GALO E PIBE, O DUPLO SOL
por Rubens Lemos
Dos quatro jogos no mosaico de fotografias, não devo ter visto o último, Udinese de Zico contra o Napoli de Maradona! Não devo ter visto de preguiça, dormindo alguma manhã de domingo em que a Rede Bandeirantes transmitia o Show do Esporte, atração maior, o Campeonato Italiano.
Na Udinese, Zico deixou de ser dono do Brasil para jogar e muito bem numa espécie de Ponte Preta italiana. No Napoli, Maradona caminhava para explodir em 1986 como um dos maiores da história. O Napoli podia ser comparado a um Coritiba ou Atlético Paranaense. Eram dois times intermediários tornados grandes pelos seus camisas 10.
Zico e Maradona, quem é do meu tempo sabe, jamais trocaram farpas pela mídia. Maradona, claro, ainda não era um chapadão ambulante. Admirava o Galinho do Flamengo, que o idolatrava.
Juntos em qualquer time na primeira metade dos anos 1980, não perderiam para ninguém. Eram os melhores do planeta, superiores ao francês Platini, ao alemão Rummenigge e ao polonês Boniek.
O jogo de 1979, tenho gravado em DVD e foi um dos maiores clássicos da história, jogado no Ex-Maracanã (o Maracanã do povão desdentado na geral), com nada menos do que 118.458 pagantes, algo que jamais será repetido no país.
Peleja válida pela Copa América e Maradona, aos 19 anos, nem aí para a desvantagem no público. Acabara de ser campeão mundial de juniores e era titularíssimo dos profissionais. Em 1978, Maradona merecia uma vaga no time campeão de Menotti.
Neste jogo do Maracanã, o capitão Cláudio Coutinho, técnico “campeão moral” por haver encerrado invicto a Copa do Mundo da Argentina, pretendia uma surra exemplar. Logo aos dois minutos, o hábil ponta-esquerda Zé Sérgio, do São Paulo, dribla três Hermanos e cruza para Zico empurrar para as redes.
Pintava uma goleada que não veio. Maradona passou a dominar Batista e Zenon no meio-campo e a entrar com frequência de amante em quitinete de cabrocha. Deu um belo chute curvado pouco após a intermediária ao observar o goleiro Leão adiantado. Leão fez uma defesa de epopeia. Saltou e trouxe a bola puxando-a com as duas mãos.
Foi Edinho quem tremeu ao vislumbrar Dieguito, que lhe tomou a bola e, calmamente, serviu a Coscia, para empatar aos 29 minutos de partida. Confronto elétrico, imprevisível. O Pibe tomou dois tocos no tornozelo, aplicados pelo cerebral Paulo César Carpeggiani, mas nada sentiu. Ali estava um superdotado, algo diferente do comum e imune a medos pueris.
O Brasil fez 2×1 num dos mais belos gols da história do Ex-Maracanã desde que a acompanhei a partir de 1977. Tita e Zico tabelaram, o Galo deixou Tita na quina da área e ele soltou um balãozinho caprichoso, jogando a bola no ângulo do goleiro Vidallé, reserva do espetacular Ubaldo Fillol.
No retrato do confronto Flamengo x Boca Juniors, em 1981, o rubro-negro mandava no mundo com seu time de poesia parnasiana. Zico fez os dois gols do 2×0 e Maradona, recém-contratado ao Argentino Juniors, brindou a massa com embaixadinhas e toques de curva, dificultando para o grandalhão goleiro Raul.
Saíram abraçados Zico, Maradona e Carpeggiani, que se despedia da carreira de volante clássico para assumir o cargo de trenador do Flamengo, pelo qual venceria a Libertadores, o Mundial Interclubes e o Campeonato Carioca daquele benfazejo ano (para os de vermelho e preto).
No lance em que Zico mete o pé por entre as pernas de Maradona tentando tomar-lhe a bola, eram nervos de aço no gramado do Estádio Sarriá, matadouro do Brasil pelos pés da Itália no duelo seguinte.
Zico e Maradona, no Brasil 3×1 Argentina, trocaram algumas jogadas ríspidas, evitaram dribles um no outro e o semideus portenho teve um ataque histérico e invejoso. Após uma pernada no volante Batista, foi expulso e saiu mandando a secada marota: “Perdemos para os campeões do mundo”. A Itália apagou nossas luzes. Acesos serão sempre Zico e Maradona, duplo sol do meu tempo.
O ADEUS DE TIA RUTH E O DESABAFO DE GERALDAVES
por Paulo-Roberto Andel
Tia Ruth acabou de morrer e com ela se foi um jeito de torcer que não existe mais: colocar o amor e a simpatia acima de todas as intempéries, que no caso do seu America têm sido intensas. Uma lady a serviço da memória do futebol brasileiro, enfrentando viagens, campos esburacados e falta de estrutura para apoiar uma causa que muitos consideram perdida. O fato é que o America faz uma falta enorme ao Maracanã e, se pensarmos no passado, o próprio Maracanã, aquele que aprendemos a amar e admirar, também faz falta.
A tristeza não parou. Recebi por WhatsApp um texto, uma carta aberta possivelmente assinada sob pseudônimo que me emocionou profundamente. Além da enorme simpatia pelo America, estou escrevendo um livro sobre o clube junto com o jornalista André Luiz Pereira Nunes, o que aumenta a reflexão. Ler a carta foi como levar um soco violento no queixo. Tomei a liberdade de reproduzi-la aqui:
“É preciso acabar com o America!
(por Geraldaves de Almeida)
É preciso acabar com o America. O time para o qual torci não mais existe. Trata-se de um arremedo, uma cópia mal feita. A camisa, outrora rubra, se misturou ao anêmico sangue dos botinudos que ora a envergam. Alex, Edu, Bráulio e Luisinho ficaram definitivamente na memória dos tolos saudosistas.
É preciso acabar com o America. Urge que o façam logo. Meu time agoniza lentamente em meio a um limbo em forma de espiral. É um cenário perfeito para um portador de labirintite.
O agora ex-America necessita de uma morte digna, pois seus dirigentes o tem infestado a cada ano com refugos e velharias. No início da temporada o elenco contava com 6 goleiros, vejam só, 6 goleiros! O principal, contundido, não atuou em nenhum prélio destes certames de segundo escalão que o ex-America insiste em atuar sem obter qualquer êxito.
É preciso que algum corajoso aperte logo este botão. O antigo America necessita ser eutanasiado, pois merece uma morte indolor em respeito às suas glórias, restritas a um passado cada vez mais longínquo.
Os jovens de hoje não conhecem o America. Nunca ouviram falar. É o Mineiro, o de Natal? O clube estranhamente desapareceu do noticiário. Seu nome não aparece sequer nas páginas policiais, sinal claro de que o doente terminal necessita urgentemente do direito à inexistência oficial.
O ex-America possuía a sede mais moderna e charmosa da América Latina. Mas o espaço veio ao chão. Dizem que no lugar erguerão um shopping center e no playground ficará acomodado o ex-America. Que triste fim! Será que ao menos a diretoria passará a emitir boletos?
A culpa de toda essa decadência seria da CBF e do famigerado Clube dos Treze, alegam alguns insistentes torcedores. Mas isso não é verdade. A culpa é do futebol moderno que preza pela elitização e a existência dos clubes de massa em detrimento da pluralidade saudável e necessária. Money, my friend!
Não há mais espaço para meu ex-time. Em lugar de vê-lo sujo, mal ajambrado e descolorido, prefiro torcer por um fóssil.
Por favor, desliguem os aparelhos e deixem o meu America morrer em paz!”
O que foi lido acima é uma declaração de amor e desespero. Centenária instituição que ajudou muito nos alicerces do futebol brasileiro, o America tem cumprido uma pena desde 1987, quando foi alijado da primeira divisão do futebol brasileiro numa canetada, até que passou a viver em quase mendicância esportiva e hoje tem uma vida sobrenatural: parece resistir mesmo em estado de decomposição.
O America não pode morrer. Ele é um pedaço fundamental da história dessa cidade. Num período de quarenta anos atrás, curtíssimo para a análise histórica, o America ocupava dignamente o Maracanã, ostentava seu bandeirão na arquibancada e disputava títulos. Sua derrocada é drama, lição mas também um chamado de socorro.
Eu não tenho as soluções, eu não tenho as respostas. A única coisa que sei é que ele precisa ser salvo, precisa ser resgatado de um incêndio que o cremará se nada for feito.
Não adianta que algumas moscas mortas do clube, eternamente penduradas lá, ainda tentem enganar alguém com discursos pernósticos e empáfia oca.
Para o que foi e ainda é, o America não vive menos do que uma tragédia, capaz de alimentar o desespero como se leu na brilhante carta de Geraldaves, reproduzida acima.
Torcedores e sócios do America precisam se unir e lutar, lutar muito para impedir uma morte que parece anunciada em outdoors. O lugar do time rubro não é o de figurante na segunda divisão do Rio. Há um século em jogo. É preciso resistir.
É PRECISO ACABAR COM O AMERICA
por Geraldaves de Almeida
É preciso acabar com o America! O time para o qual torci não mais existe. Trata-se de um arremedo, uma cópia mal feita, um restolho. A camisa, outrora rubra, se misturou ao anêmico sangue dos botinudos que ora a envergam. Alex, Edu, Bráulio e Luisinho ficaram definitivamente na memória dos tolos saudosistas.
É preciso acabar com o America. Urge que o façam logo. Meu time agoniza lentamente em meio a um limbo em forma de espiral. O cenário perfeito para o portador de labirintite.
O agora ex-America necessita de uma morte digna, pois seus dirigentes o tem infestado a cada ano com refugos e velharias. No início da temporada o elenco contava com 6 goleiros, vejam só, 6 goleiros! O principal, contundido, não atuou em nenhum prélio destes certames de segundo escalão que o ex-America insiste em participar sem obter qualquer êxito.
É preciso que algum corajoso aperte logo este botão. O antigo America necessita ser eutanasiado, pois merece uma morte indolor em respeito às suas glórias, restritas a um passado cada vez mais longínquo.
Os jovens de hoje não conhecem o America. Nunca ouviram falar. É o Mineiro? O de Natal? O clube estranhamente desapareceu do noticiário. Seu nome não aparece sequer nas páginas policiais, sinal claro de que o doente terminal necessita urgentemente do direito à inexistência oficial.
A agremiação possuía a sede mais moderna e charmosa da América Latina. Mas o espaço veio ao chão. Dizem que no lugar erguerão um shopping center e no playground ficará acomodado o ex-America. Que triste fim! Será que ao menos a diretoria aprenderá a emitir boletos?
A culpa de toda essa decadência seria da CBF e do famigerado Clube dos Treze, alegam alguns insistentes torcedores. Mas isso não é verdade. A culpa é desse modelo de futebol moderno que promulga a elitização e a existência dos clubes de massa em detrimento da pluralidade saudável e necessária. ‘Money, my friend!’
Não há mais espaço para meu ex-time. Em lugar de vê-lo sujo, mal ajambrado e descolorido, prefiro torcer por um fóssil.
Por favor, desliguem os aparelhos e deixem o meu America morrer em paz!
OS PONTAS, OS MEIAS, O ESPETÁCULO
por Paulo-Roberto Andel
Meu amigo Catalano, também escritor, tem uma tese a respeito do futebol “moderno”: se uma boa equipe tiver dois grandes jogadores abrindo ataques pelas pontas, mais um finalizador de respeito, triturará os adversários no mundo inteiro. Sigo o relator.
Até os anos 1980, todos os times usavam pontas. Depois disso, a prioridade do futebol-força fez com que a posição fosse extinta, pois todos têm que marcar e recompor. Some-se a isso a besteirada de neologismos ocos (agudo, intensidade etc), mais retrancas para tentar garantir os empregos dos treinadores por algum tempo e pronto: chegamos ao cenário atual onde colocamos três times entre os quatro melhores da Libertadores, mas não brilhamos. A Seleção Brasileira é líder disparada nas eliminatórias, mas não encanta em nada.
É certo que os temas e focos mudam. Sem sombra de dúvida, o futebol de hoje exige um condicionamento físico intenso, muito maior do que antes. E os pontas precisam voltar para garantir a dinâmica de jogo. Ok, tudo bem, mas por que a evolução física deveria significar o fim do nosso talento?
Não faz sentido algum.
O Brasil dominou o cenário do futebol quando desenvolveu uma característica própria que nenhum outro país tinha em quantidade: talento individual, drible, passe, lançamentos, soluções surpreendentes. Até hoje somos respeitados por causa disso, e quando jogadores como Neymar encantam multidões em certas ocasiões, é porque exibem resquícios daquele talento.
E onde entram os velhos pontas nessa história? Com os dribles. Tivemos pontas. fantásticos que entortavam marcadores e apavoravam as defesas, cruzando de forma mortífera já de dentro da área. Hoje em dia o sujeito dá um balão do meio de campo e não entende como a defesa rival desarma tudo.
Não entendam estas linhas como um manifesto saudosista, porque este não é o objetivo delas. O que reclamo é: por que temos que abrir mão da nossa qualidade técnica, o bem mais precioso que temos para voltarmos ao topo do mundo? Ele pode ser reabilitado, desde que aplicado às escolas de formação de jogadores, até que voltemos a mostrar talento em campo. Não é difícil, mas exige vontade política. Quem disse que não podemos aliar condição física e excelência técnica?
Sem o drible, o futebol brasileiro perdeu sua essência. Muito disso veio quando passamos a massacrar os pontas, a eliminar a troca do camisa 10 pelo cão de guarda marcador, a fazer do volante um brucutu. E a quem interessava esse discurso? Aos adversários, claro.
Colocando gente que sabe de bola nas divisões de base, talvez possamos reverter essa pasmaceira em alguns anos. Gente que possa fazer o papel de grandes nomes que tivemos, tais como Cilinho, Carlinhos, Faria e Neca, verdadeiros ourives da bola. Caso contrário, continuaremos a ver jogos cada vez mais chochos, chamados de “grandes espetáculos”.
VELHOS BOLEIROS E BOLEIROS VELHOS
por Maurílio Paixão
Chegam aos poucos por volta das 18h. Trabalho, rotina doméstica e problemas de saúde vão desparecendo a caminho do clube e somem ao se deparar com o campinho não mais de terra batida e sim de grama sintética.
Profissionais liberais, empregados, empresários, aposentados, desempregados e demais “coroas” acima de 45 anos se juntam para a prática da melhor das terapias… O rachão semanal.
Vestir o calção, enfaixar os pés, passar aquela pomadinha milagrosa que tira as dores do tempo, usar a camisa sagrada de seu clube. Chutar e gritar gol como se fosse o ídolo que tanto sonhou ser.
Quando a bola rola, a idade diminui e a experiência aumenta; conhece o atalho do campo, corta caminho e antecipa a marcação, tem o drible irresistível e o toque requintado.
Porém, quando o lançamento é longo e o campo curto; o velho boleiro, de joelheira gasta, da artrose perene, da barriga objetiva, reclama do último toque do beque, da bola que não saiu e do juiz que pra variar não apitou a falta sofrida.
A felicidade é tamanha que por um momento é um menino, gritando, rindo, reclamando. Por um instante, ouve a mãe chamar para o almoço, para o banho da tarde, pra tarefa escolar e é feliz porque o dia seguinte vai ter bola de novo, campinho, companheiros… Saudade boa, saudade sadia.
Convoco os velhos boleiros que penduraram as chuteiras que retornem aos gramados e voltem a ser por 20 minutos boleiros velhos, pois, muito do que os incomoda, será pouco diante do que esperarão da vida após o apito final.