PRA QUE COPA AMÉRICA?
por Marcelo Mendez e Paulo Escobar
Canto Torto 1
A América do Sul nunca foi longe demais pra mim.
Os amigos do Pai, os livros, as músicas e nossa puta vida de sofrimentos mútuos. Mas desde sempre, Sudaca. No futebol tambem foi assim.
A minha mais tenra lembrança de nossos embates vai para 1979. O Brasil foi a Assunção pra enfrentar o Paraguai naquela que ficou conhecida como “A Batalha do Chaco”. O Paraguai, liderado por Romerito, Nuñes, Cabañas enfrentaria nosso time precisando vencer pra seguir na Copa América.
Outros tempos.
Ligado na tv, naqueles tempos, em transmissões internacionais, antes dos times, a gente torcia para o sinal de tv. Fazer uma transmissão do Paraguai para o Brasil era uma aventura. Às vezes o sinal vinha, às vezes chegava atrasado, às vezes não vinha! Naquela noite, em preto e branco, veio. O ótimo time Paraguaio nos venceu por 2×1. Eu tinha 9 anos.
Vendo a festa do povo Paraguaio não fiquei triste. Vi muito. Poderia falar de dezenas de confrontos épicos dessa competição que sempre foi ignorada por aqui. Poderia falar de Mar del Plata 1987 na noite que o Chile de Letellier, Basay e Pato Yanez nos meteu um 4×0. Ou da amassada que o Brasil deu na Argentina em 1989 com Maradona e tudo. Mas não…
O assunto agora é outro, porque tem que ser outro. Porque somos a América do Sul e aqui, as coisas da nossa puta vida se dão dessa forma, donde a normatividade muitas vezes não explica as coisas. Ou talvez eu não saiba explicar, não sei. Dessa parte em diante vem a outra ponta da Sul América pra falar pra vocês. Para cantar a PaloSeco, o canto torto do velho poeta que por aqui passou, então fiquem atentos:
O canto torto pode cortar a carne de voces…
Canto Torto 2
Como dizia Eduardo Galeano, que talvez sempre escreveu tão bem quem somos como latinos, que o europeu nos olha e não consegue nos entender. Por conta de nossa diversidade, pluralidade, intensidade e como sabemos nos levantar e sobreviver a tanta desgraça que nos assola.
O futebol não pode ser desligado do meio que o cerca, não pode ser indiferente, ou alheio ao que acontece. Essa bolha que muitos jogadores vivem ou essa amnésia que sofrem muitos depois de saírem dos meios onde cresceram, não pode ser parte do cotidiano do esporte.
O país beira as 500 mil mortes, sim o meio milhão de pessoas que morreram vitimas da covid no último ano e meio quase. O futebol não é serviço essencial e mesmo assim a bola não parou.
E uma Copa América não é necessária, não é importante, e não pode ser um espetáculo que busca acobertar o genocídio patrocinado pelo presidente. Mas é isso que vemos de novo, o futebol a serviço do acobertamento político, não é fato novo na América Latina, vide o serviço prestado pelo futebol em ditaduras.
A seleção brasileira perdeu a chance histórica de se colocar do lado do seu povo, de tomar posição diante das mortes e misérias que vivemos. E não é somente o assediador do presidente da CBF o problema, mas a estrutura política e do futebol como um todo.
Jogadores perderam mais uma vez a oportunidade de saírem da alienação, e talvez com sua posição colocar em xeque a estrutura do futebol brasileiro. Mas não podíamos esperar algo diferente, de pessoas que acham que futebol e política não se misturam, sendo que a posição indiferente e de covardia que tiveram foi política também.
A Copa América que foi já tão esperada por nós em tempos anteriores, hoje é motivo de desgosto, não deveria de ter acontecido, não há necessidade dela neste momento. O futebol não pode desfilar encima dos corpos daqueles que se foram, e não pode achar que está acima da sociedade e suas questões.
Quantos corpos ainda terão que ser enterrados para que alguns se indignem ou se revoltem com a situação? Quantos ainda veremos partir para que estes jogadores pensem e sejam mais humanos e menos produtos? Como querem a simpatia de um povo que não representam?
Esta Copa América será lembrada por ter sido jogada em um país onde as 500 mil mortes estarão sendo uma realidade enquanto a bola rola, sem vacinas para todos, sem um auxílio digno, e onde os jogadores serão os palhaços do circo político montado por um presidente que despreza a vida.
SÓCRATES, O MAGRO DA BOLA
por Serginho 5Bocas
Brasileiro até no nome, Sócrates nasceu em 1954 e faleceu em 2011. Deixou para seus fãs, neste curto período de vida, uma enorme saudade e um imenso legado, construído com gols, passes, jogadas de calcanhar, muita inteligência dentro e fora dos gramados, entre outras virtudes desta figura imortal do futebol brasileiro.
Sócrates foi, sem dúvida nenhuma, um dos mais genuínos exemplos de que o futebol é um dos únicos esportes que não se exige um biótipo único e definitivo para se sobressair, lugar comum na maioria das outras modalidades esportivas. Magríssimo e com pés pequenos, ainda assim conseguia sobressair em um esporte de forte contato físico, com toques de primeira, dribles, gols e muita inteligência.
Começou a carreira em Ribeirão Preto, no Botafogo local, onde muito jovem e escondido de seu pai, já exibia toda a sua arte, apesar de seu físico impensável para a pratica do futebol e das aulas da faculdade de medicina, que quase sempre impediam que ele pudesse conciliar com os treinos e os jogos do campeonato.
Logo cedo ganhou a alcunha de doutor, uma alusão a um misto de sua escolha em estudar a faculdade de medicina somada a sua ótima técnica e habilidade num campo de futebol que o distinguia dos seus companheiros. No Botafogo de Ribeirão Preto, foi monstro, dando inúmeras assistências ao grande parceiro Geraldão, que foi o artilheiro na campanha do Paulista de 1974, e sendo ele próprio o artilheiro do Campeonato Paulista de 1976. Também foi campeão do primeiro turno do Paulista de 1977, mesmo treinando pouco, mas sempre jogando muito, era como se ele fosse um motor de Ferrari num fusquinha, tal a sua extrema qualidade para um clube tão modesto.
Jogou muita bola no Corinthians, onde foi um dos maiores ídolos e viveu sua melhor fase, conquistando três títulos paulistas. Também jogou na Fiorentina, no Flamengo, no Santos e na seleção brasileira, confirmando o que se esperava dele. Fez história com a camisa amarela pela sua inteligência dentro de campo e pela liderança que o tornou capitão da fantástica seleção brasileira da Copa de 1982.
Não foi “só” isso que o Magrão fez, ele reinventou a jogada de calcanhar no futebol. Nunca antes, nem depois alguém foi capaz de reproduzir com tanta maestria esta jogada. De calcanhar, ele deu passes maravilhosos e inesperados, fez gols e deixou sua marca indelével.
O treinador Claudio Coutinho não quis saber dele em 1978, mas voltou atrás nas convocações de 1979 e logo viu o tamanho da burrada de não tê-lo levado. Com a sequência de jogos com a amarelinha, perceberam que tinha muita qualidade para jogar “parado” como centroavante, tinha talento demais reprimido para entregar no campo todo e foi deslocado para a parte cerebral da cancha, o meio dd campo. Sábia decisão, pois assim foi possível usufruir de todo o talento daquele fenômeno.
Impossível esquecer seu gol de empate contra a U.R.S.S. na estreia do Brasil na Copa do Mundo de 1982, ou ainda do primeiro gol do Brasil contra a Itália naquela fatídica partida desta mesma Copa, que nos eliminou tragicamente. Vale ressaltar a frieza e a categoria para escolher o canto entre Zoff e a trave, tendo a capacidade de bater na bola sem dar a mínima chance de defesa para o goleiro italiano.
No entanto e apesar de toda a bola que ele jogava, deixou uma lacuna em sua carreira que foi não ter conseguido se sagrar campeão do mundo, seguindo os passos de sua geração.
Talvez os mais jovens, ao assistirem os jogos reprisados daquela época, imaginem que ele era fácil de ser marcado em razão de seu frágil físico e de sua pouca velocidade. Ocorre que ele compensava essas deficiências usando a inteligência que lhe era peculiar, tocando a bola de primeira, evitando choques com zagueiros mais fortes, chutando e cabeceando com extrema categoria e qualidade, antevendo as jogadas.
Digo e repito sem sombra de dúvidas que, apesar de não cuidar do corpo, de abusar do cigarro e da bebida, foi um dos maiores jogadores brasileiros (e mundiais) de todos os tempos, pois na sua época, muita gente boa não teve a menor chance de jogar na seleção, pelo simples fato de que havia um Doutor dono daquela camisa oito amarela.
Quantas saudades do Magrão, fique com a luz de Deus meu ídolo.
Um forte abraço
Serginho5bocas
A ARTE DE ZINEDINE ZIDANE
por Luis Filipe Chateaubriand
Até marcar dois gols na final da Copa do Mundo de 1998 da França, contra o Brasil, levando a Seleção Francesa ao título mundial, Zinedine Zidane era pouco falado no futebol mundial.
Uma injustiça, pois já vinha exibindo seu talento anteriormente, seja na Juventus de Turim, seja na Seleção Francesa.
O futebol de Zidane era composto de três ingredientes preciosos.
O primeiro ingrediente era a visão de jogo, o que fazia com que seu posicionamento em campo sempre fosse o mais apropriado para o time que defendia, estava sempre no lugar certo, na hora certa.
O segundo ingrediente era o passe, fosse curto, fosse longo, era quase sempre exato, achava o companheiro de time bem colocado, aquele companheiro que estivesse a postos para decidir.
O terceiro ingrediente era o drible, estava sempre apto para passar por adversários com extrema facilidade e leveza e, aí, inclui-se lençóis, ou balões, que eram dados com extrema naturalidade e, assim, adiantavam o jogo do time ao qual pertencia.
Por essas e outras, é possível afirmar: Zinedine Zidane é um dos dez maiores jogadores de todos os tempos!
ETERNOS CANHOTEIROS
por Rubens Lemos
Há uma vasta legião de nostálgicos que juram sem fazer figa: Canhoteiro, ponta-esquerda do São Paulo na década de 1950, foi o Garrincha da canhota. A biografia dele é um espetáculo de tão bem feita pelo escritor e jornalista Renato Pompeu. Canhoteiro disputava com Pepe em talento e os dois perdiam em sorte para Zagallo.
Chico Buarque, dono do time de peladas Politheama, já havia homenageado o ídolo rebelde na música Futebol, escalando uma linha de ataque sensacional, ritmada pela magia dos seus versos: Para Mané, para Didi, para Pagão, para Pelé e Canhoteiro. Pagão é o maior ídolo de Chico. Até hoje é o artilheiro do seu time de futebol de botão, matador na proporção do dueto com Pelé ainda menino.
Mas Canhoteiro é a graça nunca alcançada. O toque de melancolia naqueles que voltam no tempo e o enxergam de novo costurando defesas pela extrema esquerda. Virou sinônimo de injustiça, de jogador que deveria ter ido mas não foi a uma Copa do Mundo. Jogava aberto, ofensivamente, driblando,
O CRAQUE DO BRASIL EM 1990
por Luis Filipe Chateaubriand
José Ferreira Neto, o craque Neto, precocemente começou a exibir o seu talento para jogar bola.
Em 1983, aos 16 anos, já era titular do meio de campo do Guarani, de Campinas.
Depois, jogou no Bangu, voltou ao Guarani, jogou no São Paulo, jogou no Palmeiras.
Chegou ao Corínthians, seu clube de coração, em 1989 – não sem antes ter feito um lindo gol de bicicleta contra o Timão, em 1988, jogando pelo Guarani.
Em 1990, jogou muito no primeiro semestre, aspirava – e merecia – uma vaga para jogar a Copa do Mundo da Itália daquele ano.
Sebastião Lazaroni, o técnico da Seleção, não o levou.
Preferiu levar Bismark, muito bom jogador, mas muito novo e inexperiente para o grande certame.
Preferiu levar Tita, excelente jogador, mas que já se encontrava em declínio da carreira, com mais de 30 anos.
Neto ficou a “ver navios”…
E a Seleção naufragou na Copa do Mundo.
Genioso, temperamental, irado, Neto “colocou a faca nos dentes” e resolveu jogar no segundo semestre, pelo Corínthians, mais ainda do que no primeiro, para provar que merecia ter ido à Itália.
Jogou muito.
Jogou demais.
Jogou excepcionalmente!
E, assim, coadjuvado por jogadores como Tupazinho e Viola, levou o Corínthians ao primeiro de seus sete títulos de campeão brasileiro.
A fiel agradece.
E o craque do ano de 1990 está decidido, não se fala mais nisso!
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!