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NÃO DEVE SER FÁCIL JOGAR PARA NINGUÉM

por Zé Roberto Padilha

Não faltou vontade política, de divulgação e investimentos, para dar um impulso ao nosso futebol feminino. Até a FIFA e a CBF concentraram esforços para dar uma revitalizada na modalidade.

Em vão.

Assisti à Supercopa Feminina, entre Real Brasília e Flamengo, e escutando cada grito vindo das arquibancadas, juro que ouvi um “Vai, minha filha!”. Algo que só na nossa escolinha de futebol seria possível.

De tão vazio o o estádio do Gama, em Brasilia, (capacidade de 60 mil espectadores) que havia mais gente trabalhando na partida do que torcedores.

Fico pensando não apenas nos patrocinadores, sem retorno, no Sportv, sem audiência, mas nas atletas em campo. Jogar sem torcida é como treinar para uma partida oficial que nunca vai acontecer.

E como um ator subir ao palco e encontrar 90% das cadeiras do teatro vazio. Como buscar inspiração diante da frieza daqueles que deveriam emocionar?

Um dia após o Dia Internacional das Mulheres, o país do futebol continua a conceder o descaso, a indiferença, a essas heroínas que poucos sabem onde jogam, como surgem, e como encontram forças diante do silêncio que insiste em ser pano de fundo em suas caminhadas.

FUTSAL E O AMÉRICA

por Rubens Lemos

O Palácio dos Esportes estava superlotado e o empate no clássico levaria a decisão do Campeonato Metropolitano a uma partida extra. Restando cinco segundos para o fim do jogo, o ABC vencia por 2×1 e a torcida alvinegra festejava na lata de sardinha em que se transformara o ginásio.

Os abecedistas entoavam cânticos vitoriosos até que Gileno faz a quinta falta no monstro Sílvio, verbete de craque da bola pesada. A falta foi na defesa do América e seria cobrada em tiro direto. Foi quando a petulância virou farofa de ovo.

O goleiro Fábio demonstrou confiança, se colocando em duelo mortal com Sílvio. O capitão e camisa 6 do alvirrubro corre e bate um morteiro que explode nas redes do ABC, lá do outro lado do ginásio. América 2×2, América tetracampeão em 1989.

Em certo tempo de minha vida, quando as quadras eram povoadas por gente habilidosa e malandra, cheguei a gostar de futsal na mesma proporção com que amava o futebol de campo. O salão é um teste coronariano quando os jogos eram da época do gol de Sílvio.

Tínhamos, além de Sílvio, sua cara-metade no ABC, o clássico camisa 10 Dennis Lisboa, que, muito mais cedo, me apresentou as maravilhas que anos depois seriam exclusividade de Falcão.

Havia Agamenon, a Esperança Morena, Juca, o operário requintado, o falecido Josinaldo e sua técnica e pivôs letais: Gileno, do ABC e Marquinhos, do América, Uirandé, hábeis na girada sobre os beques ou simplesmente fulminantes nos chutes de média e longa distâncias.

O futsal, antes futebol de salão, foi responsável por boa parte das minhas alegrias juvenis, assistindo a cada jogo no Palácio dos Esportes.

A seleção brasileira esteve lá em 1978 e tomou 5×2 da equipe Emserv, do ex-presidente do ABC, Rui Barbosa. Em 1984, em amistoso, a poderosa formação do escrete bateu em nosso time por 4×1. Sílvio e Dennis não jogaram juntos.

O futebol de salão mais antigo todo ano tinha uma Taça Brasil e a primeira que assisti foi a que o Sumov do Ceará, uma máquina, amassou o Monte Sinai do Rio de Janeiro por 7×5, enquanto nosso representante, o ABC, ficou na primeira fase.

Sou amigo da turma de futebol de salão e de futsal. Nada como se servir da cerveja mais gelada ouvindo as resenhas do passado que jamais será repetido. Na mesa de bar, o voleio vira bicicleta, o chute de canhota se transforma numa curva indefensável para o goleiro.

O futebol de salão em Natal foi a Assen de Plínio, Geraldo Melo, Chiquinho e Ivo. Também foi o ABC de Nilson, Beto Coronado, Leonel, Clóvis e Cabral Macedo. O América vinha de Sérgio Boinho; Lola, Sílvio, Agamenon e Marquinhos. O ABC com Pedro; Juca, Josinaldo, Gileno e Dennis. E havia Paulinho de Tarso, Franklin, Mário, Kido, Cláudio Bezerra, Djavan, Gama e Aladim, dentre tantos.

Depois da experiência do ABC/ART & C, com a geração 1990 e 2000 – foram 19 títulos em cinco anos, o futsal deu uma mergulhada e entrou em depressão até o América decidir voltar no ano passado. Um novo América, sem qualquer vestígio do seu ícone Arturzinho e dotado de jogadores desconhecidos.

Passada a empolgação inicial, que durou até o campeonato estadual conquistado pelo clube, todos esperavam disputar o Campeonato Brasileiro para se mostrar ao país, pois os jogos costumam ser transmitidos pelo canal Sportv da Globosat, vem a ducha fria, ducha de iceberg: O América desistiu do campeonato brasileiro por conta do imbróglio de sua dívida com a Prefeitura de Natal por conta do IPTU.

A saída do América faz mal e sepulta o esporte que é praticado de Norte a Sul, de Leste a Oeste onde houver uma quadrinha de cimento batido. A decisão do América chocou até porque o voleibol e o basquetebol continuam. O lugar do América é no futsal e é real.

G DE GENUÍNO, DE GÊNIO, DE GEOVANI

por Marcos Vinicius Cabral

Quando Gérson, o Canhotinha de Ouro, tricampeão mundial em 1970 pela seleção brasileira declarou certa vez que “A medalhinha que o negão (Pelé) carregava no pescoço nos gramados mexicanos, ficava marcada em seu peito. E o responsável por aquela marca fui eu”, ninguém contestou.

Até que em 1980, um jogador pequeno em estatura, exímio cobrador de faltas e pênaltis, habilidoso e dono de uma visão privilegiada dentro das quatro linhas, surgiu.

Não no Rio de Janeiro, de Zico e Roberto de Dinamite. Não em São Paulo, de Pelé e Rivellino. Nem no Rio Grande do Sul, de Falcão e Renato Gaúcho e nas Minas Gerais, de Toninho Cerezo e Éder Aleixo. Muito menos em Niterói, onde Gérson deu os primeiros chutes em uma bola de futebol no valente Canto do Rio.

Mas foi em outro canto, mais precisamente no Espírito Santo, que Geovani Faria da Silva, aos 16 anos, tornaria-se ídolo do Tiva.

Troncudinho, o cabelo grande, as espinhas no rosto e o corpo preparado denunciavam que era ainda pequeno. Muito pequeno. Mas já ali, nos treinamentos, percebia-se um futebol grande. Ou melhor, GIGANTE!

Destaque da Desportiva Ferroviária, o talentoso meia conquistou os estaduais das categorias juvenil, júnior e profissional capixaba. As atuações, umas melhores do que as outras, enchiam os olhos dos torcedores e dirigentes do clube.

Surgia ali, ao alcance de todos, um lançador tão bom quanto Gérson, um exímio cobrador de falta e pênalti como Zico e Roberto e, genioso, como dois gênios não menos famosos e baixinhos como ele: Maradona e Romário.

A essa altura, com todo respeito a Desportiva Ferroviária, o modesto clube já era pequeno demais para o talento do menino. As chuteiras, surradas e desgastadas, transbordavam qualidades pelos campos ruins do Espírito Santo e ultrapassaram as arquibancadas do Estádio Engenheiro Alencar Araripe.

Geovani queria brincar, brincar de jogar bola como fazia Eli, que atuou e fez história no Rio Branco-AC e era o ídolo dele. Tanto que Beto Pret, treinador da Desportiva Ferroviária, dizia para ele na preleção antes das partidas: “Menino, não leve o futebol a sério. Divirta-se!”.

E foi o que ele fez de 1980 a 1982, quando a diversão começou a ganhar contornos de seriedade. Foi nessa época que o Vasco apostou no jovem de 18 anos e o trouxe para o Rio de Janeiro. A relação com o clube de coração começava a ficar intensa, tão intensa, mas tão intensa que o coração quase ‘saiu pela boca’ quando adentrou pelos portões imponentes e histórico de São Januário pela primeira vez.

E foi esse mesmo Vasco, repleto de grandes jogadores, que exigiu determinação e foco do jovem capixaba. A rivalidade com o Flamengo, que contava com jogadores excepcionais como Leandro, Junior e Zico, começava a aflorar a ponto de ter feito excelentes jogos com a Cruz de Malta no peito.

Que o digam o bicampeonato Carioca em cima do Flamengo e o vice-campeonato nas Olimpíadas de 88, em que mesmo perdendo a final para a URSS foi um dos destaques da seleção brasileira. Ou você que é fã de futebol vai esquecer aquele golaço contra a Argentina, que mostrou a visão de jogo e a genialidade do camisa 8.

Mas Geovani não viveu apenas o paraíso na carreira. A passagem pelo Bologna, da Itália, a não convocação para disputar uma Copa do Mundo – principalmente a de 90 – e times de menor expressão que jogou, mesmo assim, não ofuscaram o brilho de um craque que fez história.

Geovani bailava em campo, enquanto os demais jogadores corriam. Era bom ver aquele baixinho ocupando o círculo central com tamanha desenvoltura.

“Meu cansaço era mais psicológico do que físico”, confidenciou Zico certa vez.

Geovani era o jogador que costumava ficar com enxaqueca infernais após os jogos. Pensava o jogo. Era pensador. Era diferente.

O Sul-Americano pela seleção brasileira em 1983, em que foi eleito o melhor jogador da competição, era apenas o começo de uma carreira que tinha tudo para ir mais longe.

Recentemente Geovani enfrentou problemas de saúde. Um dos remédios foi a ovação que recebeu por meio da homenagem que recebeu no começo de fevereiro no Estádio Kleber Andrade em Cariacica.

“Ele é um patrimônio para todos nós. O famoso ‘Pequeno Príncipe’ que na minha infância tive oportunidade de chegar dos treinos e ver o profissional treinando ali, com Geovani no campo. E quando eu subo para o profissional ainda pego um pouquinho dele comigo lá. É um ídolo pra gente. Tá na história do Vasco, um dos maiores camisas 8 que nós tivemos”, comentou Pedrinho.

Sem dúvida, Pedrinho. O futebol agradece por tudo o que Geovani fez como jogador profissional.

O GOL DO GUSTAVO MARTINS

por Cláudio Lovato Filho

O gol do Gustavo Martins deve ter feito o André Catimba sorrir lá em cima.

E talvez dizer, com aquele sotaque baiano dele (quem sabe lembrando de um célebre gol de bicicleta de autoria dele, no Olímpico, em cruzamento do Eurico): “Rapaz, o que foi que você fez?”

O gol do Gustavo Martins foi um daqueles momentos em que o futebol nos diz assim: “É por isso que vocês não conseguem passar sem mim”.

Veja bem: o gol foi uma pintura, resultado de um – como dizem os comentaristas de hoje – “gesto técnico” perfeito.

Mas havia, além disso, toda a circunstância que o envolveu: 51 minutos do segundo tempo, a desvantagem de um jogador a menos em campo desde o final do primeiro tempo e de dois gols no placar, o que impediria o time de ir à final e de continuar lutando pelo octacampeonato estadual.

“Eu sou eu e as minhas circunstâncias”, escreveu o filósofo José Ortega y Gasset. “E se não salvo a elas, não salvo a mim também”.

Então, como era preciso salvar as circunstâncias e a todos nós, dá-lhe pressão e pressão e mais pressão, e eis que, na base do sufoco, acontece um escanteio.

Pavón bate, Villasanti apara de cabeça dentro da grande área e manda para Edenilson, que cabeceia de volta para o bolo, e a bola está lá no alto e Gustavo Martins, o Carioca, guri da base, zagueiro bom de bola, de costas para o gol se lança ao ar e dá a pedalada, e que bicicleta sensacional, e a bola entra no canto, à direita do goleiro.

O gol do Gustavo Martins deve ter feito o Tarciso erguer os braços e sair vibrando lá em cima, como tantas e tantas vezes fez aqui embaixo.

E quem sabe dizer, com o conhecimento de causa e o orgulho de jogador que mais vezes vestiu a camisa do clube: “Isto é o Grêmio!”

O gol do Gustavo Martins foi coisa de espírito de luta e coragem, de talento e autoconfiança.

Foi muito louco.

E deve ter feito o mestre Ênio Andrade se lembrar, lá em cima, das palavras que disse a Renato Sá quando o mandou a campo na final do Brasileiro de 1981, no Morumbi. “Renato, vamos fazer uma correria ali no meio”.

Alguns analistas de arbitragem disseram que o gol deveria ter sido anulado, por jogo perigoso. Bom, um gol desses, épico da maneira como foi, não estaria completo se não envolvesse polêmica. O que eu vi é que o jogador do Juventude buscou, desesperadamente, o contato do rosto com a perna do Gustavo, na tentativa de descolar uma falta. Basta rever o lance para constatar. Minha opinião é compartilhada inclusive por pessoas que não torcem para o Grêmio.

Mais que tudo, o gol do Gustavo Martins foi um presente para a torcida e uma homenagem aos ídolos do passado.

O Fortim da Baixada, o Olímpico e a Arena estavam naquele gol. Lara e Everaldo participaram dele, e também Airton e Alcindo e Gessy…      

O gol do Gustavo Martins fez coroas sessentões voltarem a ser crianças e fez crianças de 12 anos olharem para o céu com ar de velhos sábios calejados pela vida.

Todos felizes em torno de um escudo, de uma camisa, de uma História repleta de peleias e conquistas.

Um História de luta sem fim.

ILUNGA MWEPU: O HERÓI DESCONHECIDO QUE SALVOU A VIDA DE UMA SELEÇÃO

por Israel Cayo Campos

Sempre digo que quem acha que futebol e política não se misturam, ou é ingênuo, ou mal intencionado. 

Copa do Mundo da Alemanha Ocidental, ano 1974, primeira Copa do Mundo em dezesseis anos sem a participação de Pelé. Todos queriam assumir seu trono! Dentre esses, os geniais Franz Beckenbauer e Gerd Müller, além do holandês Johan Cruyff, com sua seleção de futebol total. 

Mas poucos desconhecem um herói ainda maior do que os citados anteriormente, o jogador da ex República do Zaire (atual República Democrática do Congo) chamado Ilunga Mwepu. 

Antes de falar de nosso herói, precisamos falar de uma outra figura, essa ao contrário de Mwepu, um dos seres mais desprezíveis que já passaram nesse planeta, o ditador Mobuto Sese Seko. O homem que aproveitou a descolonização belga sobre a rica região do Congo e tomou o poder do país por meio de um golpe militar! Mudando até o nome do país para República do Zaire. 

Como muitos ditadores fizeram na história, o esporte era uma forma de mostrar ao mundo o poder de desenvolvimento de sua nação. No caso de Mobuto, o investimento foi no futebol, o ditador aproveitou os talentos surgidos nos clubes e passou a investir na imagem da seleção nacional de futebol de seu país, chamando assim a atenção do resto do mundo para o Zaire e consequentemente, seu governo.  

Mwepu atuou pelo o Mazembe (aquele mesmo, torcedor do Internacional de Porto Alegre!), time do lateral direito, venceram o bicampeonato da Copa Africana dos Campeões em 1967 e 1968 (atual Champions League da África) e mesmo jovem, virou um dos principais jogadores de seu país. 

Já no início de 1974, o Zaire, que sediava o torneio continental graças a influência de Mobuto, se tornava pela primeira vez com esse nome (já havia vencido sem Mobuto no poder ainda como República Democrática do Congo), a Copa Africana de Nações. Era a consagração dos “Leopardos”, apelido referente ao animal símbolo do país. 

Um pouco antes, Mobuto, que nos intervalos das carnificinas que realizava em seu país curtia futebol, conseguiu por meio de investimentos “governamentais” que a seleção do Zaire conquistasse algo ainda mais importante: Classificar a “Os Leopardos” para a Copa do Mundo de 1974.

Com o processo de independência de muitas ex-colônias africanas, a FIFA passou a aceitar seleções do continente com classificações diretas ao Mundial, ou seja, sem a necessidade de que o classificado do continente ainda passasse por alguma repescagem mundial. Sendo o Marrocos o primeiro classificado direto em 1970 e o Zaire de Mobuto o segundo para 1974.

O futebol era uma forma bem sucedida de divulgar o seu governo “moderno” para o mundo… 

O Zaire chega ao mundial de 1974 num grupo que continha Escócia, Iugoslávia (país também já extinto!) e simplesmente o único tricampeão mundial e atual campeão do torneio, o Brasil. Era um grupo forte e ninguém esperava a classificação da seleção africana! Porém, com uma seleção forte e experiente dentro de seu continente, muitos acreditavam numa possível surpresa. 

Dentre esses, talvez estivesse o ditador do país, que após tantas conquistas, convidou toda a Seleção e comissão técnica para viver do palácio presidencial, com tudo do bom e do melhor. 

Além disso, Mobuto prometeu muitos presentes aos jogadores como casas, carros de luxo e outros bens que obviamente em um país do antigo “terceiro mundo”, animou os jogadores do Zaire, bem como a comissão técnica que contava com o treinador iugoslavo Blagoje Vidinic, um ex goleiro que fora contratado por seu ótimo trabalho que levou o Marrocos ao seu primeiro mundial quatro anos antes… Parecia um conto de fadas para aqueles jovens atletas do país africano que sonharam ganhar a vida com o futebol! 

Começa o mundial da Alemanha Ocidental e a Seleção do Zaire estreava contra a já experiente Escócia. Apesar de ter começado muito bem a partida, e quase ter aberto o placar, a Escócia aproveitou sua experiência no jogo aéreo típica dos países do Reino Unido e venceram por dois a zero.

Enquanto isso, brasileiros e iugoslavos começaram o mundial com um empate sem gols. 

Só que no segundo jogo, o conto de fadas passou a cair por terra! A comissão técnica e seus jogadores descobriram que todas as promessas de Mobuto eram falsas! Que todo o dinheiro para casas, carros, viagens e outras mordomias já havia sido roubado pelos dirigentes da Federação de Futebol do Zaire e pelo próprio Mobuto! E esses não pagariam os prêmios prometidos somente pela participação do país no mundial!  

Isso obviamente irritou os jogadores do Zaire, que insatisfeitos se recusaram a entrarem em campo na segunda partida contra os iugoslavos. Contudo, a FIFA obrigou os jogadores a atuarem a contragosto com ameaças de severas multas aos jogadores. Sem nenhum apoio e nenhum centavo da federação que já havia levado o que lhes pertencia, o jeito era entrar em campo. 

Sem explicação aparente, o técnico do Zaire colocou o melhor jogador na partida contra a Escócia no banco (Adelard Mayanga Maku), uma situação até hoje pouco explicada! Porém, em 21 minutos de jogo, os africanos já perdiam por três a zero, todos os gols com jogadas aéreas dos iugoslavos mais fortes fisicamente! Isso ocasionou um fato pitoresco e ao mesmo tempo histórico para os mundiais, o técnico Vidinić tirou Mwamba Kazadi para colocar o reserva Dimbi Tubilandu. Era a primeira substituição de goleiros na história das Copas do Mundo. O que não adiantou muita coisa… 

Em um lance de muita sorte (e mais a frente saberemos o motivo), o árbitro Omar Delgado expulsou por engano o zagueiro Josip Katalinski do Zaire por tentativa de agressão após o quarto gol iugoslavo, onde o time africano ficou pedindo impedimento. Contudo, a expulsão foi um engano do juiz colombiano, que confundiu o zagueiro expulso com o lateral Ilunga Mwepu, que fora quem de fato tentou o agredir! Com um a menos e desmotivados, a vaca do Zaire foi pro brejo. O jogo terminaria com incríveis nove a zero para a Iugoslávia, uma das maiores goleadas da história dos mundiais. 

Tal vexame mundial irritou o ditador Mobuto. E o próximo adversário, que apesar de não estar bem no mundial era o atual campeão do mundo Brasil, que ainda contava com oito campeões do mundo de quatro anos antes (fora novos craques!), era um presságio de uma nova goleada! Mas os homens de Mobuto tinham uma outra ideia para esse jogo… 

A mando do ditador, a concentração da delegação do Zaire foi invadida. Os homens levavam apenas uma ameaça para todos os membros da seleção africana. Se estes perdessem por quatro gols ou mais, todos seriam mortos! E se tentassem fugir, suas famílias seriam exterminadas. Tecnicamente inferiores a uma Seleção brasileira que precisava vencer por ao menos três gols para se classificar, o jogo se tornara caso de vida ou morte. 

O Brasil entrava por sua honra de campeão do mundo, treinado pelo então atual técnico campeão do mundo, Zagallo, de não cair na primeira fase para os escoceses e iugoslavos. Já os jogadores do Zaire jogavam pelas suas vidas e pelas de seus familiares. E o desespero só aumentou quando aos 12 minutos Jairzinho abria o placar para os brasileiros. Parecia que viria outra goleada histórica… 

Enquanto os jogadores davam sua vida para não tomar mais gols, a Seleção Brasileira parecia que também sentia o peso de conseguir o placar mínimo para sua classificação. Só aos 21 minutos do segundo tempo, com sua “patada atômica” ainda afiada, Rivellino faria o segundo gol brasileiro. A corda estava sendo esticada no pescoço da Seleção do Zaire. 

Aos 33 minutos do segundo tempo, uma falta perto da área para o Brasil. Entre ótimos batedores que nossa Seleção sempre possuiu, estava nada mais nada menos que Rivellino e seus fortes chutes de esquerda! Com um goleiro abalado, e com jogadores tomados pelo desespero, lutando por suas vidas e não mais por prêmios em dinheiro, a angústia pelo que poderia ocorrer tomou conta dos africanos. E aí vem o ato de heroísmo! 

Enquanto o “patada atômica” ajeitava a pelota para o gol da classificação brasileira, eis que surge do meio de uma barreira se tremendo e mal posicionada o herói da história: Ilunga Mwepu, que como dito nem era para estar em campo nesse jogo por um erro do juiz colombiano que expulsou outro jogador quando quem deveria ser expulso era ele, sai correndo em direção a bola e dá um bico na mesma que deve ter ido parar no gol de Emerson Leão. Aquilo não fazia o menor sentido para quem assistia! 

Parecia que os jogadores do Zaire não conheciam as regras do jogo, eram amadores, que era prematuro demais garantir uma vaga direta para um continente onde os jogadores sequer conheciam as regras do jogo… Mas é claro que Mwepu conhecia as regras do jogo e sabia o que estava fazendo: Garantindo tempo! Atrasando o jogo e obviamente salvando ele toda a sua seleção de uma morte certa. 

Ele novamente foi poupado por um árbitro, que só lhe aplicou o cartão amarelo. Se fosse expulso, ficaria mais fácil uma goleada brasileira. Mas sua atitude de desespero e sobrevivência conseguiu ganhar tempo para os africanos, mesmo que fosse na “cera”. 

Só que o Brasil ainda precisava de um gol para sua classificação e esse veio:  Aos 34 do segundo tempo, um minuto após o desespero de Mwepu, Valdomiro, que havia entrado no lugar de Leivinha, chuta despretensiosamente quase que sem ângulo na ponta direita do ataque brasileiro. Mas o goleiro Muamba Kazadi resolve entregar o ouro numa falha absurda. Era o terceiro gol do Brasil e o de sua classificação! Mas também era o último gol que os jogadores do Zaire poderiam sofrer se ainda quisessem manter suas vidas! Se pudessem dialogar, talvez até combinassem tal resultado como bom para ambos, mas como ninguém falava o idioma do adversário, o Brasil partiu para cima nos dez minutos finais. 

Os nossos jogadores sabiam que classificar no limiar sobre uma seleção fraca que no jogo anterior perdeu por nove gols era crítica na certa! No Brasil não adianta só vencer, é necessário vencer e vencer bem! Ainda mais contra uma seleção tecnicamente fraca. E aí começa o desespero dos jogadores do Zaire. Cada minuto parecia uma hora em suas cabeças, e a Seleção brasileira não parecia não querer aliviar para os africanos. 

Após o terceiro gol que os classificaria, mesmo não aliviando para o Zaire, parece que aquele lance chamou a atenção dos brasileiros de alguma forma, tanto que aos poucos diminuíram o ritmo. Provavelmente, muitos pensaram nos jogos que enfrentariam na segunda fase, ou como jogador conhece o outro, passaram a perceber que havia algo de confuso numa seleção a lutar com tanta obstinação para não sofrer mais gols mesmo já perdendo por três. 

Aos poucos, parecia que se contentaram com o placar. Final bom para ambas as partes! O Brasil se classificou em segundo do grupo, e o Zaire por meio da bicuda e cera de Ilunga Mwepu conseguia algo muito mais importante do que seguir ou até vencer uma Copa do Mundo: Salvar a vida de toda a equipe. Uma derrota “digna” para um estreante diante da melhor Seleção do planeta até então. 

O tempo passou e as críticas permaneceram em cima de Ilunga Mwepu e sobre o futebol da África. Como jogadores de Seleções desse nível poderiam jogar uma Copa do Mundo? Vários ataques racistas a Mwepu e a Seleção do Zaire foram aparecendo com o tempo devido àquele lance, mas com Mobuto no poder, só cabia ao nosso herói sofrer as injúrias em silêncio. 

Mesmo que tivessem suas vidas poupadas, o último lugar no quadro geral da Copa fez com que nunca mais conseguissem empregos como jogadores e até trabalhassem com o futebol! Mas aquele chute desesperado de Mwepu ao menos permitiu que eles vivessem, bem como seus familiares! Um ato bem mais heróico do que qualquer jogador que fez gol em uma final de Copa! Salvou a vida de seus companheiros! 

Se Rivellino marcasse aquele gol de falta, e em seguida o goleiro engole aquele “frango” do Valdomiro, provavelmente nenhum deles estaria aqui para contar a história! Um anti-jogo santo! 

Já para o ditador Moputo Sese Seko, a vida foi bem mais “positiva”. Pois apesar de seus crimes, esse ficou no poder até maio de 1997, vindo a falecer em setembro do mesmo ano. Após a Copa de 1974, se desiludiu com o futebol e já não usava o esporte como um exemplo de sua gestão no país. Após sua deposição, o Zaire voltou a ser chamado de República Democrática do Congo… Ele nunca pagou pelos crimes que cometeu! 

Já o nosso herói do anti-jogo que salvou vidas, Ilunga Mwepu, só pode falar o motivo daquela atitude até então sem sentido após a saída do ditador do poder e deu os detalhes daquele jogo histórico que o selecionado do Zaire viveu contra o Brasil em uma luta desesperada por suas vidas num duelo de Davi e Golias. Lamentou que gostaria de ter estudado mais para se tornar um bom fazendeiro e infelizmente veio a falecer em 08 de maio de 2015, em seu país natal renomeado como citado no parágrafo anterior. Que descanse em paz… 

Há um ditado judeu que ficou bem famoso dado ao filme “A Lista de Schindler”, ditado esse que é oriundo do Talmud e que diz que “Quem salva uma vida, salva um mundo inteiro”. Mesmo jogando sua honra como jogador e até colocando em xeque a validação do futebol africano, em especial da África Negra por décadas, que Ilunga Mwepu seja visto como de fato o foi: Um herói que ajudou a salvar a vida de seus colegas e de suas famílias. Que todo preconceito contra o limitado jogador, mas grande ser humano, se reverta em honras para alguém que de fato fez de tudo por seus companheiros na frente do mundo todo que por muito tempo lhe foi injusto.  Que descanse em paz, herói!