O CRAQUE DOS BORDÕES
por Serginho 5Bocas
O torcedor que quisesse acompanhar futebol no Brasil, no final dos anos 70 e início dos 80, era praticamente só no rádio com os famosos trepidantes.
Curtia muito ouvir Waldir Amaral, Doalcey Camargo, Jorge Cury e José Carlos Araújo, o Garotinho. Sem contar os comentaristas Washington Rodrigues, o “Apolinho”, Gerson, “O canhotinha de ouro” e o grande Mario Vianna, que reza a lenda, foi o primeiro comentarista de arbitragem que se tem notícia por estas bandas.
Futebol na TV era coisa raríssima, um verdadeiro cometa Harley. Às vezes transmitiam os momentos finais de uma final de campeonato, como na do Carioca de 1977, que passaram somente a disputa de pênaltis entre Vasco e Flamengo. Outras vezes, eram jogos amistosos ou jogos da seleção brasileira, quando em excursão no exterior ou jogando em outro estado do País, resumindo, era dificílimo para a gente ver imagens dos nossos craques.
No meio desta pedreira toda, havia para nós do Rio de janeiro, a emissora TVE ou TV Educativa, que nas noites de domingo, lá pelas 22h, passava os vídeo tapes dos jogos principais da rodada, principalmente do Campeonato Carioca, pois mesmo sendo tarde da noite, valia muito a pena.
Então o esquema era escutar no rádio à tarde e depois confirmar no vídeo tape as grandes defesas e os gols que havíamos escutado e vibrado intensamente. Confesso que muitas vezes, acho até que na maioria delas, tinha uma decepção, porque as defesas não eram tão espetaculares quanto a voz do trepidante do rádio me fez acreditar ou que a velocidade do jogo não era tanto quanto parecia no “dial”, mas fazia parte do roteiro, não perdia um, até mesmo os jogos dos adversários.
Na hora do tape, a gente sentava no sofá e se deliciava com a principal fera daquelas transmissões: Januário de Oliveira, que apesar de ser tricolor, a vibração de sua voz, era igual para todos os times.
– “Domingo de sol, taí o que você queria, bola rolando…”, era assim que começava a narração na maioria das vezes, abrindo os trabalhos junto a todos os ouvintes e homenageando o finzinho do solcarioca, emoldurado num clássico arrebol, sumindo no horizonte.
Ézio, o centroavante do Fluminense que jogava quase sozinho, naquela época de vacas magras tricolores, virava “Super Ézio”, no imaginário criativo e vibrante do mestre da comunicação, porque segundo ele:
– Super-herói é pra isso…
O driblador super veloz Valdeir, que vestindo a lendária e gloriosa camisa do Botafogo, ia desmontando as defesas com a sua velocidade espantosa, foi logo apelidado de “The Flash”, por motivos óbvios.
Sávio, o ponta do Flamengo veloz, driblador e “ensaboado”, era chamado por Januário de “diabo” ou “anjo” louro da Gávea, de qualquer forma que fosse, era uma baita homenagem.
William, o craque baixinho e canhoto do Vasco, segundo Januário, era o pequeno príncipe, herdando a alcunha do seu antecessor e grande craque Geovani, que responsa!
“Tá lá o corpo estendido no chão”, ouvíamos sua voz potente, informando quando um dos jogadores caíam no gramado, sinalizando o prenúncio de mais um carreto que seria executado pelo querido “Mike Tyson” ou Enéas para os mais íntimos, era outro de seus divertidos e famosos bordões.
“Cruel, muito cruel”, o Romário, falava ele a cada gol espetacular do baixinho marrento e bom de bola. Mas cruel mesmo foi ele ter partido, aquela voz maravilhosa e aquela mente prodigiosa, que bolava e nos apresentava amiúde, versões muito mais interessantes de nossos craques do que somente os nomes simples de cada um deles, deixou muita saudade.
Entre tantos bordões o que eu mais gostava, era: “eeeee o gol, tá lá”, afinal de contas, gol é o grande momento do futebol e Januário sabia muito bem disso, que é disso que o povo gosta…
Partiu, mas deixou uma saudade danada em todos nós.
Um forte abraço
Serginho5bocas
TÁ LÁ UM CORPO ESTENDIDO NO CHÃO
por Zé Roberto Padilha
Tá aí o que ninguém queria! Que você nos deixasse tão cedo, órfão da magia que era narrar o futebol arte do jeito carioca de ser.
Cheio de malícia, criatividade e arte.
É cruel, muito cruel esta vida que retira da gente grande parte daqueles que nos fizerem mais apaixonados por ela.
E Januário de Oliveira, e seu arsenal de bordões, clichês, tornava a paixão nacional, o futebol, ainda mais emocionante. E divertido.
O elástico de Rivelino sobre Alcir, do Vasco, foi uma obra de arte. E o lençol de Roberto Dinamite sobre Osmar, dentro da pequena área, e concluído de voleio, narrados por ele pela Rádio Tupi, eram para ser colocados na parede de uma galeria. De arte.
Era um olho no campo, um radinho de pilha com a narração do Januário. Assim vivemos as melhores tardes dos melhores dias do nosso futebol.
Era tanto talento dentro de campo, com Gerson, Rivelino, Zico, Garrincha e Jairzinho, que ele entrava redações adentro, e seduzida Nelson Rodrigues, João Saldanha, e iluminava até a pena literária imortal do mestre Armando Nogueira.
O Jornal dos Sports tinha o Henfil, o JB, Sandro Moreira, a Rádio Globo, Waldir Amaral, Jorge Cury, e Mario Vianna. Esse, então, gritaria para quem tomou a decisão de levar Januário tão cedo:
Gol legal?
Errouuuu. Errooouuu!
Se tivesse o VAR, pediriamos para voltar o lance. E solicitar ao criador só mais um pouquinho para você ficar.
Para que o seu exemplo, o seu legado, não seja perdido para a mesmice, para o previsível, que ele volte a elevar os rumos dos que jogam, comentam e narram nossos jogos de futebol.
Por uma questão de felicidade, não combina, neste momento de pandemia e isolamento dos torcedores dos estádios, ver o porta voz da irreverência e da criatividade fora da mídia.
Assistir seu corpo e nossas almas, e o que restou de esperança de uma paixão nacional, literalmente estendidas no chão.
Descanse em paz, meu ídolo.
GERAL, MEU AMOR
por Marcelo Carrara
Foto do Jornal dos Sports com Loureiro Neto
Em tempos de estádios vazios e futebol cada vez mais pobre, encontrei uma relíquia que me fez viajar no tempo, trazendo lembranças que ainda estão muito vivas na minha memória. Tenho muitas recordações do Maracanã, cada uma mais hilária que a outra. Imagina um mineiro com 15 anos, recém chegado no Rio e frequentando a geral do Maraca? Na foto, é possível me ver na geral no clássico Vasco x Flu, em 1982.
Tenho inúmeras histórias engraçadas para contar, não sei se consigo passar para o papel, mas posso tentar. Uma das mais engraçadas vou contar agora. Logo quando fui morar no Rio, em 1980, ficava encantado em ver pela TV aquela festa de papel picado e papel higiênico nas arquibancadas. Pedi minha mãe para fazer uma bandeira, levei uma antena de carro para estendê-la, comprei papel higiênico, fiz muito papel picado, coloquei tudo dentro de uma bolsa de viagem da SOLETUR e fui feliz da vida para o Maracanã ver o meu primeiro Vasco x Flamengo.
Por um erro de logística, logo depois de subir a rampa da UERJ, ao invés de quebrar a direita, fui para esquerda. Percebi que do meu lado só tinha flamenguista, e eu com a bandeira do Vasco dentro da bolsa. Ao perceber meu erro, discretamente fui voltando em direção à torcida do Vasco, mas passei um aperto do cão! Parecia que na minha cara estava escrito que eu era Vasco da Gama e seria linchado no anel do Maracanã. Por sorte nada aconteceu e pude fazer a festa no estádio!
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA DJALMINHA
D de dado, dedicado, desenrolado, desembaraçado, decente, decidido, desenrascado, destemido, deslumbrante, desejável, desenvolvido, desenvencilhado e despachado. D de divertido, digno, distinto, direito, disponível, dinâmico, disposto, discreto e dileto. D de doce, dosado, dócil e dotado. D de Djalma Dias. D de Djalminha. D de diferenciado.
De tantos ‘dês’ em qualidades e defeitos que carregam num só CPF, Djalma Feitosa Dias fez história como um dos jogadores mais habilidosos do futebol brasileiro de todos os tempos.
Formado nas divisões de base do Flamengo, do primeiro jogo entre os profissionais, em uma partida contra o América-RJ, válida pelo Campeonato Carioca de 1989, ao se desentender numa noite de 13 de julho de 1993, em um Fla-Flu, no Caio Martins, em Niterói, o camisa 10 foi personagem de uma discussão que decretou o fim de sua passagem pela Gávea, ao trocar empurrões com Renato Gaúcho. Diante de um problema, veio a guinada na carreira.
A começar pelo Guarani, cujo estádio chama-se Brinco de Ouro da Princesa, onde o príncipe Djalma colocou todo o seu potencial para aqueles verem a perda da dispensa no Flamengo. Ouro tratado como pedra onde passou maior parte da infância, adolescência e início da fase adulta. Foi eleito um dos melhores jogadores do Campeonato Brasileiro de 1993, que lhe deu passaporte para jogar no Japão, antes do Palmeiras repatriá-lo, para novamente, com uma camisa verde, fazer história. Sob o comando de Vanderlei Luxemburgo e um celestial time, o clube alviverde atropelou seus adversários no Campeonato Paulista de 1996 e alcançou o recorde de 102 gols na campanha campeã.
Ao fazer história no La Coruña, o ‘Rei da Galícia’ trouxe a ‘cavadinha’ à tona, cobrança de penalti realizada pela primeira vez pelo jogador tcheco, Antonín Panenka. Ele cobrou desta forma, que desestabiliza qualquer goleiro, na final do Campeonato Europeu, em 1976, quando surpreendeu Sepp Maier na cobrança que deu o título à Seleção da Tchecoslováquia.
Daqueles pés mágicos pintaram dribles desconcertantes, realizaram lançamentos extensos com a precisão de quem usa uma lente de grau na chuteira esquerda. Foi herói e levou os ‘Branquiazuis’ à loucura com os títulos da La Liga em 1999/2000,
Supercopa da Espanha, em 2000 e 2002, e Copa do Rei, em 2002. Teve seu dia de vilão após a cabeçada que desferiu no treinador do La Coruña, Javier Irureta, durante um treinamento da equipe espanhola que ‘maravilhava’ o Velho Continente.
Da lambreta em quatro jogadores adversários, que virou passe para o companheiro, e foi noticiada no mundo todo após a vitória por 5 a 2 sobre o Real Madrid, na temporada de 1999/2000 do Campeonato Espanhol, fez virar cartão postal para os torcedores que lembram da jogada no Estádio Municipal de Riazor apesar de não ter saído o gol na conclusão de Victor que foi interceptada por Roberto Carlos.
Quando estava no América do México, Djalminha sofreu com lesões e resolveu aposentar sua arte de jogar futebol aos 34 anos. Tristeza? Talvez não disputar uma Copa do Mundo. No entanto, nada supera a saudade de seu pai Djalma Dias, falecido no dia 2 de maio de 1990, no Rio de Janeiro, vítima de uma parada cardiorrespiratória, que não teve tempo de ver um dos meias mais geniais do futebol de todos os tempos.
O Museu da Pelada traz a magia de Djalminha, que é o nosso 35° personagem do ‘Vozes da Bola’.
*Por Marcos Vinicius Cabral*
*Edição: Fabio Lacerda*
Como foi a infância de Djalma Feitosa Dias, no Rio de Janeiro?
Maravilhosa. Fui criado no bairro de São Cristóvão, onde jogava minhas peladas. Certa vez, me viram jogando na rua e me convidaram para ir treinar no futebol de salão do São Cristóvão. Ali dei o pontapé inicial e, definitivamente, comecei a rodar em times de salão. Depois fui para o Flamengo.
Como foi sua chegada ao Flamengo? É verdade que você veio do futebol de salão?
Verdade. Joguei dois anos no São Cristóvão, um no Grajaú Country e mais um no Bradesco. Em 1985, fui fazer um teste no infantil do Flamengo, acabei aprovado e aí começou toda a minha trajetória no clube. Foram oito anos muito felizes, com títulos, vitórias, muitas amizades e momentos inesquecíveis. Somando a base até os profissionais, tenho uma gratidão enorme pelo Flamengo que me projetou para o futebol.
Como foi seu jogo de estreia nos profissionais numa partida contra o América-RJ válida pelo Campeonato Carioca de 1989?
Todo jogador de futebol não esquece o jogo de estreia e comigo não seria diferente. Eu estava no banco de reservas com o mestre e saudoso Telê Santana que me deu a oportunidade de estrear. Lembro que entrei faltando pouco minutos e ainda tive o prazer de jogar por pouco tempo com Bebeto que era um dos caras que eu admirava muito. E falar da minha estreia é muito legal, pois era o clube do meu coração, o que comecei e que abriu as portas para eu jogar mais vezes no profissional.
Em 1990, você fez parte do elenco vencedor da Copa do Brasil juntamente com companheiros dos juniores vencedores da Copa São Paulo do mesmo ano. Como foi a experiência de conquistar dois títulos tão importantes?
Maravilhosa. Uma experiência extremamente enriquecedora. Esse ano de 90 foi muito importante para mim e ao mesmo tempo difícil pelo que enfrentei. O Jair Pereira me deu a chance de jogar a Copa do Brasil, e essa competição, que era a minha maior alegria, acabou contrastando com a perda do meu pai que veio a falecer. Foi ali, entre os extremos da vida pessoal e da profissional, que as coisas começaram a mudar de verdade na minha carreira. Essa campanha que culminou nos títulos acabaram sendo relevantes demais para um jovem recém promovido ao profissional. A confiança começou a ser conjugada por aqueles jovens que haviam subido ao profissional, e por mim também, já que joguei praticamente todos os jogos, exceto o segundo jogo da final contra o Goiás, no Serra Dourada, em que fiquei no banco de reservas naquele empate sem gols. Mas como a gente havia ganhado o primeiro jogo por 1 a 0, o Jair optou por um time mais experiente. Deu certo. Mas lembro desse ano com saudades, pois foi o meu primeiro título como atleta profissional.
Seu pai, Djalma Dias (1939-1990), ex-jogador da Seleção Brasileira, não teve a chance de te ver brilhar com as camisas do Flamengo, Guarani, Palmeiras, La Coruña e Seleção Brasileira, pois em 1990 (ano de morte dele) sua carreira estava apenas começando. O fato de seu pai não ter visto o grande jogador que você se tornou é o seu maior arrependimento do futebol?
A morte do meu pai foi a maior tristeza que tive na vida, pois ele não pôde acompanhar a minha vida, e principalmente, a minha carreira. Tenho certeza que ele estaria acompanhando e estaria orgulhoso de mim. Ele sempre me dava broncas, conselhos, pontuando o que eu deveria melhorar. Isso era muito bom e me fazia crescer. Mas foi sem dúvida alguma uma perda difícil de superar que ao mesmo tempo me fortaleceu. A maturidade veio e transformou um menino em um homem. Passei a pensar na carreira de forma profissional, e se teve algo de positivo com a morte do meu pai, se assim posso dizer, foi exatamente isso. Passei a ter maturidade antes da hora e sei que meu pai tinha orgulho de ouvir pessoas próximas falando bem de mim. Isso o deixava extremamente feliz. Mas o que me conforta é saber que ele está em algum lugar e feliz com o homem e profissional que acabei me tornando.
Como foi jogar com Fabinho, Júnior Baiano, Piá, Nélio, Paulo Nunes, Marcelinho Carioca e Zinho, pratas da casa, e os consagrados Gilmar, Wilson Gottardo, Júnior e Gaúcho, no pentacampeonato brasileiro, sobre o Botafogo em 1992?
Aquele grupo de 92 e que acabou se sagrando campeão brasileiro, realmente, foi maravilhoso. Havia muita gente da minha geração. Eram jogadores jovens e com uma fome muito grande em crescer. Não bastasse, junto com essa molecada, vamos dizer assim, haviam jogadores muito experientes que eram próximos da nossa geração. O grupo merecia conquistar aquele campeonato. Era muito unido e não foi um campeonato fácil de ganhar, não! Lembro que não éramos favoritos, haviam equipes melhores do que a nossa, no papel, mas quando nos classificamos, ninguém segurou. No mais, foi um prazer jogar com esses atletas e conquistar um título importantíssimo como o Brasileiro daquele ano.
Passados quase 28 anos, como encara aquela discussão com Renato Gaúcho, que acabou culminando na sua saída do clube? Quem errou mais naquela noite de 26 de junho de 1993, no Caio Martins, em Niterói, partida contra o Fluminense pelo Torneio Rio-São Paulo: você, Renato Gaúcho ou o Flamengo?
Em relação ao Renato, acho que naquele episódio os dois erraram. Isso é fato. Mas sinceramente, eu acho que o erro maior foi da diretoria do Flamengo em tomar a decisão de me emprestar. Porque eu era um jogador que estava começando, todos sabiam do meu potencial naquela época. Era um jogador promissor, e o Renato, apesar do ‘cracaço’ que foi, estava no final da carreira e continuou no clube. Mas acabou que a minha carreira seguiu, fui ser feliz em outros clubes e consegui mostrar o meu valor longe do meu clube de coração. Mas entre nós, eu e o Renato, continuou tudo numa boa, até porque foi um lance ocasionado do jogo, e até hoje, a nossa amizade é ótima. E vou te confessar uma coisa: essa desavença com o Renato acabou nos fortalecendo como amigos e analisando tantos anos depois da briga, o erro não foi nem meu e nem do Renato, mas de quem estava dirigindo o clube naquele momento.
E sua passagem pelo Guarani, jogando com Amoroso e Luizão, como avalia?
Foi uma belíssima passagem que tive no Guarani, onde tive a oportunidade de deslanchar no futebol brasileiro e dizer para todos quem era o Djalminha. No primeiro ano, ganhei a Bola de Prata, prêmio conceituadíssimo concedido pela revista Placar. Fiz um excelente Campeonato Brasileiro. Depois de jogar naquele timaço com o Fábio Augusto, o Robert, o Marcinho, que era um baita lateral-esquerdo, o zagueiro Cláudio, o Narciso, que pegava muito no gol, o volante Fernando, e sem falar no Luizão, matador e campeão do mundo pelo Brasil, e o Amoroso, que por onde passou foi artilheiro. Então, falar desse Guarani é emocionante, pois foi bom jogar com eles e desfrutar de bons momentos também fora de campo.
Qual motivo fez você ficar pouco tempo na Terra do Sol Nascente jogando pelo Shimizu S- Pulse? Qual foi a maior dificuldade para não ficar um ano sequer no Japão?
Na verdade, não houve dificuldade maior ou menor, e sim o cumprimento de um contrato de seis meses. Terminou o contrato, resolvi voltar ao Brasil.
Seria injusto afirmar que os times do Palmeiras de 1995 e 1996 foram os melhores em que você jogou?
Eu sempre falei e reafirmo para os leitores do Museu da Pelada que o Palmeiras de 96 foi o melhor time que eu joguei em toda minha carreira. Esse time jogava por prazer, entrava em campo para vencer, jogava para frente, dar goleada, ou seja, no ditado popular, aquela equipe ‘jogava por música’. Apesar de ter jogado no grande Flamengo de 92, que foi campeão brasileiro, e no La Coruña, campeão espanhol em 99, mas o Palmeiras de 96 era diferenciado.
Como foi receber a Bola de Prata em 1993, e a Bola de Ouro em 1996, ambas da Revista Placar?
É lógico que a Bola de Ouro, consagração para qualquer atleta, e que eu ganhei naquele belíssimo time do Palmeiras como o melhor jogador do Campeonato Brasileiro, em 1996, mas aquela Bola de Prata, em 93, foi fundamental para a minha carreira chegar ao nível que chegou. Foi em 93, jogando pelo Guarani, uma equipe do interior paulista, o que torna o feito mais difícil ainda, e ao sair do Flamengo da forma que foi, eu tive que mostrar o meu valor para o cenário futebolístico. Então aquela Bola de Prata está guardada aqui em casa com um carinho muito especial, e três anos depois, em 96, consegui a Bola de Ouro no Palmeiras, numa época em que grandes jogadores estavam em atividade no país. Ganhar as Bolas de Ouro e de Prata é algo para marcar a carreira de todo jogador.
Um ano depois, em 1997, você atinge o ápice da carreira e conquista a Copa América com a seleção brasileira. Como foi fazer parte daquele plantel?
Foi espetacular, mas a campanha de 96 no Palmeiras, e a consequente conquista da Bola de Ouro, fizeram com que eu chegasse à seleção em condições de disputar a Copa América daquele ano e me sagrar campeão. Foi maravilhoso participar daquele grupo e ter a oportunidade de conviver com jogadores que eram referências como Taffarel, Aldair, Romário, Ronaldo, que era mais novo, mas sem dúvida, foi um prazer imenso ter jogado ao lado. Mauro Silva, o nosso capitão Dunga, e o pessoal da minha geração como Edmundo, Paulo Nunes, o César Sampaio, que inclusive, foi meu companheiro de quarto, foram outros jogadores exponenciais. Conviver com essa galera foi uma experiência fantástica, única e que jamais vou esquecer.
Em seis anos na Espanha, jogando pelo La Coruña de 1997 a 2002, você ficou marcado pelo bom futebol e títulos conquistados na terra da Torre de Hércules, construída no século I. Quando Djalminha pisa na Galícia, estendem o tapete vermelho para você? Como é a receptividade 21 anos após o épico título?
E a festa pelo título espanhol como os brasileiros Donato, Mauro Silva e Flávio Conceição? Você não guarda dinheiro, não vai guardar segredo! Como foi a noite após o inédito título para o Deportivo?
Foi uma festa muito legal, já que todos os jogadores e seus familiares foram comemorar esse título no restaurante Playa Club, que à noite, se transformava em uma boate, em frente ao estádio do La Coruña, o Municipal de Riazor. Esse título, obviamente, foi muito comemorado, já que foi uma conquista inédita na história do clube. Foi inesquecível.
Você se considera uma peça fundamental para a elevação do La Coruña no cenário espanhol e europeu? Afinal, você conseguiu ser campeão espanhol, o único título do clube da Galícia, duas vezes campeão da Supercopa da Espanha (2000 e 2002) e Copa do Rei (2002)?
Fomos peças de uma engrenagem que fez o La Coruña funcionar muito bem. Acho que não sou o único, mas teve o Bebeto e Mauro Silva, que chegaram aqui antes e foram fundamentais para elevar o nome do clube. Em seguida, tivemos jogadores que ajudaram a construir essa história como o Rivaldo, o Flávio Conceição, o Luizão, e o Donato, que sem dúvida alguma, deram sua contribuição para colocar o clube no cenário europeu e até mundial.
Se arrepende em ter dado uma cabeçada no treinador Javier Irureta em um treino do La Coruña? Depois desse episódio, esteve com ele e houve um pedido de desculpas?
Em relação a essa tão famosa cabeçada, eu já falei sobre isso e não tenho nenhum arrependimento, até porque fui eu quem dei a cabeçada no momento em que fui xingado. Não gostei, agi daquela forma, e não chegou a ser uma cabeçada tão forte assim. Mas, sinceramente, não me arrependo, e se foi por este motivo a minha ausência no grupo de jogadores da Copa do Mundo em 2002, isso não me importa. A minha atitude foi aquela, e se fui condenado por isso, cumpri minha pena e tudo certo. A vida seguiu.
Acha que o episódio foi o motivo que o tirou da Copa do Mundo de 2002?
Eu não posso saber se esse episódio foi o motivo que me tirou da Copa do Mundo de 2002, mas acho que o Felipão seria a melhor pessoa para responder isso. Ele já falou algumas vezes, em entrevistas, que isso teve influência. Eu não guardo nenhuma mágoa, vida que segue. É lógico que gostaria de ter disputado um Mundial, mas não foi possível e não é por isso que eu vou ficar decepcionado com minha carreira e nem com tudo o que produzi dentro de campo.
Com destaque no Flamengo, Guarani, Palmeiras e La Coruña, seu futebol teve poucas oportunidades na seleção brasileira, onde atuou apenas em 14 oportunidades, fez cinco gols e conquistou a Copa América de 1997. O que você atribuiu esse insucesso com a amarelinha?
O fato em ter jogado pouco na seleção, até hoje, não sei o motivo, apesar de achar que eu tinha condições em ter participado muito mais. Insucesso? Não considero, porque eu tenho um respeito grande pelos jogadores da época que eram chamados e que eram de muita qualidade também. Mas outros grandes jogadores com qualidade acabaram ficando de fora. O mais importante, não foi ter jogado muito ou pouco na seleção, mas sim em ter jogado bem nas vezes em que vesti a camisa do Brasil. Não me lembro em ter feito nenhum jogo aquém das minhas condições físicas e técnicas. Mas a concorrência era grande, as oportunidades surgiam para cada um e era agarrar aquela chance. Às vezes, eu penso que o fato de ter ido para o La Coruña, que na época não era um clube muito visto como o Real Madrid e o Barcelona, por exemplo, atrapalhou um pouco. Mas depois que fui para a Espanha em 1997, só voltei à seleção em 2000, quando fomos campeões espanhóis e era uma obrigação me convocarem.
A cavadinha foi inventada pelo theco Antonín Panenka, em 1976, porém, você foi o primeiro a cobrar da mesma forma no Brasil. Como surgiu a ideia e como eram os treinamentos para executar isso com tanta perfeição?
Eu não sabia que o Panenka tinha inventado a cavadinha em 1976. Quando eu fui jogar na Europa, bati a primeira vez, e todos comentaram que eu havia cobrado o pênalti estilo à lá Panenka. Aí fui ver a cobrança desse tcheco que é considerado o criador da cavadinha. Mas se eu não me engano, a primeira vez eu vi alguém cobrando dessa forma foi o Gianluca Vialli quando jogava na Juventus da Itália. Eu achei interessante a cobrança e comecei a treinar para me aperfeiçoar e fui pegando experiência e ganhando confiança. A primeira vez que tentei, logo de cara, deu certo. Foi contra o Internacional, e o goleiro era o argentino Goycochea. E aí isso acabou virando uma forma de obter mais recursos na hora de bater o pênalti, ora no canto, ora no outro, ora de cavadinha no centro do gol. Tudo era feito para ludibriar o goleiro.
Certa vez, em entrevista ao programa Bem, Amigos, o ex-lateral-direito Cafu, que jogou quatro Copas do Mundo pela Seleção Brasileira e com diversos craques, tanto pelo país quanto por grandes clubes europeus, afirmou que você foi o jogador mais habilidoso que ele já viu jogar. Concorda ou não?
Se ele está falando, já que jogou com tantos craques do futebol na carreira, quem sou eu para discordar do Cafu, não é mesmo? Fico feliz com esse comentário, pois tive a oportunidade de jogar ao seu lado no setor que ele atuava, que era o lado direito. Era muito fácil jogar com esse camisa 2. O Cafu desempenhava muito bem a lateral e a ponta, duas funções extremamente difíceis como poucas vezes eu vi no futebol. Para mim, isso foi muito bom, já que eu não precisava nem cair muito pelo lado, porque ele dava conta de duas posições, ou seja, defendia e atacava com a mesma intensidade e qualidade. Meu trabalho era enfiar as bolas para ele fazer os cruzamentos, tabelar e fazer as triangulações com quem caia por ali. Mas eu fico feliz com essa declaração dele que corrobora com o que outros jogadores que jogaram comigo também falaram. Porque realmente era uma qualidade minha, essa questão da habilidade, da visão de jogo, e de tentar as jogadas mais difíceis. Os caras que conviveram comigo no dia a dia sabiam do meu potencial. Às vezes, você assiste uma partida de futebol pela televisão é uma coisa, e estando dentro do campo, é outra completamente diferente.
Como tem sido ser comentarista dos canais ESPN Brasil? E na sua opinião: Djalminha é craque ou perna de pau com o microfone nas mãos?
Olha, em relação a ser craque ou perna de pau com o microfone nas mãos é muito difícil responder. Mas uma coisa eu tenho certeza: no campo eu me sentia mais à vontade (risos). Entretanto, com o passar dos anos, eu me sinto muito tranquilo e feliz, principalmente, trabalhando na emissora em que trabalho que é a ESPN, com pessoas extraordinários, profissionalmente falando, e fazendo os programas que eu faço. Confesso que fazer outros programas dentro da emissora é algo bacana, mas fazer o Resenha é muito prazeroso, é um entretenimento diferenciado em que entrevistamos treinadores, ex-jogadores e celebridades do futebol. Batemos um papo bem descontraído que acaba se tornando o mais legal disso tudo. Sem falar que essa descontração me faz lembrar o Djalminha dentro de campo.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?
Estamos passando por momentos difíceis. A toda hora é uma notícia triste envolvendo familiares, amigos e pessoas conhecidas próximas de você. Este distanciamento é necessário, álcool em gel e máscara também, e mesmo a gente não gostando pelo fato de estar isolado e longe das pessoas, é necessário. Vamos torcer para isso possa passar o mais rápido possível. Eu espero que todas as pessoas possam se vacinar e que seja o primeiro passo para vencer essa doença.
Defina Djalminha em uma única palavra?
Bom, se definir já é difícil, imagina em uma única palavra? Mas esse Djalminha que é mais conhecido publicamente não é o mesmo que o Djalma, o Dija, o Neném, para família, o Tostão para os amigos da infância, pois são pessoas diferentes dentro e fora de campo. No entanto, se fosse para definir o Djalminha em uma única palavra essa palavra seria irreverência.
INJUSTIÇAS DO FUTEBOL
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Eu estava em Sarriá quando o Brasil perdeu para a Itália, um dos dias mais tristes da minha vida. Triste porque vi a arte ser colocada sob suspeita, vi artistas chorando, vi uma orquestra desmoronar do palco. Aquela geração merecia um título. Logo depois Parreira venceu uma Copa valendo-se da filosofia de que o importante é vencer a qualquer custo, mesmo jogando feio, de forma covarde. Claro que é sempre agradável ver Romário e Bebeto jogarem, mas aquela seleção não me convenceu. Senti uma sensação bem parecida com a derrota do Manchester City para o Chelsea porque também saíram perdendo o futebol coletivo e de qualidade. E, além do mais, não dá para considerar o Chelsea o melhor time do mundo. E só falta acharem que o Kanté merece a Bola de Ouro.
Gosto da escola alemã, mas Thomas Tuchel não é um adepto do jogo ofensivo. Torci demais por Guardiola, mas muito mesmo, porque ele tenta resgatar aquele futebol dos bons tempos. Da mesma forma, no Brasileirão, torço pelos times do Nordeste, que usam muito as pontas e sempre lançam jogadores velozes, que arriscam dribles e desarmam defesas. Bahia, Ceará e Fortaleza me agradam, são bons de assistir e não me decepcionaram na primeira rodada. O Sport está alguns bons degraus abaixo, mas o Confiança, na Segundona, cresce a cada ano e não venceu o Cruzeiro por acaso. Também sou fã do Bragantino e do Claudinho.
Sobre o Clube dos Riquinhos, apenas o Flamengo venceu. Palmeiras e Galo precisam investir o dinheiro com mais critério. No mais, sigo me irritando com a avalanche de estatísticas e informações desinteressantes passadas pelos comentaristas, que seguem inventando “times reativos”, “ligação direta”, “falso nove por dentro” e muito mais! Quando Rodrigo Lindoso fez o gol contra o Sport, fiquei sabendo que ele era o décimo nono jogador diferente a marcar na temporada. Bem interessante. A estatística divertida seria descobrir quantas mulheres de jogadores estão grávidas porque quase todos comemoram colocando a bola por baixo da camisa ou chupando o dedo. Lindoso foi um desses.
E Vasco e Botafogo, PC? Prefiro nem me alongar, mas posso garantir que 80% dos times da Série A que caíssem para a Segundona teriam dificuldades para voltar. Também sou bom em estatísticas! Peraí, o André Balada vai entrar no Sport. Deve ser a décima vez que ele volta ao clube! Mais uma estatística! Gol do Balada! É hora de dormir. Boa noite!