ACORDA, PEDRINHO! SUA HORA CHEGOU
por Marcos Eduardo Neves

Provável titular da seleção na Copa de 2026, o talentosíssimo e mais que eficiente Pedro teve uma noite de gala nesta última quarta-feira, no Maracanã. Que hat-trick, que nada: iluminado, fez logo quatro gols, em plenas oitavas de Libertadores. Ainda participou de dois dos outros três, na imponente goleada de 7 a 1 sobre o Tolima. Uma semana após o Dia de São Pedro, o centroavante do Flamengo pescou almas e mais almas a seu favor como titular, o que tantos já sonhavam faz tempo, porém havia um certo Bruno Henrique, inquestionável até na questionalidade, nublando-lhe a vista do campo.
Bruno Henrique, ao que parece, ficará um ano ausente. Ao que tudo indica – e que me desculpem Marinho, Vitinho, Lázaro e até você, Cebolinha, que mal chegou, perdão pela sinceridade, mas tudo aponta para que o massacre de ontem consolide Pedro como um dos onze soldados da linha de frente em jogos decisivos.
Pedro Guilherme Abreu dos Santos é queixudo. Por isso, o apelido ‘Queixada’. Tal qual chamavam Ademir, craque do Vasco no melhor Cruzmaltino de todos os tempos, o Expresso da Vitória.
Assim como Ademir Queixada, Pedro é artilheiro nato. Assim como Ademir, pode ser também artilheiro de uma Copa. Queixada foi no Mundial de 1950. Pedro, por que não, pode cravar seu nome no cenário mundial daqui a quatro anos. Parafraseando Cazuza, para Pedro o tempo não para. O dele voa. Bem alto.
Aos 25 anos, Pedro vive um grande momento. Deve estar acordado até agora… Impossível dormir! Libertadores é a nossa Champions e Pedro é dela o artilheiro, com sete gols, mesmo número que os palmeirenses Rafael Navarro e Rony. Mesmo tendo poucas chances. Um aproveitamento, diria, divino.
Além dos gols, ontem Pedro deu de calcanhar, por elevação, chutou raspando, cedeu assistências. Fez o diabo, mas saiu glorificado. Em 2016, quando se profissionalizou, aos 19 anos, certa vez se excitou ao fazer cinco – sim, 5! – pelo Fluminense, clube do qual foi ídolo e hoje causa revolta ou ojeriza entre os pó-de-arroz. Chegou a dizer, no calor do momento:
– O Fred é um ídolo da torcida. Me espelho muito nele. Procuro sempre melhorar olhando para ele e para o Ibrahimovic.
Contudo, fez cinco nos 10 a 0 sobre o Capivariano, de São Paulo, pela primeira fase da Copa São Paulo de Juniores. Não era partida de vida ou morte, muito menos na principal competição continental. Inclusive, na coletiva concedida após aquele feito, o púbere artilheiro afirmou que já havia marcado quatro gols numa oportunidade, mas nunca cinco. Só que estes quatro de ontem, convenhamos, não tem comparação.
Se com Fred, uma de suas referências, ele tinha o sonho de jogar, hoje joga com outro super-herói. Por sinal, o que mais viu de tão perto, ali do banco: Gabigol. Que, por sinal, deixou o dele e fez bela partida ontem também. Participou de vários gols.
Mas, Pedro, faz seu nome, que o de Gabigol já está feito. Você pode vir a ser o Gabigol deste ano, acredite. Sei que você acredita muito em você, nós também.Quem sabe assim, Pedro, você se aliviará da decepção de não ter sido liberado pelo próprio clube para brilhar nos últimos Jogos Olímpicos.
Na época, pareceu maldade contigo. Hoje, sinto que você estudou bastante num colégio interno. Compreendeu o professor, e agora está maduro, pronto, para assegurar de vez seu nome no clube mais amado do Brasil.
Acorda, Pedrinho! Sua hora chegou.
A LENDA DA FOLHA-SECA
por Péris Ribeiro

Em um belo dia de certezas, quando pedi-lhe uma definição que me soasse especial sobre o seu misterioso chute - bem mais famoso, por sinal, por criarem em torno dele toda uma aura de sedução e glamour -, Mestre Didi apenas fitou-me bem nos olhos. Para relatar-me em seguida, compassando suavemente as palavras:
- Era como se fosse uma folha de outono, sabe? Descaindo ao sabor do vento. Desgarrada; destino incerto ...
Ante tal definição - um tanto poética, outro quê com acentuado tom filosofal -, o que pude fazer foi viajar no tempo. E, só então, consegui reciclar aquela época. A época, e a própria história. E, mais um pouco: como a lenda, de repente se iniciou.
Hoje, há bem pouca gente que se lembre. Mas, tudo começou em um Fluminense x América, pelo Campeonato Carioca de 1955. Numa disputa de bola com Ivan - centro-médio clássico, mas viril no combate direto. E campeão do Torneio Rio-São Paulo, dois anos depois, como jogador do próprio Fluminense -, Didi acabou levando a pior. Saldo do lance: tornozelo direito avariado.
Como consequência, o nosso Didi acabou por se ver obrigado a curtir o estaleiro por um bom tempo. Tempo exato, no entanto, para que, entre o tratamento na enfermaria das Laranjeiras e a volta progressiva aos treinos, acabasse por descobrir uma maneira diferente no ato de chutar a bola. Um jeito que não sacrificasse a sua recuperação, numa região ainda magoada pelo bico da chuteira do centro-médio americano.
Observador engenhoso, que gostava de estudar os fatos até nos mínimos detalhes, o que Didi sacou logo é que poderia estar realmente criando um chute diferente. Na verdade, um estilo revolucionário de bater na bola. Ainda mais, porque tal chute era executado com a parte externa do pé direito - em torno da chamada linha dos três dedos. Mas o que o deixava empolgado de verdade, era o trajeto que havia conseguido conceber, tão logo detonava o chute.
É que a bola, como que encantada, desandava a descrever curvas e rotações diferentes em pleno ar. Para, logo em seguida, desenhar uma semi-parábola, descaindo com força, incerta e cheia de graxa, num dos ângulos do gol, bem junto às traves. Tudo isso para desespero de Castilho, Veludo, Adalberto e Jairo - justo a fina-flor, em termos de goleiros, lá no Fluminense. E que se revezavam, treino após treino, na ingrata tarefa de testar aquela típica invenção made in Didi.
Finalmente, já tida como pronta e acabada, eis que a grande novidade acabou por ser testada oficialmente diante do pobre Julião, jovem goleiro do Bonsucesso. Um crioulo imenso, que ora fechava o gol; noutro dia, era capaz de papar os frangos mais inacreditáveis. Homéricos mesmo. E que naquela tarde, no estadinho da rua Teixeira de Castro, pensava, a cada chute de Didi, estar vendo coisas do outro mundo. Ou, no mínimo, “que andava variando da cabeça”, debaixo de um sol de mais de 40 graus que latejava em sua moleira. Ainda mais naquele caldeirão de fogo, que atendia por Zona da Leopoldina do Rio de Janeiro.
Um pouco mais de tempo passado, e eis que lá estava a estranha novidade a ganhar notoriedade de vez. Até mesmo, como arma mortal. Só que acabou por visar o seu passaporte, rumo ao sucesso internacional, em duas vias distintas. Em 1957, quando garantiu a ida do Brasil à Copa do Mundo da Suécia, no 1 a 0 diante do Peru, em um Maracanã superlotado. E em 1958, já em gramados escandinavos, quando provocou o desempate em 2 a 1, na eletrizante semifinal diante da França - que vencemos por 5 a 2.
Quatro dias depois, com o Brasil campeão do mundo pela primeira vez, e com o próprio Didi, majestoso, consagrado com todas as honras como o inspirado maestro do nosso time e o Maior Jogador daquela Copa inesquecível, era da vertiginosa Folha -Seca que ele voltaria a falar com imenso carinho.
E, talvez em pleno transe da grande festa, até se lembrasse em detalhes de como tudo havia começado.
Por exemplo: daquele Fluminense x América, e do tornozelo direito avariado na disputa de bola com Ivan; do espanto do pobre Julião, a ver coisas do outro mundo, no acanhado estadinho da rua Teixeira de Castro, a cada Folha - Seca que descaía no seu gol; e, finalmente, de Abbes, goleiro da França, quatro dias antes. A testar, sem sucesso, o poder de fogo de um chute que questionaria a física e a lógica, na intricada geometria do futebol.
O FUTEBOL, FRED, TAMBÉM É UM MOINHO
por Zé Roberto Padilha

Ainda é cedo, Fred, mal começastes a conhecer a vida , já anuncias a hora da partida, sem saber mesmo o rumo que irás tomar…
Presta atenção meu ídolo, embora saibas que está resolvido, jogo marcado, ingressos vendidos, em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-‘me bem, Frederico, presta atenção, o futebol é um Moinho, em pouco tempo vai triturar seus feitos, tão decisivos, vai reduzir sua idolatria a pó.
Presta atenção, Don Fredon, lembra do Conca, Deco, Deley, Thiago Neves, Denilson, o Rei Zulú, Samarone, tão importantes quanto esquecidos?
Ouça-me bem, artilheiro, de cada torcedor herdará só o ostracismo, quando notares estará à beira da solidão, imerecida, pelos gols que marcastes com teus pés.
Moral da História: em um país sem memória, um atleta só se defende jogando.
* Cartola, nosso mestre e tricolor, há de perdoar ter mudado os versos do seu hino. A causa é nobre.O futebol também é um Moinho .
AQUELE FRIO NA BARRIGA PERTO DO MARACANÃ
por Paulo-Roberto Andel

Faz mais de quarenta anos, mas eu me lembro como se fosse ontem.
Quando comecei a ter autonomia para ir sozinho ao Maracanã, fiquei louco. Antes, meu pai me levava a alguns jogos mas não a todos. Primeiro eu ia a partidas realizadas à tarde, mas pouco tempo depois já podia encarar as noturnas também.
Passei a economizar todas as moedas possíveis da mesada para poder ir a mais jogos, não somente os do Fluzão. Para esticar a grana, a saída era escolher alguns para ir de geral, bem baratinho, e outros de arquibancada. Precisava cortar uns sanduíches por mês, um sorvete, mas tudo bem. Contratações para o time de botão, moderadamente.
Alguns jogos passavam na TV, mas a maioria não. Só indo ao estádio para ver. Aquilo me tomou como uma febre interminável. Era bom demais ir ao Maracanã, pouco importando se fosse num clássico abarrotado ou num jogo de dois mil pagantes. Chegar cedo, ver o gigante em silêncio, as pessoas chegando aos poucos, a festa sendo preparada.
Tudo começava para mim na rua Figueiredo Magalhães, em Copacabana, geralmente em frente à galeria do saudoso Cine Condor. Lá tinha o ponto de ônibus e um pipoqueiro, então garantia o lanche antes de embarcar.
Tenho uma memória marcada pelo caminho noturno do ônibus 435, Grajaú x Leblon, pintado de laranja. Indo com meu pai, geralmente pegávamos o 434. Sozinho, eu escolhia o outro, talvez por ser mais rápido mas principalmente pelo caminho. Ele passava na porta do Fluminense e aquilo me dava uma sensação boa demais – por trás do enorme muro grená, ficava a história do meu amor todinho. Depois seguia pelo túnel Santa Bárbara – eu sempre gostei de túnel desde pequeno. Saía no Catumbi, fazia uma volta e logo se via o mar de andaimes e ferros da Marquês de Sapucaí, o Maracanã do samba. Ficava pensando em quanta gente vibrava ali no Carnaval.
Minutos depois, o 435 já descia a Presidente Vargas e começava a me dar um frio na barriga: em pouco tempo chegaria ao Maracanã. Em todo e qualquer jogo o frio batia e eu já pensava: estou chegando. Subir o Viaduto dos Marinheiros, descer na Praça da Bandeira, passar pelo ponto do CEFET e, ao entrar na avenida Radial Oeste, logo surgia à esquerda a imagem gigantesca do maior estádio do mundo. Era o Maracanã, era o palco, o jogo, o espetáculo. Eu saltava na UERJ e logo chegava à bilheteria, pertinho dos vendedores de laranja e amendoim.
Desde então, se passaram centenas e centenas de jogos. Vi decisões, grandes vitórias, derrotas acachapantes, alegrias, tristezas e lágrimas. Às vezes vou para o jogo de metrô, noutras pego Uber. O futebol mudou demais, o Maracanã agora é outro, não há mais clássicos com cem mil pessoas, nem a mão de meu pai para me puxar. Mas exatamente nesta madrugada lembro que irei ao jogo Fluminense x Corinthians neste sábado, e só de pensar nisso já me dá aquele velho frio na barriga, dos tempos da moedinha contada, um frio tão marcante que nem mesmo anos e anos de UERJ diariamente tiraram a emoção de chegar perto do Maracanã.
Faz quarenta anos, mas o sentimento é permanente. Tem tudo a ver com aquele bom presságio do enorme muro grená da Pinheiro Machado. A chama que movia o garoto, com seu saco de pipoca doce a caminho do Maracanã, não dá sinais de que vai se apagar.
@pauloandel
HOJE E 1982
por Rubens Lemos

Faltou coragem para convencer o motorista que me dava carona a parar por cinco minutos. Não mais que cinco minutos. Porque há 40 anos houve uma data mortífera para minha vida de menino prosseguindo nas repetições bastardas sobre aquela quase tarde de 1982.
Gostaria de ter pedido licença ao atual dono do imóvel, Rua Abelardo Calafange, Morro Branco, Natal(RN), onde iria procurar por mim mesmo, sufocado de saudades. Casa ajardinada, com ampla varanda, três quartos arejados, a sala de estar onde a velha TV Telefunken certamente apareceria para mim, como um fantasma eletrônico a martirizar o fragilizado espírito.
Deus, meu Deus, queria tanto que me liberaste a carta de alforria do meu sentimentalismo, combustível dos meus dias desde as primeiras travessuras.
Iria vasculhar a casa, entrar na cozinha, de onde mamãe emitia ordens expressas para tomarmos banho no horário correto e esperar a condução para a escola, pois meu pai raramente almoçava com a gente durante a semana.
Voltaria, meu Deus, à varanda. Lá, meu pai declamava poemas de Drummmond, de Quintana, de Berilo Wanderley, dele próprio, nas farras embaladas pela suavidade do violão de Domilson Damásio, pai dos meus amigos Denílson, Kleber( Klebão) e do mais novo, Zé Bastos.
Domilson dedilhava Lupicínio Rodrigues, Cartola, Ismael Silva, os velhos sambistas evocados e reverenciados por Rubão de bigode nicotinado e, foi dele Deus, que herdei, a emoção exposta na pequena piscina do seu olhar cansado e na sua voz aveludada.
Foi na sala de estar que, dia 5 de julho de 1982, vestindo uma camiseta simplória da Hering com distintivo da Confederação Brasileira de Futebol(CBF), juntei-me a papai e seu cigarro fumegante, à minha irmã, torcedora do Flamengo e ao caçula, de apenas seis anos e, feliz dele, sem entender nada do que a jornada faria com nossas vidas a partir de então.
Estávamos certos, embriagados pela traiçoeira armadilha da presunção, de que o Brasil sairia do Estádio Sarriá, em Barcelona (Espanha), tão glorificado quanto três dias antes, quando humilhou a Argentina campeã mundial com o astro-rei Maradona. A Itália – naquele dia não enxergávamos nada racional – por nós era sentenciada como time medíocre.
A vitória da Azzurra sobre a Argentina por 2×1, tampouco nos alertara, embriagados de soberba que estávamos, diante dos recitais de Zico, Sócrates, Falcão, Júnior, Leandro – que fábula de lateral-direito -, Éder e Oscar impondo-se com o porte dos grandes marechais de retaguarda.
Então, a Itália faz 1×0, cabeçada de Paolo Rossi. A bola viajou pela pequena área e o goleiro Valdir Peres não saiu para afastá-la. Valdir Peres nem na Copa, agora é fácil protestar, deveria estar, Brasil com dois veteranos fantásticos – Leão e Raul -, vítimas da teimosia siderúrgica do técnico Telê Santana.
Zico dribla, dribla não, Zico descadeira Gentile e serve a Sócrates. O Magrão toca entre Zoff e a trave, 1×1, explosão familiar na Abelardo Calafange. Alegria tolhida pelo passe ridículo de Cerezo atravessando a defesa. Como uma cobra cascavel de cantina, Paolo Rossi se antecipa e fulmina Valdir Peres:2×1.
Termina o primeiro tempo, meu pai sai para comprar cervejas e, sem ser convidado, vou com ele, agarrado à sua camisa e perguntando desesperado:
– Pai, vamos empatar? vamos, pai?
– Sim meu filho, acho que sim, mas vá aprendendo a perder, ele ensinou, colecionador de derrotas futebolísticas e, sobretudo pessoais, que machucavam sua alma lírica.
Falcão empata e, pela primeira vez, desabo em prantos em jogo de seleção. Choro muito, ajoelhado e rezando o Santo Anjo. Aí, Cerezo cede o escanteio mais idiota do mundo. Estava com a bola dominada e, nervoso, jogou-a pela linha de fundo. Patético.
A defesa faz a linha burra para deixar a Itália em impedimento. Júnior fica na pequena área. Paolo Rossi, verdugo, faz seu terceiro e decreta a nossa derrota, muito mais que a vitória deles.
A casa virou um cemitério. Perdemos. Eu aprendi que super-heróis eram enganações na acidez da verdade. Dor que me faz odiar aquela casa, aquela esperança, aquele fracasso e a derrota principal: meus pais estão mortos.