DA SÉRIE “NINGUÉM ME CONTOU. EU OUVI”
por Zé Roberto Padilha
Em 75, fomos receber Paulo Cézar Cajú no Galeão. Era uma das feras que Francisco Horta contratara para a Máquina Tricolor. Quase todos os jogadores foram até lá.
Toninho Baiano, para lembrar ao PC do meio ruim onde estava se metendo, foi logo perguntando:
– Que terno é esse, Caju? Horrível!
Ele nem deixou quitar:
– É, tem razão, custou barato. Cara foi a passagem!
E aí Toninho fechou :
– Que bom. Isso mostra que o mau gosto é universal!
Mesmo assim, com ou sem esse terno, fomos bicampeões carioca, duas vezes semifinalistas do Campeonato Brasileiro e Campeão do Torneio de Paris.
VIRADA DO SÉCULO
por Elso Venâncio
O jogo decisivo da Copa Mercosul de 2000 é considerado por muitos o maior da história entre os grandes clubes brasileiros. Por sua importância e pelo grau de emoção despertada, aquela final recebeu o apelido de Virada do Século.
O Palmeiras “só” precisava do empate, jogando no Estádio Palestra Itália, e fez muito mais do que isso no primeiro tempo. Foram três gols da equipe paulista num intervalo de nove minutos: com Arce, aos 36; Magrão, aos 37; e Tuta, aos 45. Logo, os torcedores começaram a gritar “É campeão… É campeão”.
Quatro dias antes, o vice-presidente de futebol do Vasco, Eurico Miranda, havia demitido o treinador Oswaldo de Oliveira. Tudo ocorreu depois de um empate por 2 a 2 com o Cruzeiro, num sábado, em São Januário. Eurico ficou intrigado ao ver um apressado Júnior Baiano apanhar no chão um bilhete de passagem aérea para Salvador, que tinha caído da mochila. Ao conferir a programação, o dirigente perguntou ao supervisor, Isaías Tinoco, por que motivo a apresentação seria na segunda-feira à tarde, se tinha decisão na quarta-feira.
— Passa para amanhã à tarde — ordenou Eurico.
Oswaldo de Oliveira ouviu e disse que a determinação da reapresentação na segunda-feira era dele.
— Tá demitido! — rebateu o dirigente, sem levantar a voz.
Alguns jogadores até pediram para que Eurico reconsiderasse a sua posição, mas a resposta foi a mesma: “Tá demitido!”, desta vez em alto e bom som.
Minutos depois, Romário estava a caminho da Barra da Tijuca quando atendeu o celular.
— Romário… (pausa).
— Fala, doutor!
— Liga para o Joel!
Na tarde do dia seguinte, domingo, Joel Santana já comandava o treino cruzmaltino.
Voltando à decisão em São Paulo… No intervalo, a comissão técnica e os jogadores do Vasco ficaram surpresos com a presença de Eurico Miranda no vestiário. Reza a lenda de que ele chamou Viola para uma conversa:
— Te contratei a peso de ouro. Você vai entrar e mudar o jogo.
Eis que Viola surge no lugar de Nasa para o segundo tempo. O atacante não fez gol, mas sua garra contagiou os companheiros.
De dominado, o Vasco passou a dominar. Aos 13 minutos, Romário descontou batendo pênalti. Logo em seguida, outra penalidade e novo gol do Baixinho. Um baque poderia ter ocorrido aos 32 minutos, quando Júnior Baiano foi expulso por jogo violento. Porém, a pressão continuou mesmo com 10 em campo, resultando no empate com Juninho Paulista, aos 40. E o que parecia impossível aconteceu aos 48. Foi Viola quem começou a jogada, antes do chute de Juninho Paulista sobrar para Romário. Coube ao Baixinho virar o jogo, concretizando a sua maior atuação com a camisa do Vasco, jamais igualada nos outros clubes em que passou.
Após a heroica vitória por 4 a 3, os telefones do estúdio da Rádio Globo AM-RJ não paravam de tocar. Eu ancorava a “Jornada Esportiva”, acionando Gérson, Luiz Mendes, repórteres e convidados. O botafoguense Agnaldo Timóteo gritou empolgado: “Que jogo é esse?! Histórico!”. Dona Marlene, esposa do lendário Antônio Soares Calçada, avisou que ele gostaria de entrar no ar. O presidente do Vasco chorou de emoção, a ponto de não conseguir falar. Quase no mesmo instante, alguém já avisava sobre um carnaval improvisado no bairro de São Cristóvão. Vários taxistas deixaram o ponto da Rua do Russel, na Glória, e se juntaram em uma carreata que não deixou a cidade dormir.
Lembrando de momentos como esse, chega-se à conclusão de que os torcedores vascaínos merecem uma nova grande conquista. E não tenham dúvidas: farão outra comemoração inesquecível, sem hora nem dia para acabar.
TONHÃO, A MARCA DO ZAGUEIRO RAIZ
por Reinaldo Sá
Ele chegou ainda no tempo árido da Academia Palmeirense, que estava ávida a triunfos. Coincidência ou não, as promessas contratadas não tinham bons rendimentos, e eram dispensados pela diretoria alviverde sem dó, nem piedade.
Todavia, algo de revolucionário mudaria os alicerces do Parque Antártica! Através da famosa parceria da Parmalat, aliada à gestão de José Carlos Brunoro, gestor de futebol com experiência internacional do vôlei, uma nova era surge.
Foi diante desse cenário que Tonhão, parceiro de Cleber e futuramente do bicampeão mundial interclubes Antônio Carlos, impôs respeito à linha de defesa palmeirense, visto que até os habilidosos atacantes pensavam duas vezes em tirar onda com o xerife.
Com sua marca de um líder na grande área, o zagueirão foi peça fundamental na quebra do jejum de dezessete anos sem título. Não tinha a cadência de Luis Pereira, nem a técnica de Polozi, mas a raça de um guerreiro, um líder nato. E é assim que sempre lembraremos de Tonhão.
Dono de um vigor físico impecável, Tonhão nos deixou hoje, mas estará vivo na memória do torcedor palmeirense!
Descanse em paz, eterno Tonhão!
O CAMPO
por Claudio Lovato Filho
Diante si, tão pouca coisa: o campo do bairro e o gol com a rede esfarrapada.
Diante de si, tão pouca coisa, mas ainda assim o suficiente para impulsionar seus sonhos mais preciosos.
O menino superou o alambrado que isola o campo de todo o resto e agora caminha pelo gramado, fazendo embaixadas imaginárias com a bola que sua fantasia inventou.
Fantasia? Que nada! A mais pura realidade produzida pelo seu coração de menino.
Tudo isso que ele agora vislumbra com absoluto fascínio é fruto da mais poderosa vontade, e um dia vai ser a mais concreta realidade (ele sente isso, pressente, mas sem definir com nenhuma dessas palavras; não ainda).
Então ele agora está de frente para o gol, no lugar em que poderia ficar a marca do pênalti se alguma marcação houvesse naquele campo e, com uma paradinha perfeita, manda toda a sua emoção e todos os seus desejos e todas as suas certezas e todos os seus receios de insucesso para o fundo da rede.
Agora ele corre para o abraço dos companheiros e, por fim, escala o alambrado para chegar bem perto da torcida, a torcida enlouquecida que não para de vibrar pelo que ele fez, que não para de gritar o nome dele, não para, não para, nunca vai parar.
E diante de si, lá no começo, havia tão pouca coisa.
Tão pouco e, ao mesmo tempo, tanto.
LEMBRANÇAS QUE O VENTO TRAZ
por Marco Antonio Rocha
As bandeiras cortam o ar e, a cada movimento, revelam-se de uma forma diferente. Como a capa de um super-herói, ganham vida no vento em um balé que poderia não ter fim. E pouco importa se são pequenas, médias, grandes, gigantes, bandeirões… todas escondem um mistério que hipnotiza até mesmo os olhos menos atentos.
As bandeiras coloriram toda minha infância, adolescência e juventude, como lembranças de épocas mais leves como seus tecidos. Estavam na varanda de casa durante as Copas de 82, 86, 90 e 94, devidamente acompanhadas de fitilhos verdes e amarelos, cuidadosamente cortados e amarrados a fios, como rabiolas de pipas que tentavam conquistar a companhia do azul do céu.
Estavam na janela do Chevette do meu pai, cortando a Avenida Brasil, a caminho do São Januário. Aqueles poucos quilômetros esculpiam uma inesquecível mistura de sons… O pano amarrado no bambu, tremulando ao vento, com a Cruz de Malta impecavelmente esticada; o rádio informando o panorama do estádio na chegada dos times; o barulho das buzinas a cada vascaíno que cruzava com a gente…
Os anos se passaram, perdi meu companheiro de estádio e ganhei outro. A vida perdeu grande parte da leveza de seus tecidos, mas conservou uma boa dose de plasticidade e romantismo. Foi só meu filho crescer um pouco que, igualmente apaixonado por bandeiras, um dia me fez um pedido no estádio: “Pai, será que eles me deixam tentar?”. Deixaram! E lá estava o moleque sacolejando um enorme pano branco, com o desenho de uma Cruz de Malta maior que ele. A descoberta virou hábito e a cada partida passamos a conjugar o verbo bandeirar.
Mas neste sábado, antes de irmos para Vasco x Atlético-MG, pela primeira vez ele manifestou o desejo de levar uma bandeira de casa. Improvisamos um cabo de vassoura que encontramos na garagem e seguimos para São Januário. Uma moto passou e buzinou, alguém no ônibus gritou Vasco! No rádio, os repórteres falavam da movimentação da torcida e o barulho do pano invadia o carro. Entramos em São Januário e, como nunca havíamos feito, nos abraçamos longamente, emocionados. Um rapaz que via a cena de longe se aproximou, elogiou o carinho mútuo e aconselhou o moleque a sempre me ouvir, porque sou seu herói. Sim, pais são heróis que usam capas feitas de bandeiras, que ganham vida no vento em um balé que poderia não ter fim.