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HISTÓRIAS DE PC CAJU

por Péris Ribeiro

Nos tempos de Flamengo, Paulo Cézar chegou a ser apontado pelo próprio Pelé como o seu sucessor na Seleção Brasileira

Para todos os efeitos, foi um diálogo, no mínimo, inusitado.

– Você é de que rádio?

– Mauá

– Não tem entrevista.

– Por quê?

– Ora, porque ela não dá Ibope!

Em pleno ar, foi assim que, certo dia, o intempestivo Paulo Cézar Caju resolveu despachar um jovem repórter da simpática rádio Mauá do Rio. Aquela mesma do folclórico narrador de 10 Copas do Mundo, Orlando Baptista – que gostava de se autointitular, com o garbo de sempre, “ o mais laureado “.

Arrogância pura? Máscara sem tamanho? Ou um temperamento em que os anjos e demônios do seu espírito viviam a travar, sem trégua, uma briga de foice em pleno escuro?

De certo mesmo, o que havia era que, desde um controvertido episódio das bermudas coloridas, em que PC saiu correndo pela sede do Botafogo, com o presidente alvinegro Althemar Dutra de Castilho no seu encalço, tudo em sua vida parecia projetar sempre ares os mais diferentes. Às vezes, era como se fosse dia de chuva fina, com o sol radiante se abrindo logo depois. Outro tanto, era noite de céu estrelado, transfigurando-se, inesperadamente, em tempo de tenebrosa tempestade.

É que, além do episódio com o jovem repórter da rádio Mauá, não dava para esconder alguns novos atritos com turbulentos grupos que faziam parte da própria imprensa. Também havia comentários, sobre determinadas rixas com companheiros dos times em que atuara. E, a bem da verdade, nunca deixara de existir uma espécie de luta de luvas brancas, de Paulo Cézar com os quase sempre inescrupulosos dirigentes do pesado ambiente do futebol. Sem contar, é claro, o folclórico episódio com o presidente Dutra de Castilho – que odiava, de fato, as incontáveis bermudas psicodélicas do indigitado Caju.

A bem da verdade, porém, justiça se lhe faça: com a bola nos pés – particularmente o direito –, era daquele tipo raro do craque total. Absoluto. Sem igual para a sua época – e olha que era uma época repleta de craques!

Dotado de uma habilidade fantástica, tinha um estilo elegante mas, ao mesmo tempo, esfuziante. E um fôlego que o fazia tanto ir à linha de fundo, pela ponta-esquerda, como o trazia de volta para compor o meio-de-campo com Gérson, Carlos Roberto ou Afonsinho – ou ainda Nei Conceição – num Botafogo de sonhos, bicampeão carioca e da Taça Guanabara nos anos de 1967/68.

Com apenas 19 anos, a realidade é que já cultivava um senhor cartaz internacional. E que iria se multiplicar ainda mais, depois das soberbas atuações contra a Inglaterra – Brasil 1 a 0, gol de Jairzinho – e a Romênia – Brasil 3 a 2 -, pela Copa do México, em 1970. O que o fez reivindicar o direito, já do alto da condição de campeão do mundo, de deixar de vez a ponta-esquerda – que sempre odiou – para ir mostrar as suas inúmeras habilidades no meio-de-campo.

Quem resolveu atender-lhe o desejo foi o Flamengo. E Paulo César, então, procurou retribuir da melhor maneira que conhecia. Jogando ao lado do gringo Doval, fez do rubro-negro da Gávea supercampeão carioca – justo no ano do Sesquicentenário da Independência do Brasil (1972). E, ainda como uma espécie de amostra maior de sua gratidão, eis que o genial PC ainda levaria aquele mesmo Flamengo – que vivia a superlotar os estádios – a um inédito título de bicampeão da Taça Guanabara (1972/73).

Porém, já corroído pelo espírito cigano, achou que era hora de rodar clubes mundo afora. Mas um novo brilho só veio a acontecer de verdade no Fluminense, ao lado de Rivelino – bicampeão carioca – e no Grêmio Portalegrense – campeão mundial interclubes, tendo como parceiros Mário Sérgio e Renato Gaúcho. Se bem que também valha a pena, levar em conta um bicampeonato gaúcho, conquistado com o Grêmio (1979/80) e o título de campeão da Copa da França ( 1974/75 ), com o Olympique de Marselha.

Amante das boates de luxo e da companhia de louras tão esfuziantes quanto o seu futebol, o certo é que Paulo Cézar acabou gastando mais do que ganhou – se bem que não tenha ganhado pouco.

Mesmo assim, continuou a cultivar alguns velhos hábitos, como o de beber o seu chope no Leblon e frequentar a praia de Ipanema. Ainda mais que, as academias de ginástica que possuía com o irmão adotivo, Fred e o dinheiro bem aplicado em alguns negócios, eram o suficiente, àquela altura, para lhe conferir uma aposentadoria até certo ponto tranquila. E ainda havia um prazer todo especial, que era o de frequentar o elitizado futebol – society no campinho de Chico Buarque de Hollanda, duas vezes por semana – onde ele era, por sinal, uma das grandes atrações.

No entanto, como que levado por um indomável vendaval, eis que Paulo Cézar se viu arrastado, de uma hora para outra, para bem longe do barco dos seus prazeres. Tudo por conta de um vício – jamais programado – com drogas pesadas e bebidas as mais variadas. Um pesadelo que parecia, naquele inferno em que se autodestruía, que jamais iria embora de sua vida. Até que, de maneira quase inacreditável – e cerca de dez anos depois -, todo o horror e toda a aura de maldição, desapareceram como que por encanto. Em um passe de magia.

Para alguns personagens especiais, que acompanharam de perto todo o seu drama, a reviravolta só aconteceu por questões meramente espirituais – algo assim, como se fosse uma espécie de milagre real. Já para outros, no entanto, houve o poder da fé, sim. Muita fé! Mas o jogo só virou, graças a um grupo de amigos incansáveis, que se dedicaram heroicamente à completa recuperação de Paulo Cézar. Gente como o produtor cinematográfico Luiz Carlos Barreto, sua filha Paula e o genro, o ex-jogador Cláudio Adão, o advogado Nélio Machado, o ex-presidente do Fluminense, Francisco Horta, o cantor Agnaldo Timóteo, e o ex-técnico Zagallo.

Também foram importantes, os campeões do mundo Carlos Alberto Torres, Gérson, Rivellino, Tostão, Brito, Marco Antônio, Edu, Piazza e Clodoaldo. E, fundamentalmente, um grupo de amigos que começaram com ele, nos juvenis, e depois, já entre os profissionais, foram campeões jogando tantas vezes juntos, no encantador Botafogo da segunda metade da década de 1960. Craques do quilate de Jairzinho, Roberto, Afonsinho, Carlos Roberto, Rogério, Ney Conceição, Zé Carlos e Moreira.

Renascido, com a autoestima lá em cima, e sentindo-se o mesmo Paulo Cézar confiante dos velhos bons tempos, eis que, logo depois, voltou a gerir de novo a própria vida. E mais: tomou as rédeas dos próprios negócios, que continuaram a lhe proporcionar um bom rendimento financeiro.

Perfeitamente integrado ao universo das redes sociais, pode ser apontado, hoje, como um dos cinco melhores analistas de futebol da praça. Porém, é seguramente o mais incisivo em suas críticas – o que pode ser conferido mensalmente na última página da revista “Placar“. Ou semanalmente no Blog do “ Museu da Pelada”.

Porém, o seu grande momento – e que marcou definitivamente a sua recuperação para a vida -, ocorreu em 2006. É que, naquela temporada, o cidadão Paulo Cézar Lima recebeu das mãos do presidente da França, François Hollande , a maior condecoração do país: a Comenda Nacional da Legião de Honra, criada em 1802, pelo Imperador Napoleão Bonaparte.

A ARTE E O PERIGO JOGAM LADO A LADO

por Zé Roberto Padilha

Sexta-feira não será apenas a arte do futebol brasileiro que estará em campo. Do outro lado, o meia-direita mais habilidoso do futebol mundial, Luka Modric, estará defendendo a Croácia.

Casemiro jogou ao lado muitos anos e ele sabe do tamanho da bola que joga esse croata.

Titular do Real Madrid há uma década, Bola de Ouro da Fifa em 2018, talvez seja um dos poucos jogadores nessa Copa que seria titular absoluto em nossa seleção.

Apenas Arrascaeta faz um papel parecido na sua posição, mas é uruguaio e já foi pra casa.

Modric tem um pouco de Ademir da Guia, alguns lampejos de Didi, a movimentação do Deco e ainda aparece na área como Clodoaldo.

Você só alcança o valor de um jogador quando ele atua contra o seu time. Como torcedor do Barcelona, tenho sofrido esses dez anos do Modric no Real Madrid. Dá gosto sofrer e apreciar seu jeito de jogar ao mesmo tempo.

Sua presença em campo, sexta-feira, não será nada contra a gente. Será a favor do que resta de arte no futebol mundial.

E ele, sem dúvida é um dos mais completos artistas da bola.

A HORA DE VINICIUS JR.

por Elso Venâncio

Aos 22 anos de idade apenas, Vinicius Jr. é o principal destaque da seleção. Aliás, chegou pronto na Copa, com status de craque, ao contrário de Richarlison, que foi reserva de luxo no Tottenham mas se firmou, marcando gols decisivos. Com os três que fez até agora no Qatar, é, por sinal, o artilheiro do Brasil na competição.

Vinicius Jr. faz gol – o último, então, difícil, por concluir a jogada tendo vários adversários à frente – sem ser fominha. Joga coletivamente, assim como Richarlison, e faz assistências decisivas.

Neymar segurou muito a bola, mas deu peso, trouxe mais respeito ao time. Com sua genialidade, renderia melhor se buscasse o jogo coletivo, ainda mais com o ataque leve e rápido da seleção. Poderia ter saído no segundo tempo, para ser poupado, mas quis ficar, ser testado e sair de campo tendo dentro de si a certeza de que está devidamente recuperado da lesão que o tirou de dois jogos na primeira fase. O Brasil, mesmo com o surgimento de alguns destaques, continua dependente de Neymar. Assim como a Argentina de Messi; e a França, de Mbappé.

A ‘Dança do Pompo’ que Tite fez na comemoração, ao lado dos atletas, foi marcante. Descontração pura, alegria que vem faltando ao futebol, ainda mais diante de tantas restrições no país da Copa. A coreografia do ‘pombo’, ensaiada na concentração, assim como a dança nos gols, demonstra como segue firme a união do grupo.

A Coreia do Sul saiu para o ataque, desrespeitou o Brasil. Não estava cansada, mas sim confiante, só que em um futebol que eles ainda não têm. Erro que fez o técnico português Paulo Bento perder o emprego no vestiário.

A Croácia, do meia Modric, conta com alguns remanescentes do vice-campeonato obtido na Rússia, em 2018. Não pode ser menosprezada, mesmo não tendo jogado bem ultimamente.

Nessa caminhada em busca do hexa, podemos cruzar com a Argentina na semifinal. Em quatro jogos em Copas, o Brasil a venceu duas vezes, empatou uma partida e perdeu um único jogo, naquele gol do Caniggia em jogada imortal de Maradona, na Copa de 1990.

Brasil e Argentina são os maiores exportadores de craques para o mundo.Portanto, fazem o maior clássico e têm a maior rivalidade do futebol mundial.

Brasil, Holanda, Argentina, França e Inglaterra vêm chegando… Surge agora Portugal, do novo artilheiro Gonçalo Ramos, jovem que colocou Cristiano Ronaldo no banco. Entramos na fase do jogo grande, das camisas pesadas e, portanto, dos craques que decidem.

São eles a razão maior do esporte mais popular do mundo.

LEMBRA DO RODRIGUES NETO? FOI O CASCA-GROSSA NA COPA DE 78

Foi ídolo no Flamengo, no Fluminense e no Inter. Hoje, faria anos o lateral-esquerdo que encantou os argentinos no Mundial de 1978

por André Felipe de Lima

Foto de J.B.Scalco, Copa de 78

Ele curtia os atores Gary Cooper, John Wayne (e porque ninguém é de ferro) a estonteante Sônia Braga. Diziam que gostava de churrasco com farofa e de um carteado com amigos, mas apenas para passar o tempo, sem grana na jogada. Esse perfil está na antiga coleção Futebol Cards, com a qual a garotada, hoje na casa dos cinquentinha, se divertia entre 1979 e 1980. Réu confesso, fui um daqueles “fominhas” pelos disputadíssimos cartões com chiclete. Mas o camarada do cartão a que me refiro chama-se José Rodrigues Neto, um mineiro que hoje completaria 73 anos.
Foi um lateral-esquerdo valente, excelente marcador. O estilo seduziu Claudio Coutinho, que, além de técnico da seleção brasileira, também treinava o Flamengo, onde o titular da posição era o incomparável Junior. Coutinho ignorou Junior e levou Rodrigues Neto para a Copa do Mundo de 1978, na Argentina.
Começou na reserva, mas com o ímpeto nos treinos convenceu Coutinho de que seria importante para a defesa, onde também se destacava Amaral. Aliás, como esquecer aquela rebatida na bola, em cima da linha do gol, no jogo contra os espanhóis? Amaral era sensacional. Mas o papo (e prossigamos) é com o Rodrigues Neto, que também foi um leão na grande campanha do Brasil naquela Copa do Mundo fajuta, arranjadinha pela ditadura argentina para que eles, os hermanos, fossem os campeões.

Ficamos com um honroso terceiro lugar, e Rodrigues Neto lavou a alma com os apupos que justamente recebera. Afinal, ele teria ido para a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, não fosse uma até hoje mal explicada história em que o jogador abandonou o escrete durante uma excursão à Europa, no ano anterior. Ao dar de ombros para a delegação, que se encontrava em Berlim, o lateral selara seu destino longe da seleção brasileira. Pelo mesmo enquanto Zagallo fosse o técnico. Pelo menos até o fiasco do Brasil na Copa de 74.
Inventaram de tudo como motivo para Rodrigues Neto ter abandonado a seleção em 73. Citaram, inclusive, a trágica morte da primeira esposa dele, ocorrida em 1970, durante um parto prematuro. Rodrigues não estaria bem psicologicamente e por isso andava fazendo bobagens; também maldosamente comentaram que estaria enrabichado com amantes e que até teria se recusado a fazer um tratamento psiquiátrico sob recomendação do Flamengo após a morte da esposa. Porém o próprio jogador desfez o emaranhado de especulações e disse que decidiu deixar a seleção porque estava machucado e de nada adiantaria brigar pela posição com Marinho “Bruxa” Chagas e Marco Antônio, o reserva do Everaldo na Copa de 70.

A vida seguiu. O lateral impressionou os argentinos na Copa seguinte e ficou por lá mesmo, em Buenos Aires. Poucos meses após a vexatória competição organizada pela Fifa, o Ferro Carril Oeste, que na época peitava os grandões Boca Juniors, River Plate, Independiente, San Lorenzo e Racing, contratou o brasileiro. Rodrigues Neto estava com 29 anos: “Aqui, na Argentina, o jogador é mais respeitado como ser humano. No Brasil, você é considerado acabado quando passa dos 27 anos. Mesmo assim, não entendo como lá, no Brasil, possam se surpreender com meu sucesso no Ferro Carril Oeste. Ora, em julho de 1978 eu era titular da seleção brasileira!”

Veja só o que César Luiz Menotti, técnico da seleção da Argentina campeã da Copa de 78, dizia do Rodrigues Neto: “Lástima que El Negro Neto no sea argentino”. Pois bem, ele era respeitadíssimo e sempre garantiu jamais ter sofrido alguma cena de racismo na temporada que passou em Buenos Aires. Já “coroa”, com 35 anos, defendeu o Boca Juniors, mas a passagem pela Bombonera durou muito pouco. Nem um ano inteiro.

Rodrigues Neto jogou pelo Flamengo. Chegou à Gávea após ser “descoberto” pelo olheiro e massagista Mineiro, em 1965. Com o Rubro-negro, foi campeão carioca de 72 e de 74. No troca-troca da dupla Fla-Flu, ele acabou indo para as Laranjeiras no ano seguinte. No Fluminense, foi o lateral canhoto titular da Máquina montada por Francisco Horta, e foi campeão carioca de 1976. Do Tricolor foi para o Botafogo, em fevereiro de 1977, ocupar a lacuna deixada pelo Marinho Chagas. Não ganhou nada lá. Era um tempo difícil demais para o Alvinegro, que mesmo assim montou um timaço, que incluía Paulo Cezar Lima e outros cobras sensacionais. Mas Rodrigues Neto queria ser novamente campeão, e foi com Inter, em Porto Alegre, ser feliz novamente, erguendo taças.

O futebol é generoso para quem o leva a sério e é, sobretudo, competente com a bola nos pés. Rodrigues Neto foi tudo isso e um pouco mais.

Do sucesso nos gramados a um susto tremendo muitos anos depois. Em 2015, Rodrigues Neto descobrira, pela imprensa, que havia… morrido. Vários jornais, sobretudo da Bahia, e sites esportivos conceituados publicaram a notícia, com obituário, lástimas e tudo o mais. Mas o Rodrigues que verdadeiramente morrera foi um ex-ponta-esquerda que defendeu o Flamengo, a Portuguesa de Desportos e o Cruzeiro.

Após dias internado no Hospital de Bonsucesso, na zona norte do Rio, Rodrigues Neto nos deixou, no dia 28 de abril de 2019, em decorrência de uma trombose que, por sua vez, foi intensificada pela diabete.

O CRAQUE, O SUPERCRAQUE E O GÊNIO

por Marcos Fabio Katudjian

Muitos foram os jogadores que passaram diante dos meus olhos nesses anos todos. Milhares deles, dos mais diferentes tipos: atacantes, defensores, altos, baixos, destros, canhotos, enfim, poderia dividi-los de acordo com uma série de critérios. A qualidade, porém, é sem dúvida o tipo de classificação que mais interessa ao torcedor.

A imensa maioria dos futebolistas é composta pelos jogadores comuns. Existe uma enorme diversidade nesse grupo, desde os “tranqueiras”, a base mais ampla da pirâmide até os candidatos a craques. Um jogador comum se define pelo seguinte: o torcedor – na sua visão do jogo a partir da arquibancada – enxerga uma determinada possibilidade para o lance, uma resolução ótima para a jogada. E esse desenvolvimento ideal do lance não é enxergado pelo jogador comum. Outra possibilidade é que o jogador comum enxergue, sim, esse desenvolvimento ideal, mas não consegue realizá-lo com competência.

Então, se o torcedor imagina um passe milimétrico no meio da defesa, o jogador comum erra o passe. Se o torcedor imagina uma bomba indefensável para o gol, o jogador comum oferece apenas um traque pela linha de fundo. Se o torcedor imagina um tremendo passe de primeira, o jogador comum acaba ficando tempo demais com a bola. Se o torcedor imagina um drible maravilhoso e desconcertante, o jogador comum dá de canela ou tropeça na bola.

Resumindo, o jogador comum é o que está sempre aquém da imaginação do torcedor.

Acima do jogador comum, minoria absoluta entre os futebolistas, existe o craque. O craque é aquele que não está aquém do que o torcedor vislumbra como a melhor solução lance a lance. O craque pensa e realiza a jogada da mesma forma que o torcedor imaginou. O pensamento do torcedor caminha par-a-par com as ações do craque. Em outras palavras, o craque entende o torcedor e lhe entrega uma qualidade de jogo muito próxima do idealizado por ele. E por essa razão o craque é amado pela torcida.

Acima do craque há o supercraque, um tipo ainda mais raro de jogador, que tem a capacidade de estar à frente do que o torcedor imagina. O supercraque antecipa a visão do torcedor e, por isso mesmo, é capaz de surpreendê-lo. O torcedor imagina um passe lateral, mas o supercraque coloca o centroavante na cara do gol. O torcedor imagina um bom passe, mas o supercraque desfere um petardo no ângulo do goleiro. O torcedor imagina um recuo de bola, mas o supercraque avança com um drible desconcertante. Enfim, o torcedor imagina algo e o supercraque entrega mais do que o torcedor imagina.

Desnecessário dizer o nível de idolatria que o supercraque desperta. São jogadores cujos nomes são eternizados, marcados a ferro e fogo na história do futebol.

E acima do supercraque há o gênio. Da mesma forma que o supercraque, o gênio antecipa o que torcedor imagina. Mas há algo a mais no gênio que não encontramos no supercraque. E aqui entramos no terreno do intangível. Os movimentos do gênio não parecem ser gerados por ele mesmo. Quer dizer, o jogo do gênio não é apenas a expressão de uma competência extrema que ele possui. O gênio parece beber em uma fonte de criatividade superior. Uma fonte que não lhes pertence, mas que são capazes de acessar.

Por isso, ao assistir um gênio jogando temos uma sensação de que seus movimentos não são surpreendentes apenas para a plateia, mas também para eles próprios.

Os gênios do futebol são responsáveis por elevar o status do futebol, de esporte para arte. E assisti-los em seus grandes momentos pode ser descrito como uma experiência mágica, reveladora e de verdadeira epifania.

*
E há ainda outro patamar, acima do craque, do supercraque e do gênio. O patamar mais elevado de todos, nem sequer citado no título por ser mais do que raro, absolutamente único. Um patamar que foi ocupado apenas uma vez na história do esporte. Incomparável, inatingível, verdadeiramente hors concours. Esse patamar se chama PELÉ, sobre o qual nada pode ser dito, pelo simples fato de não haver palavras.