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AS CICATRIZES DE UMA PAIXÃO

por Zé Roberto Padilha


Nem sei o que faria sem essa válvula de escape em que, quase diariamente, registro as lembranças de dezessete anos como jogador de futebol. O jornalismo, em que fui buscar ferramentas para descrevê-las melhor, tem me ajudado bastante.

Conto as passagens vividas, sofridas ou vencidas, tem empates também na loteria. E logo existo.

Mas penso nos meus amigos que ralaram ao meu lado. De como estão se defendendo sem uma caneta nas mãos. Como o Paulo Sérgio (foto), esse excepcional goleiro, pelo Té, símbolo maior de Santo Antônio de Pádua, do Marco Aurélio, o dono de Muriaé, do Rubens Galaxe, que está no Detran mas que merecia era dar nome a Sala de Troféus do clube em que se entregou de corpo e alma: o Fluminense FC.

Como tantos, viveram intensamente o mundo da bola e ele, por ser a paixão maior do nosso país, não tem respeitado, ou aposentado com dignidade, os que viveram debaixo da emoção única que o cerca.

Ao contrário das demais profissões, não há um só dia de trabalho em que você não esteja sendo observado. Cobrado nos treinos, por alguns, nos jogos, por uma multidão. Durante a semana é o chefe e seu auxiliar técnico quem berra contigo. E, no final, são os torcedores.

No nosso tempo, segunda-feira vinha a nota de sua atuação. Não no mural da escola, no quadro de funcionários do mês, mas nas bancas no Jornal dos Sports. Um dia a Robertinha, minha filha, comentou: “Nota quatro, pai!” Nossos feitos, bem ou mal feitos, eram de domínio público.

Em Campos, onde atuei por três anos, dois no Americano e um no Goytacaz, tinha um caixa no banco que não podia me ver. Como não tinha Pix, ou mesmo Caixa Eletrônico, antes de me pagar o salário, exclamava, ao vivo, para todo mundo escutar: “Puxa, Zé Roberto, que vexame, hem!”.

Ele queria que ganhássemos do Flamengo. Em 1982.

Não são apenas dezessete anos que o INSS deveria levar em conta ao nos aposentar. Recebemos o triplo de pressão, pancadas e contusões que deveriam computar. No corpo e na alma.

Por na conta duas décadas sem o sábado, passados em uma concentração, sem horas extras computadas. Duas décadas atuando no domingo, sem a paga dobrada, tendo apenas a segunda-feira, de clubes fechados, boates, discotecas e teatros sob manutenção, para o lazer. Seu e dos seus filhos que estarão no colégio.

Só lhes restou a praia. E quando você mergulha, uma voz, que gritou o seu nome na véspera, não o reconhece sem o pavilhão para o qual lutou por noventa minutos. E comenta, dentro de um Copacabana-Irajá, via Jóquei: “Mas como tem vagabundo neste Rio de Janeiro!”

Alguns são lembrados na televisão. “E aí, Maestro!”. “O que achou do River Plate, nosso Tetra?”. “E a atuação do Palmeiras, Animal!”.

Mas são exceções. A maioria está se virando em outro ofício diferente do talento herdado. Do dom tão cobiçado que os levou, um dia, a serem ídolos de alguém.

Hoje, são reféns do ostracismo, alguns com retratinhos no bolso tentando provar, pelos barzinhos que perambulam, os heróis que foram um dia.

Sendo assim, em nome de todos aqueles que são, hoje, esnobados pela indiferença dos que um dia subiram as rampas, dos maiores e menores estádios do país, para gritarem seu nome e pedirem garra para reforçarem a sua, os meus respeitos.

Vou continuar aqui nos defendendo, contando nossos casos. Quem sabe um dia levem nossas histórias a sério? E nos aposentem pelo tempo que merecemos, mesmo que tenhamos que esperar pelo dia em que vivermos em um país sério.

MAIS UMA POLÊMICA DA FIFA: AUMENTO NO MUNDIAL DE CLUBES

por André Luiz Pereira Nunes


A entidade máxima que rege o futebol no mundo anunciou um novo formato para o Mundial de Clubes. Terá 24 integrantes, incluindo oito europeus e seis sul-americanos. A competição, em vez de anual, seria disputada a cada 4 anos.

“Estamos focando a competição do Mundial de Clubes, por exemplo, para ter não apenas um representante de cada confederação. Porém, mais participantes, pois precisamos estimular o futebol no mundo inteiro”, declarou o presidente da FIFA, Gianni Infantino, no Catar, país onde se realizou a última edição cujo vencedor foi o Chelsea.

O alcaide, ao que parece, possui um estranho fetiche. É da mesma autoria, por exemplo, a ideia já aprovada de aumento, a partir de 2026, do número de integrantes da Copa do Mundo: de 32 para 48 seleções.

Na primeira fase ocorrerá a divisão em 16 grupos de três. As duas melhores de cada chave avançam ao mata-mata. As 32, então, se tornam 16, que se enfrentam nas oitavas de final e assim por diante.

Pela nova composição, a América do Sul passaria de quatro vagas diretas para seis, beneficiando, desse modo, selecionados que costumam suar muito para se classificar, caso, por exemplo, de Uruguai e Paraguai. O pródigo sistema ainda abriria a sétima possibilidade de uma última vaga na repescagem intercontinental, quem sabe, beneficiando as fracas Venezuela ou Bolívia.

Infelizmente o esporte bretão se transformou mesmo em um balcão de negócios e isso não é de agora. Tais situações remetem ao triste período da ditadura brasileira em que o chavão “Onde a Arena vai mal, um time no Nacional” era repetido ironicamente nas ruas. Para quem não sabe, dos 20 times originais do Campeonato Brasileiro de 1971, a cifra alcançou exorbitantes 94, em 1979, em um processo de ampliação incrementado a partir da chegada do Almirante-dirigente Heleno Nunes ao comando da Confederação Brasileira de Desportos (CBD). Afinal, durante o período ditatorial, a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido governista, tinha no futebol um forte instrumento de promoção e fortalecimento do regime.

Contudo, se há algo de que não se pode acusar o presidente da Fifa, é o de estelionato eleitoral. O suíço-italiano foi eleito com uma promessa de campanha: inchar a Copa do Mundo. Levou menos de um ano para concretizar seu plano. E de quebra, ainda fará o mesmo com o Mundial de Clubes.

SELEÇÃO AQUI

por Rubens Lemos


A última preocupação de um moleque de 16 anos incompletos, alucinado por futebol, é financeira. Suficiente a grana do ingresso, que a minha avó subsidiava, de coração imenso e sorriso de coração, ao fazer feliz o neto inquieto e respirando campeonatos, craques e clássicos.

Em 1986, o ano foi movimentado. Em plena marcha a campanha para governador do Estado, que o oposicionista Geraldo Melo venceu, derrotando o professor João Faustino, por torturantes 14 mil votos.

Acompanhava o que traz o parágrafo acima, os telejornais, vivia paixões platônicas. Preferia o silêncio à probabilidade de um fora. Era magérrimo, o que para mim significava defeito fatal. Dedicava-me ao futebol com avidez, estudos e prognósticos petulantes.

Telê Santana convocava 29 jogadores para escolher 22 à Copa do México. Já não era o Telê de quatro anos antes, resoluto e militante do futebol-arte. Tornara-se ranzinza, seu mau humor, descontava nos jornalistas e, enfim, não conseguiu formar um time.

Peças lamentáveis como Dida do Coritiba, Mozer do Flamengo (craque no time, medroso de amarelo), Elzo, volante do Atlético (MG) Alemão do Botafogo o piadista Edivaldo, também do Galo e o intragável Casagrande do Corinthians, levado por influência do cansado Sócrates, eram sinais de que perderíamos.

No bolo, entediados, Sócrates, Oscar, Falcão, Leandro(que mandou a Copa à Pqp na hora do embarque) e os cortados por contusão, Cerezo (sempre tremendo) e o inexplicável Dirceuzinho aos 36 anos. Na vaga que seria do espetacular Mário Sérgio.

Zico, exemplar no sacrifício. Um ano antes, o perverso zagueiro Márcio Nunes do Bangu esfarelara seu joelho. Zico persistiu e conseguiu ir ao Mundial depois de golaços nos amistosos e da resistência dos predestinados.

Os 22 finais de Telê foram decepcionantes. Detesto Renato Gaúcho e a sua grosseria crônica, mas estava no auge e não poderia ter ficado fora. Jogamos com o seguinte meio-campo: Elzo, Alemão, Júnior e Sócrates. Ou seja, não critiquem Lazaroni e Parreira. Telê, a sumidade ofensiva, inaugurou o volantismo.

Em Natal, campeonato local paralisado, marcaram para 22 de junho um amistoso Vasco x Flamengo no Castelão. A rivalidade acentuada. Vasco campeão da Taça Guanabara e Flamengo líder da Taça Rio, o segundo turno.

Meu pensamento, minha vontade, minhas orações seriam para assistir ao maior clássico brasileiro (àquela época). Mais uma vez, minha avó garantiu o ingresso, tirando poucas cédulas da bolsa humilde de aposentada estadual.

No peito, a alegria de ver, ao vivo, da arquibancada, meu maior ídolo cruzmaltino, o Pequeno Príncipe Geovani, meia-armador literato, preterido pela rabugice de Telê Santana. Melhor para mim. Com ele, Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário, trio atacante digno de seleção mundial. Roberto merecia vaga na Copa.

A Copa do Mundo afunilou e, no dia 21 de junho, sábado, o Brasil pegou a França de Tiganá, Giresse e Platini, setor de criação de cientistas da bola. E nós com Elzo e Alemão. Careca jogando muita bola, por uns três ou quatro colegas, abriu 1×0. Platini empatou.

Zico entrou, meteu de curva feiticeira para Branco ser derrubado pelo goleiro Bats. Zico bate e Bats defende. Perdemos nos pênaltis e novo luto, imerecido pelas lambanças de Telê Santana.

E o Vasco x Flamengo? Me desesperei ante a hipótese de cancelamento. Confirmado. Meu primo Cláudio França , o mais doce flamenguista, falecido vinte anos depois do coração que nele era imenso, me levou. Castelão com ar assombroso de cemitério.

Os dois times entram. Para fazer uma das maiores exibições do estádio. Escolhido melhor em campo pela Rádio Cabugi e o Diário de Natal, Geovani sentou o futuro tetracampeão Jorginho em drible de corpo frente à torcida do Alecrim. Enfileirou Zinho, Andrade e Alcindo em minha homenagem, diante do Frasqueirão. Bebeto fez golaço de falta.

O Vasco empatou com Mauricinho e virou com Dinamite:2×1. Só 3.840 felizardos na plateia. Fiquei parado, olhando aqueles toques diferentes, categóricos e a pensar. Juntando Vasco e Flamengo, teríamos ido mais longe.

Máxima reverência a uma seleção com Paulo Sérgio(reserva em 1982 e no Vasco); Jorginho,Donato, Aldair, e Mazinho; Andrade, Adílio e Geovani; Bebeto, Roberto Dinamite e Romário(que passou o jogo entediado). Escolheria os 11 acima(e Zico), que não sofriam do pânico do escrete de Telê.

PS. Vasco 2×1 Flamengo – 22/06/1986 – Estádio Castelão (Machadão). Vasco: Paulo Sérgio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Heitor; Morôni, Mazinho e Geovani; Mauricinho, Roberto e Romário. Flamengo: Zé Carlos; Jorginho, Guto, Aldair e Adalberto; Andrade, Aílton e Adílio (Valtinho); Bebeto, Vinícius (Alcindo) e Zinho.

SHOW DE HORROR

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Assisti ontem a final da Supercopa e vou confessar que fazia tempo que não dava tanta risada. Quem acompanhou a decisão, sabe o que eu estou falando! Uma cobrança mais bisonha que a outra e parecia que ninguém queria ficar com o título. Isso porque estamos falando de Atlético-MG e Flamengo, as duas equipes consideradas as melhores do país, junto com o Palmeiras, de Abel Ferreira.

Isso é reflexo da falta de treinos, não tem mistério. Sinto falta dos coletivos, de 11 contra 11, contra a base, contra o time reserva, para simular situações de jogo. Já bati diversas vezes nessa tecla, mas parece que os professores de educação física só estão preocupados se o atleta vai conseguir correr infinitos quilômetros dentro do gramado. Claro que o treino físico é importante, mas não podemos deixar a bola em segundo plano.

Pênalti é um fundamento básico que todo jogador deveria treinar diariamente para não ser surpreendido em decisões. Ontem, com um gol daquele tamanho, perdi as contas de quantos jogadores isolaram as cobranças. Um deles foi o zagueiro Godin! Com 15 anos de Europa e Copa do Mundo no currículo, pediu para ser o último a bater, depois até do goleiro, e ainda jogou lá na arquibancada.

Em muitas peladas por aí, o cobrador é obrigado a bater com a perna trocada para dar mais chance para o goleiro. Imagina se fizessem isso ontem? Acho que o zero não sairia do placar!

Mas o pior é que o pênalti é só a cereja do bolo. Os “craques” de hoje em dia não sabem chutar, dar um passe, um lançamento, um drible, um cruzamento… Não sabem os fundamentos básicos! O que me deixa mais chateado é que, além de errarem, a consciência deles nem pesa! Os craques da minha geração passavam horas treinando e, se por acaso errassem um pênalti, passavam noites sem dormir. Ou seja, chegamos ao ponto de normalizar os erros básicos!

Eu achava que já tinha visto tudo no futebol, mas depois de ontem… Vamos aguardar as cenas do próximo capítulo e continuar rezando por uma revolução – cada vez mais improvável – do futebol brasileiro!

Já ia me esquecendo, mas os analistas de computadores também estão precisando dessa revolução urgente! Ontem ouvi que “houve uma ligação direta para o atacante agudo, que estava de tanque cheio, espaçando os setores do campo e afetando o balanço defensivo com transições rápidas”. Teve também “pênalti chapado na bochecha da rede”, mas a pior foi “os times precisam ser CAMALEÔNICOS”. Que p**** é essa??

VOCÊ CONFIA NO VAR?

por Elso Venâncio


O VAR e confiável? Acha precisa essa tecnologia? Tenho lá minhas dúvidas. Ou, para ser mais claro e direto, entendo que o sistema deixa dúvidas no ar. Não é inquestionável. Muito pelo contrário.

Fiquei mais de 25 anos trabalhando como repórter no campo de jogo. Quando a bola rolava, ia para trás do gol. Na Rádio Globo, do Rio de Janeiro, onde permaneci por 17 anos, o “Garotinho” José Carlos Araújo, nosso grande locutor esportivo, me posicionava, independentemente de partidas no Brasil ou no exterior, sempre no gol à direita da cabine. Vi de perto vários lances que não foram pênaltis mas que a TV indicava falta.

Junior Baiano deu um carrinho em 1997, visando e tocando só na bola, dentro da área, e não atingiu Zé Alcino, atacante do Grêmio, no Estádio Olímpico. Lance legal. Alexandre Serquiz, que coordenava a jornada esportiva, entrou no retorno dizendo que a televisão, com uma câmera lateral, mostrava a falta… Cito aqui um dos inúmeros exemplos que presenciei in loco.

Nelson Rodrigues, há mais de 50 anos, falava que o videotape era burro. O que posso afirmar sobre a dúvida, se a bola tocou na mão ou não, depende do ângulo de posicionamento da câmera. E, no fim, acaba valendo sempre a interpretação. Ridículo o locutor e o comentarista de arbitragem repetirem o óbvio. Nesse ângulo não foi. Mas nesse… hum, nesse foi…

A jornalista e ex-árbitra Renata Ruel, em seu blog, analisou cientificamente o caso. Ela entrevistou o professor Felipe Moura, do Laboratório de Biomecânica Aplicada da Universidade Federal de Londrina. A margem de erro do equipamento é de 10 cm a meio metro.

O VAR é um GPS que determina a posição do jogador. O dispositivo aciona pelo menos três satélites, para fazer a triangulação. O professor Felipe alerta que a Ciência lida frequentemente com erro de medidas. O equipamento leva em torno de um minuto para conferir um impedimento. Por isso, os lances seguem, mesmo tendo a gente notado uma irregularidade clara – o que, convenhamos, é um retrocesso.

O tema merece um debate maior… A tecnologia chegou para evitar os erros ou nos confundir ainda mais?

A cada paralisação pra checarem o vídeo, os árbitros ficam acuados, cercados pelos atletas. O jogo fica, ao contrário da Europa, irritantemente parado.

O VAR é uma ferramenta que possui limitações e, ainda por cima, é pilotada por humanos. Isso sem falar nos gigantescos interesses da CBF, dos clubes, dos patrocinadores e, o que é mais perigoso, empresas de apostas, que hoje dominam no mundo – o dinheiro mais pesado colocado no futebol.