SEM IDENTIFICAÇÃO
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::

Falam que eu sou chato, repetitivo, reclamão, mas me digam como foi a rodada, por favor! O queridinho Abel Ferreira, com uma tremenda falta de educação, sendo expulso por reclamar, Gabigol tomando amarelo por chilique, Felipe Mello arrumando confusão, uma baixaria só no Fla-Flu e por aí vai! É sempre mais do mesmo e o problema é que esse “mesmo” é sofrível! Bola rolando que é bom, quase não vemos! Cada vez mais isolado na liderança, o Palmeiras ganhou do Santos sem convencer, o que já é normal!
O único ponto positivo da rodada foi a festa que a torcida do Vasco fez em São Januário! Mesmo com o time em má fase, aos trancos e barrancos para conseguir o acesso, os torcedores não abandonam e fazem a sua parte nas arquibancadas.
Prestes a dormir, recebo de um amigo um vídeo no Zap que você também deve ter visto: meu parceiro Roberto Dinamite em lágrimas assistindo aquele espetáculo e usando a camisa que tanto honrou. Após uma breve pesquisa na internet, vi que foram 702 gols em 1110 partidas disputadas com a camisa cruzmaltina e isso explica muita coisa! É lindo demais ver a identificação que os jogadores da minha geração têm com os clubes que defenderam por tanto tempo: Ademir da Guia no Palmeiras, Pelé no Santos, Dirceu Lopes, Nelinho e Wilson Piazza no Cruzeiro, eu, Jairzinho, Mendonça, Carlos Roberto e Manga no Botafogo, Zico no Flamengo, Assis e Washington no Fluminense, Rivellino no Corinthians, Eduzinho no America, Parada e Paulo Borges no Bangu, Alcir no Vasco da Gama e por aí vai porque a lista é extensa e vou acabar esquecendo alguém! Mas muito me dói saber que a geração atual nunca saberá o que é isso! Antes mesmo de chegar aos profissionais, os garotos já estão pensando em jogar na Europa, a Liga dos Campeões e esses torneios de lá! Tudo bem que os tempos são outros, que a grana lá é muito mais alta, mas não há preço que pague uma cena linda dessa como a do meu amigo Dinamite!
Juro que me esforcei muito para pensar em algum jogador atual do futebol brasileiro que poderia repetir o gesto daqui a alguns anos e não me veio nenhum nome. Que loucura! Os últimos acho que foram Rogério Ceni no São Paulo e Marcos no Palmeiras, mas já tem uns bons anos que penduraram as luvas!
Pérolas da semana:
“Modelo de jogo vai dar rumo ao modelo do time com intensidade por dentro, que aproveita a bola viva para espetar o ala na beirada, encaixotar o adversário e ter uma troca de assistência terrestre”.
“Na primeira bola e depois na segunda bola, sempre com uma leitura tática dinâmica, o jogador disputa o espaço e faz o time ser consistente, subindo a parede com marcação alta e intensidade de jogo vertical, usando a caixa de ferramentas com compactação para focar com faca nos dentes”.
MOZER, DA CANTORIA EM BANGU AO FLAMENGO CAMPEÃO DO MUNDO
Dispensado pelo Botafogo, Mozer tornou-se um dos maiores zagueiros da história do Flamengo. Conheça um pouco mais sobre a trajetória do craque do passado, o garoto “Sorriso” da dona Ivone e do seu Valdemiro
por André Felipe de Lima

Em 1980, um garoto de 19 anos, alto, medindo 1,87m, com 75 quilos, impressionava o comando técnico do Flamengo. Era um zagueiro e craque, diziam, para o futuro, sob a boa máxima rubro-negra de que “craque, o Flamengo faz em casa”. No caso do rapaz, cujo nome é José Carlos Nepomuceno Mozer, era um pouco diferente.
O começo dele não foi no Flamengo, mas sim no Botafogo, que, imagine, o dispensou quando ainda estava no infanto-juvenil, com a desculpa de que o menino era “baixinho” e “franzino demais” para jogar de beque ou mesmo em qualquer outra posição. Mas Mozer, que nadara pelo Bangu com oito anos, não desistira de jogar bola.
Enquanto não pintava uma nova chance, o garoto ganhava uns caraminguás animando bailes do Cassino Bangu e cantando músicas do Cláudio Fontana, que teve entre seus sucessos “Adeus ingrata” e “O homem de Nazaré”. Com a benção da mãe, dona Ivone, um dia Mozer foi parar na Gávea. Mas antes que o sonho do menino se realizasse, a mãe o levou a um tal “doutor Roberto”, médico em Bangu, que aplicou no Mozer, em 15 dias, cinco injeções de hormônio do crescimento. Deu um tempo na voz, começou a espichar e decidiu priorizar os pés, com apoio total do pai Valdemiro. Cresceu e se tornou uma das maiores revelações do Flamengo naquele maravilhoso finzinho dos anos de 1980, quando começava a brotar um dos maiores times da história do futebol mundial.
Quando Mozer despontou no Flamengo em 1980, impôs respeito entre os companheiros de time e até dos rivais. Antes de um Fla-Flu, em julho daquele ano, a estreia dele entre os profissionais, teria sido procurado por dois jogadores do Fluminense, o meia Cristóvão (o que seria técnico do Vasco três décadas depois) e o ponta-direita Robertinho, que disseram ao estreante: “Olha, cara, não fique com medo de bater. O importante é que você estreie bem, ainda que para isso tenha que tirar um de nós de campo”. Mozer jurava ser verdadeiro o surreal conselho dos dois tricolores.
O treinador do Flamengo, o saudoso Cláudio Coutinho, e Nelsinho, que treinara Mozer na seleção brasileira de novos durante o Torneio de Toulon de 80, não tinham dúvidas de que Mozer seria o titular da seleção na Copa do Mundo de 1982, na Espanha. Mas quem primeiro percebeu que Mozer seria estupendo zagueiro foi Modesto Bria, ídolo do Flamengo nos anos de 1940: “Este garoto reúne quatro grandes qualidades. Tem a técnica de um ponta-de-lança, a habilidade de um meio-campista, a velocidade de um ponta-direita e grande reflexo de marcação e desarme. Pelo alto, é praticamente imbatível. Os zagueiros europeus cabem perfeitamente nesta definição, e Mozer não fica devendo nada a eles”. E, como Bria narrou, Mozer realmente jogou em todas estas posições até firmar-se na zaga. “O Denílson, nosso zagueiro no infanto, estava machucado e eu indaguei do Américo Faria se não seria bom improvisar Mozer na zaga. O garoto fez uma das melhores apresentações e nunca mais saiu. Desde então, passei a confiar plenamente em seu futebol. É um dos jogadores de maior futuro dentro do Flamengo”, completou Bria.
A futurologia do craque do passado era inequívoca. Mozer brilhou intensamente, não somente no Flamengo, mas na seleção brasileira, no Benfica e no Olympique de Marselha. Nos dois clubes europeus, é um dos ídolos mais cultuados até hoje pelos torcedores. Sempre disse ter aprendido a bater faltas com Zico e a ser zagueiro com Rondinelli, o eterno “Deus da raça”. “O Rondi sempre me diz: ‘Joga o que você sabe, não inventa. Mas se for preciso, dá solada de cabeça’. Isso era a única coisa que ele não precisava dizer. Tenho muita garra, porque aprendi com ele”.
Mozer teve grandes mestres que souberam lapidar o talento natural do garoto, que se tornou um dos melhores zagueiros do Flamengo na história. Não é pecado inseri-lo em um hipotético time dos sonhos rubro-negro, colocando-o lado a lado com Domingos da Guia na zaga eterna do Flamengo.
O mundo mereceu conhecer o garoto de Bangu, que cantava (e bem) músicas do Cláudio Fontana e que foi dispensado pelo Botafogo. Mas Mozer, o “Sorriso”— apelido que ganhou ainda menino em Bangu—, mereceu conhecer o mundo também, e no dia 13 de dezembro de 1981, o mundo e Mozer foram devidamente apresentados… para a inesquecível alegria rubro-negra.
SILVIO LANCELLOTI, O POMODORO DA NONNA NAS MANHÃS DE DOMINGO
por Marco Antonio Rocha

O cheiro da preparação do almoço de domingo tomava conta da casa, enquanto a Bandeirantes, muito antes de virar Band, apresentava o prato principal do seu cardápio nos anos 80: o Campeonato Italiano. A tarantella que anunciava a jornada não sai da memória do menino que se acomodava diante da TV para assistir a um desfile de craques como Maradona, Platini, Rummenigge, Van Basten, Laudrup, Francescoli, Boniek… Um sonho.
Logo Silvio Luiz surgia com seu vozeirão para dizer que naquela manhã a Velha Bota presentearia o mundo com o duelo entre Napoli e Fiorentina –ou Milan e Sampdoria ou (melhor ainda!) Napoli e Milan. Mas o narrador, assim como Careca, tinha seu Maradona; como Gullit, tinha seu Van Basten. Silvio Lancellotti era o pomodoro da macarronada da nonna. Um luxo.
Em contraponto a Silvio, o Luiz, Lancellotti tinha nada de espalhafato. De forma serena, dava informações sobre a Sardenha, desfiava curiosidades da Sicília. E, claro, tabelava com seu xará devolvendo de primeira informações sobre a história dos clubes, as campanhas dos times, o desempenho das estrelas no Calccio. De quebra, ensinava receitas da culinária italiana, sua outra paixão. Uma aula.
Naquela época, jogos de futebol na TV eram artigo raro, e o Campeonato Italiano servia de preliminar para os clássicos da tarde no bom e velho Maraca. Aí, o jeito era “ver” as partidas pelo rádio e entregar nossa imaginação aos olhos (e falas) de locutores como Doalcey Bueno de Camargo, Orlando Batista e Waldir Amaral. Silvio Lancellotti fazia parte dessa seleção que, aos poucos, vai se desfazendo no tempo. Uma saudade.
Em seus 78 anos, Lancellotti passou por alguns dos jornais mais importantes do país, fundou a revista Veja e brilhou na ESPN – onde, em 2003, comentou beisebol nos Jogos Pan-Americanos da República Dominicana. Formado em arquitetura, traçou uma ponte com a literatura e lançou diversos livros. A estante ficou cheia, mas no último dia 13 deixou um lugar imenso vazio. Uma pena.
O CRAQUE DO BRASIL EM 2021
por Luis Filipe Chateaubriand

Eis que, em 2021, o craque do futebol brasileiro foi Hulk!
Jogando pelo Atlético Mineiro, levou o clube das Alterosas a conquistar o Campeonato Brasileiro, feito que não era conseguido há 50 anos pelo “Galo”.
Seu jogo foi marcado por muita força, arrancadas impressionantes em direção ao gol.
Aliás, não foram poucos os gols que Hulk marcou na temporada.
Chute forte, com as duas pernas.
Cabeceio perfeito em seus movimentos.
Velocidade capaz de levar ao deleite o torcedor atleticano.
Eis o incrível Hulk, o craque do Brasil em 2021!
ARREPENDIMENTOS
por Claudio Lovato Filho

Ontem o filho lhe perguntou:
– Pai, se você pudesse voltar no tempo, o que você não faria de novo?
– No futebol?
– É.
Ele não precisou pensar muito.
A cotovelada.
Até hoje, para tentar atenuar a culpa e o arrependimento, ele costuma dizer para si mesmo que foi uma ação instintiva, que ele na verdade estava apenas se protegendo de uma perseguição insistente, pelas costas, a perseguição de um jogador que todo mundo sabia que não economizava nas entradas violentas.
O cotovelaço deixou o adversário sem sentidos por vários minutos. Ele achou que tinha matado o colega de profissão. Desesperou-se, botou as mãos na cabeça enquanto era empurrado por jogadores do time rival e protegido por seus companheiros. Foram minutos em que ele não queria estar ali, em que não queria ser jogador de futebol.
Quando o jogador atingido começou a se mexer no gramado e recobrou os sentidos, ele, o agressor, já estava sentado no banco de reservas, encoberto (escondido) por alguns membros da comissão técnica, depois de ter sido expulso.
Passou algumas noites com dificuldade de pegar no sono, foi duramente criticado pela imprensa, e a situação só não ficou pior nos dias seguintes por causa da camaradagem que ligava os integrantes daquele grupo ao qual pertencia.
– E aí, pai, tem alguma coisa que você não faria de novo?
– Tem, sim, filho. Senta aqui que eu vou te contar.
O filho se sentou na cadeira ao lado, pronto para ouvir uma história que ele já conhecia. Mas ele queria ouvi-la do pai. Precisava ouvi-la do pai. E agora conseguiria isso, depois de passar muito tempo reunindo coragem para fazer a pergunta que fez.
#
Dos arrependimentos que ele carrega pela vida, existe um que o tem perturbado muito nos últimos dias.
A discussão com o velho.
Aconteceu durante um jogo, à vista de todos.
Estádio cheio, o time perdendo, a torcida vaiando. Então, numa possibilidade de ligar um contra-ataque, ele errou o passe. O velho não era de dar show na área técnica, não era do tipo que tinha chilique, mas naquele momento algum fio deve ter encostado no outro dentro da cabeça dele. O velho esbravejou e ele retrucou. O velho rebateu e ele então xingou, ofendeu, dedo em riste. O velho se calou.
Hoje, muitos anos depois, as palavras que saíram de sua boca naquela briga têm voltado com frequência e ele sabe por quê: a doença do velho, a proximidade da morte do veterano treinador que o puxou da base e lhe deu todas as chances de que ele precisava para encontrar um lugar ao sol.
Ele ainda não sabe exatamente o que vai fazer. Pensa em visitá-lo no hospital, mas não sabe como seria recebido pelos familiares e amigos do velho. Aquele episódio envolveu humilhação. Ele sabe que terá que fazer alguma coisa enquanto ainda é tempo, porque esse arrependimento o está angustiando cada vez mais e ameaçando se tornar algo muito maior do que ele um dia imaginou que poderia ser.
#
A esposa acha que foi um erro ter voltado.
– Nossa vida era tão boa lá.
Ela começou a falar essas coisas no dia em que os torcedores invadiram o Centro de Treinamento.
Mais tarde, com as ameaças pelas redes sociais, o discurso dela se acirrou.
– Não quero isso para as crianças. Não quero isso para nós.
Há alguns dias, quando chutaram o carro dele na saída do treino, ela deu o ultimato.
– Chega, né? Não tem dinheiro que pague isso!
Ele ainda tentou argumentar:
– Isso vai passar. É só a gente voltar a vencer.
Ao que ela respondeu:
– E depois, quando começar a perder de novo, vai voltar tudo? Vai voltar do mesmo jeito? Pior?
Ele sabia que não tinha como vencer aquele embate. Quando se tratava de argumentar com a mulher, a coisa costumava ser complicada. Ela tinha o hábito de estar sempre certa, ou quase sempre, como era o caso agora.
Uma pena, ele pensou. Uma pena ter que admitir que foi um erro ter voltado. Seu país não era mais seu, sua cidade não era mais sua, e a saudade que ele sentia era mais de um tempo do que de um lugar. Sim, foi um erro. Mas foi um erro que ele cometeu por ouvir o coração. Sendo assim, um erro que não tinha por que gerar arrependimento.
Honestamente, ele não se arrepende. Não deu certo, mas ele não se arrepende. A realidade sempre se impõe ao sonho. O bom é quando os dois convergem, mas isso não acontece toda hora.
É a vida.