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O FLAMENGO PERDEU O NORTE

por Zé Roberto Padilha


Tinha muita gente no barzinho assistindo Flamengo X Oeste, pela Copinha. Pouco importa onde seja, com quem joga, vestiu rubro-negro e entrou em campo, a maioria se acomoda. E se inquieta. E vira festa!

Como tricolores, eu e a Maris ficamos de longe observando essa admirável paixão e o tamanho da frustração ocorrida após o resultado final: Oeste 2×0 Flamengo. Esse resultado eliminou o clube da mais importante competição sub-20 do país.

Não se esqueça aquele recadinho de Antoine Saint-Exupéry: tu és responsável, Flamengo, por tudo aquilo que cativas.

O Flamengo não perdeu do Oeste. Perdeu o norte.

Se sentindo o Barcelona, resolveu desvalorizar as competições em que participa deixando seus craques expostos na sala de troféus. Em campo, como nenhum adversário está à altura do que imagina ser, só os reservas.

Na Copinha foi de Sub-17, no Campeonato Carioca vai colocar o Sub-20 para jogar. No máximo, após tomar as porradas que vai tomar, vai escalar um time misto.

Somos do tempo em que o Carioca valia mais do que o Brasileiro. Perder do Inter, sem problemas. Seu torcedor está lá na fronteira com a Argentina. Mas perder do Vasco, o rubro-negro da padaria vai ter que aguentar o Arquimedes. A chegada do Roberto Lavinas. E aturar o Vlamir.

Uma falta de respeito não só com seus torcedores, mas com o futebol brasileiro em si. Dá saudades do tempo em que Romário entrava em campo todo jogo em busca do seu milésimo gol. Tulio também. Eram pagos para jogar e faziam questão de ir a campo.

Pagar R$ 1,5 milhão para deixar o Gabigol treinando, R$ 1,2 milhão para poupar o Bruno Henrique de justificar seu salário é uma desmoralização para todos os que amam o futebol.

Ja pensou ir ao teatro assistir “Nelson Rodrigues por ele mesmo” e deparar no palco com Fernanda Montenegro sem ela mesmo?

Mais ou menos por aí. O culpado foi quem inventou o tal patamar, aquele que foi subindo com os resultados ao mesmo tempo em que descia com a humildade.

O CRAQUE DO BRASIL EM 2009

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 2009, Petkovic estava de volta ao Flamengo, fruto de negociações de dívidas antigas com a diretoria rubro negra.

A novidade não fez sucesso com a torcida, que achava que oito anos mais velho do que quando fez o golaço de falta do tricampeonato contra o Vasco da Gama, o gringo não era mais o mesmo.

Ademais, depois de ter saído do Flamengo, Pet jogou no Vasco da Gama e no Fluminense, e o torcedor rubro negro não perdoava.

Mas Pet veio.

E veio para fazer um Campeonato Brasileiro soberbo, com passes longos, passes curtos, lançamentos, cobranças de faltas, assistências e gols – sejam dele, mesmo, sejam os que propiciou aos colegas de time, especialmente Adriano, o Imperador.

O gringo fez barba, cabelo e bigode e, por isso, foi o grande jogador do Brasil em 2009!

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

PINHEIRO, O MAIS TRICOLOR DOS ZAGUEIROS TRICOLORES

por André Felipe de Lima


Caso escale um hipotético “time dos sonhos” do Fluminense e ouse vetar o nome do zagueiro Pinheiro da “súmula”, o torcedor tricolor, este nobre lustrado da arquibancada, estará cometendo um sacrilégio que o levará às chamas infernais, e sem caminho de volta e muito menos sem a ajuda de arcanjos e querubins que possam reconduzi-lo ao céu. Talvez o mágico cronista de indissolúvel e eterno amor pelo Fluminense, o nosso e de mais ninguém Nelson Rodrigues, diria algo assim. Pinheiro é o mais sublime dos beques que apareceram nas Laranjeiras, onde aportou com 17 anos contados de vida. Sim, João Carlos Batista Pinheiro chegou ao Fluminense em 1948. Antes disso, apanhou de cipó do pai porque este não o queria como jogador de futebol. O garoto era duro na queda e frequentava as peladas quase que diariamente e sem medo das palmadas e cipoadas do progenitor intolerante. Foi goleiro, centroavante, mas era mesmo a zaga de área a sua vocação. Ainda bem. Foi ali, defendendo a meta do goleiro Castilho (outro imortal tricolor) que Pinheiro tornou-se sublime. Não havia treinador que o ignorasse. Zezé Moreira, por exemplo, foi certamente o que mais o amava. No memorável título carioca de 1951, Pinheiro foi sua voz em campo. O zagueiro mandava e desmandava, comandava e ditava tudo o que deveria fazer o “onze” tricolor. Resultado: um troféu atrás do outro. Pelo Fluminense, Pinheiro conquistou o Pan-Americano e a Taça Rio de 1952, o Torneio Rio-São Paulo de 1957 e o de 1960. Além do campeonato carioca de 1951, Pinheiro também conduziu o Fluminense ao título em 1959. Com a seleção brasileira, foi titular na Copa do Mundo de 1954, na Suíça. Tornou-se treinador, e dos bons. Na decisão da outrora charmosa Taça Guanabara, na edição de 1973, recebeu um bilhete desaforado de um cartola dizendo quem deveria escalar. Pinheiro, obviamente, ficou injuriado. “P” da vida, ele mandou ao gramado o time que tinha em mente e mandou às favas o tal dirigente. O Fluminense bateu o Flamengo por 3 a 0, mas Pinheiro alertou aos bravos comandados: “Ganhamos o título, mas perdi meu emprego”. E foi isso o que aconteceria logo no dia seguinte, com o maior zagueiro tricolor da história cedendo o lugar para Duque.

Pinheiro estaria completando 90 anos neste 13 de janeiro de 2022. O bravo morreu no dia 30 de agosto de 2011, no Hospital Pan-Americano, na Tijuca, onde esteva internado durante dias. O câncer o derrotou. O atual treinador do Fluminense, Abel, foi zagueiro como ele e também treinado pelo Pinheiro no passado já bem remoto. “Foi um dos grandes homens que conheci e meu mestre no futebol. Devo tudo ao Pinheiro”, disse Abel logo que soube da morte do ídolo, cujo legado esta aí, para crédulos e incrédulos, mostrando que a bola de futebol tem o poder de tornar homens mais dignos na vida, como foi o Pinheiro do Nelson, do Chico, do João. De você, afortunado tricolor.

NILTON SANTOS, O MAIOR LATERAL DA HISTÓRIA

por Elso Venâncio


O maior lateral-esquerdo da História do futebol mundial se chama Nilton Santos. Eleito pela FIFA, em 2000, como o melhor do Século 20 na sua posição, ele, merecidamente, tem um busto na sede de General Severiano e virou estátua, inaugurada em 2009, no estádio do Botafogo, que de “Engenhão” passou a levar seu nome.

Nilton era conhecido como a “Enciclopédia do Futebol”. Foi o primeiro lateral a atacar. Em 1958, contra a Áustria, na Copa do Mundo realizada na Suécia, saiu driblando o time adversário inteiro até fazer o gol. No banco, o técnico Vicente Feola se desesperava a cada avançada do defensor, pedindo o tempo todo para ele tocar logo a bola e voltar imediatamente. Incrédulo, de olhos arregalados, vibrou de forma contida na hora em que a bola estufou as redes. Aquele gol, definitivamente, apresentou Nilton Santos ao futebol internacional.

No Mundial seguinte, disputado em 1962 no Chile, o lateral cometeu um pênalti no atacante espanhol Enrique Collar, mas deu dois passos para frente saindo da área com a bola nos pés. O árbitro estava no meio de campo e, sem videotape e muito menos VAR, acabou não marcando a penalidade máxima que poderia mudar a história daquele jogo.

Nilton Santos vestiu somente uma camisa clubística. Além do uniforme da seleção brasileira, honrou apenas o manto da “Estrela Solitária”. Em 16 anos, conquistou 20 títulos em 718 partidas disputadas pelo Glorioso. É o atleta que mais entrou em campo defendendo o alvinegro carioca.

“Compadre” – na verdade, uma espécie de tutor de Mané Garrincha –, a amizade entre os dois só ficou de certa forma abalada quando o “Gênio das Pernas Tortas” resolveu deixar a esposa para viver com a cantora Elza Soares. Menos mal que esse distanciamento entre os amigos durou pouco.

Nilton falava sobre a pureza de Garrincha:

– Ele me perguntou após o bicampeonato mundial, em 1962, se eu iria um dia à terra dele. Disse que sim. Cheguei em Pau Grande, distrito de Magé, e ele estava descalço, de bermuda e sem camisa, jogando pelada em um campo de terra batida cheio de buracos. Falei para ele: “Mané, você é o maior jogador do mundo. Pode acabar se machucando…”. Ele nem deu bola e saiu me apresentando a seus amigos.

Morei por um tempo bem perto do ídolo, na Rua Paissandu, quando ele se casou com Maria Coeli, sua segunda esposa. Encontrava-o cedo, nas caminhadas que eu fazia pela passarela que dá acesso ao Aterro, ao lado da rua Barão do Flamengo. Um dia lhe perguntei:

– Pelé ou Garrincha?

Ele disse:

– Garrincha ia sempre pela direita. Pelé saía para os dois lados e, se a gente bobeasse, metia entre as nossas pernas. E não adiantava bater nele, pois era bravo e maldoso.

Um dia, Nilton comentou sobre isso com Zizinho:

– Você jogou como ninguém, mas ensinou o Pelé a bater. Que professor é esse, pra que isso?

– Por que se ele não se impor, quebram o garoto. Você sabe disso – retrucou.

Não vi Nilton jogar. Paulo César Caju, outro gênio da bola, me falou de uma característica do inesquecível lateral. Raramente ele usava a perna esquerda:

– Quando meu pai, o velho Marinho, o colocou na quarta zaga, na verdade como líbero, aliás o primeiro líbero do futebol, era comum Nilton Santos cobrir o Rildo e, quando a bola estava no lado esquerdo, dava passes de trivela com a perna direita. Era aplaudido até pelos torcedores adversários.

Era comum também encontrá-lo em uma academia no bairro do Flamengo. Entrava com uma toalha no pescoço e ia para a hidroginástica.

Levei-o algumas vezes ao “Enquanto a Bola Não Rola”, programa de debates que apresentei aos domingos na Rádio Globo. Ele ficava à vontade ao lado de Didi, o “Mr. Football”, Gerson, o “Canhotinha de Ouro”, aniversariante da semana, e os botafoguenses Luiz Mendes e Armando Nogueira. Aliás, Armando sempre me pedia para participar do programa quando Nilton fosse convidado. Tinham uma forte ligação. Eram amigos do peito e me lembro bem do último encontro entre os dois.

Isso se deu em março de 2001, quando Nilton aceitou ser enredo da Vila Isabel. “O Glorioso Nilton Santos. Sua Bola, Sua Vida, Nossa Vila”, era o tema da escola. Homenagem em vida, merecidíssimo!

Mestre Armando Nogueira, o “Machado de Assis” da crônica esportiva brasileira, tinha o lateral como o seu ídolo maior.

“Tu, em campo, parecia tantos, e no entanto, que encanto! Eras um só, Nilton Santos”.

E haja dito!

SAF E SAFADEZA

por Ricardo Dias


O mundo da bola anda alvoroçado. Surge no horizonte a salvação, a estrela-guia, a solução: as SAFs, Sociedades Anônimas do Futebol. Ronaldo chega ao Cruzeiro com ares de salvador, ovacionado pela torcida – até a hora em que Fabio, o grande ídolo, foi bicado. E nesse caso, independentemente das versões divulgadas, reside o grande problema da novidade – e é disso que vou falar.

Todo presidente de clube se elege prometendo títulos. Todo presidente de empresa é contratado prometendo lucro.

Clubes se mantém em situações onde empresas seriam fechadas. O amor da torcida o sustenta, impede seu fechamento (em parte… Temos exemplos de clubes que desapareceram ou que se arrastam tristemente). Mas no capitalismo o que conta é o lucro. O Deus dinheiro exige sangue, suor e lágrimas. E estarmos no Brasil é o diferencial que me preocupa.

Somos um país de terceiro mundo, e cada vez mais. Estamos num processo de desindustrialização, somos exportadores de commodities. Anos atrás exportávamos produtos, agora mandamos matéria prima para que outros os façam. E no futebol é EXATAMENTE a mesma coisa. Antes atletas passavam no Brasil toda a carreira, depois saíam já consagrados, mais à frente no começo da jornada, agora antes de amadurecerem. Garotos com 15, 16 anos, já são exportados. Se vingarem, ótimo; se não, são descartados e pronto. Os ídolos, sustentáculos da paixão, rareiam. No próximo parágrafo junto os pontos.

Quando um bilionário compra um clube, ele quer ou lavar dinheiro ou adquirir prestígio. Quando se cansar do brinquedo, revende e pronto. Quando um capitalista, um fundo de investimentos, assume um clube, quer lucro – PRECISA ter lucro, a lei da grana é soberana. Na Europa, onde o futebol é rentável, ele sabe que terá retorno, lento e seguro. Aqui, a única fonte rápida de lucro é com a venda de jogadores. Coisa, aliás, que já se faz há anos. Então não sei se as coisas vão de fato mudar. A diferença talvez seja que o lucro, ao invés de ir para o bolso de empresários ou atravessadores, ou desaparecer nos desvãos das conversas fora dos escritórios, irá para os investidores.

Então, amigos, honestamente não sei se isso será bom ou ruim para nosso futebol. Não vejo o futuro, embora o passado não me anime. Sempre achei que uma fiscalização mais séria sobre os clubes, federações e seus negócios poderia resolver nossos problemas. Nos oficializar como uma colônia de exploração me soa como se tivéssemos de novo Emils, Castores e Unimeds – mas sem paixão.