APREENSIVO
por Elso Venâncio

O semblante fechado do técnico Dorival Júnior na beira do campo reflete o atual momento da Seleção Brasileira. Rafinha, Vinicius Júnior e Rodrygo são astros mundiais e titulares em qualquer time ou seleção do planeta, assim como Neymar, ainda fora por lesão. Mas, falta ao Brasil confiança, que só se constrói com um esquema de jogo definido. Por isso os craques em questão são decisivos nas equipes, mas não na Seleção. Ainda temos Endrick, principal goleador no início da era Dorival. Uma recente postagem nas redes sociais de Cíntia Souza, mãe do atacante, indica problemas do filho com a comissão técnica. Ela fala de forma enigmática em “dias difíceis”. A história de esquentar o banco para Matheus Cunha, por ter 11 centímetros a menos, é ridícula.
Sob comando de Raphinha, que pode resgatar a importância do camisa 10 no futebol brasileiro, a Seleção começou bem contra a Colômbia. Mas surgiu o apagão e, com ele, o gol do empate. No segundo tempo, os colombianos foram melhores, ainda que Vinicius Júnior tenha garantido a vitória brasileira nos acréscimos.
O código de ética da CBF permite que pai e filho trabalhem juntos? Sim, o auxiliar do Dorival é Lucas Silvestre. Os dois estão lado a lado há 10 anos. Aliás, o gaúcho Tite já teve o seu primogênito, Matheus Bachi, como assistente em duas Copas. Segundo Tite, ele é quem cuida do setor defensivo nos seus times.
Voltando a Dorival, é natural que esteja apreensivo, pois a Copa do Mundo já é ano que vem. Por mais que tenha subido da quinta para a terceira colocação nas Eliminatórias, a Seleção continua travada, sem conseguir convencer mesmo nas vitórias.
No futebol, é fundamental ter esquema e time definidos. Basta lembrar o que fez João Saldanha, em 1969, quando assumiu a Seleção Brasileira. Logo na primeira coletiva veio a pergunta: “Você já pensou em quem convocar para as Eliminatórias?”. O “João sem medo” tirou do bolso da calça um papel amassado, colocou os óculos e apontou o dedo para os jornalistas:
— Anotem aí os titulares! Félix; Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel Camargo e Rildo; Piazza e Gérson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. Quero 11 feras em campo!
Assim nasceu a equipe imortalizada como “As Feras do João”, abrindo o caminho para a conquista do tricampeonato mundial, México, em 1970.
Vamos agora enfrentar a Argentina, nosso maior rival. Você apostaria no Brasil?
CARTA ABERTA A MÁRIO BITTENCOURT
por Zé Roberto Padilha

Caro Presidente. Bom dia.
Sei que não foi formado nas divisões de base do clube, muito menos teve como mestres Zezé Moreira, Píndaro, Pinheiro e Telê Santana. Desse jeito, fica mesmo difícil explicar o que é ver crescer, dentro de você, o amor pelo Fluminense.
Eu, e minha geração, com Abel, Nielsen, Rubens Galaxe, Cleber, Pintinho, Edinho chegamos ao clube aos 16 anos. E o deixamos com 24 anos. Percorremos cada vestiário, bar do Fidelis, cantinho do Ximbica e Salão Nobre, com vitrais franceses.
Mais do que títulos, nos formamos em dignidade, respeito ao clube, aos adversários e à profissão. Jamais fomos expulsos de campo porque fidalguia e gentileza caía na prova. Além de jogadores, nosso clube formava homens. Cidadãos do bem.
Esse legado, de Preguinho, Valdo e Denilson, de tão nobre, não encontrou ainda uma palavra que explique a você, presidente, o que é, de fato, ser Fluminense.
Por ter essa essência estampada na alma, não nas bets, no balanço e distribuição de lucros, como na Petrobras, é que se torna impossível, acredite, ao Fluminense se tornar um clube empresa.
O nosso lucro sempre foi buscado durante os 90 minutos. Não na venda de um Luiz Henrique e Almada, porque Textor corre atrás de lucros. E joga no lixo e descarta um time quase imbatível. Entrosado. E entrosamento vem com o tempo, dentro de campo. Não na Bovespa.
Definitivamente, pergunte ao Pedrinho, SAF combina com RedBull Bragantino. É o produto à frente do clube. De clubes que se unem e trocam mercadorias, não jogadores. E formam atletas frios e calculistas que passam a beijar a logo, não ao escudo.
Caro Presidente, esqueça a SAF. Dê uma volta na sala de troféus e veja o quanto minha geração conquistou, por amor ao clube e respeito a nossa camisa. E por aí deixaram suor e levaram gratidão e saudades de volta.
O ser Fluminense transcende o ser lucrativo que toda empresa busca. Ele vai além porque carrega a paixão, a tradição pelas ruas, cidades e arquibancadas por todo o nosso país. Tente, hoje, ser diferente. No lugar de ir ao seu gabinete encontrar investidores, vista nossa camisa e dê uma volta correndo em torno do campo.
Jamais vai sentir a emoção que senti quando Rivelino, no final da prorrogação, soltou uma bomba, venceu o País, e conquistamos a, então, cobiçada Taça Guanabara sobre o América. Há 50 anos, com a Máquina Tricolor.
Mas você vai perceber um vazio. Um silêncio danado à sua volta. Porque do cofre de uma SAF só sai dividendos. Porque da torcida, única e envolta pelo pó-de-arroz, historicamente só sai amor ao clube.
Uma pena que você, que não recebeu essa energia dentro de campo, continue a pensar que ações poderão substituir essa bonita e inexplicável paixão. Entender o que Francisco Horta percebeu mais do que você.
Vencer ou vencer, não render ou render.
NOVA CARTA AO TORCEDOR VETERANO
por Cláudio Lovato Filho

Passa o tempo, você envelhece, mas a emoção continua.
Ainda que alguns de nós digamos que não, que já foi bem melhor, que no nosso tempo que era bom etc etc etc.
Sempre vai ser bom.
E, mesmo que quisesse, você não conseguiria viver sem isso.
A loucura pela camiseta, pelo escudo, pela bandeira nunca morre.
Nunca vai morrer.
Isso é coisa que vem de longe, da infância; vem de antes mesmo de termos nascido.
Está no sangue, na alma, nos dedos cruzados, no soco no ar, no palavrão impossível de segurar.
Está na pele e chega até os ossos, aos nervos, ao centro da existência.
É assim mesmo: ainda hoje, depois de todas essas décadas, você acorda pensando no jogo, no clássico que não se pode perder de jeito nenhum.
E, quando percebe, já está nervoso e não consegue pensar em outra coisa.
A chegada ao estádio, a subida da rampa, as luzes, o canto da torcida, o coração batendo como um bumbo.
Ou então no recolhimento do lar, que se transforma em estádio; a poltrona que vira arquibancada; o coração saltando para dentro da TV; o xingamento em altos brados, como se o juiz pudesse ouvi-lo (e o vizinho que se estrepe!).
É, meu amigo, eu sei e todo mundo sabe: mesmo que quisesse você não conseguiria viver sem isso.
Porque está na sua essência. Não é que esteja em você; é você.
É você.
A você, meu amigo, faço novamente a pergunta de Neruda (já sabedor da resposta, é claro):
“Onde está o menino que fui
Segue dentro de mim
Ou se foi?”
(A primeira carta, escrita em 2019.)
ECOS DE UMA DESPEDIDA
por Zé Roberto Padilha

Sou festeiro, vocês sabem, durante meus 21 anos como diretor à frente do CAER o que não faltou foram Bailes à Fantasia, Gincanas, de aniversários, shows da nossa gloriosa MPB. Fora os desfiles do Bloco da Barão no nascedouro de cada ano novo.
E para meu jogo de despedida do futebol não faria diferente. Convidei Zico e Rivellino para a partida, os dois maiores craques com quem joguei.
Zico, agenda cheia, disse que só tinha data um ano depois. Que dia e mês do ano que vem? Perguntei. E ele veio com o Master do Flamengo, completinho. E Rivellino, a quem dei todo um ano para se organizar, jogou ao meu lado e dos atletas que atuaram em Três Rios.
Foi uma festa incrível, em dezembro de 1997, com recorde de público no Estádio Odair Gama. E o Master do Flamengo, com Andrade, Adilio, Zico e Junior, com Cláudio Adão e Júlio César mais à frente, meteu 5×0. Só no primeiro tempo.
No intervalo, Rivellino, que jamais soube perder, estava irritado. Quando me aproximei, desabafou: “Zé, que time é esse que você convocou?”. “São meus amigos aqui de Três Rios!”, respondi.
Antes de embarcar rumo ao aeroporto, João Botão, meu primo saudoso e querido o levou, mas antes levei um puxão de orelhas : “Amigos a gente leva para o botequim. Para o campo, quem sabe jogar!”.
O pior é que meus amigos sabiam jogar, mas contra o Campeão Mundial de Clubes, completinho, foi impossível.
Como nunca mais vi o bigode, digo, Príncipe das Laranjeiras, essa frase ficou martelando na minha consciência.
E a partida terminou 9×0. Ainda bem que a esta altura da goleada, reforçados de Elói, Paulinho Carioca e Caio Cambalhota, ele estava no voo da Ponte Aérea, bem longe do Estadio Odair Gama.
Depois, só restou-me, ao lado dos meus goleados amigos, aceitar seu conselho. E sair em busca de um botequim.
LE COQ SPORTIF – COMO VIRAR O JOGO?
por Idel Halfen

Quem assistiu aos Jogos Olímpicos de Paris 2024 e ficou atento aos fornecedores de material esportivo, percebeu que todos os atletas franceses vestiam uniformes da Le Coq Sportf nas cerimônias de premiação e alguns também o faziam nas competições de modalidades, como voleibol, hockey e rugby, por exemplo. Um investimento de tal magnitude certamente envolveu cifras significativas, daí ter causado estranheza para muitos a notícia de que a marca francesa, fundada em 1882 e agora controlada pela Airesis, – gestora suíça de private equity -, anunciou que entrou em recuperação judicial. Todavia, para quem acompanha a evolução dos resultados das marcas esportivas, a notícia já era esperada diante dos sucessivos prejuízos registrados, as dívidas acumuladas e as dificuldades de fluxo de caixa.

Antes de passarmos às causas que contribuíram para que a empresa chegasse nesse ponto, vale narrar que no seu histórico a marca já foi controlada pela adidas e esteve presente em eventos como Tour de France, além de uniformes de atletas como os tenistas Yannick Noah e Artur Asche, o ciclista Bernard Hinault e times como o Fluminense e as seleções vencedoras das Copas do Mundo em 1982 e 1986 – Itália e Argentina.
Mas vamos à análise sobre a gestão da Le Coq Sportif.
O fato de terem optado por produzir na França, embora, de alguma forma fortaleça a imagem do país, fez com que os custos ficassem mais elevados, o que, evidentemente, deixou seus produtos menos competitivos quando comparados às marcas globais. Daí derivou-se para a forte dependência em relação ao mercado doméstico, limitando assim a capacidade de geração de receitas.
Podemos ainda incluir entre as causas, uma menor atenção ao consumidor final, o que trouxe prejuízo à renovação de clientes e à fidelidade dos remanescentes.
A falta de uma proposta de valor mais clara, prejudicou o posicionamento, deixando-a oscilando entre ser uma marca de lifestyle (moda casual) e esportiva de alto rendimento.
A própria qualidade dos produtos também foi afetada, fruto dos baixos investimentos em inovação e tecnologia, postura diametralmente oposta a dos seus concorrentes.

No que tange à comunicação, a marca não acompanhou as mudanças que deixaram o digital como ferramenta de extrema importância para atingimento do público jovem, além do que, muitas das iniciativas de patrocínio tentaram remeter aos sucessos do passado, o que nem sempre é possível quando se fala para públicos diferentes.
Por fim, ainda que a logo remeta a uma marca icônica, o design das peças careceu de uma identidade visual mais atraente.
A correção desses pontos, evidentemente, não é garantia de reversão, mesmo porque as falhas citadas vieram desacompanhadas de soluções. Não basta simplesmente admitir que a identidade visual das peças não estava atraente, é preciso encontrar uma que seja. Da mesma forma que não adianta falar em tecnologia, se essa não for inovadora o suficiente.
A recuperação judicial permitirá a empresa respirar, ainda que por aparelhos e, quem sabe, permita sair desse mau momento como Texaco, GM e Apple, por exemplo saíram, mas para que isso aconteça, uma boa gestão de marketing será mandatória.