COALHADA, O CRAQUE PERNA DE PAU
por Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Otávio Arlindo Antunes do Nascimento. Eis o nome, ou talvez pseudônimo, não sei bem, de um dos grandes personagens do futebol brasileiro, o popular Coalhada, craque revelado pelo genial Chico Anysio no início dos anos 1970.
Coalhada teve ascensão meteórica na arena esportiva, logo ganhando a admiração e a audiência de todo o país, reconhecido como o craque perna de pau, digno representante dos milhares de jogadores medianos Brasil afora e sem os holofotes da mídia nacional.
Estrábico, sem domínio e habilidade no trato com a bola — para ele, um objeto não identificado —, Coalhada compensava suas deficiências técnicas com muita malandragem e espírito boleiro. Típico centroavante que jogava sem a bola, só se deslocando para chamar a marcação que não vinha, já que era praticamente ignorado em campo.
Com a categoria que lhe era peculiar, nosso craque batia até pênalti, como um em que nem o goleiro nem as traves apareceram na foto e a bola foi parar na bandeirinha do escanteio.
Graças ao zelo de sua mãe e a competência de seu empresário e preparador físico, o Bigode, Coalhada vestiu a camisa de mais de 50 clubes do Brasil e do exterior. Avesso aos treinamentos, sofria com os exercícios físicos passados por Bigode: “Pique no lugar! Flexão! Vai no pé!”
Poucos no mundo do futebol, como Coalhada, tiveram a chance de jogar ao lado de Zico, Júnior, Sócrates e, vejam só, junto a Pelé, no Cosmos de Nova Iorque. Sua transferência para o time norte-americano foi negociada pelo próprio Rei do Futebol, que veio pessoalmente ao Brasil convencê-lo a jogar nos Estados Unidos.
“Aí tem truta! Aí tem truta!”, dizia ao partir desconfiado para os esteites. Como era de se esperar, Coalhada não se adaptou ao “american way of life” e não demorou para voltar ao seu verdadeiro habitat, a pequena e agitada Chico City. “Mas, hein?”
GALO E PIBE, O DUPLO SOL
por Rubens Lemos
Dos quatro jogos no mosaico de fotografias, não devo ter visto o último, Udinese de Zico contra o Napoli de Maradona! Não devo ter visto de preguiça, dormindo alguma manhã de domingo em que a Rede Bandeirantes transmitia o Show do Esporte, atração maior, o Campeonato Italiano.
Na Udinese, Zico deixou de ser dono do Brasil para jogar e muito bem numa espécie de Ponte Preta italiana. No Napoli, Maradona caminhava para explodir em 1986 como um dos maiores da história. O Napoli podia ser comparado a um Coritiba ou Atlético Paranaense. Eram dois times intermediários tornados grandes pelos seus camisas 10.
Zico e Maradona, quem é do meu tempo sabe, jamais trocaram farpas pela mídia. Maradona, claro, ainda não era um chapadão ambulante. Admirava o Galinho do Flamengo, que o idolatrava.
Juntos em qualquer time na primeira metade dos anos 1980, não perderiam para ninguém. Eram os melhores do planeta, superiores ao francês Platini, ao alemão Rummenigge e ao polonês Boniek.
O jogo de 1979, tenho gravado em DVD e foi um dos maiores clássicos da história, jogado no Ex-Maracanã (o Maracanã do povão desdentado na geral), com nada menos do que 118.458 pagantes, algo que jamais será repetido no país.
Peleja válida pela Copa América e Maradona, aos 19 anos, nem aí para a desvantagem no público. Acabara de ser campeão mundial de juniores e era titularíssimo dos profissionais. Em 1978, Maradona merecia uma vaga no time campeão de Menotti.
Neste jogo do Maracanã, o capitão Cláudio Coutinho, técnico “campeão moral” por haver encerrado invicto a Copa do Mundo da Argentina, pretendia uma surra exemplar. Logo aos dois minutos, o hábil ponta-esquerda Zé Sérgio, do São Paulo, dribla três Hermanos e cruza para Zico empurrar para as redes.
Pintava uma goleada que não veio. Maradona passou a dominar Batista e Zenon no meio-campo e a entrar com frequência de amante em quitinete de cabrocha. Deu um belo chute curvado pouco após a intermediária ao observar o goleiro Leão adiantado. Leão fez uma defesa de epopeia. Saltou e trouxe a bola puxando-a com as duas mãos.
Foi Edinho quem tremeu ao vislumbrar Dieguito, que lhe tomou a bola e, calmamente, serviu a Coscia, para empatar aos 29 minutos de partida. Confronto elétrico, imprevisível. O Pibe tomou dois tocos no tornozelo, aplicados pelo cerebral Paulo César Carpeggiani, mas nada sentiu. Ali estava um superdotado, algo diferente do comum e imune a medos pueris.
O Brasil fez 2×1 num dos mais belos gols da história do Ex-Maracanã desde que a acompanhei a partir de 1977. Tita e Zico tabelaram, o Galo deixou Tita na quina da área e ele soltou um balãozinho caprichoso, jogando a bola no ângulo do goleiro Vidallé, reserva do espetacular Ubaldo Fillol.
No retrato do confronto Flamengo x Boca Juniors, em 1981, o rubro-negro mandava no mundo com seu time de poesia parnasiana. Zico fez os dois gols do 2×0 e Maradona, recém-contratado ao Argentino Juniors, brindou a massa com embaixadinhas e toques de curva, dificultando para o grandalhão goleiro Raul.
Saíram abraçados Zico, Maradona e Carpeggiani, que se despedia da carreira de volante clássico para assumir o cargo de trenador do Flamengo, pelo qual venceria a Libertadores, o Mundial Interclubes e o Campeonato Carioca daquele benfazejo ano (para os de vermelho e preto).
No lance em que Zico mete o pé por entre as pernas de Maradona tentando tomar-lhe a bola, eram nervos de aço no gramado do Estádio Sarriá, matadouro do Brasil pelos pés da Itália no duelo seguinte.
Zico e Maradona, no Brasil 3×1 Argentina, trocaram algumas jogadas ríspidas, evitaram dribles um no outro e o semideus portenho teve um ataque histérico e invejoso. Após uma pernada no volante Batista, foi expulso e saiu mandando a secada marota: “Perdemos para os campeões do mundo”. A Itália apagou nossas luzes. Acesos serão sempre Zico e Maradona, duplo sol do meu tempo.
O ADEUS DE TIA RUTH E O DESABAFO DE GERALDAVES
por Paulo-Roberto Andel
Tia Ruth acabou de morrer e com ela se foi um jeito de torcer que não existe mais: colocar o amor e a simpatia acima de todas as intempéries, que no caso do seu America têm sido intensas. Uma lady a serviço da memória do futebol brasileiro, enfrentando viagens, campos esburacados e falta de estrutura para apoiar uma causa que muitos consideram perdida. O fato é que o America faz uma falta enorme ao Maracanã e, se pensarmos no passado, o próprio Maracanã, aquele que aprendemos a amar e admirar, também faz falta.
A tristeza não parou. Recebi por WhatsApp um texto, uma carta aberta possivelmente assinada sob pseudônimo que me emocionou profundamente. Além da enorme simpatia pelo America, estou escrevendo um livro sobre o clube junto com o jornalista André Luiz Pereira Nunes, o que aumenta a reflexão. Ler a carta foi como levar um soco violento no queixo. Tomei a liberdade de reproduzi-la aqui:
“É preciso acabar com o America!
(por Geraldaves de Almeida)
É preciso acabar com o America. O time para o qual torci não mais existe. Trata-se de um arremedo, uma cópia mal feita. A camisa, outrora rubra, se misturou ao anêmico sangue dos botinudos que ora a envergam. Alex, Edu, Bráulio e Luisinho ficaram definitivamente na memória dos tolos saudosistas.
É preciso acabar com o America. Urge que o façam logo. Meu time agoniza lentamente em meio a um limbo em forma de espiral. É um cenário perfeito para um portador de labirintite.
O agora ex-America necessita de uma morte digna, pois seus dirigentes o tem infestado a cada ano com refugos e velharias. No início da temporada o elenco contava com 6 goleiros, vejam só, 6 goleiros! O principal, contundido, não atuou em nenhum prélio destes certames de segundo escalão que o ex-America insiste em atuar sem obter qualquer êxito.
É preciso que algum corajoso aperte logo este botão. O antigo America necessita ser eutanasiado, pois merece uma morte indolor em respeito às suas glórias, restritas a um passado cada vez mais longínquo.
Os jovens de hoje não conhecem o America. Nunca ouviram falar. É o Mineiro, o de Natal? O clube estranhamente desapareceu do noticiário. Seu nome não aparece sequer nas páginas policiais, sinal claro de que o doente terminal necessita urgentemente do direito à inexistência oficial.
O ex-America possuía a sede mais moderna e charmosa da América Latina. Mas o espaço veio ao chão. Dizem que no lugar erguerão um shopping center e no playground ficará acomodado o ex-America. Que triste fim! Será que ao menos a diretoria passará a emitir boletos?
A culpa de toda essa decadência seria da CBF e do famigerado Clube dos Treze, alegam alguns insistentes torcedores. Mas isso não é verdade. A culpa é do futebol moderno que preza pela elitização e a existência dos clubes de massa em detrimento da pluralidade saudável e necessária. Money, my friend!
Não há mais espaço para meu ex-time. Em lugar de vê-lo sujo, mal ajambrado e descolorido, prefiro torcer por um fóssil.
Por favor, desliguem os aparelhos e deixem o meu America morrer em paz!”
O que foi lido acima é uma declaração de amor e desespero. Centenária instituição que ajudou muito nos alicerces do futebol brasileiro, o America tem cumprido uma pena desde 1987, quando foi alijado da primeira divisão do futebol brasileiro numa canetada, até que passou a viver em quase mendicância esportiva e hoje tem uma vida sobrenatural: parece resistir mesmo em estado de decomposição.
O America não pode morrer. Ele é um pedaço fundamental da história dessa cidade. Num período de quarenta anos atrás, curtíssimo para a análise histórica, o America ocupava dignamente o Maracanã, ostentava seu bandeirão na arquibancada e disputava títulos. Sua derrocada é drama, lição mas também um chamado de socorro.
Eu não tenho as soluções, eu não tenho as respostas. A única coisa que sei é que ele precisa ser salvo, precisa ser resgatado de um incêndio que o cremará se nada for feito.
Não adianta que algumas moscas mortas do clube, eternamente penduradas lá, ainda tentem enganar alguém com discursos pernósticos e empáfia oca.
Para o que foi e ainda é, o America não vive menos do que uma tragédia, capaz de alimentar o desespero como se leu na brilhante carta de Geraldaves, reproduzida acima.
Torcedores e sócios do America precisam se unir e lutar, lutar muito para impedir uma morte que parece anunciada em outdoors. O lugar do time rubro não é o de figurante na segunda divisão do Rio. Há um século em jogo. É preciso resistir.
É PRECISO ACABAR COM O AMERICA
por Geraldaves de Almeida
É preciso acabar com o America! O time para o qual torci não mais existe. Trata-se de um arremedo, uma cópia mal feita, um restolho. A camisa, outrora rubra, se misturou ao anêmico sangue dos botinudos que ora a envergam. Alex, Edu, Bráulio e Luisinho ficaram definitivamente na memória dos tolos saudosistas.
É preciso acabar com o America. Urge que o façam logo. Meu time agoniza lentamente em meio a um limbo em forma de espiral. O cenário perfeito para o portador de labirintite.
O agora ex-America necessita de uma morte digna, pois seus dirigentes o tem infestado a cada ano com refugos e velharias. No início da temporada o elenco contava com 6 goleiros, vejam só, 6 goleiros! O principal, contundido, não atuou em nenhum prélio destes certames de segundo escalão que o ex-America insiste em participar sem obter qualquer êxito.
É preciso que algum corajoso aperte logo este botão. O antigo America necessita ser eutanasiado, pois merece uma morte indolor em respeito às suas glórias, restritas a um passado cada vez mais longínquo.
Os jovens de hoje não conhecem o America. Nunca ouviram falar. É o Mineiro? O de Natal? O clube estranhamente desapareceu do noticiário. Seu nome não aparece sequer nas páginas policiais, sinal claro de que o doente terminal necessita urgentemente do direito à inexistência oficial.
A agremiação possuía a sede mais moderna e charmosa da América Latina. Mas o espaço veio ao chão. Dizem que no lugar erguerão um shopping center e no playground ficará acomodado o ex-America. Que triste fim! Será que ao menos a diretoria aprenderá a emitir boletos?
A culpa de toda essa decadência seria da CBF e do famigerado Clube dos Treze, alegam alguns insistentes torcedores. Mas isso não é verdade. A culpa é desse modelo de futebol moderno que promulga a elitização e a existência dos clubes de massa em detrimento da pluralidade saudável e necessária. ‘Money, my friend!’
Não há mais espaço para meu ex-time. Em lugar de vê-lo sujo, mal ajambrado e descolorido, prefiro torcer por um fóssil.
Por favor, desliguem os aparelhos e deixem o meu America morrer em paz!
OS PONTAS, OS MEIAS, O ESPETÁCULO
por Paulo-Roberto Andel
Meu amigo Catalano, também escritor, tem uma tese a respeito do futebol “moderno”: se uma boa equipe tiver dois grandes jogadores abrindo ataques pelas pontas, mais um finalizador de respeito, triturará os adversários no mundo inteiro. Sigo o relator.
Até os anos 1980, todos os times usavam pontas. Depois disso, a prioridade do futebol-força fez com que a posição fosse extinta, pois todos têm que marcar e recompor. Some-se a isso a besteirada de neologismos ocos (agudo, intensidade etc), mais retrancas para tentar garantir os empregos dos treinadores por algum tempo e pronto: chegamos ao cenário atual onde colocamos três times entre os quatro melhores da Libertadores, mas não brilhamos. A Seleção Brasileira é líder disparada nas eliminatórias, mas não encanta em nada.
É certo que os temas e focos mudam. Sem sombra de dúvida, o futebol de hoje exige um condicionamento físico intenso, muito maior do que antes. E os pontas precisam voltar para garantir a dinâmica de jogo. Ok, tudo bem, mas por que a evolução física deveria significar o fim do nosso talento?
Não faz sentido algum.
O Brasil dominou o cenário do futebol quando desenvolveu uma característica própria que nenhum outro país tinha em quantidade: talento individual, drible, passe, lançamentos, soluções surpreendentes. Até hoje somos respeitados por causa disso, e quando jogadores como Neymar encantam multidões em certas ocasiões, é porque exibem resquícios daquele talento.
E onde entram os velhos pontas nessa história? Com os dribles. Tivemos pontas. fantásticos que entortavam marcadores e apavoravam as defesas, cruzando de forma mortífera já de dentro da área. Hoje em dia o sujeito dá um balão do meio de campo e não entende como a defesa rival desarma tudo.
Não entendam estas linhas como um manifesto saudosista, porque este não é o objetivo delas. O que reclamo é: por que temos que abrir mão da nossa qualidade técnica, o bem mais precioso que temos para voltarmos ao topo do mundo? Ele pode ser reabilitado, desde que aplicado às escolas de formação de jogadores, até que voltemos a mostrar talento em campo. Não é difícil, mas exige vontade política. Quem disse que não podemos aliar condição física e excelência técnica?
Sem o drible, o futebol brasileiro perdeu sua essência. Muito disso veio quando passamos a massacrar os pontas, a eliminar a troca do camisa 10 pelo cão de guarda marcador, a fazer do volante um brucutu. E a quem interessava esse discurso? Aos adversários, claro.
Colocando gente que sabe de bola nas divisões de base, talvez possamos reverter essa pasmaceira em alguns anos. Gente que possa fazer o papel de grandes nomes que tivemos, tais como Cilinho, Carlinhos, Faria e Neca, verdadeiros ourives da bola. Caso contrário, continuaremos a ver jogos cada vez mais chochos, chamados de “grandes espetáculos”.