MANGA
por Marcos Vinicius Cabral

“O que leva um menino a ser goleiro?”, foi o questionamento que fiz quando passei pelo portão principal do Retiro dos Artistas, na Pechincha, Zona Oeste do Rio, naquela manhã de domingo. O dia guardo comigo até hoje: 23 de fevereiro de 2021, data da primeira entrevista presencial para a série Vozes da Bola, criada em parceria com Fabio Lacerda. O amigo Beethoven nos acompanhou.
Apesar da restrição em razão da Covid-19, o encontro, marcado pelo afastamento das pessoas que participaram da entrevista com o rosto coberto por máscara e álcool em gel sendo passado nas mãos a todos instante, foi inesquecível.
Ao avistar Manga – que ganhou o apelido por sempre pedir as mangas maduras que caíam de uma mangueira próxima ao centro de treinamento do Sport – comecei a entender o que faz um menino trocar o encanto do drible, a euforia do gol, e a chance de ser herói de uma partida de futebol.
Entendi também o quão difícil é a tarefa de guardar a meta para evitar o gol de quem atua no limite da área, espaço que não nasce grama de tão amaldiçoado que é.
Ser goleiro, para mim, passou a ter um novo significado após essa entrevista que fizemos com o Manga. Ainda mais sabendo que ele não usava luvas para proteger os dedos, maltratados pelos chutes violentíssimos de Rivellino e Nelinho, por exemplo.
Nascido no dia 26 de abril de 1937 e registrado Hailton Corrêa de Arruda, o maior goleiro da história do Botafogo começou a jogar bola nos campos de pelada do Recife.
Herói alvinegro, de 59 a 68, Manga foi o maior campeão da história do clube: 442 jogos e 20 títulos. Para muitos botafoguenses, as maiores conquistas foram as vitórias em cima do Flamengo que, como o próprio Manga dizia, “garantiram as feiras do fim de semana”.
Alto e imponente, Manga, com sua camisa preta, jogando sem luvas e exibindo os dedos tortos, resultado das defesas acrobáticos que resultaram em múltiplas fraturas, chegou à seleção brasileira.
Diferente de Castilho, que tendo contundido o dedo mínimo esquerdo pela quinta vez, decidiu amputá-lo para retornar o mais rápido aos jogos pelo Fluminense, em 1957, Manga foi na contramão.
Conviveu até a morte com eles tortos.
A entrevista já havia terminado e nas fotos que tiramos com Manga, na minha vez, ele sussurrou:
“Era preciso ser um pouco maluco para jogar no gol”, confessou. Ri. Achei curioso a frase dita pelo ex-goleiro que, por causa do camisa 1 alvinegro, passou a existir o Dia do Goleiro, tamanha representatividade dele para a posição.
Enquanto Manga considera sua defesa mais difícil da carreira um chute do lateral-direito Nelinho, do Cruzeiro, na final do Brasileirão de 1975, como bem disse em off, fora de campo enfrentou terríveis adversários. Um foi a fama que não lhe garantiu uma vida financeira boa. A outra se estendeu aos problemas de saúde.
Trazidos do Uruguai ao Rio de Janeiro pela ESPN em 2020, Manga e a esposa Maria Cecília Cisneros passaram a viver no Retiro dos Artistas, presidida por Stepan Nercessian. Foi ele, inclusive, o primeiro ex-jogador a morar na instituição sem fins lucrativos.
Na manhã dessa quarta-feira (9), dezenas de torcedores e amigos compareceram ao velório de Manga, realizado na sede social do Botafogo, em General Severiano.
O ex-jogador morreu na manhã da terça-feira, aos 87 anos, em um hospital na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Manga lutava contra um câncer de próstata. O corpo do ex-camisa 1 foi enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, às 11h.
Torcedores do Sport, Botafogo, Nacional (URU), Internacional, Operário-MS, Coritiba, Grêmio e Barcelona de Guayaquil vão guardar os títulos, as defesas difíceis e as atuações heróicas de um dos maiores goleiros do futebol mundial.
Prefiro não esquecer das fotos que tirei ao lado da lenda e da conversa que tive com ele depois que Sergio Pugliese informou ao cinegrafista que “rendeu”.
Longe de todos e das câmeras, Manga demostrou ser um homem simples, educado e afetuoso”.
PIADAS ADIADAS
por Wesley Machado

O Botafogo empatava em 0 a 0 com o Carabobo da Venezuela pela Libertadores nesta terça-feira no Nilton Santos e as piadas já estavam prontas. Não “há coisas que só acontecem com o Botafogo”? O jornal engraçadinho de boas manchetes preparava a zoação. Mais eis que de repente: “Parem as máquinas”!
Dois jogadores criticados, Patrick de Paula e Matheus Martins, marcaram no finzinho derradeiro do jogo os gols da vitória de 2 a 0 do Glorioso e calaram os críticos. Frustraram também os do contra, que já se atiçavam para mandar memes nos grupos do Zap. O atual campeão das Américas tem sido alvo fácil neste 2025 ainda muito abaixo.
O mesmo poderia acontecer com o Vasco, que enfrentou o Puerto Cabello, também da Venezuela, pela Sul-Americana. Ah, como sofrem os vascaínos na boca dos adversários, que não respeitam a história e as glórias do Cruzmaltino. Tanta decepção nos últimos anos e até um lance clássico de perda de gol do Vasco foi parar em um comercial.
Mas o Gigante tem o “Pirata da Colina”! Ele, o veterano com físico de garoto, argentino Pablo Vegetti, que com seus olhos claros ilumina o verdadeiro time do povo carioca. Segundo o narrador de ontem, Vegetti é “o melhor cabeceador da América do Sul”! O gol da vitória de 1 a 0 saiu no final do primeiro tempo.
Para o torcedor cruzmaltino, Vegetti é “o melhor cabeceador do mundo”, comenta o narrador. Vegetti é isso tudo e mais um pouco. No tento que garantiu os três pontos ontem, o argentino cabeceou uma bola improvável, de longe, que foi no cantinho do goleiro. Parecido com a falta batida por Patrick de Paula do Botafogo que contou com o desvio artilheiro.
Assim, Botafogo e Vasco vão seguindo seus caminhos. Meus primeiro e segundo times na capital do Rio de Janeiro, por mais que possa parecer pejorativo chamar o Cruzmaltino de segundo time. Mas assim o considero. Tanto que o Sérgio Pugliese achava que eu era Vasco.
AGARRA, MANGA!
por Luiz Cláudio Latgé

Por que um menino resolve ser goleiro? O que faz com que troque o encanto do drible, a euforia do gol pela difícil tarefa de guardar a meta, de jogar no limite conflagrado da área, o lugar onde segundo os cronistas não cresce grama? Fiz algumas vezes esta pergunta, enquanto vestia a camisa preta nos campos de pelada. A resposta ainda não é fácil, mas passa pelo goleiro Manga.
A história de Manga começa nos campos de pelada do Recife. É um dos heróis do Botafogo, de 59 a 68, o maior campeão da história do clube, 442 jogos e 20 títulos, num tempo em que, dizia, enfrentar o Flamengo era bicho certo. Imponente, com sua camisa preta, jogando sem luvas e exibindo os dedos tortos, de muitas fraturas, chegou à Seleção brasileira.
O goleiro nesta é época não era uma estrela, não era disputado no mercado do futebol, isso só iria acontecer mais tarde, a partir de Júlio Cesar. Mas, daquele tempo, o Brasil se lembrará de Castilho, Gilmar, Dida, Leão… E Barbosa, eternamente marcado pela derrota na copa de 50. Este é o problema: jogar numa posição que você será lembrado pelo que não fez, pela bola que não defendeu.
Era preciso ser um pouco maluco para jogar no gol, dizia-se. A posição impunha coragem para levar bolada, se atirar aos pé do centroavante, comer areia, porque nem sempre havia grama por ali, já falamos disso. Muita força física, e explosão muscular para reagir no reflexo a um chute à queima roupa. Ao mesmo tempo, cobrava técnica, para encontrar o melhor posicionamento a cada lance. Manga tinha todas estas qualidades.
Na pelada, a gente costumava jogar e narrar os lances como um locutor. ‘Atira no canto, é gol.’ Mas a frase que ficou na minha lembrança era outra: ‘a bola vai entrando e … espalma, Manga.’
Manga era o salvador da pátria, o último homem. Capaz de voar. Se esticava para tocar a bola com a ponta dos dedos, evitando o gol. E a ponte do goleiro talvez seja uma das jogadas mais plásticas do futebol.
Manga teve uma carreira longa. Jogou no Nacional do Uruguai e foi campeão da Libertadores. Jogou no time memorável do Internacional, bicampeão brasileiro, em 75 e 76, já perto dos 40 anos. Se aposentou em 82, aos 45 anos, jogando pelo Barcelona de Guayaquil, no Equador, campeão até o final.
Uma carreira tão completa que o dia em que nasceu, o 26 de abril, é lembrado no esporte como o dia do goleiro, em sua homenagem.
A fama, no entanto, não lhe garantiu boa vida. Teve problemas de saúde e dificuldades financeiras e foi resgatado pelo jornalista Sérgio Pugliese, do Museu da Pelada, há alguns anos e passou a viver no Retiro dos Artistas.
Pode parecer que o goleiro está ali para fechar o gol. Mas Manga fez mais do que isto. Em cada defesa, tocou muito mais que a bola para escanteio. Obrigado, Manga.
FORAM TANTAS AS EMOÇÕES
por Zé Roberto Padilha

Fiz as contas. A última vez que a vesti, tinha 19 anos. E lá se foram 54 anos e ela se encontra bem mais conservada que seu dono. Também, guardada a sete chaves, três ou quatro saídas para nossas palestras, duas temporadas nos cofres da Caixa Econômica Federal…
O ano em que conquistei sua posse e guarda, 1971, tinha 19 anos. E era ponta-esquerda do time Sub-20 do Fluminense, campeão carioca de 1970.
Após o sucesso alcançado mundialmente pela conquista do tricampeonato, a CBD recebeu um convite da FIFA para, pela primeira vez, participar de uma competição nas divisões de base.
O treinador convidado, Antôninho, pegou a nossa base. Nielsen Elias, Rubens Galaxe, Abel Braga, Marinho, Marco Aurélio e eu, acrescentou um zagueiro, Mário, do São Paulo, um meia-esquerda, Ângelo, do Atlético-MG, e fechou com Jorginho Carvoeiro, Vasco, Nilson Dias, Botafogo, e Clayton, Santos.
No segundo tempo, Enéias, da Portuguesa, entrava para dirimir qualquer dúvida.
Vai perder de quem? E ganhamos invictos o primeiro Torneio de Cannes, ao vencer, na final, a França, com Lacombe e Girése, por 2×0.
E a guarda dessa camisa foi redobrada quando uma Pesquisa da Revista Times, publicada em O Globo, a elegeu como a camisa mais bonita de todos os tempos. Foram usadas por Pelé e Cia. um ano antes e a CBD, então pobre toda vida, guardou um lote pra gente.
As razões alegadas: a primeira Copa do Mundo em cores e o verde amarelo das camisas, o azul dos shorts e o branco das meias se colou ao imaginário dos amantes do futebol em todo o mundo.
Confeccionadas pela Athleta, escudo costurado às mãos, daqui a pouco vai voltar para o esconderijo. Mas, apesar de entrar com dificuldades, pois naquela época não bebia um chope da Brahma, um vinho na faixa dos 55 reais, foi muito bom vesti-la.
Afinal, não é todo dia que você reencontra o manto sagrado que lhe tornou um campeão mundial.
ABC E O RISCO DA QUEDA
por Rubens Lemos

Os torcedores do ABC, mesmo os dissimulados, não conseguem esquecer o medo do rebaixamento da Série C para a Série D. O ABC tem um dos piores times de sua existência e o retrospecto de 2025 provoca arrepios numa mesa de mármore.
Desde as eleições, o ABC vive um cenário triste de derrotas, todas elas com o carimbo da gestão comandada por Eduardo (Dudu) Machado.
O ABC perdeu a Copa do Nordeste para o Maracanã Maracanaú, do segundo escalão do futebol cearense, a Copa do Brasil para o Olaria, que nem entre os pequenos do Rio de Janeiro pode ser incluído, é uma farandola. Depois, o campeonato estadual para o América aos 45 minutos do segundo tempo.
A atual chapa de comandantes do ABC demonizou a gestão do ex-presidente Bira Marques, fechou acordo com as torcidas organizadas e parece estar colhendo os frutos bem antes do que o previsto. Baixo astral total.
Os jogadores contratados têm muita bossa e pouca bola. O tal Anderson Rosa, trazido para solucionar todos os problemas criativos do time não passou até agora de um rebolado contumaz, dando toquinhos infrutíferos tentando um efeito que dele está bem distante.
Já vi crises terríveis no ABC. Em 1982, formaram um misto de ex-juvenis com o Negão Alberi aos 37 anos e o resultado foi o fiasco total, incluída no péssimo boletim uma derrota de 3×0 para o Clube Atlético Potiguar, tradicional saco de pancadas do Além Potengi. Naqueles dias, os titulares treinavam com surradas camisetas Hering e os reservas se preparavam com o peito nu.
O ABC também viveu tenebrosos dias em 1986 e 87, mesclando formações com veteraníssimos em fim de carreira como o ex-campeão mundial Jair, que jogou pelo internacional(RS) e o Peñarol(Uruguai) com jovens aspirantes a craque, como o meia Adalberto. Em 1986, o ABC não ficou sequer em segundo lugar e perdeu um seletivo para o América para participar da Série C do Brasileiro.
Em 1987 foi pior. O time trouxe Denô, ex-Sport que estreou numa derrota de 3×0 para o América e sem a menor condição física. Era comum ver abecedistas chorando na arquibancada do Castelão(Machadão). O América foi o campeão e o Baraúnas, o vice.
Em 1988, o ABC chegou à decisão com um time medíocre, cujo camisa 10 era o tosco Dica, ex-Riachuelo. Contraram dois times e, ao final, a prata da casa acabou titular e vice-campeão diante de 28 mil pessoas no Machadão avermelhado de festa.
O ABC erra desde o ano passado, é claro, mas a diretoria anterior sempre teve um foco: organizar as finanças, pagando dívidas consideradas gigantescas e evitando a perda judicial do Estádio Frasqueirão.
A campanha foi radical e Dudu Machado vendeu a ideia de modernidade visitando as instalações do Fortaleza e aproveitando um diretor de futebol ex-Corinthians. Um cartola que não acertou sequer uma das contratações. Mesmo assim, dispõe de todos os poderes para mandar e desmandar.
O rebaixamento é aquele fantasma que interrompe o sono e pode acontecer porque o clube perdeu a premiação da Copa do Nordeste e da Copa do Brasil, dinheiro que fatalmente resultaria em reforços de qualidade.
O melhor jogador do ABC atualmente é o meia Randerson, que veio sem maiores propagandas. Sem falar em Wallyson cuja simples presença física ainda preocupa os adversários. Wallyson fez muita falta na finalíssima do Estadual contra o América.
Correto seria desmontar em tempo recorde esse time sofrível, mandando embora pelo menos a metade dos atuais jogadores e trazendo quatro ou cinco nomes de reconhecida competência para tentar permanecer sempre entre os quatro primeiros da terceirona.
Dudu Machado parece acuado e sem grana para gastar em contratações. O torcedor, por sua vez, deve apostar nos tranquilizantes porque descer à Série D – onde já se encontra o América -, seria uma saída fúnebre para o time mais querido do Rio Grande do Norte.