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CONFLITOS INTERNOS

por Idel Halfen


A queda para a Série B do Campeonato Brasileiro de futebol e a consequente redução nas receitas, tem feito com que os clubes rebaixados readequem seus orçamentos, o que redunda fatalmente em cortes de custos para que os resultados operacionais sejam menos impactados.

Alguns clubes decidiram, entre outras medidas, a extinção de algumas modalidades olímpicas, o que foi alvo de críticas.
Embora eu seja um defensor ferrenho dos esportes olímpicos, seria um pouco irresponsável julgar tal decisão sem estar a par da real situação financeira dos clubes e dos seus objetivos estratégicos. Além do que, é preciso conhecer a estrutura das instituições para entender seus conflitos internos. Os clubes de futebol, por terem um percentual extremamente significativo de suas receitas advindo desta modalidade, a qual também é responsável pela maior, se não totalidade, da torcida (potenciais consumidores), sofrem com a forte pressão por melhores desempenhos esportivos. Tal cenário faz com que os esportes olímpicos e a parte social fiquem em notória inferioridade nas decisões orçamentárias, principalmente quando faltam recursos e performance.

Esses “conflitos internos” não são exclusividade dos clubes de futebol, ainda que a exposição e a pressão sejam maiores em função do tamanho desse mercado. Os clubes ditos sociais, pegando aqui a título de ilustração o Esporte Clube Pinheiros de São Paulo e o Minas Tênis Clube do estado homônimo, também padecem com as reclamações dos sócios em relação à “divisão” de espaço com as atividades relacionadas aos esportes olímpicos.

Assim como os torcedores de futebol não conseguem entender que os esportes olímpicos são importantes para o fortalecimento da marca e até na atração de simpatizantes, os sócios dos clubes citados acima não enxergam que a valorização da marca e do título patrimonial do clube pode ser aditivada pelos esportes olímpicos.

Ressalte-se que no caso dos clubes de futebol, em função das difíceis situações financeiras, as necessidades de caixa no curto prazo exigem soluções radicais mais rápidas.

Por outro lado, uma possível saída dos clubes das modalidades olímpicas pode ser de extrema gravidade para o Brasil, que tem seu sistema esportivo fortemente baseado nessas organizações. Mas como mantê-las em um cenário onde as organizações precisam de dinheiro para sobreviver? A solução de dedicar uma parte das receitas aos olímpicos é fácil no discurso, mas podem comprometer a estrutura e fazer com que ela toda acabe, prejudicando as três unidades: futebol, esportes olímpicos e social.

Dessa forma, creio que devam ser buscadas saídas que incluam mandatoriamente a modelagem do sistema esportivo brasileiro, não deixando-o tão dependente dos clubes, mas também criando recursos para que esses continuem contemplando-os em suas estruturas

O QUE A GENTE QUER

por Serginho 5Bocas


De uns tempos para cá, tenho percebido uma resistência enorme ao comportamento dos jogadores de futebol da seleção brasileira, seja na forma de se vestir, no jeito de dar entrevistas, no contato com os torcedores e ultimamente na postura frente aos problemas do dia a dia. Mas do desempenho dentro de campo nem falam tanto, porque ganhando ou perdendo, tanto faz, parece que assistimos a um monte de agua de salsicha ou suco de chuchu, sem tempero nenhum, banal.

Estranho dizer isso ao observarmos que eles possuem milhões de fãs nas redes sociais, que os seguem cegamente pela web, alguns imitando o jeito de andar, as roupas, brincos, sobrancelhas e até as tatuagens! O que que é isso, fera?

Fico confuso quando dizem aquela frase: 

– Eles tinham que pensar no que estes jogadores representam para o povo brasileiro…

Ué! Nunca fui representado por jogadores de futebol, nunca segui os conselhos de nenhum deles, tampouco quis copiar comportamento, mas confesso que queria ser como eles… no campo, jogando bola, pois o que sempre me importou foi o futebol. 

Quem dera olhar para um lado e lançar para o outro como Rivellino, Mario Sergio, Djalminha e Ronaldinho faziam. Jogar imperando sobre o campo todo sem olhar para a bola, como fazia o oitavo rei de Roma, Paulo Roberto Falcão, ou Beckembauer, fazer gols a rodo como Claudio Adão, Dadá Maravilha e Roberto Dinamite, mas também queria fazer pontes, defesas espetaculares como Sepp Maier, Fillol, Dassaev, Buffon, Leão, Taffarel ou Manga, quem dera…

Se Garrincha ou George Best bebiam todas, dane-se! Se Puskas, Claudiomiro, Marião e Neto comiam além da conta e daí? O negócio sempre foi dentro do campo, jogando bola ou suando horrores, pois a torcida sempre reconhece o esforço, seja pela inspiração ou pela transpiração, cada um na sua.

O que importa de verdade é o futebol, que anda bem fraquinho por sinal. Sou de uma geração que envelheceu e chegou na fase de criar resistência às coisas novas e de achar que as coisas do meu tempo é que eram boas.

Confesso que faço um esforço hercúleo para me adaptar a um mundo tão dinâmico e com uma velocidade de transformação exponencial, mas tenho que reconhecer que quanto melhor for a adaptação e aceitação das mudanças a gente sofre menos. Mas no caso dos jogadores, o problema não é tanto pelas “mamãezadas”, das presepadas, das bizarrices, como quiser chamar, mas pela falta de futebol mesmo. 

O que eu quero na verdade é ver futebol bem jogado, aquele que a gente ia para o trabalho de manhã cedo fazendo planos para ver o jogo à noite, que fazia a gente gravar a escalação e sorrir, pintar as ruas e depois de terminada a partida, contar para alguém os melhores lances. Isso hoje parece tão distante que a gente nem cria maiores expectativas para não se decepcionar! Que situação!

Mesmo diante de tudo isso e de muitas lamurias de meus amigos e de boa parte da imprensa traçando futuros sombrios, sou um eterno otimista. Acho que ainda tem jeito, mas é preciso que os jogadores do futebol brasileiro joguem bola e esqueçam as páginas de fofocas, os sites e aplicativos do momento. É preciso que se ensine para as nossas crianças o nosso futebol, que sempre foi jogado com alegria e talento, que não se deixe perder no tempo o nosso legado.

Que um Domingos da Guia, um Leônidas da Silva, um Tim, um Ademir Queixada, um Heleno de Freitas, um Zizinho, um Julinho, um Garrincha, um Pelé, um Nilton Santos, um Didi, um Gerson, um Tostão, um Jairzinho, um Rivellino, um Dirceu Lopes, um Ademir da Guia, um Falcão, um Zico, um Leandro, um Junior, um Cerezo, um Sócrates, um Careca, um Romário, um Bebeto, um Rivaldo, um Ronaldo Fenômeno, um Ronaldinho Gaúcho, um Kaka, um Neymar nunca sejam esquecidos; Que sejam sempre referência para as nossas crianças, sejam copiados por tudo que fizeram e por seus respectivos legados, mas é preciso que se ensinem isso nas escolas de futebol pelo Brasil afora e ai teremos chance de virar o jogo.

Que saudade de ser favorito, de ser temido e ter tesão de ligar a TV para ver a seleção. Afinal de contas, ninguém aguenta mais essas palhaçadas, esse jogo medíocre e chato e a gente precisa saber definir o quê que a gente quer, fera!

Forte abraço

Serginho 5Bocas

O PAÍS DAS PALHAÇADAS

:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::


No calçadão do Leblon, passa um leitor da coluna e, de passagem, me aconselha: “PC, não se aborreça mais com o futebol, divirta-se!”. Ele andava rápido, nem deu tempo de agradecê-lo, mas aviso que virei monge budista. Do contrário, estaria soltando os cachorros com essa palhaçada que aconteceu no Brasil x Argentina. De um lado, falsificação de documentos e do outro uma ação desastrosa das autoridades brasileiras, afinal os culpados nem deveriam ter saído do aeroporto, ou do hotel, ou do vestiário, mas vamos deixar isso de lado porque meu Botafogo venceu mais uma e já tem um “novo” ídolo, Joel Carli.

O Brasil virou o paraíso dos cisnes, vários deles vem exibir o seu último canto em nossos campos e aproveitar para ganhar um dinheirinho dos clubes falidos. Antes eu me irritaria, mas, hoje, monge, acho que eles estão certíssimos! De cabeça, lembro de alguns, como Diego Costa, Hulk, Filipe Luís, Willian, Douglas Costa, Taison, Renato Augusto, Paolo Guerrero, Carlos Sánchez, Borja, Miranda e vários outros que perderam espaço na Europa, foram para China, para o mundo árabe e voltam ao Brasil como ídolos, salvadores da pátria.

Como pagá-los, não importa, as próximas administrações que resolvam, afinal grande parte dos clubes que trazem esses cisnes estão enroscados em dívidas impagáveis. Mas já temos problemas demais, Covid etc etc etc, deixa contratar! Se não renovamos, vamos usar quem ainda tem lenha para queimar! Fico assistindo as Eliminatórias e fica claro a fragilidade de nossos adversários. O Sornoza é titular do Equador, Na Colômbia, o Borja jogava quando foi substituído pelo Falcão Garcia. O Falcão seria ídolo em qualquer clube do Brasil. Isso é bom ou sinal do nivelamento por baixo que vive o futebol brasileiro? Como virei monge, prefiro que vocês respondam.

Ah, fique sabendo que o Botafogo está sondando os laterais, irmãos gêmeos, Rafael e Fábio. Vão virar ídolos, com certeza! Que o Brasil siga sendo o paraíso dos trintões, o porto-seguro dos cisnes e eu continue valorizando o bom-humor, afinal rir é o melhor remédio! Por falar em risada, gargalhei quando ouvi um analista de computador falando que o jogador do Boca fez a recomposição por dentro da defesa, espetando o adversário! Virou esgrima? Se já não fosse o bastante, ainda falaram que fulano é um jogador de lado que entra com intensidade por dentro e aplica um X1 no marcador! Kkkkk!

DE CAPACETE A MAESTRO, CRAQUE A TODA PROVA

por Luis Filipe Chateaubriand


Leovegildo Lins Gama Junior, o Júnior, começou a jogar bola na praia e, com isso, desenvolveu soberbamente o preparo físico – jogar na areia fofa é algo que acrescenta condicionamento ao atleta.

Não foi novidade, portanto, que, no futebol de campo, fosse atuar nas laterais, no Flamengo – primeiro, na lateral direita, depois, na lateral esquerda.

O vai e vem típico do jogo de um lateral exige condicionamento pleno.

Nessa época, usava um cabelo extenso, tipo black power, por isso, ganhou o apelido de Capacete – o cabelo parecia um capacete.

Junior Capacete, o lateral, chegaria à Seleção Brasileira no final dos anos 1970, com técnica mas, sobretudo, força.

Os anos se passaram e, em meados dos anos 1980, Junior foi negociado com o futebol italiano – jogou no Torino e no Pescara.

Ali, encontrou uma nova posição de jogo, o meio de campo.

Virou o condutor do time.

O maestro.

Junior Maestro, o meia cerebral, permaneceria na Seleção Brasileira, com força, mas, sobretudo, técnica.

Quando voltou ao Flamengo, no final dos anos 1980, veio ser, sobretudo com a aposentadoria de Zico, o Maestro da Gávea.

E eis que Júnior, seja como lateral (capacete), seja como meia (maestro) jogou muita bola, e isso é unanimidade!

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

O ARTISTA QUE NOS UNIU

A história de um ídolo dentro e fora dos campos

 por Pedro Barcelos 


No dia 10 de julho de 1980, o Brasil perdia um de seus principais pintores, Francisco Rebolo. Porém, para além disto, o Corinthians perdia um de seus principais artistas. Nascido na Mooca, em 1902, Rebolo pode ser retratado de diversas formas, mas nós sempre iremos reverenciá-lo como o artista do escudo.

Ainda moleque, ouviu seus pais se queixarem da falta de grana em casa. A situação estava complicada. Pensando como poderia ajudá-los, não tardou a seguir uma carrocinha que passava pela rua enquanto jogava uma pelada. Foi com ela até seu destino final, crente que desta jornada conseguiria algum trampo que amenizasse a carência doméstica. Destinado, conseguiu assim seu primeiro trabalho: pintor de paredes.

Mesmo atarefado com os serviços recém-demandados, não deixou de jogar bola nas várzeas paulistanas. Na época, os clubes da Liga (de elite) e de várzea continham os mesmos jogadores. O homônimo corintiano, por exemplo, se chamava Botafogo, time formado por espanhóis da rua Santa Rosa (no Brás) que eram majoritariamente donos de armazéns de secos e molhados. O Paysandu jogava com o nome de Argentinos, na Rua do Glicério, que pela proximidade de casa, Rebolo acabou integrando. Após um tempo, Tobias, outro pintor de paredes, chamou Francisco para integrar o São Bento, que seria seu primeiro time da Liga. 

O ano de 1922 poderia ficar marcado para os artistas da época como o marco da arte modernista no Brasil, mas Rebolo nesta época era apenas um pintor de parede e seu foco artístico estava mais para o futebol. Seu ingresso no Corinthians, time que sempre torceu, aconteceu de forma curiosa. Contratado para pintar uma parede na sede do clube, Neco (jogador da seleção brasileira e um dos maiores ídolos da história do clube), reclamou: “Você vem aqui tirar o nosso dinheiro como pintor do salão e joga lá no São Bento?” A solução para o problema veio com o passe de Rebolo e o título do Campeonato Paulista daquele ano (Taça do Centenário da Independência), jogando de ponta-esquerda.


Sua passagem como atleta pelo seu time do coração não foi longa, durou apenas cinco temporadas. Após este período, ainda jogou no Ypiranga até se aposentar dos gramados. Porém, sua principal contribuição ao futebol ainda estava longe de acontecer.

Sua carreira de pintor de quadros decolava, sendo reconhecido cada dia mais como um dos principais artistas brasileiros. Junto com outras importantes figuras da época, criou o Grupo Santa Helena em seu ateliê na Praça da Sé. Era um grupo de artistas autodidatas notáveis. Prova disto, quando perguntado em uma exposição sobre se conhecia Cézanne, retrucou: “É corintiano? Mora em qual rua?”

Em 1936, finalizou aquela que seria uma das suas principais gravuras sobre futebol, estampando a capa do livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, de Mario Filho. O autorretrato (ele vestindo branco e preto, óbvio) ganhou fama também por ilustrar um negro jogando futebol com as cores nacionais, algo ainda pouco recorrente na época. 


No entanto, foi em 1939 que seu nome ficaria para sempre marcado na história do Corinthians. Alguns dirigentes e amigos que ele mantinha no clube o procuraram para resolver uma questão: o clube agora também tinha equipe de regatas e o emblema do época não embarcava nesta novidade. Rebolo, então, pintou o escudo novo em toda a sede do Parque São Jorge.

O tempo passou e o clube deixou de ser apenas um coletivo de bairro para ter proporções mundiais. Após o pentacampeonato brasileiro, o escudo começou a ficar ofuscado pela quantidade de estrelas na camisa. Em 2011, o clube resolveu a questão com a seguinte nota: “Se título cada um tem o seu preferido, o emblema é único. É o belíssimo desenho de Rebolo que une todos os corintianos em torno de uma única paixão. É o escudo que nos protege dos adversários. É o distintivo que nos distingue dos outros. A camisa continuará com o escudo na altura do coração. Agora, até maior. E, do lado de dentro, no coração de cada um, continuará a brilhar a estrela preferida”.


No mesmo livro que Rebolo publicou sua gravura mais famosa sobre o esporte, Gilberto Freyre apresenta no prefácio uma famosa distinção entre o futebol-ciência (oriundo da Europa, com ênfase no jogo coletivo) e o futebol-arte (brasileiro, individualista, empírico). Esta diferença se acentuou com o tempo, ganhando relevância ainda mais notória após os três primeiros títulos mundiais brasileiros, porém, de todas as profecias possíveis para o futebol-arte, nenhuma consegue contemplar este personagem: pintor moderno, jogador ousado e desenhista do maior símbolo corintiano. Se falta arte para o nosso futebol contemporâneo, não falta história para as artes do passado.

Salve, Francisco Rebolo!

Salve o Corinthians!