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REVERSO, CONTROVERSO E VERSO


O silêncio pelo fracasso na Copa de 1990, na Itália, produziu ecos em Dunga e o fez se afugentar ainda lagarta numa crisálida. Por lá, ficou sendo fustigado até a final da Copa do Mundo de 1994 depois de fazer uma bela Eliminatórias e a própria Copa da Terra do Tio Sam. Nestes 1.483 dias, virou uma bela borboleta numa metamorfose poucas vezes vistas na carreira de um jogador de futebol.

O jornalista Marcos Vinicius Cabral conta a trajetória de Carlos Caetano Bledorn Verri, marcado com a ‘Era Dunga’, denominação de um futebol defensivo, cauteloso, feio e de poucos gols, que o consagrou como capitão do título mundial quatro anos depois, em solo americano.

Reverso, controverso e verso

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Estádio Delle Alpi, em Turim, na Itália. Maradona recebe a bola no círculo central do seu campo, em seguida dá uma finta em Alemão, sai da falta de Dunga e antes de receber o combate de Ricardo Rocha, toca na entrada da área por debaixo das pernas de Mauro Galvão, que tromba com Ricardo Gomes. Caniggia recebe o passe, dribla Taffarel e marca aos 35 minutos do segundo tempo o gol da vitória. Era terça-feira, 24 de junho de 1990, oitavas de final da Copa do Mundo da Itália.

Os jornais, a imprensa, os comentaristas e o mundo esportivo em geral, carregados de críticas sobre os 90 minutos daquele jogo, colocaram a culpa pela eliminação às costas de Dunga, camisa 4 da Seleção Brasileira. O insucesso tinha seu bode expiatório injustamente escolhido.

Estádio Rose Bowl, na Califórnia, nos Estados Unidos: ao receber a taça do tetracampeonato mundial, Dunga levantou-a acima da cabeça e bradou em direção aos fotógrafos brasileiros: “Esta é para vocês, traíras, filhos da p…!”.

A ira incontida do volante de 90 e 94 despertaria no jornalista Marcelo Barreto, dos canais SporTV, uma tragicômica definição daquela cena: “Se Bellini inventou o gesto de levantar a taça, Carlos Alberto Torres inventou o gesto de beijar a taça, Dunga inventou o gesto de xingar a taça”.

Era domingo, 17 de julho de 1994, final da Copa do Mundo dos Estados Unidos. Dunga era o mesmo. Era o mesmo jogador que – injustamente – havia sido ‘responsabilizado’ pelo fiasco em 90, e agora em 94, não receberia elogios vindos da imprensa e dos comentaristas esportivos. Desde o revés de 1990 até a consagração, em 1994, foram 1.483 dias no mais absoluto silêncio que Carlos Caetano Bledorn Verri guardou sua dor. Dor esta que o fez extravasar naquele momento de fúria, buscando como alvo jornalistas, comentaristas, colunistas e alguns ex-jogadores de futebol com quem Dunga nunca teve bom relacionamento. Estava caracterizada a volta por cima de uma liderança nas quatro linhas.


A cena que percorreu o mundo, chocou a todos que viviam a autoflagelação da morte brutal de Ayrton Senna, 47 dias antes, no GP de Ímola, em San Marino. O gesto, em si, foi feio, mas compreensível. Coloque-se no lugar de Carlos Caetano Bledorn Verri, que em outubro, soprará velinhas em comemoração ao seu 58° aniversário. Reflita de forma correta e sem pressa sobre o fracasso da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1990, que ganhou um selo, uma marca, uma alcunha, um apelido ou uma era com seu nome: ‘Era Dunga’.

Com um 3-5-2 ainda pouco disseminado na época e vários jogadores que só chegariam ao auge na Copa seguinte, a seleção teve uma primeira fase com vitórias sofríveis sobre Suécia, Costa Rica e Escócia e foi eliminada já na estreia dos mata-matas. Fato este que corrobora para afirmar que a pior campanha ‘canarinho’ desde o mundial de 1966, disputado na Inglaterra, ficou rotulada com o seu nome.

Mas 1990, já começara mal quando os jogadores e comissão técnica se indispuseram sobre o valor pago pela patrocinadora Pepsi à CBF, que teria vendido por US$ 3 milhões o direito do patrocinador colocar sua marca nos agasalhos e camisetas de treino do grupo convocado pelo técnico Sebastião Lazaroni.

Além disso, foram instaladas placas ao redor dos campos da Granja Comary, em Teresópolis, onde fica o Centro de Treinamento da Confederação Brasileira de Futebol. A quantia estava no contrato que, no inicio da preparação, não foi mostrado aos atletas.

Como represália, o plantel boicotou a marca de refrigerante na hora da foto oficial da delegação que seguiria para a Itália. Tanto que foi tirada perto dos alojamentos, no alto de um morro, apenas com a presença de fotógrafos e cinegrafistas. Depois de todos ficarem nos seus lugares, dois atletas gritaram: ”Agora vamos fazer a foto para que saibam que a gente não tolera sacanagem”. Todos colocaram a mão direita no lado esquerdo do peito tapando a marca na camisa.

Mas se fora de campo a situação era insustentável, como familiares dos jogadores tendo livre acesso à concentração da seleção e transformando o hotel em uma passarela de parentes, convidados, empresários e dirigentes, dentro dele, o Brasil estreou no dia 10 de junho vencendo por 2 a 1 a Suécia, no Estádio Delle Alpi, em Turim. No entanto, seis dias depois passou pela Costa Rica, por 1 a 0 e repetiu o futebol pobre das duas partidas anteriores no dia 24 ao vencer a Escócia.

Alvo de críticas e pressionado, Lazaroni – que definia sua ida para a Fiorentina com empresários em plena disputa do Mundial – viu alguns de seus reservas, como Renato Gaúcho e Aldair, se rebelarem, exigindo um lugar na equipe titular. O cenário fora de campo era assustador, ainda mais tendo pela frente, nas oitavas de final, a Argentina, atual campeã e com um Maradona voando.

A derrota merecida por 1 a 0, gol de Cannigia, mostrou ao Brasil que era preciso mais do que tradição e bons jogadores para conquistar o título. O tempo provaria, quatro anos mais tarde, que a seleção de 1990, tinha um elenco talentoso, mas mal preparado, sem organização e dominado por vaidades pessoais. Coube a Dunga carregar o peso de ter sido responsável pelo vexame e receber o batismo de “Era Dunga”. Uma injustiça. Algo semelhante ao ocorrido com Barbosa na Copa do Mundo de 1950, mas aliviada pela imprensa as derrocadas em 1982 e 1986.


Mas o volante reconstruiu positivamente sua biografia e colocou uma pá de cal naquilo que o taxaram como responsável pela eliminação na Itália. Em compensação, foi indispensável na difícil Eliminatórias e fundamental para fazer a Seleção Brasileira terminar com um jejum de 24 anos sem ser campeã mundial.

Nos Estados Unidos, o futebol de Dunga foi crescendo durante a competição. Jogando ao lado de Mauro Silva, na proteção à zaga – o Brasil sofreu apenas três gols durante todo o torneio – foi um guerreiro, campeão de desarmes e roubadas de bola, o que não chegou a ser uma surpresa. E até mesmo lançamentos como o realizado para Romário fazer um dos gols do Brasil na vitória contra Camarões. Dunga e Mauro Silva se completaram. Parecia que um havia nascido para o outro na volância da seleção brasileira. Uma barreira intransponível e jogando com lisura, sem dar pontapé ou apelar para outras artimanhas do futebol.

Surpresa para a imprensa é que Dunga mostrou muito mais do que isso, e no jogo decisivo contra a Itália, isso ficou marcado de forma inquestionável.

O camisa 8 e capitão da equipe não se limitou a tomar a bola dos italianos apenas. Ele armou jogadas, distribuiu o jogo com lançamentos longos e precisos que por vezes deixaram Romário e Bebeto, com boas chances de marcar. De seus pés saíram alguns dos mais perigosos ataques do time comandado por Carlos Alberto Parreira que, somente por vaidade, os deuses do futebol impediram que se convertessem em gol durante os 90 minutos e mais os 30 da prorrogação.

Sua cobrança de pênalti mostrava o quanto segura era aquela seleção. E a coroação veio com um craque italiano a cobrar o pênalti sobre o travessão de Taffarel.

Enfim, Brasil tetracampeão do mundo, e Carlos Caetano Bledorn Verri mostrou à população do país, aos jornalistas e a imprensa, de modo geral, que um pedido de desculpas seria muito bem-vindo.

Afinal de contas, nesta quinta-feira, 24, 31 anos depois de ter sido condenado por aquele Argentina 1 x 0 Brasil, crime este que não cometeu na esfera futebolística, o Magistrado – representado por cada um dos 211.755.692 brasileiros – pode rasgar esta sentença e conceder o indulto.

Ainda há tempo.

O CRAQUE DO BRASIL EM 1992

por Luis Filipe Chateaubriand


Escolher o melhor jogador do Brasil em 1992 é tarefa dificílima.

Júnior, o Maestro do Flamengo, jogou uma enormidade – o “Capacete” foi o melhor jogador do Campeonato Brasileiro daquele ano.

Apesar disso, o melhor jogador do ano foi Raí, do São Paulo – como em 1991.

O irmão do genial Sócrates atuou na Taça Libertadores da América de forma soberba, foi o principal artífice do título do Tricolor Paulista – o primeiro do clube.

Depois, veio a final do Mundial de Clubes, contra o todo poderoso Barcelona.

Ah, o Mundial de Clubes!

Raí fez “barba, cabelo e bigode”.

Um gol, no primeiro tempo, infiltrando na pequena área depois de cruzamento vindo da esquerda.

Outro gol, no segundo tempo, de falta, cobrada com magistral perfeição.

Raí dava ao São Paulo seu primeiro título mundial, na vitória de 2 x 1 sobre o Barcelona.

Convenhamos: não há como Raí não ser o craque do ano de 1992! 

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

QUEM TE VIU NÃO QUER MAIS TE VER

por Zé Roberto Padilha


Era mais um atrativo do futebol-arte, praticado no Brasil nos décadas de 60, 70 e 80. Antes dos campeonatos nacionais, que contavam com a participação dos jogadores da seleção brasileira, a editora Panini lançava seu aguardado álbum de figurinhas.

Ao lado do Santos, o Botafogo tinha em seu elenco as figurinhas mais disputadas. Seu ataque com Rogério, Gerson, Jairzinho, Roberto e Paulo Cesar valia ouro. E eram raríssimas.

Filas se formavam nas bancas de jornais para a aquisição dos pacotinhos e grupos se aglomeravam durante o recreio nas escolas para a troca das figurinhas.

O álbum de figurinhas aproximava o ídolo do seus torcedores e fazia nascer o saudável, divertido e culturalmente correto hábito de colecionar.

Era uma febre.

De uns tempos para cá, o país exportou seus principais jogadores e como não disputavam o Brasileirão, a figurinha cobiçada do seu camisa 10, Neymar, por exemplo, desapareceu do pacotinho.

Nada do Thiago Silva, Casemiro, Alisson, Marcelo e muito dos que voltaram para se aposentar, como Hernanes, Nenê, Diego e Hulk. Estes, devido a escassez de talentos, acabaram por receber a mesma camisa 10 de campeonatos passados para jogar.

E o álbum de figurinhas foi perdendo o seu charme porque os ídolos dos nossos filhos e netos passaram a jogar na Champions League.

O Botafogo tem mostrado como contribuiu para o desaparecimento dos álbuns. Que a mesma estrela que deu luz à criação, com seu ataque dos sonhos, pode ser a mesma que ajuda a apagar uma diversão tão bacana ao escalar o ataque dos pesadelos..

Dos jogadores que atuaram no estadual, apenas quatro deles permaneceram no elenco. Como a Panini iria tirar as fotos para as figurinhas e deixar um quadradinho no álbum para outra figurinha ser colada?

Qual colecionador teria motivos para levar para casa um pacotinho que, na mais feliz das suas aberturas, traria as fotos de Pedro Castro, Marco Antônio, Guilherme Santos, Chay e Rafael Navarro?

Nem eu.

Quem te viu, e te comprou e te colou, infelizmente, não quer mais te ver.

CAMISA DO CONFIANÇA DE VILA ISABEL É REVIVIDA POR ESCRITOR

por André Luiz Pereira Nunes


Graças à bela iniciativa do professor Kléber Monteiro, autor da obra “Da Lama à Grama”, de 2019, que versa sobre os bastidores do Campeonato Estadual da Terceira Divisão do Rio de Janeiro, a camisa de um dos clubes mais icônicos da região da Grande Tijuca, infelizmente extinto em 1993, está sendo revivida através de um belo modelo retrô. O empreendimento visa reunir fundos para a publicação de um livro sobre a história do Andaraí Atlético Clube, outra agremiação que honrou com galhardia a história do futebol carioca e da região da qual nasci e vivi por mais de 40 anos de minha existência.

O Confiança Atlético Clube foi fundado em 26 de abril de 1915 por divergência entre os membros do antigo Republicano FC, que mais tarde passou a se chamar Clube Dramático Progresso. Dada a continuidade das diferenças entre seus pares, finalmente foi criado o Confiança, tendo como figuras de destaque Archete Portela, Adelino Sousa e Manuel Gouveia, que representavam a velha guarda. A iniciativa do nome adveio por conta de uma homenagem à antiga fábrica de tecidos, fundada em 1898. A primeira reunião ocorreu na residência de Archete Portela, situada na Rua Maxwell. A fundação do clube foi encarada pelos dirigentes da fábrica mais como uma recreação para o elevado número de operários. Porém, não tardou para que o apoio oficial ocorresse através do Dr. Antonio Lacerda Menezes, que entusiasmado com esse acontecimento, deu tudo de si pelo progresso do novo clube.

Também não podemos deixar de citar outro importante baluarte que lutou em favor do Confiança em seus anos iniciais. O Doutor Braga, pai do aclamado compositor Braguinha, que veio a ser primo do meu avô materno, e cunhado do compositor e parceiro de Noel Rosa, Almirante, também amigo de meu avô até o fim de sua vida.

A sua primeira sede foi instalada na Rua Maxwell, 104, mudando-se posteriormente para a Rua General Silva Teles, 104, na qual permaneceu até a data fatídica de sua extinção. Na fase inicial de poucos recursos figuras de destaque deram a sua decisiva colaboração ao clube como o Sr. Mesquita, Avelino Tomás Pinto, José dos Santos Rodrigues, Archete Portela, Oscar Trindade, Paulo Roquete Pinto, Oscar Narciso da Silva, Aurélio Moisés Rossi e Valdemiro Luís Terra. Até jóias foram empenhadas por esses valentes e abnegados desportistas para fazer frente às inúmeras despesas.


Para quem não sabe, foi o Confiança quem inaugurou o Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Além disso, foi o primeiro campeão da Liga Suburbana, em 1918. No ano anterior vencera a Segunda Divisão da mencionada liga. Em 1924 e 1933 disputou a Primeira Divisão do Campeonato Carioca na fase do amadorismo. Em 1946, obteve outra conquista de reconhecimento, quando atuando na Primeira Divisão da Segunda Categoria da Zona Sul, arrebatou o título. Isso após a extinção da saudosa Federação Atlética Suburbana (FAS), antecessora do histórico Departamento Autônomo (DA), fundado em 1949. Ainda na mesma temporada, já houvera vencido a disputa do Torneio Início. Foi ainda campeão da Taça Disciplina em 1958 e 1959 na categoria infanto-juvenil. Em 1964, foi o vencedor da Série Almir dos Santos, graças a outra ótima campanha. Em 1966, sob o comando do técnico Joaquim, se sagrou campeão do Departamento Autônomo. Após ser vice em 1979 e 1981, perdeu a decisão, em 1983, para o Oriente por 1 a 0, na prorrogação. Finalmente, em 1987, sob o comando do presidente Edgar Felipe dos Santos e do treinador Erinaldo Felipe dos Santos (Mimão), conquistou o seu último título, o de Supercampeão do Departamento de Futebol Amador da Capital (DFAC) ao bater, em Figueira de Melo, o temível Francisco Xavier Imóveis, comandado pelo célebre e veterano treinador Manuel de Almeida.

Em 1990, finalmente se profissionalizou, passando a disputar o Campeonato Estadual da Terceira Divisão. Acabou precocemente eliminado na primeira fase ao ficar em sexto lugar, entre oito participantes. No ano seguinte, passou a integrar a Segunda Divisão, visto que a verdadeira segundona se tornara Módulo “B” da Primeira Divisão. Portanto, a Terceira passou a se auto intitular Segunda Divisão numa das muitas mudanças de nomenclatura feitas até hoje de maneira atabalhoada e incompetente pela Federação. Também foi eliminado na primeira fase ao ficar na quinta posição em sua chave.

Em 1956, a antiga fábrica já havia sido adquirida por uma construtora e os novos donos não tinham o menor interesse na manutenção do clube. Portanto, uma disputa judicial entre o Confiança e os empresários se arrastou por quase 40 anos. Nesse ínterim, a quadra passou a ser alugada à escola de samba Acadêmicos do Salgueiro.

Aos poucos, com o crescimento do samba e a decadência do Confiança, a sede foi passando para as mãos do Salgueiro. No fim, a questão só foi resolvida, em 1993, quando o prefeito César Maia, em decreto, estabeleceu uma Área de Proteção Cultural alternativa ao tombamento. O Confiança, em crise, acabou extinto ao ceder sua filiação na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro ao também já finado Barra da Tijuca Futebol Clube. A sua antiga sede atualmente abriga a Vila Olímpica do Salgueiro e a quadra da escola de samba. A arquibancada de madeira, construída em 1915, uma das primeiras do país, ainda permanece de pé.

A quem desejar obter a camisa do Confiança, inclusive no modelo de mangas compridas, pode contatar o Kléber através do whatszap 21 99791-5589. Graças a ele e a outros abnegados, o legado de históricas agremiações do passado se mantém vivo.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ABEL BRAGA


Resiliência, valentia e superação. São três palavras que definem um herói. Mas não os das histórias em quadrinhos, dos filmes ou dos desenhos animados, e sim, heróis que vestiram uma camisa de um time de futebol, puseram o short, colocaram os meiões, calçaram as chuteiras colocando o coração na ponta delas.

Herói este, dentro das quatro linhas, e que não usa capa e que vence os adversários mais temidos do que os vilões. Seus superpoderes são os gritos advindos das arquibancadas. No futebol brasileiro, poucos chegaram a este patamar definido lá longe, na Antiga Grécia, nos séculos XII a IX a.c. Poucos foram, contudo, unanimamente observados sob este arquétipo. Um deles foi Abel Carlos da Silva Braga – atualmente treinador do Lugano da Suíça – que sempre se superou em 14 anos como jogador profissional.

Treinador recordista na era dos pontos corridos no Brasileirão no ano passado com nove vitórias consecutivas pelo vice-campeão Internacional, Abel Braga tem um passado como jogador que vale a pena ser recordado, exercício que serve para contextualizá-lo na memória do futebol brasileiro.

O tocador de pianos e apreciador de bons vinhos foi grande. E sua grandeza atravessou terras, céus e mares. Há 8.936 quilômetros de distância, o zagueirão fez história na França pavimentando a estrada transoceânica: Abel Braga foi jogador do Paris Saint Germain, entre 1979 a 1981, sendo firme, ríspido e viril. Típico zagueiro raiz que todo time precisa ter e que o treinador adora.

Abelão foi o primeiro zagueiro que teve coragem de abrir a porta do mercado francês depois que Joel, tricampeão mundial com a seleção, esteve por lá na temporada 1971/72 sem muito alarde, participando de uma Copa do Mundo, a de 1978, na Argentina.

Por incrível que possa parecer, Abel desafiou a surrealidade dos acontecimentos e ceticismo dos olhares, pois habilidade com os pés não faltava para o zagueirão da camisa 3. Na tenra juventude, ele se arriscava como atacante, até encontrar um lugar na zaga do Fluminense, em 1968, época na qual o zagueiro tinha de ser zagueiro mesmo, sem gracinha ou firula. A missão era desmontar a artimanha dos atacantes, roubar a bola e passá-la logo em seguida ao meio-campista mais próximo para que a jogada fosse iniciada e terminada em perigo de gol.

No Tricolor do dramaturgo Nelson Rodrigues, Abel Braga encenou cenas de ‘A Vida como Ela é’ numa gangorra da titularidade e reserva onde sempre fez Abel subir e descer pelas mãos de Zezé Moreira e Carlos Alberto Parreira, seus treinadores.

Emprestado ao Figueirense para disputar o Brasileirão de 1973, na estreia do time catarinense no principal campeonato nacional, uma edição que contou com 40 participantes, virou ídolo. Mas o Rio de Janeiro o abraçou quando voltou, e os ‘geraldinos e arquibaldos’, bordão do craque da resenha esportiva, Washington Rodrigues, sorriram quando colocou as cores que traduzem tradição – verde, branco e grená. No Fluminense, venceu batalhas épicas nos títulos estaduais conquistados em 1971, 1973 e 1975.


Após o terceiro triunfo, o Vasco da Gama viu com bons olhos seu futebol e o contratou para formar um quarteto de defensores especial. Em São Januário, Abel Braga foi treinado por Orlando Fantoni, e a equipe cruzmaltina de 1977 usou o jogo defensivo para quebrar um jejum de seis anos sem levantar a taça do Campeonato Carioca. O sistema defensivo que contava com Abel ficou conhecido como ‘Barreira do Inferno’ quando o Vasco sofreu apenas cinco gols no estadual. Orlando Lelé, Abel, Geraldo e Marco Antônio formaram um sistema defensivo de respeito e dando respaldo e tranquilidade ao goleiro Mazzaropi. A ‘Barreira do Inferno’, obteve um recorde histórico: nada menos do que 16 jogos consecutivos sem sofrer gol.

Não, não eram vermelhos, não eram párias por defender o comunismo ou algo nesse sentido, tampouco eram contra a fé cristã. Apenas formavam uma defesa segura e que jogava duro, muitas vezes, exagerando na rispidez com que tratavam atacantes rápidos, dribladores e abusados, desinibidos e sem medo de buscar o gol, como Nilson Dias e Paulo Cézar Caju, do Botafogo, Doval e Rivellino, do Fluminense, Zico e Cláudio Adão, do Flamengo.

Em 1981, foi para a Toca da Raposa jogar pelo Cruzeiro e retornou ao Rio para incrementar o plantel do Botafogo. Entretanto, lesões em sequencia afetaram suas atuações no campo e o fôlego de pulmões que respiravam raça. A aposentadoria veio quatro anos depois, com a camisa azul do Goytacaz, de Campos, justamente onde iniciou a carreira de treinador.

O Vozes da Bola dessa vez é com o boa praça Abel Braga que conta um pouquinho da carreira do grande jogador de futebol que foi para os leitores do Museu da Pelada.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Como foi o início de sua carreira?

Foi inesperado. Morava na Penha, bairro da Zona Norte do Rio, jogava bola em um time com amigos da minha idade Eu tinha 14 para 15 anos. O time era muito bom. Foi uma surpresa grande quando fui levado por um amigo do meu pai para o Fluminense. Ele me viu jogando de atacante e gostou. Quando chegamos nas Laranjeiras, ele avisou ao Pinheiro que eu era atacante. Quando ele me perguntou em qual posição jogava, eu respondi que era zagueiro. Certa vez, eu treinando na Portuguesa, de atacante, como fazia nas peladas, faltou um zagueiro e não teria treino. Então, fui para o miolo de zaga para que o treino não fosse cancelado. Gostei da posição. O pessoal da Portuguesa pediu meus documentos para me inscrever no campeonato. Estava sem meus documentos e não fui inscrito. Não voltei para à Ilha do Governador. Meu negócio era estudar e jogar bola no meu bairro. Foi assim que tudo começou.

Relate para os leitores do Vozes da Bola sobre sua chegada ao Fluminense. Deu frio na barriga adentrar os portões imponentes das Laranjeiras em 1968?

Frio não deu, até porque era muito novo, estava com 15 anos e sempre fui – apesar da idade – tranquilo. Mas confesso que fiquei ressabiado na hora que eu falei que era zagueiro quando o Pinheiro me perguntou a minha real posição. Porque o amigo do meu pai disse que eu era atacante, que fazia muitos gols. E o Pinheiro, lendário zagueiro tricolor, era meio grosso, né? Mas no final, graças a Deus, deu tudo certo.

Você foi integrado ao elenco profissional do Fluminense, em 1971, ano em que conquistou seu primeiro título do Campeonato Carioca, repetindo este feito em 1973 e 1975. Como foram essas conquistas?

Foram importantes. Em 1971, já havia tido o torneio de Cannes na França, e eu treinava no profissional. Acabei entrando em alguns jogos. Os caras saíam dizendo estar machucados, mas era para eu ganhar ‘bicho’ com a participação nas partidas. Isso foi legal para eu conhecer o lado bacana do futebol mesmo com 19 anos de idade. E ser campeão naquela idade foi incrível. Era um time muito qualificado, não como a Máquina Tricolor, mas uma equipe equilibrada. Em 1973, também era um bom time, mas o de 1975 era o bicho, pois os caras brincavam de jogar bola. Então, posso dizer que foram conquistas merecidas e que me deram um amadurecimento muito bom, pois conviver com Denilson, Galhardo, Assis, Silveira, Manfrini, Lula, foi extraordinário. O Fluminense tinha um timaço.

Em 1973, você foi emprestado ao Figueirense para disputar o Campeonato Brasileiro daquele ano, tendo atuado em 18 partidas pelo clube catarinense e marcado um gol. Como foi este momento na Ilha das Bruxas?

Posso dizer que esse empréstimo foi muito bom. Por quê? Porque eu jogava muito pouco e havia a possibilidade de disputar um Campeonato Brasileiro. Tive a oportunidade de jogar 18 partidas. Foi no ano de inauguração do estádio Orlando Scarpelli. Florianópolis era e continua sendo uma cidade fantástica e havia a rivalidade entre Figueirense e Avaí. Foi muito bom para a minha carreira e gostei muito do clube. Vale frisar nesta entrevista que as pessoas que comandavam o clube naquela época eram sérias, honestas e responsáveis. Foi muito bom! Muito bom mesmo.


Apesar de sempre reverenciado por treinadores e cartolas tricolores que reconheciam sua bravura em campo, mas não lhe davam oportunidade nos times titulares, é verdade que você chegou a pensar em abandonar os gramados?

Não, nunca pensei em parar. Na verdade, estava com uma ansiedade muito grande porque havia saído em 1973 para jogar no Figueirense. Eu não podia ficar sem jogar por muito tempo no Fluminense. Mas ali, o negócio já estava sério, já tinha sido campeão em Cannes e capitão da Seleção Brasileira, campeão pré-olímpico, jogando as Olimpíadas de 1972. Não pensava jamais em abandonar o futebol. Só pensava em jogar, e se pintasse uma proposta, sairia para seguir meu caminho.

Certa vez, em 1977, você contou ao repórter Maurício Azêdo que ser titular do Vasco era seu objetivo. Tanto que quando acabava os treinos, com a ajuda de Roberto Pinto, então auxiliar do treinador Orlando Fantoni, e dos preparadores físicos Antônio Lopes e Djalma Cavalcanti, permanecia cerca de uma hora no campo exercitando os fundamentos como saltos para melhorar a impulsão. É verdade que você chegou a usar um colete de chumbo nesses treinamentos? Como foi isso?

Essa história não foi bem assim. Vou te explicar como aconteceram as coisas. No Vasco, eu estava jogando e não queria dar chance para ninguém tomar minha posição. Já havia sido campeão Pré-Olímpico, de Cannes, e tinha uma certa bagagem na carreira. Em 1976, eu fui muito bem. Em1977, no primeiro dia de treino, o Fantoni falou que a zaga dele seria o Geraldo, que veio do América junto com o Orlando, o Renê, e que eu poderia procurar outro clube. Virei para ele e disse que não faria isso, pois afirmei que eu seria o titular da zaga do Vasco. E falei para ele que trabalharia e mostraria na prática o merecimento pela titularidade. Dito e feito. Continuei trabalhando e foi muito rápido, porque logo depois disso, fomos para uma excursão no Nordeste. Entrei no primeiro jogo, atuei alguns poucos minutos, mas fui bem. No segundo jogo já comecei como titular e nunca mais saí do time. Depois, o professor Orlando Fantoni teve a hombridade de reunir o grupo no centro do gramado de São Januário antes de começar o treino e falou: “Olha, eu havia falado para o Abel procurar outro clube e agora aqui comigo no comando da equipe é ele e mais dez”. Então o cara foi extremamente correto. Naquela época, treinava-se muito, principalmente com Djalma Cavalcanti, Antônio Lopes e Roberto Pinto, que orientavam demais. Agora, Fantoni foi uma das criaturas mais carismáticas que eu já conheci, uma grande pessoa e um excelente orador, um cara que colocava uma equipe em campo, e o time entrava numa motivação inacreditável. Poucas vezes vi isso no futebol.

Qual o clube que o zagueiro Abel gostava de enfrentar e por quê?

O clube mais gostoso de enfrentar na época era o Flamengo. A rivalidade sempre existiu, pois o Flamengo tinha um super time, e não bastasse a rivalidade e o super time, Flamengo e Vasco eram clubes de maiores torcidas no Rio e no Brasil. Cara, já cheguei a jogar o clássico com mais de 160 mil pessoas como na decisão de 1977. Assim, posso te afirmar, porque eu estive lá dentro do campo, e é incrível, fantástico, surreal, e não se tem esse número de torcedores em lugar nenhum do mundo. Era o maior clássico, sem dúvidas. Mas até hoje, passados tantos anos, existe a rivalidade, mas não como na minha época.

No Vasco da Gama, onde se sagrou campeão carioca novamente, você se firmou como titular e um dos zagueiros mais respeitados do futebol brasileiro. Como você avalia sua passagem por São Januário?


Minha passagem pelo Vasco da Gama foi espetacular. Posso afirmar que foi o momento mais feliz que tive. Recordo-me que, ao chegar no Paris Saint-Germain, a camisa não tinha o peso que tem hoje, além é claro, de ter absorvido a cultura do país. Minha passagem pela França e o crescimento cultural, eu agradeço ao Vasco da Gama. Foi em São Januário que tive as maiores conquistas. Fui algumas vezes convocados para a seleção na melhor fase da minha vida. Foi no Gigante da Colina que criei uma identidade muito grande e bonita ao mesmo tempo. No Vasco, fui um jogador com mais alma do que técnica.

Em 1978, na decisão do Carioca, o Rondinelli fez o gol do título após cobrança despretensiosa de escanteio do Zico. Você não levou fé que o gol poderia sair naquela reta final do jogo? O Deus da Raça rubro-negro subiu às suas costas, e você, alto e forte, ficou cravado no chão. O que aconteceu naquele momento chave do jogo?

É gozado que a maneira que foi cobrado o escanteio. Quando o Zico pegou a bola muito rápido e ninguém esperava que o Rondinelli viesse lá de trás. Quando tem algo inesperado como aquele lance, a bola caiu nas minhas costas. Tentei alcançar e não consegui, até porquê seria mais fácil, naquele momento, o Orlando Lelé dar dois passos para frente para pegar impulsão, ao invés de eu dar dois passos para trás, né? Mas o Rondinelli foi extremamente feliz e numa impulsão incrível, apesar de não ser um zagueiro alto, chegou no tempo certo da bola. Lembro que eu e o Orlando ficamos batidos na cobrança do escanteio que culminou no gol do Rondinelli, Ele surgiu como um elemento surpresa se aproveitando da rápida cobrança de escanteio do Zico.

Abel, fale um pouco sobre a admiração que você tinha do ex-presidente do Vasco, o saudoso Agathyrno Silva Gomes (1927-2015), que o considerava um líder nato?

Esse presidente, apesar da ótima relação que eu tinha com ele, foi uma pessoa que me marcou profundamente e marcou a minha vida. Eu era um jogador desacreditado e que pouco era utilizado nos jogos, mesmo tendo sido campeão em Cannes, Pré-Olímpico e disputado Olimpíadas, ele me deu valor. Ele viu em mim um atleta que poderia ajudar, sobressair, e foi o que aconteceu. Então o Agathyrno Silva Gomes não foi só um grande presidente para o Vasco, mas sobretudo para mim em particular. Depois tive uma relação muito bacana com o Antônio Soares Calçada, mas o Agathyrno foi o cara que impulsionou a minha carreira e acreditou no meu futebol e identificação minha com o clube. Há mais de 40 anos eu corto o cabelo no mesmo lugar e volta e meia sempre falamos do seu Agathyrno, recordando das coisas boas, da nossa convivência e o meu sentimento é de agradecimento e carinho. Aonde ele estiver, que Deus o tenha bem.

Você esteve com a Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Argentina, em 1978, mas não entrou em campo. Claudio Coutinho, à época treinador do Flamengo, preferia o miolo de zaga com Oscar e Amaral. Pela fase que atravessava no Vasco, acha que teria condições de ser titular?

Realmente, eu estava em uma fase muito boa, poderia ter jogado e me saído bem, mas o Oscar e o Amaral estavam em grande fase. O Oscar, inclusive, não só esteve irretocável naquela Copa do Mundo mas na de 1982 também, na Espanha. Era um zagueiro incrível, simples e que não falhava. Já o Amaral era excepcional. Os dois se completavam. Eu não tenho o que reclamar! Apenas agradecer pela oportunidade que me foi dada de estar numa Copa do Mundo, né? Sobre ser ou não titular, é opção do treinador, e a escolha dele é soberana. Devemos respeitar.

Após três anos da sua chegada ao Vasco da Gama, você fez as malas e foi jogar no Paris Saint-Germain, onde marcou nove gols. Como surgiu o interesse do clube francês e como foi ter sido um dos primeiros zagueiros do futebol brasileiro a jogar lá?

É bom dizer que a boa fase que vivi no Vasco foi fruto do meu trabalho e acabou sendo essencial para ir à Copa do Mundo em 1978 na Argentina. O interesse surgiu quando o Jean-Michel Larqué, ex-meia da França, de 1969 a 1976, e à época, treinador do PSG, me viu jogar. Gostou e me indicou. E isso foi muito bom. Cheguei a marcar alguns gols também. Mas eu acho que fui, como você mesmo falou, o primeiro zagueiro brasileiro a jogar no PSG. Os três que haviam ido antes de mim, o Luizinho, que jogou no Botafogo foi atuar no Lille, e o Paulo Cézar Caju e Jairzinho, jogaram no Olympique de Marseille. Fui o primeiro zagueiro brasileiro a jogar no PSG. No entanto, mais legal do que ter sido o primeiro a jogar lá, foi a experiência que tive de viver na Europa, conhecer outra cultura, aprender costumes e língua diferentes do Brasil. Foi a realização de um sonho. Mas cumpri dois dos três anos de contrato em razão de uma contusão grave que tive no meu joelho que me atrapalhou. Minha volta ao Brasil deu-se em virtude da contusão que me acompanhou até o final da carreira.

Em 1981, você retornou ao Brasil, para defender o Cruzeiro. Logo de cara, uma cirurgia no joelho o afastou dos gramados por dois meses, e quando recuperou-se deu nova cara à zaga com reflexos positivos em todo o time. Como foi esse período na Toca da Raposa?

Eu tenho uma gratidão pelo Cruzeiro enorme que vocês não têm ideia. Eu havia me machucado em Paris, e diga-se de passagem, fui um dos primeiros atletas a realizar uma artroscopia. Voltei a jogar em15 dias. Lembro que teve um jogo em um lugar longe, e estava muito frio no campo, congelado mesmo. Nesse jogo, teve um lance que obriguei o atacante a levar a bola para o lado que eu queria e no combate ele bateu na minha perna e me machucou de novo. No Cruzeiro, eu joguei uns dois jogos, e a perna começou a ficar fina, pois eu poupava a perna esquerda. Novamente, passei por uma intervenção cirúrgica. Depois me recuperei, treinei e joguei com caras sensacionais como Nelinho, um dos meus melhores amigos que fiz no futebol, o goleiro Luiz Antônio, Carlinhos Sabiá, Edu Lima, entre outros. Eu sou grato ao Cruzeiro e ao Felício Brant, o presidente do clube, onde me senti muito bem. Foi um dos melhores ambientes onde trabalhei.


Ainda sobre o Cruzeiro, ironicamente, você se tornara homem de confiança do ex-craque Didi, o mesmo técnico dos tempos de Fluminense que não lhe colocava para jogar. Como era sua relação com o inventor da Folha Seca?

No Fluminense, todo ano os dirigentes falavam assim: “Ano que vem é o teu ano, é a sua vez, coisa e tal”. Contrataram o Pescuma e muitos outros jogadores, só que eu achava que jogava mais do que eles (risos). Mas nunca tive problemas com o Didi e foi um prazer enorme ter trabalhado com ele no Cruzeiro, porque me ensinou muita coisa. Vasta experiência, muita tranquilidade para explicar e falar, e foi legal demais este aprendizado. E a convivência com ele me ajudou no início da minha carreira de treinador. Algo que aprendi com o Mestre didi eu coloquei em prática ao ser técnico.

Você era um zagueiro vigoroso, sabia usar seu porte físico para intimidar os atacantes. Porém, alguns atacantes deram muito trabalho a você. O Reinaldo, do Atletico-MG, era um deles. O lençol que ele deu em você na pequena área e fez o gol no Mineirão no Campeonato Brasileiro de 1976, foi o drible mais desconcertante que você levou?

Cara, aquele gol do Reinaldo ficou sendo um dos mais bonitos da carreira dele e do Mineirão, sabia? Eu não me sinto mal com isso não, cara (risos). É simplesmente Reinaldo de quem estamos falando, que está entre os dez maiores jogadores do futebol brasileiro de todos os tempos na minha opinião. Uma pena que seus joelhos começaram a lhe causar problemas e ser desconfortável para ele jogar plenamente. Reinaldo foi gênio. Orgulho-me muito em tê-lo como amigo. Mas, mesmo enfrentando gênios do futebol, nunca fui de dar porrada. Jogava duro, lógico, mas acabei sendo acusado por alguns que falaram besteiras por aí. Até hoje, o Zico, outro gênio, é um dos caras que mais me defendem quando tocam nesse assunto. Mas vou fazer o quê, cara? Esses caras faziam gols assim em todo mundo e em cima de qualquer zagueiro. O Reinaldo, como exemplo citado aqui na pergunta, fez um gol espetacular em cima de mim. Eu jamais poderia imaginar que ele dominaria a bola daquele jeito, naquela posição e circunstância, me dar um chapéu, puxar a bola para si e finalizar no único lugar que a bola poderia entrar. Foi inacreditável!

Na sua passagem pelo Cruzeiro, teve momentos em que você reivindicava aumento para jovens talentos e discutia com cartolas e comissão técnica um regime mais justo nas concentrações. Ali, já desabrochava o treinador de sucesso que você seria no futuro. Isso já passava pela sua cabeça?

Eu sempre fiz reivindicações. No Vasco, jogador jovem renovava contrato e eu pedia ao presidente para não dar o dinheiro das luvas e sim um apartamento. Mas isso era uma coisa pessoal minha que agora estou falando. Mesmo não sendo gestor de carreira de ninguém. Mas eu soube administrar bem meu dinheiro e achava um pecado o jogador desperdiçar tanto dinheiro ao invés de comprar uma casa ou apartamento. O cara comprava um carrão. Mas na minha época era muito diferente da atual, né? Mas eu sempre tive isso e continuo tendo essa preocupação com meus jogadores. Recentemente, esse pessoal que acabou demitido do Internacional por redução de folha, eu liguei para uma das pessoas que eu não vou citar por ética, é claro, e ele falou: “você lembra que eu fui aumentado pelo presidente fulano de tal, e ele falou que foi você que pediu para me aumentar(risos)”. Não era jogador, não era nada, era um integrante do departamento de futebol. Eu achava que ele fazia muito e ganhava pouco, entendeu? Mas era uma coisa minha. Até hoje sou assim e não mudei nada.

É verdade que o senhor costumava dar uma porrada no atacante logo no início da partida sabendo que o árbitro não teria pulso para expulsá-lo e estragar o jogo?

Quem criou isso foi o Moisés, mas não tinha nada disso não. Claro que, se pudesse dar ‘umazinha’ para espantar um pouquinho era legal, né? (risos). Mas nunca fui de machucar ninguém, dar porrada para impor respeito, nada disso. Quando era zagueiro, quem que eu machuquei? Ninguém. Não podia também ser meigo, carinhoso, amoroso com um tamanho desses. Mas eu era um jogador normal, mas extremamente inteligente jogando. Usava bem os dois pés, tinha uma percepção elevada e sabia o que os atacantes iam fazer quando a bola era metida pelos meias. Eu me antecipava e chegava sempre na frente. Mas tive a sorte em ter grandes caras que me ensinaram muito como Pinheiro, me dando conselhos de posicionamento e preencher os espaços vazios. O Assis, que falava para mim em 1969, 1970: “Abel, quando você vir que o meia vai lançar para o atacante, dê uns três passos para trás que você vai chegar antes dele”. E até hoje eu falo isso para os meus zagueiros, sabia? E por ter ouvido as dicas na carreira, eu não precisava dar pontapé em nenhum adversário. Às vezes, acontecia, mas não era com o intuito de machucar. Quer um exemplo? O Luisinho Tombo do América era um. Você podia dar dez porradas neles que ele continuava partindo para cima de você.

Dentre os zagueiros que você jogou, qual foi aquele que você considera o grande parceiro de miolo de zaga?

O meu grande parceiro de miolo de zaga foi o Geraldo. Não tem como ser outro. Apesar de ter jogado muitas partidas bem ao lado do Gaúcho e do Renê, mas o Geraldo foi marcante pelo tempo em que jogamos juntos e pelas conquistas. Acabamos nos dando tão bem, mas tão bem, que de tanto a gente se entender, me tornei padrinho do filho dele. Lamentavelmente, teve uma morte horrível. Éramos vizinhos de paredes, no meu primeiro apartamento na Ilha do Governador quando casei. Mas joguei com tanta gente boa, como o Amaral que jogou na seleção.


Quem foi sua grande inspiração no futebol?

O jogador que eu gostava muito era o Brito, mesmo não jogando contra e nem a favor. Mas acabei fazendo uma amizade muito grande com ele. Era um zagueiro que eu apreciava para caramba. Inclusive, no Cruzeiro, na saída do Didi do comando da equipe, eu e Nelinho, outro cara que eu me dava muito bem, nós fomos à direção do clube e pedimos para colocar o Brito como treinador e ele comandou a equipe. Infelizmente os resultados não vieram. Aí o presidente colocou o Yustrich para castigar a gente (risos). Mas eu me espelhava no Brito, que era ídolo da torcida do Vasco e isso mexeu comigo e me fez ter essa admiração toda por ele.

Qual clube você gostaria de ter jogado no Brasil e não jogou?

Não teve essa coisa de não ter jogado nesse ou naquele clube. Quando eu estava acertando com o Paris Saint-Germain, no mesmo dia veio o convite do Corinthians, mas como eu já estava querendo jogar na Europa, viver em outro país, aprender uma cultura diferente e um outro idioma, segui para a Cidade Luz. Para um jogador que ficou oito anos no Fluminense, quatro no Vasco, dois no Botafogo, dois no PSG e um do Cruzeiro, vou querer mais o quê? Vou querer mais nada, cara! Para o jogador que eu fui, ter jogado nestes clubes foi muito bom, e antes de encerrar a carreira, ainda joguei no Goytacaz por apenas três meses porque o joelho não permitia ir além.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Eu gostaria que as pessoas encarassem como eu encaro. Fiquei nove meses aqui no Rio desde o início da pandemia sem problema nenhum e quando isso tudo começou, em março de 2020, passei a caminhar na praia usando máscara em setembro. E em Porto Alegre, trabalhando no Internacional, fui contaminado, mas sintoma zero, nada. E minha imunidade, surpreendentemente, chegou a sete. Em fevereiro deste ano subiu para nove. Mas quando eu digo que as pessoas deveriam encarar como eu encaro é em relação a respeitar o Covid-19 como eu respeito. Já tomei a primeira dose da vacina, e mesmo assim, não abuso. Gosto de ir nos restaurantes, toda hora sou convidado, mas resolvi dar um tempo e tirei meu time de campo. Devemos nos prevenir e respeitar os limites impostos pelos órgãos de saúde.

Defina Abel em uma única palavra?

Correto.