A ÚLTIMA VEZ FOI COM A CAMISA 7
por Zé Roberto Padilha

A ultima vez que pisei no gramado do Maracanã foi em 1985. Jogava pelo Bonsucesso FC, tinha 33 anos e não contava mais com o auxílio dos meus meniscos da caneta boa, a esquerda, para continuar exercendo minha profissão.
Meus preparadores físicos pediam que nadasse, não treinasse no campo duro para sobrecarregar o joelho. E com aquele calor do subúrbio carioca, em Teixeira de Castro, imaginem o que o elenco reclamava enquanto aquele “folgado” realizava seu trabalho no parque aquático ao lado. A sorte minha, azar deles, é que abria a caixa e voava no domingo mesmo com duas hélices enguiçadas.
Paulinho Carioca (foto) jogava comigo e era muito parecido. No tamanho, no início da calvície e era ponta também. Só que do lado direito.
Quando enfrentamos, no Maracanã, o poderoso Fluminense de 85, cujo lado esquerdo tinha Branco, Tato e Assis, nosso treinador Denílson, o Rei Zulú, deixou o Paulinho, mais ofensivo, no banco, e me escalou com a camisa 7 para tentar marcar aquelas feras. Foi minha primeira, e ultima, experiência jogando do lado direito.
Fiz o melhor que pude, mas aos 43 minutos Branco se livrou desse “pentelho” e cruzou para Assis abrir a contagem. No intervalo, Denílson agradeceu minha colaboração e me substituiu pelo Paulinho. Louco ou corajoso, resolveu sair para o jogo.
Mudei de roupa e fui encontrar meus pais, que foram de Três Rios até lá ver seu filho jogar. E depois visitar o Bruninho que acabara de chegar. Ao me aproximar, vi meus pais batendo boca. Diminui o suficiente para não intervir. E seu Zé Roberto, bravo, esbravejava;
– Você, Janet, não sabe nada de regras. Aonde já se viu um jogador começar com a camisa 7 e voltar com a 16? Tem súmula que eles assinam!
E minha mãe, confiante, afirmava:
– Posso não conhecer de regras, mas que mãe não conhece seu filho? Aquele lá é o Robertinho…
Quando me viram, meu pai abriu um sorriso e minha mãe ficou branca. Na dúvida, reforcei a tranca da porta. Morava em Jacarepaguá. Vocês sabem, quem enganou até a mãe…
Obs. Na foto, contra o Corinthians. Paulinho em uma ponta, eu na outra.
PET SÓ VIROU ÍDOLO GRAÇAS A ZAGALLO
por Elso Venâncio

Há 21 anos Petkovic marcou, contra o Vasco, o histórico gol de falta que rendeu ao Flamengo seu quarto tricampeonato estadual. Eternizado, o lance transformou o gringo – um dos mais importantes estrangeiros da história rubro-negra – em ídolo na Gávea.
A partida em si foi tensa. No primeiro confronto decisivo o Vasco ganhou de 2 a 1, ampliando a vantagem de jogar por dois resultados ‘iguais’. Na finalíssima, porém, o ‘Capetinha’ Edílson fez dois gols, Juninho Paulista descontou e aquela cobrança de falta, aos 43 do segundo do tempo, consagrou o sérvio, fazendo o treinador Zagallo vibrar igual criança, a ponto de agarrar e beijar com fervor uma imagem de Santo Antônio. O ‘Velho Lobo’ admitiria tempos mais tarde que a emoção sentida somente era comparável à conquista de uma Copa do Mundo.
Gols marcantes ficam gravados em nossa memória e deles lembramos até onde estávamos e que amigos se encontravam ao nosso lado na ocasião. Mas, voltemos no tempo. Mais precisamente, ao domingo, dia 27 de maio de 2001.
Eu trabalhava na cabine da Rádio Globo, no Maracanã, ao lado de José Carlos Araújo, do “Canhotinha de Ouro” Gerson e do “Comentarista da Palavra Fácil” Luiz Mendes. Além de comandar os debates antes dos jogos, atuava também como âncora no intervalo, e no final acionava os comentaristas e repórteres.
Pet não iria para o jogo. Insatisfeito com os atrasos nos salários, sobretudo os direitos de imagem, o craque decidiu abandonar a concentração para tomar umas e outras. O Flamengo se concentrava no Copacabana Mar Hotel. Todos jantaram, menos ele. Lá pelas tantas o gringo apareceu. Foi recebido pelo supervisor José Eduardo Chimello:
– Vai jantar ou prefere um lanche?
– Não, quero cerveja! – retrucou.
Presidente do clube, Edmundo Santos Silva, ao ser comunicado do fato, mandou retirá-lo da grande decisão.
Zagallo acordou naquele domingo com o mal-estar formado. Seríssimo e com o rosto avermelhado, reagiu com força:
– Ele vai jogar, sim! Quero falar com o presidente… O clube é que está errado, não ele.
Considero aquele gol, pela emoção, inspiração e vibração, o melhor de todos os tempos dentre todos os milhares até hoje narrados, ao longo de décadas, pelo Super ‘Garotinho’ José Carlos Araújo. Em São Paulo, inesquecível é ouvir Osmar Santos naquele mítico gol de Basílio – claro, aquele Corinthians x Ponte Preta que quebrou o incrível tabu corintiano que já se prolongava por 23 anos, no Campeonato Paulista.
Aliás, para você, qual a narração, o gol inesquecível que você ouviu, seja pelo rádio ou na tevê? Cite um momento histórico do seu clube do coração ou mesmo do futebol brasileiro. Aguardo aqui os comentários!
O CALENDÁRIO DO FUTEBOL BRASILEIRO 01: A ADEQUAÇÃO AO CALENDÁRIO EUROPEU
por Luis Filipe Chateaubriand

Suponha-se que o calendário do futebol brasileiro seja jogado, como atualmente, de Janeiro a Dezembro, só que de forma racional.
Sucede-se que, nesse caso, há nove meses para se jogar todas as competições da temporada, pois:
· Janeiro é dedicado à Pré-Temporada.
· Dezembro é dedicado às férias dos jogadores.
· Em meados do ano – segunda parte de Junho e primeira parte de Julho – há interrupção dos certames para se jogar competições de Seleções, como Copa América e Copa do Mundo.
Tem-se, portanto, três meses dedicados a outras coisas que não os certames de clubes e, assim, há nove meses dedicados aos certames de clubes.
Agora, suponha-se que o calendário brasileiro seja jogado de Julho de um ano a Junho do ano seguinte, também de forma racional, o chamado Calendário Europeu.
Sucede-se que, nesse caso, há dez meses para se jogar todas as competições da temporada, pois:
· Julho é dedicado à Pré-Temporada.
· Junho é dedicado às férias dos jogadores.
· As competições de seleções são realizadas exatamente em Junho e Julho, quando os clubes não jogam partidas oficiais.
Tem-se, portanto, dois meses dedicados a outras coisas que não os certames de clubes e, assim, há dez meses dedicados aos certames de clubes.
Fica claro que, em um contexto abarrotado de competições e, consequentemente, jogos, é melhor dispor de dez meses para isso do que dispor de nove meses para isso.
Assim, a adoção do Calendário Europeu no futebol brasileiro se impõe como algo necessário.
EM BUSCA DA GLÓRIA PERDIDA
por Péris Ribeiro

No badalado balneário de Atafona, o mais tradicional do município de São João da Barra, encravado no Norte do Estado do Rio de Janeiro, as bancas de jornais estampam, entre as principais manchetes daquela manhã, uma que, particularmente, mexe com a sensibilidade do antigo ponta-direita e meia-armador do Flamengo, Paulinho Almeida. É que, ali, está configurado o desaparecimento do velho amigo Dequinha – famoso pelo seu estilo clássico, como centro-médio -, morto na véspera, aos 68 anos, devido a uma cirrose hepática, em Aracajú, Sergipe.
Consta na matéria do Jornal do Brasil, que Dequinha morrera no esquecimento, triste e magoado, depois de ter sido o capitão e um dos heróis do tricampeonato do Flamengo, no início dos Anos 1950. Um título inesquecível, por si só. Mas, fundamentalmente, a primeira grande façanha de um time na história do Maracanã – o gigantesco e mágico estádio, que o carioca, orgulhosamente, só chamava de “ O Maior do Mundo”.
Abalado com o que lera, o que se percebe é que Paulinho remete ao passado em questão de segundos. E então sente, como que instantaneamente, estar de volta às radiantes tardes de domingo no seu velho Maracanã. O céu límpido e azul, o sol que convida a alegria, as arquibancadas coloridas de vermelho e preto, o ritmo pleno da festa…
Já, lá embaixo, o que se vê é mais um previsível show de bola dos garotos comandados pelo Feiticeiro Solich. Desta vez, a vítima é a Portuguesa. Que perde por 6 a 0 ainda na metade do segundo tempo, graças à facilidade de encontrar as redes de um Evaristo, um Índio, um Dida… E dele próprio, Paulinho – àquela altura, o artilheiro absoluto do Campeonato, com 17 gols.
Algumas semanas depois, era esse Flamengo avassalador de Don Fleitas Solich e Dequinha que se consagraria como tricampeão carioca. E se o infernal Dida iria se imortalizar como o herói dos 4 a 1 em cima do América, na decisão, quem levaria definitivamente a palma de maior artilheiro da competição seria mesmo ele, o não menos endiabrado Paulinho Almeida, com 23 gols.
Ainda saboreando a glória do inédito tri, eis que lá iria Paulinho, logo depois, desfrutar do seleto ambiente da Seleção Brasileira, ao lado do amigo de sempre, Dequinha, e ainda de Evaristo de Macedo e Pavão – formando assim o quarteto rubro-negro convocado para a excursão à Europa. E seria lá, no Velho Mundo, que Paulinho teria a honra de pisar a grama sagrada de Wembley, ao lado de craques notáveis como o mestre Didi, Gilmar, Canhoteiro, Zózimo, Dequinha e os dois Santos, os eternos Nilton e Djalma.
– Pois é, pode parecer frase feita, mas não é. Naquele tempo, sim, é que eu era um homem feliz! Era feliz, e sequer sabia… Não tinha disso, a mínima noção– disse-me ele, certo dia, numa daquelas mornas tardes de verão lá em Atafona. Quase que a parodiar, sem querer, o genial compositor Ataulfo Alves.
Naquela tarde longínqua – tenho certeza -, volvendo aos velhos jornais e às antigas revistas, e se debruçando demoradamente sobre os recortes das glórias no Flamengo, na Seleção Brasileira e no Palmeiras – pelo qual foi supercampeão paulista, em 1959, ganhando do Santos de Pelé na decisão -, o reencontro do antigo ídolo com o sucesso me parecia, isso sim, um misto de puro êxtase com uma certa aura de maldição.
Tempos depois, na inglória luta por uma aposentadoria que nunca vinha, o que veria Paulinho nas noites de insônia, senão o beque caído, o goleiro vencido, as redes balançando?
No vídeo-tape da memória – sou capaz de garantir -, só havia espaço mesmo para a torcida gritando o seu nome. A faixa de tricampeão pelo seu amado Flamengo, a reluzir-lhe no peito. A consumir-lhe as madrugadas, apenas o delírio da eterna paixão rubro-negra.
CARLOS GAINETE
por Eduardo Lamas
Minhas primeiras tentativas de entrevistar o ex-goleiro e ex-técnico Carlos Gainete foram no início de 2020, quando entrei em contato com o filho dele, de mesmo nome, pelo facebook. Na época, ele morava no Rio de Janeiro e o pai, fui informado, estava residindo em Porto Alegre. Mas como Gainete nasceu em Florianópolis, pensei cá comigo: uma hora ele vai aparecer na área e não vou perder a chance.
Quando eu e o cinegrafista Fernando Gustav retornamos aos trabalhos para o Museu da Pelada, em outubro de 2021, após longo e tenebroso inverno pandêmico sem vacinação, retomei os contatos com Carlos Gainete filho, que, para sorte minha, tinha vindo para Florianópolis. Numa prévia da pesquisa que sempre faço para preparar a pauta das entrevistas, descobri que estava se aproximando o 81º aniversário do ex-goleiro de Inter, Vasco, Athletico-PR, em 15 de novembro. E aí fui informado pelo filho que o pai viria de Porto Alegre para cá. Mas engana-se que, por isso, foi fácil.
Gainete não se mostrou nada entusiasmado com a ideia de dar uma entrevista, informou-me seu filho. Sem ser chato, algo que detesto ser, mas com alguma insistência, Carlos Gainete cedeu depois de tentar suportar uma saudável e carinhosa pressão caseira do filho e da esposa, aos quais agradeço imensamente. Sorte nossa e de toda massa torcedora do Museu da Pelada. Afinal, boas histórias não faltam, tanto dos tempos de goleiro, quando foi campeão catarinense logo na sua primeira temporada pelo Paula Ramos Esporte Clube, em 1959; campeão da primeira Taça GB, pelo Vasco, em 65, e quatro vezes seguidas campeão gaúcho pelo Inter, e de treinador, com maior destaque para o timaço que formou no Guarani, com Ricardo Rocha, Marco Antonio Boiadeiro, Evair, João Paulo e outros (entre eles Tite, o atual técnico da seleção brasileira), que acabou sendo vice-campeão brasileiro, perdendo nos pênaltis para o São Paulo de Careca, Pita e cia, em 86, numa partida final antológica e cheia de polêmicas, com muita tristeza para os bugrinos e, em especial para Gainete, que confessa jamais ter conseguido rever aquele jogo.
No fim do nosso papo, já em off, ousei perguntar a ele quem tinha sido melhor, o goleiro ou o treinador. Ele respondeu: “O homem”. Aplaudimos espontaneamente, eu, Fernando Gustav e seu orgulhoso filho.