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uma previsão em meio a uma decisão

por Zé Roberto Padilha

Esse time tricolor (foto), de 1973, estava em campo jogando contra o Flamengo a decisão do estadual. Talvez tenha sido a final mais encharcada da história do Maracanã. As águas desciam com vontade.

Manfrine fez sua melhor partida e vencemos por 4×2. E o treinador Duque, que só gostava de “cobra-criada”, teve a ousadia de infiltrar Carlos Alberto Pintinho e Cléber entre nossos “cascudos”. Tinham 19 anos.

Perto do jogo acabar, com a pressão final do Flamengo, uma bola correu para perto do nosso banco de reservas. E um outro garoto rubro-negro, frágil e habilidoso, que era a aposta do outro lado, tentou alcançá-la. E escorregou na poça d’água. E levou uma vaia sem tamanho da já impaciente torcida rubro-negra.

E todos nós, reservas do time, empolgados com a proximidade do título, bicho gordo na conta, não o perdoamos. E decretamos seu futuro: “É, esse menino não vai mesmo longe!”.

Realmente ele, Arthur Antunes Coimbra, não foi longe. Nem precisou. Realizou um trabalho de reforço muscular com o Francalacci, e fez, do próprio estádio do Maracanã, o palco do seu reinado.

Quanto aos corneteiros e palpiteiros, quem foi mais longe foi o Pintinho. Substituído e torcendo no banco ao nosso lado, participou da banca examinadora que decretou o futuro do Zico no futebol. E foi parar em Sevilha.

Quanto aos demais, não sei. Sei de mim, de volta à Três Rios, e que nunca mais arriscou um palpite. Nem no jogo de bicho. Com o Galo ali à nossa frente encharcado, o embrião de uma das maiores cobras do nosso futebol, resolvemos apostar no burro.

Que acabavam de ser campeões carioca de futebol de 1973.

AQUI JAZ UM SONHO DE MENINO

por Zé Roberto Padilha

Não tinha essa foto. A do pesadelo. Porque tenho várias que revelam o meu sonho de defender, por sete anos, o time do meu coração. O Fluminense FC.

Cheguei em 1968 nas Laranjeiras e permaneci até essa partida, contra o Internacional, em dezembro de 1975, pelas semifinais do Campeonato Brasileiro.

Meu primeiro contrato profissional foi em 1972, o técnico era o Zagalo. Era reserva do Lula e não tinha essa palhaçada de time misto.

Ele jogava, eu assistia. E o substituía quando servia à seleção brasileira.

Em 1974, Parreira assume, Lula é vendido ao Inter e assumo, depois de tanta luta e espera, a titularidade da camisa 11.

Quando entrei em campo, liderava a Bola de Prata da revista Placar, como melhor ponta esquerda, estava na lista dos pré-selecionados, de Osvaldo Brandão e nosso treinador, Didi, pedira a renovação do meu contrato. E, na partida anterior, atropelamos o Palmeiras, no Maracanã, por 4×2.

Conhecem nossos quinze minutos de fama?

Pois é, aos 23 minutos Lula abriu a contagem, e Paulo César Carpegiani fez 2×0, aos 30 minutos do segundo tempo. Aos 32 fui substituído em campo pelo Carlos Alberto Pintinho e fora dele trocado pelo Doval, do Flamengo. E nunca mais vesti a camisa do meu time de coração.

Foram duas Taças GB, 71 e 75, três títulos estaduais, 71, 73 e 75, conquistados, além do título de Campeão Juvenil, em 1970.

Permaneci em cena por mais dez anos, e encerrei minha carreira defendendo o Bonsucesso FC, pela primeira divisão carioca, de 1985.

Tenho um pequeno memorial, que montei para meus filhos e netos curtirem. Os pôsteres estão nas paredes, livros, medalhas, faixas e troféus na estante.

Faltava a foto da lápide dos meus sonhos.

Agora, não falta mais.

CARLOS ALBERTO PINTINHO, O PATRÃO DA BOLA

por Luis Filipe Chateaubriand

Foto: Marcelo Tabach

Quem viu Carlos Alberto Pintinho jogar bola, é um privilegiado!

Jogador de técnica e de força, defendeu o Fluminense e o Vasco da Gama, antes de ir exibir sua arte em campos espanhóis.

Era um volante clássico, daqueles que defendem sem fazer uso da violência e armam o time para o ataque.

Assim, fazia o que queria com a bola, seja para interceptá-la, seja para fazê-la correr.

Aliás, Pintinho é do tempo que quem tinha que correr era a bola, e não os jogadores.

A frustação, para Pintinho, foi não ter jogado muitas vezes na Seleção Brasileira.

A concorrência era alta: Falcão, Toninho Cerezo, Paulo Cesar Carpegiani, dentre outros.

Mas que o mancebo “tinha bola” para jogar na Seleção, não se discute. Esse era Carlos Alberto Pintinho, show de bola, literalmente.

ROMÁRIO: “MEU NEGÓCIO É FAZER GOL”

por Elso Venâncio

Elso Venâncio entrevista Romário antes de um jogo na Gávea

Fui setorista do Vasco, na Rádio Globo, durante o bicampeonato carioca de 1987/88. O senador, hoje com poucos cabelos, a maioria brancos, tinha na época uma cabeleira encaracolada e o apelido de Toddynho.

A imprensa, com acesso direto aos jogadores, ficava ao lado do campo nos treinos e com facilidade escutava o promissor talento cruzmaltino:

– Meu negócio é fazer gol! – repetia sempre.

Foi o único atacante que acompanhei que era verdadeiramente obcecado em marcar gols.

O coletivo começava e era comum os titulares entrarem com somente 10 em campo. O “Baixinho”, aos 22 anos, preferia ficar atrás do gol, onde hoje está a estátua do artilheiro Roberto Dinamite, treinando e se aperfeiçoando nas finalizações. Ademar Braga, o preparador físico, era quem o auxiliava. Trave móvel, sem goleiro, o atacante dominava de costas, virava e batia. Pelo menos, por 30 minutos. Mas diariamente.

Chutes frontais e laterais, cabeceios, piques em diagonal sempre com a bola aos pés. Batia fraco, às vezes forte, vez ou outra colocado, dava fintas com gingas de corpo, enfim, a gente percebia sua satisfação pessoal. Treinamento físico? Arrumava um jeito de escapulir, sair dessa para ficar na sua, apenas batendo para o gol.

O garoto que havia saído do Jacarezinho e morava na Vila da Penha já era folgado. Em um coletivo, o lateral-esquerdo Lira reclamou aos gritos do treinador Sebastião Lazaroni e deu um bico na bola para a arquibancada. O técnico expulsou de imediato o lateral. Romário, amigo de Lira – e que já liderava a artilharia do Carioca –, pegou outra e igualmente a isolou com força:

– Me tira também!

Lazaroni levou todos os jogadores para uma longa conversa no vestiário.

O humorista Tom Cavalcante, logo após o “Tetra” conquistado na Copa dos Estados Unidos, em 1994, lançou uma música que viralizou. O nome, ‘Treinar pra quê?’:

“Treinar pra quê, se eu já sei o que fazer…”

Nos times em que atuou desde que retornou ao Brasil, Romário sempre deixou claro aos presidentes dos clubes:

– Não bebo, mas gosto da noite. Por isso, só treino à tarde.

Os técnicos, porém, não sabiam do combinado:

– Onde está o Romário?

À tarde, assim que o craque surgia era imediatamente abordado pelo supervisor. De bate-pronto, respondia:

– Pergunta ao presidente…

Muitas vezes, nem à tarde o goleador aparecia. Júlio Leitão, diretor de futebol do Flamengo, cansou de ir até o quiosque Viajandão, na Barra da Tijuca, implorar para que ele voltasse para a Gávea:

– Estou treinando! – argumentava, bem-humorado. Na verdade, jogava futevôlei com alegria, e a cada ponto marcado parecia se lembrar das finalizações que matava todo e qualquer goleiro na área adversária.

Ah… falei sobre o tema porque ainda tento apagar da memória o chute na trave do Gabigol, após passe de Pedro, diante do Athletico Paranaense. Gol enorme! Escancarado! Se praticasse forte esse fundamento, não teria como errar…

*Elso Venancio foi setorista do Flamengo por 11 anos seguidos (de outubro de 1988 a dezembro de 1999) e cobriu a seleção brasileira em 3 Copas do Mundo (1990, 1994 e 1998)

DINAMITE, A ESPERANÇA

por Rubens Lemos

Desde criança, no sufoco que a vida me reservou e à vida dos meus pais, a minha crença chamava-se Roberto Dinamite, herói de sorriso triste e gladiador solitário na luta contra o espetacular Flamengo de Zico. Narrava gols de Roberto Dinamite sozinho no quarto, tarde da noite, com fé e orgulho. Ele foi o maior artilheiro que vi jogar com a camisa do meu Vasco.

Hoje nem chamo o Vasco de meu, porque o Vasco é uma catástrofe de falta de vergonho e futebol paupérrimo, sem qualquer jogador acima da média, apanhando de times que goleava nos meus tempos de viciado nos domingos de Gol do Fantástico.

O Vasco de hoje não desperta aquele sentimento confiante de euforia, nem pode, é um time ridículo, com jogadores desconhecidos que podem perfeitamente jogador na Série C e até mesmo na Série D.

O Vasco tirou dos seus apaixonados a confiança nas vitórias tranquilas contra adversários ruins. Sua raça acima da técnica como nas jornadas em que guardava sozinho Roberto Dinamite contra a orquestra flamenguista.

O carisma de Roberto Dinamite, buscando o gol sem qualquer temor, assumindo a escritura da grande área ou partido do meio-campo como o Quixote das conquistas impossíveis. Roberto Dinamite é o maior jogador da história do Vasco, embora meu ídolo seja, também, o genial meia Geovani.

Roberto Dinamite é um estoico, um resignado. Desde o golaço que valeu seu apelido de Dinamite em 1971(ele aos 17 anos), contra o Internacional no Maracanã.

Roberto Dinamite se entregou à massa e ela o assumiu como explosão das causas impossível. Roberto Dinamite assumiu o cetro de ídolo e fez a torcida cruzmaltina assumir uma razão de lotar o Maracanã.

Roberto Dinamite sofreu muito a vida inteira. Introspectivo, de timidez e conformismo indescritíveis, foi convocado para a seleção brasileira de 1978 porque o centroavante Nunes se machucou. Roberto Dinamite parecia um guerreiro sem lança na chuteira, esquecido e sem merecer o menor respeito do falecido técnico Cláudio Coutinho.

O Brasil, tudo bem, tinha um gênio chamado Reinaldo do Atlético(MG) que sucumbiu, não apresentou 5% do seu toque esplêndido. O Brasil seria eliminado se empatasse com a Áustria e o Almirante Heleno Nunes, presidente da Confederação de Futebol, no auge da Ditadura, agiu certo e mandou escalar Roberto de titular.

Um passe preciso do ponta-direita Gil encontrou Roberto Dinamite pronto para o tiro de sniper, bem colocado, ajeitando a bola e fulminando o goleiro Koncília. Roberto – ah, hipocrisia impossível -, passou a ser bajulado sem deixar de manter o semblante blasé e sábio. Os elogios eram oportunistas.

Roberto Dinamite jogou mal uma partida, apenas uma, contra a Tchecoslováquia no Morumbi em 1×1 nos preparativos para a Copa do Mundo e Telê Santana, brilhante e teimoso, simplesmente o ignorou.

Roberto Dinamite fez falta e teria classificado o Brasil contra a Itália em 1982 porque Serginho Chulapa não passava de um zagueiro disfarçado. Só pra lembrar, Zico e Roberto nunca perderam juntos pela seleção.

Então Roberto entregou-se ao Vasco como um libelo, silencioso, grito abafado pela multidão vascaína , liderando time espetacular com Romário, Geovani, Mazinho, Tita, Acácio, Mauricinho, uma máquina que botou no liquidificador o Flamengo de 1987.

Roberto voltou a sofrer. Em 1989, o Vasco o emprestou para a Portuguesa(SP) e ele seguiu, humilde e machucado, para o campeonato brasileiro.

Duvidaram dele e em 1990 até 1992, fez gols decisivos tabelando com o craque e sucessor Edmundo. Roberto, claro, sempre buscando a foça e a liberdade de quem respondia balançando a rede, aqueles que o menosprezavam.

Roberto Dinamite é tão bom que Zico vestiu camisa do Vasco em sua despedida. Roberto é tão bom que os vídeos dos seus gols são repetidos com emoção e o ineditismo das lágrimas que correm de saudade.

Roberto Dinamite está com câncer aos 68 anos e, a cada batalha que vence, rompendo a covardia da doença, ensina que o ser humano é resistência. Roberto Dinamite é perseverança e exemplo. Explodindo o gol da vida que vai prosseguir.