de um deles, disse ele: “Rezei muito na decisão contra o Santos em 10 de janeiro de 1960, para que o jogo terminasse 2×1 com o meu gol do título”. E bolas na trave para cá e para lá não alteraram o placar, desejo atendido e realizado.
No América carioca jogou com craques como Pompéia, Rubens e Édson, Ivan, Osvaldinho e Hélio, Canário, Leônidas, Alarcon e Ferreira.
No Palmeiras, com: Valdir de Moraes, Djalma Santos e Waldemar Carabina, Geraldo, Zequinha e Aldemar, Julinho Botelho, Nardo, Américo e Chinesinho.
Romeiro no Palmeiras com a faixa de campeão
Jogou ainda no Santa Cruz, no América/MG, na Ponte Preta, Deportivo Cáli e Atlético Jr Barranquilla. Atuou na era de ouro do futebol brasileiro ao lado e contra os maiores craques dos anos 50/60.
Romeiro contemplativo
Ao retornar ao Brasil, como técnico, foi campeão da Taça São Paulo de Juvenis pelo Nacional Atlético Clube e campeão paulista juvenil pelo Palmeiras. Se afastou do futebol de forma direta ou indireta em 1986, após ser auxiliar no Palmeiras do técnico Carbone.
Depois de muita relutância por parte de Romeiro, que não acreditava ter história para isso, tive a honra de escrever e lançar em 2004 o livro “Romeiro o Sputnik brasileiro”.
Pela potência de seus chutes, que muitas vezes vinha acompanhado de muito efeito bailando pelo ar, foi carinhosamente apelidado pelos palmeirenses de Sputnik, satélite lançado pela União Soviética em 1957.
Em 2008, Romeiro foi chamado para atuar nos campos celestiais com outros craques que já haviam sido requisitados, mas seu legado ficou para sempre registrado na história do futebol brasileiro.
O goleiro Laércio, do Santos, só observou o chute que registrou Romeiro na história do Palmeiras.
SAUDADES DO BATE BOLA
por Luis Filipe Chateuabriand
Na apresentação, João Carlos Albuquerque, o Canalha – um exemplo de simpatia, gentileza e bom humor para introduzir os assuntos.
Nos comentários, de São Paulo, Paulo Vinícius Coelho, o PVC, um colosso de informação, de dados, de estatísticas, de estudos táticos, de seriedade profissional e de inteligência aplicada ao jogo.
Ainda nos comentários, de São Paulo, Mauro Cezar Pereira, com sua capacidade de análise crítica impressionante, clarividência sobre as questões estruturais de futebol, caminhos a serem apontados.
E, dos estúdios do Rio de Janeiro, Lúcio de Castro, com toda a sua irreverência, a visão do futebol como instrumento de integração social, a vontade de ver o jogo como espelho da vida, algo lúdico, simples, prazeroso.
E estava pronto o quarteto, para ser assistido, e aplaudido, na hora do almoço, de segunda a sexta.
Como brinde, um programa especial: quando o Canalha pediu a reapresentação da reportagem sobre a contratação, pelo Flamengo, do técnico Waldemar de Lemos – irmão do outro técnico, mais famoso, Oswaldo Oliveira.
A torcida do Flamengo, irada, começou a reclamar, aos palavrões, perante um atônito assessor de imprensa do clube, que comunicou quem era o novo técnico.
E daí, veio o coro de torcedores, absolutamente genial: “Ah, ah, ah! Fora Waldemar!”.
Waldemar nem tinha assumido, e já pediam sua saída.
Um clássico de nosso futebol!
Por essas e outras, o Bate Bola é inesquecível!
E sempre será!
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
O CRAQUE DO BRASIL EM 1984
por Luis Filipe Chateaubriand
Julio Cesar Romero, o Romerito, chegava ao Fluminense em 1984, vindo diretamente de Nova York, onde jogara anteriormente no Cosmos.
O jovem craque paraguaio viria ao tricolor para fazer a diferença.
Técnico, tratava a bola muito bem, de seus pés saíam passes preciosos, chutes arrebatadores, jogadas absolutamente inventivas.
Dotado de garra, estava constantemente disputando bolas divididas, liderava, apontava caminhos para os companheiros dentro do campo.
Com um preparo físico invejável, era onipresente em campo, se deslocava com extrema facilidade, movimentos ágeis, rápidos, inteligentes.
Tal conjunto de virtudes fez o gringo ser premiado ao fazer o gol do título, no primeiro jogo da final contra o Vasco da Gama, em que chutou, o goleiro Roberto Costa espalmou e a, bola, de volta, caiu novamente nos pés de “Don Romero”, dali saindo para o gol.
O cara veio, viu e venceu!
E ficou para sempre na memória do torcedor tricolor carioca!
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
NEM TUDO ESTÁ PERDIDO
por Zé Roberto Padilha
Na quarta, em meio a um equilibrado Campeonato Carioca, em que Botafogo e Vasco estão mostrando que terão dificuldades em subir, e o Fluminense tentará se manter, caso não invista, eis que surge o desequilíbrio.
O outro patamar.
Se apresenta um time de futebol diferenciado. Capaz de nos lembrar da Máquina Tricolor, da Academia do Palmeiras, do Expresso Cruzmaltino, do Botafogo e Santos que eram a base das nossas maiores seleções.
Se apresenta aquele que vai buscar o título maior do futebol brasileiro e mundial.
O que o Flamengo mostrou, quarta à noite, contra o bom time do Madureira, há muito não assistíamos. Uma exibição de almanaque, onde a técnica apurada, os deslocamentos incessantes, a vontade de jogar bola aliado a um enorme entrosamento não nos deixou sequer levantar para ir a geladeira buscar uma latinha.
Bola e jogadores, apaixonados, pareciam saudosos uma dos outros e se entregaram, de corpo e alma, a 90 minutos de puro êxtase.
Mais que uma exibição, foi um sopro de esperança no desacreditado futebol brasileiro.
Espero que o Tite tenha assistido a partida. Se colocar o Daniel Alves na lateral, o Neymar no lugar do Diego e naturalizar o Arrascaeta, o maestro, basta trocar as vestes rubro-negras pela amarelinha.
Deixe, por favor, aqueles Firminos, Fernandinhos, até mesmo Jesus quietos por lá. Há muito não estão identificados com a gente. Mal falam português, não jogam ao nosso lado como Gabigol, Everton Ribeiro e Bruno Henrique.
Daí não teremos apenas uma grande seleção de volta. Daquelas que dá vontade de ir a Teresópolis assistir ao treino, colecionar figurinhas, até voltar a pedir autógrafos.
Mais do que favorita para buscar outro título mundial, teremos novamente o orgulho de ser o país que pratica, forma e exporta o melhor futebol do mundo.
Parabéns, Flamengo.